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Procº nº 811/93.         
 
 2ª Secção.
 Relator: Consº BRAVO SERRA.
 
  
 
  
 I 
 
  
 
  
 
                         1. Na sequência de um acidente de trabalho que vitimou 
 C..., foi instaurado no Tribunal do Trabalho de Aveiro o respectivo processo, 
 tendo sido deprecada ao Tribunal do Trabalho da Covilhã a realização de 
 tentativa de conciliação entre a viúva do sinistrado, M... ‑ por si e em 
 representação dos filhos menores da vítima ‑ e a Companhia de Seguros A ... e, 
 além disso, a tomada de declarações àquela viúva.
 
  
 
                         Realizada a conciliação e tendo a M... declarado 
 pretender que os autos passassem a correr seus termos no Tribunal do Trabalho da 
 Covilhã, foi acordado que a seguradora prestasse à viúva da vítima a pensão 
 anual e vitalícia de Esc. 238.340$00 ‑  correspondentes a 30% da retribuição 
 anual de Esc. 850.882$00 que esta última auferia ‑ e a cada um dos filhos as 
 pensões anuais e temporárias de, respectivamente, Esc. 158.893$00 (acrescida de 
 prestação suplementar a pagar no mês de Dezembro de cada ano) e Esc. 317.786$00 
 
 (também acrescida de prestação suplementar a pagar no mês de Dezembro de cada 
 ano).
 
  
 
                         Por sentença de 15 de Outubro de 1993, o Juiz do 
 Tribunal do Trabalho da Covilhã não homologou o acordo.
 
  
 
                         Fê‑lo porque se recusou a aplicar o disposto na Base XIX 
 da Lei nº 2.127, de 3 de Agosto de 1965, na redacção conferida pela Lei nº 
 
 22/92, de 14 de Agosto, normativo que, nele tendo sido estruturado o acordo 
 obtido, entendeu sofrer de inconstitucionalidade formal (por falta de audição 
 dos organismos representativos dos trabalhadores na elaboração daquela Lei nº 
 
 22/92) e material (por ofensa do princípio da igualdade consignado no nº 2 do 
 artigo 13º da Constituição).  
 
  
 
                         Quanto a este último vício, fundamentou‑se o Juiz a quo 
 na circunstância de haver um tratamento diversificado dos cônjuges das vítimas 
 mortais de acidentes de trabalho consoante se trate de viúvo ou viúva em função 
 da respectiva idade (reforma por velhice estabelecida em 65 anos para o sexo 
 masculino e 62 para o sexo feminino ‑ artº 88º do Decreto‑Lei nº 45.266, de 23 
 de Setembro de 1963).
 
  
 
  
 
                         2. Dessa sentença recorreu para o Tribunal 
 Constitucional o representante do Ministério Público, aqui tendo alegado o Ex.mo 
 Procurador‑Geral Adjunto que concluiu do seguinte modo:-
 
  
 
            '1º - Tendo sido cumprida pela Assembleia da República o dever de 
 consulta constitucional, as alíneas a) e c) do nº 1 da Base  XIX, da Lei nº 
 
 2127, de 3 de Agosto de 1965, na redacção dada pela Lei nº 22/92, de 14 de 
 Agosto, não sofrem de inconstitucionalidade formal, por vício de procedimento 
 legislativo.
 
            2º - A proibição de discriminação em razão do sexo determinada no nº 
 
 2 do artigo 13º da Constituição não significa que não possa haver desigualdade 
 de tratamento entre o homem e a mulher, sendo admissível e, até, necessário 
 estatuir normas que atendam às peculariedades do sexo.
 
            3º - Assim, a alínea a) do nº 1 da Base XIX da Lei nº 2127, de 3 de 
 Agosto de 1965, na redacção dada pela Lei nº 22//92, de 14 de Agosto, 
 estabelecendo para o cônjuge 30% da remuneração base da vítima até perfazer a 
 idade da reforma por velhice, que é, nos termos do artigo 88º do decreto nº 45 
 
 266, de 23 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto Regulamentar 
 nº 25/77, de 4 de Maio, de 62 anos para a mulher e de 65 anos para o homem, o 
 que, embora desfavorecendo este último, é justificável pelas naturais diferenças 
 entre ambos, não viola o princípio constante do artigo 13º, nº 2, da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
            4º - Deve, em consequência, conceder-se provimento ao recurso, 
 determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o precedente 
 juízo de não inconstitucionalidade.'
 
  
 
  
 II 
 
  
 
  
 
                       1. Como se viu, o Juiz do Tribunal do Trabalho da Covilhã 
 não homologou o acordo celebrado entre a viúva e a seguradora, pois que, na sua 
 
 óptica, o mesmo foi 'estruturado nas alterações introduzidas à Base XIX da Lei 
 nº 2127 de 3 de Agosto de 1965 pela Lei nº 22/92 de 14 de Agosto' e não 
 poderiam, 'no caso concreto', aplicar-se as alíneas a) e c) do seu nº 1, já que 
 tal Lei estaria 'eivada de inconstitucionalidade'.
 
  
 
                       Procederá um tal ponto de vista?
 
  
 
                       É o que se irá ver.
 
  
 
                       1.1. Aquela Lei nº 22/92 veio introduzir nova redacção às 
 Bases III e XIX da Lei nº 2127, ficando as referidas alínea a) e c) do nº 1 
 daquela última disposição com a seguinte redacção:-
 
  
 
             '1 - Se do acidente de trabalho ou da doença profissional resultar a 
 morte da vítima receberão as seguintes pensões anuais:
 
                         a) Cônjuge - 30% da remuneração base da vítima até 
 perfazer a idade de reforma por velhice e 40% a partir daquela idade ou no caso 
 de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de 
 trabalho;
 
                         b)..................................
 
                         c) Filhos, incluindo os nascituros, até perfazerem 18 ou 
 
 22 e 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou 
 curso equiparado ou o ensino superior, e os afectados de doença física ou mental 
 que os incapacite para o trabalho - 20% da retribuição base da vítima se for 
 apenas um, 40% se forem dois, 50% de forem três ou mais, recebendo o dobro 
 destes montantes, até ao limite de 80% da retribuição da vítima, se forem orfãos 
 de pai e de mãe;
 
                         d).................................'
 
  
 
  
 
                       Como se alcança da exposição de motivos da proposta de lei 
 nº 7/VI, que viria a dar lugar à Lei nº 22/92, foi desiderato do Governo, como 
 proponente, de entre o mais, adequar as normas constantes da Base XIX da Lei nº 
 
 2127 ao 'preceito constitucional de igualdade de tratamento em função do sexo', 
 tendo em conta a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória 
 geral, proferida pelo Acórdão nº 191/88, publicado no Diário da República, 1ª 
 Série, de 6 de Outubro de 1988 (no Diário da Assembleia da República, II Série- 
 A, nº 10, de 8 de Janeiro de 1992, alude-se tão somente, ao transcrever-se a 
 referida proposta de lei, ao 'acórdão do Tribunal Constitucional publicado no 
 Diário da República, de 6 de Outubro').
 
  
 
                       Por outro lado, e de harmonia com os elementos que 
 facilmente se podem extrair do que consta do Diário da Assembleia da República, 
 II Série-A, nº 31, de 8 de Abril de 1992, pag. 581 (que contém o Parecer das 
 Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e de 
 Trabalho, Segurança Social e Família, lavrados sobre a aludida proposta de lei) 
 e, bem assim, do mesmo Diário, I Série, nº 48, de 8 de Abril de 1992 (em que se 
 dá conta do debate, na generalidade, daquela proposta- cfr., maxime, pag. 1536), 
 
 é-se conduzido a concluir, sem que dúvidas, nesse particular, se levantem, que, 
 previamente à aprovação parlamentar daquilo que veio a constituir a Lei nº 
 
 22/92, a Assembleia da República procedeu, ex vi dos artigos 54º, nº 5, alínea 
 d), e 56º, nº 2, alínea a), da Constituição, do artº 143º do Regimento da 
 Assembleia da República e dos artigos 3º a 6º da Lei nº 16/79, de 26 de Maio, à 
 discussão pública do «projecto legislativo» em causa.
 
  
 
                       Sendo assim, como é, e dando como assente que a matéria 
 
 ínsita na Lei nº 22/91 é de perspectivar como legislação de trabalho (cfr., 
 sobre a noção desta legislação Gomes Canotilho e Vital Moreira, 'Constituição da 
 República Portuguesa Anotada', 3ª edição, pág. 296, Barros Moura, 'Direito do 
 Trabalho - Notas de Estudo', 189 a 197, e 'Compilação de Direito de Trabalho 
 Sistematizada e Anotada', 39 e 40, Monteiro Fernandes, 'Noções Fundamentais de 
 Direito do Trabalho', 1º Vol.,28 e 29, Parecer da Procuradoria-Geral da 
 República nº 219/78, publicado no 'Boletim do Ministério da Justiça', nº 286, 
 
 147 e seguintes e, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal números 31/84, no 
 
 'Diário da República', 1ª Série, de 17 de Abril de 1984, 117/86, idem, idem, de 
 
 19 de Maio de 1986, 451/87, idem, idem, de 14 de Dezembro de 1987, 15/88, idem, 
 idem, de 3 de Fevereiro de 1988, 107/88, idem, idem, de 21 de Junho de 1988, 
 
 201/89, idem, 2ª Série, de 21 de Janeiro de 1981, 262/90, idem, 1ª Série, de 20 
 de Dezembro de 1990, 64/91, idem, idem, de 11 de Abril de 1991 e 430//93, idem, 
 idem, de 22 de Outubro de 1993), então torna-se nítido que o vício de 
 inconstitucionalidade formal que a decisão sob censura detectou naquele diploma 
 não tem a mínima razão de ser.
 
  
 
                       Não procede, desta arte e no ponto em causa, a 
 fundamentação carreada naquela decisão.
 
  
 
  
 
                       2. No entanto, e como acima se assinalou, essa decisão não 
 se estribou unicamente no vício de inconstitucionalidade formal como base da 
 recusa de aplicação da Base XIX, nº 1, alínea a), da Lei nº 2127, na redacção 
 que lhe foi dada pela Lei nº 22/  /92.
 
  
 
                       Fê-lo, também, viu-se já, por considerar que a norma 
 
 ínsita naquela alínea violava o nº 2 do artigo 13º da Constituição, ou seja, por 
 ali se consagrar a permissão de 'tratamento diversificado dos cônjuges das 
 vítimas mortais de acidente de trabalho conforme se trate de cônjuge-viúvo ou de 
 cônjuge-viúva e simplesmente por referência à idade'.
 
  
 
                       Se bem se interpreta o raciocínio efectuado, neste 
 particular, na impugnada decisão, a desigualdade detectada na norma da alínea a) 
 do nº 1 da Base XIX da Lei nº 2127 (redacção ora vigente), reside na 
 circunstância de, estando actualmente fixada na Caixa Nacional de Pensões em 62 
 anos a idade normal de reforma dos beneficiários do sexo feminino e em 65 anos a 
 idade normal de reforma para os beneficiários do sexo masculino, ponderando que 
 o preceito em questão estabelece que os cônjuges das vítimas mortais de 
 acidentes de trabalho ou de doenças profissionais perceberão 30% da remuneração 
 base dessas vítimas até atingirem a idade da reforma, passando a perceber 40% de 
 tal remuneração a partir dessa idade, isso significará que as cônjuges viúvas 
 auferirão a percentagem mais elevada - 40% - mais cedo do que os cônjuges viúvos 
 em idêntica situação.
 
  
 
  
 
                       2.1. Torna-se evidente que a estatuição da alínea a) do nº 
 
 1 da Base XIX da Lei nº 2127, em si, não contém qualquer discriminação em 
 relação do sexo.
 
  
 
                       Na realidade, o que ali se prescreve é que o cônjuge 
 vítima mortal de um acidente de trabalho ou de uma doença profissional tem 
 direito a uma determinada percentagem da remuneração base da vítima até perfazer 
 a idade de reforma por velhice e a uma outra após ela, sem que se estabeleça 
 qualquer diferenciação quanto às percebendas percentagens em função do sexo.
 
  
 
                       É só da circunstância de no nº 2 do artº 88º do Decreto nº 
 
 45.266, de 23 de Setembro de 1963, na redacção dada pelo artº 1º do Decreto 
 Regulamentar nº 25/77, de 4 de Maio (inserido na Secção VI do seu Capítulo V e, 
 assim, não revogado pelo Decreto-  -Lei nº 322/90, de 18 de Outubro), se 
 considerar que na Caixa Nacional de Pensões a idade normal da reforma é a de 65 
 anos para os beneficiários do sexo masculino e os 62 para os do sexo feminino, 
 que a concreta aplicação do normativo ínsito na alínea a) do nº 1 da dita Base 
 XIX pode acarretar que a cônjuge viúva, eventualmente, venha a ser beneficiária 
 da percentagem de 40% da remuneração base do seu falecido marido ao atingir uma 
 idade que, caso se tratasse de cônjuge viúvo e em causa estivesse o decesso de 
 sua mulher, ainda lhe não conferiria direito a idêntica percentagem.
 
  
 
                       Daí que, verdadeiramente, a diferenciação exista, não na 
 norma da alínea a) do nº 1 da Base XIX da Lei nº 2127, mas sim naqueloutra 
 constante do referido nº 2 do artº 88º do Decreto Regulamentar nº 25/77, pois 
 que, se esta fixasse a idade da reforma de todos os beneficiários, 
 independentemente do respectivo sexo, no mesmo número de anos, da mera aplicação 
 daquela alínea não resultaria nenhuma diversificação respeitantemente à 
 percepção da percentagem de 40% da remuneração base da vítima por banda do 
 cônjuge supérstite.
 
  
 
                       Todavia, é da conjugação dois normativos que resulta a 
 diferenciação surpreendida pelo Juiz a quo na norma complexa que descortinou, 
 pelo que se impõe que se analise se essa diferenciação, objectivamente 
 existente, tem ou não justificação bastante, o que o mesmo é dizer se ela 
 contraria ou não o princípio que defliu do nº 2 do artigo 13º da Constituição.
 
  
 
  
 
                       2.2. Como se escreveu no já citado Acórdão nº 191/88, 'no 
 n.º 2 do artigo 13.º da CRP ... elenca-se, ainda que de modo meramente 
 enunciativo, uma série de factores em função dos quais é proibido priveligiar, 
 beneficiar, prejudicar ou privar qualquer cidadão em relação aos outros'. Por 
 isso, acrescentou-se naquele aresto, 'quando ao nível normativo se estabelece 
 uma diferenciação que se escora em um desses factores (ascendência, sexo, raça, 
 língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, 
 instrução, situação económica e condição social), será de presumir, ao menos à 
 partida, que se está perante uma discriminação constitucionalmente 
 inadmissível'.
 
  
 
                       Contudo, não se deixou de assinalar, em seguida, que, se 
 no decurso de investigação 'se apurar que a menção de um dos títulos de 
 discriminação do n.º 2 do artigo 13.º da CRP esconde, afinal, uma outra 
 motivação, que, numa análise objectiva da situação - e em ordem à realização de 
 uma sociedade mais equilibrada -, imporá que, segundo critérios próprios da 
 justiça distributiva, se ditem normações distintas para grupos diversos de 
 cidadãos, então o juízo a extrair destes dados haverá de ser diametralmente 
 oposto' [ou seja, que não haverá aí infracção ao princípio constitucional da 
 igualdade].
 
  
 
                       Na realidade, o princípio da igualdade postula a dação de 
 tratamento igual para o que é sensivelmente igual, impondo, em consequência, que 
 aquilo que se não posta como igual não venha a sofrer idêntico tratamento, 
 sabido como é que, para se utilizar as palavras empregues no Parecer nº 1/76 da 
 Comissão Constitucional (in Pareceres da Comissão Constitucional, volume 1º, 5 a 
 
 18), 'a semelhança das situações da vida nunca pode ser total', importando 
 
 'distinguir quais os elementos de semelhança que têm de registar- -se - para 
 além dos inevitáveis elementos diferenciadores - para que duas situações devam 
 dizer-se semelhantes em termos de merecerem o mesmo tratamento jurídico' (cfr., 
 sobre o princípio da igualdade, os Acórdãos deste Tribunal números 186/90, 
 
 187/90 e 188/90, publicados na 2ª Série do Diário da República de 12 de Setembro 
 de 1990, as jurisprudência e doutrina aí citadas e, bem assim, a impostação da 
 temática referente a esse princípio, tudo se dispensando agora o Tribunal, por 
 fastidioso, de aqui repetir).
 
  
 
                       Perante esta parametrização, poderá, pois, dizer-se que 
 não basta que do teor de uma dada norma resulte uma discriminação, fundada num 
 daqueles títulos exemplificativamente elencados no nº 2 do artigo 13º da Lei 
 Fundamental, para que se conclua pela sua invalidade constitucional. Mister é 
 que a diferença de tratamento seja insusceptível de justificação perante o 
 circunstancionalismo concreto da situação visada regular, o que o mesmo é dizer 
 que se torna necessário averiguar se essa diferença foi arbitrariamente 
 instituída.
 
  
 
  
 
                       2.2.1. Postando-se assim as coisas, impõe-se saber se a 
 discriminação positiva relativamente ao cônjuge mulher resultante do facto de, a 
 partir da idade da reforma estabelecida para os beneficiários do sexo feminino 
 da Caixa Nacional de Pensões - 62 anos - poderem desfrutar de uma pensão 
 correspondente a 40% da remuneração base que auferia o seu marido vítima de 
 acidente de trabalho ou de doença profissional, tem suporte material bastante e 
 constitui, até, uma preocupação de igualização.
 
  
 
                       Ora, na análise desta questão, entende o Tribunal que se 
 justifica a diversificação da idade de reforma estabelecida para os 
 trabalhadores de um e de outro sexo.
 
  
 
                       Efectivamente, poder-se-á dizer, suportando-se uma tal 
 afirmação na sua natureza notória, que, no conspecto social em que vivemos, a 
 mulher que trabalha fora de casa não deixa, em regra, por essa circunstância, de 
 desempenhar um porventura aturado labor em sua casa, no desenvolvimento das 
 chamadas «tarefas domésticas», o que conduzirá a que se perspective uma situação 
 de dupla ocupação ou de dupla tarefa - no trabalho no exterior e no «trabalho 
 doméstico» - exigente, em consequência, de uma acrescida «prestação» de 
 trabalho, uma das quais não é, sequer, remunerada.
 
  
 
                       É certo que hoje em dia já se pode falar em vários casos 
 em que os homens, também eles, se encarregam das «tarefas domésticas». Contudo, 
 na sociedade em que nos inserimos poder-se-á dizer que isso ainda não é regra.
 
  
 
                       Como diz Leonor Beleza em «O Estatuto das Mulheres na 
 Constituição» (Estudos Sobre a Constituição, 1º vol., 69), 'reconhecer a 
 discriminação contra as mulheres, e que ela tem de ser ultrapassada, não é em si 
 discriminação', impondo-se o estabelecimento de medidas e 'meios importantes 
 para uma política de igualdade' que, ainda que passíveis de gerar 
 
 'momentaneamente um desiquilíbrio, não criam um privilégio em função do sexo', 
 não sendo proibidas pela Constituição. 
 
  
 
                       Perante este posicionamento, a tendo em atenção a «dupla 
 tarefa» que, em regra, na sociedade portuguesa, impende sobre a mulher que 
 trabalha fora de casa, poder-se-á afoitamente dizer que, ao fim do mesmo número 
 de anos de trabalho «exterior», o desempenho de labor por banda dela é acrescido 
 reportadamente ao do homem.
 
  
 
                       E, sendo assim, enquanto esta situação social, económica e 
 cultural perdurar, é justificada uma medida legislativa que, perante aquele 
 acréscimo de trabalho, consigne que os trabalhadores do sexo feminino atinjam a 
 idade de reforma antes daquela que se estabelece para os trabalhadores do sexo 
 masculino.
 
  
 
                       Não existe, por isso, no estabelecimento dessa medida, em 
 abstracto consagradora de uma diferenciação, qualquer  irrazoabilidade ou 
 injustificação condutora à formulação de um juízo de desconformidade 
 constitucional com o princípio que se extrai do nº 2 do artº 13º do Diploma 
 Básico.
 
  
 
  
 III 
 
  
 
  
 
                       Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso, 
 determinando-se a revogação da decisão impugnada, a fim de ser reformada em 
 consonância com o presente juízo sobre a questão de constitucionalidade.
 Lisboa, 21 de Fevereiro de 1995
 Ass) Bravo Serra
 Guilherme da Fonseca
 Messias Bento
 Luis Nunes de Almeida
 
  
 
 
 
 
 
 [ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19950082.html ]