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Processo: n.º 592/93.
 Recorrente: A..
 Relator: Conselheiro Messias Bento.
 
 
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I — Relatório
 
  
 
 1 — A., não se conformando com o resultado da avaliação fiscal, que a Caixa de 
 Previdência do Ministério da Educação requereu ao Chefe da Repartição de 
 Finanças do 4.º Bairro Fiscal de Lisboa, tendo por objecto o compartimento n.º 1 
 do 2.º andar do prédio da Avenida da Liberdade, n.º 3, em Lisboa, interpôs 
 recurso para o Tribunal Cível desta cidade.
 Realizada a nova avaliação e notificado o respectivo relatório às partes, veio o 
 recorrente, mediante requerimento, arguir a inconstitucionalidade do Decreto 
 Regulamentar n.º 1/89, de 7 de Janeiro.
 Notificada a Caixa de Previdência para responder, veio ela sustentar a 
 legitimidade constitucional da norma impugnada.
 O juiz, por sentença de 14 de Junho de 1993, julgou improcedente a arguição de 
 inconstitucionalidade, mas concedeu parcial provimento ao recurso, fixando em 
 
 660 000$00 o valor do rendimento anual ilíquido do compartimento avaliado (a 
 comissão de avaliação nomeada pelas Finanças tinha-o fixado em 720 000$00 e os 
 peritos nomeados pelo juiz indicaram também esse valor) e, por conseguinte, a 
 renda mensal em 55 000$00.
 
  
 
 2 — O recorrente interpôs, então, recurso desta sentença (de 14 de Junho de 
 
 1993) para este Tribunal, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 
 do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade do artigo 1.º 
 do Decreto Regulamentar n.º 1/89, de 7 de Janeiro.
 Neste Tribunal, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
        a)   A norma do Decreto Regulamentar n.º 1/89, de 7 de Janeiro, determina 
 que a segunda avaliação seja efectuada por uma comissão de avaliação, que para 
 além de não integrar qualquer perito, nomeado pelo inquilino.
 
        b)   O perito nomeado pelo tribunal terá de ser escolhido de uma lista, 
 elaborada segundo o critério do director distrital de finanças, sem que ao juiz 
 seja dado o poder discricionário de recusar tal critério.
 
        c)   De onde resulta ser aquela comissão constituída por três louvados 
 nomeados pelo Estado.
 
        d)   O qual tem que ser considerado parte interessada, na determinação da 
 renda avaliante, uma vez que tal como o senhorio tem interesse em que lhe seja 
 fixado um valor elevado.
 
        e)   Temos assim que a aludida comissão é composta por louvados apenas 
 nomeados por uma das partes interessadas.
 
        f)   Sendo certo que ao M.mo Juiz do recurso não são facultados outros 
 meios para fundamentar a sua decisão.
 
        g)   Surge assim a referida comissão como definidora de direitos civis    
 
  — montante da renda — em conflito entre senhorio e inquilino.
 
        h)   O que é inaceitável, dado a sua falta de independência (acórdão do 
 STJ, de 6 de Maio de 1987, in BMJ, n.º 367, p. 457).
 
         i)   Deste modo, não pode o tribunal assegurar a defesa dos direitos 
 legalmente protegidos do inquilino.
 
        j)   Pelo que a norma sub judice viola o artigo 205.º, n.º 2, da CRP.
 
         l)   E, como a norma, in casu, determina que a 2.ª avaliação é efectuada 
 por aquela comissão, que como vimos não é independente.
 
       m)   Resulta em consequência, que o M.mo julgador terá necessária e 
 exclusivamente de fundamentar a sua decisão no laudo por ela elaborado.
 
        n)   Sem que possa valer-se na sua decisão de outros meios de prova, 
 inspecção judicial ou testemunhas.
 
        o)   Pelo que a norma em questão de igual modo viola o artigo 206.º da 
 CRP.
 
        p)   Mas como a referida norma integra na referida comissão apenas 
 peritos nomeados por uma das partes interessadas, o Estado e o senhorio.
 
        q)   sem de igual modo integrar um louvado nomeado pela outra parte 
 interessada, o inquilino.
 
        r)   é ainda inconstitucional por violação grosseira do princípio da 
 igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP.
 Termos em que deverão V. Ex.as dar provimento ao presente recurso, considerando 
 inconstitucional a norma do artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 1/89, de 7 de 
 Janeiro, aplicada no douto Acórdão em apreço […].
 A recorrida Caixa de Previdência, de sua parte, concluiu como segue as suas 
 alegações:
 
  
 
 1.ª   A norma do artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 1/89, de 7 de Janeiro, é 
 constitucional.
 
 2.ª   Da sua aplicação não resulta a violação do princípio da imparcialidade na 
 administração da justiça, consagrado no n.º 2 do artigo 205.º da CRP.
 
 3.ª   O Estado não actua como parte interessada no caso sub judice e só por 
 ignorância ou má fé é que se pode fazer tal afirmação.
 
 4.ª   O juiz tem o poder discricionário de escolher um de entre 50 peritos que 
 integram a lista.
 
 5.ª   O juiz não está vinculado ao laudo elaborado pela comissão, laudo esse que 
 constitui mero parecer técnico.
 
 6.ª   A decisão final cabe em exclusivo ao juiz, a quem incumbe administrar a 
 justiça e assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos 
 cidadãos.
 
 7.ª   Não há, como tal, violação do princípio da independência dos tribunais, 
 consagrado no artigo 206.º da CRP.
 
 8.ª   É aos tribunais que cabe a função de definição dos direitos civis, como 
 seja o montante da renda, e não à comissão de avaliação (o que aliás é 
 sublinhado no acórdão do STJ, de 6 de Maio de 1987, in BMJ, n.º 367, p. 457).
 
 9.ª   Igualmente não há violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 
 
 13.º da CRP, na medida em que não há qualquer discriminação, arbítrio ou 
 desigualdade de oportunidades.
 
     10.ª Os organismos do Estado intervenientes na comissão de avaliação não têm 
 qualquer ligação com a CPME.
 A CPME tem um escopo exclusivamente privado, tem património próprio e autonomia 
 administrativa e financeira, dependendo a sua gestão da assembleia de sócios.
 
     11.ª Não deve como tal o recorrente sentir-se lesado nos seus direitos e 
 interesses.
 Pelo exposto, deve a sentença recorrida ser mantida, porque está elaborada de 
 harmonia com os factos e com o direito, negando-se, por isso, provimento ao 
 recurso.
 
  
 
 3 — Corridos os vistos, cumpre decidir a questão de saber se a norma do artigo 
 
 1.º do Decreto Regulamentar n.º 1/89, de 7 de Janeiro, é ou não 
 inconstitucional.
 II — Fundamentos
 
  
 
 4 — Questão prévia do conhecimento do recurso:
 
  
 
 4.1 — Pode duvidar-se que a questão de constitucionalidade tenha sido suscitada 
 atempadamente (isto é, «durante o processo») e que, assim, deva conhecer-se do 
 recurso.
 De facto, requerendo o senhorio a avaliação de prédio que tiver arrendado, após 
 a notificação do inquilino para contestar e depois de a repartição de finanças 
 prestar as devidas informações, a comissão de avaliação — que, nos termos do 
 artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 37 021, de 21 de Agosto de 1948 (diploma 
 que continua a reger a matéria: cfr. artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 
 
 15 de Outubro, que aprovou o Regime do Arrendamento Urbano) é constituída pelo 
 conservador do registo predial, civil, comercial ou de automóveis, por um 
 louvado nomeado, de entre os de uma lista, pelo chefe de repartição de finanças 
 e por um louvado nomeado pela respectiva câmara municipal (redacção introduzida 
 pelo artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 1/86, de 2 de Janeiro) e integrada 
 ainda por um representante do senhorio e outro do inquilino (cfr. artigo 6.º, 
 n.º 2, do Decreto-Lei n.º 436/83, de 19 de Dezembro) — procede à vistoria do 
 prédio objecto da avaliação («exame directo», chama-lhe também a lei), depois do 
 que «dá parecer fundamentado», isto é, fixa, mediante deliberação por maioria, o 
 rendimento do prédio (e, assim, a respectiva renda) — tudo nos termos dos 
 artigos 9.º e 10.º, n.os 1, 3 e 6, do mencionado Decreto-Lei n.º 37 021, também 
 na redacção do referido Decreto Regulamentar n.º 1/86.
 Se o senhorio (ou o inquilino) não se conformarem com a deliberação daquela 
 comissão de avaliação, podem recorrer dela para o juiz da comarca, indicando a 
 renda que consideram justa (cfr. artigo 14.º do mesmo Decreto-Lei n.º 37 021, na 
 redacção do artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 1/86).
 Interposto recurso pelo inquilino (como aconteceu no presente caso), é o 
 senhorio notificado para alegar o que julgar conveniente, depois do que o juiz 
 se pronunciará sobre a admissão do recurso e, admitindo-o, designará dia para a 
 avaliação (a «segunda avaliação, para efeitos de julgamento do recurso», como se 
 expressava o artigo único do Decreto Regulamentar n.º 28/87, de 24 de Abril, e 
 se expressa hoje o artigo único do Decreto Regulamentar n.º 1/89, de 7 de 
 Janeiro).  Finda esta, proferirá o juiz a decisão final, fixando a renda do 
 prédio avaliado (cfr. artigo 15.º do citado Decreto-Lei n.º 37 021, a que o 
 referido Decreto Regulamentar n.º 1/86 acrescentou um § único, a dizer que, 
 desta decisão final, não cabe recurso).
 Esta segunda avaliação, para efeitos de julgamento do recurso, nos termos do 
 artigo único do Decreto Regulamentar n.º 1/89, de 7 de Janeiro (antes, a matéria 
 era regida pelo artigo único do Decreto Regulamentar n.º 28/87, de 24 de Abril), 
 
 é efectuada por um louvado nomeado pelo juiz de entre os peritos constantes da 
 lista a que se refere o n.º 3 do artigo 14.º da Lei n.º 2030, de 27 de Junho de 
 
 1948, por um louvado nomeado pelo director de finanças do distrito de entre os 
 que figuram na mesma lista e por um louvado nomeado pelo Instituto de Gestão e 
 Alienação do Património Habitacional do Estado.
 
  
 
 4.2 — As peças processuais típicas ou normais do recurso são, assim, uma petição 
 
 (a petição de recurso), umas alegações (do recorrido), um parecer (dos louvados) 
 e a decisão final do juiz.
 Pode, por isso, sustentar-se que a questão de inconstitucionalidade, que tenha 
 por objecto o artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 1/89, de 7 de Janeiro — que 
 regula a composição da comissão que procede à segunda avaliação, para efeitos de 
 julgamento do recurso — só é suscitada atempadamente [isto é, durante o 
 processo, como exige o artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal 
 Constitucional], se o for na petição de recurso, quando seja o recorrente a 
 suscitá-la, ou, sendo suscitada pelo recorrido, se este o fizer na respectiva 
 alegação.  Até para — dir-se-á —, na primeira hipótese, permitir a resposta do 
 recorrido logo nas alegações, assegurando o contraditório.
 E sendo assim — argumentar-se-á —, como, no caso, o inquilino (recorrente) só 
 suscitou tal questão de inconstitucionalidade, em requerimento que apresentou 
 depois de notificado do resultado da avaliação (em vez de o ter feito na petição 
 de recurso), não deve conhecer-se deste, por se não verificar o pressuposto da 
 suscitação atempada daquela questão.
 
  
 
 4.3 — O Tribunal entende, porém, não dever adoptar um entendimento tão estrito 
 da exigência constante da mencionada alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro.
 De facto, em primeiro lugar, poder-se-á, desde logo, dizer que a intervenção das 
 partes nos processos não se confina à apresentação de articulados — petição de 
 acção (ou de recurso), contestação, réplica, tréplica — de alegações e de contra 
 alegações.  As partes intervêm também por meio de  requerimentos e de respostas 
 
 (cfr. artigos 150.º, n.º 1, e 116.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).  
 Depois, a razão de economia processual, que, eventualmente, poderá justificar a 
 exigência de que a suscitação de tal questão deva ser feita na petição de 
 recurso, para possibilitar que a resposta do recorrido tenha lugar logo nas 
 alegações, já não procede quando é o recorrido a suscitar a questão: num tal 
 caso, com efeito, para assegurar o contraditório, sempre terá que dar-se ao 
 recorrente oportunidade para responder.  Acresce que, sendo a questão, como no 
 caso aconteceu, suscitada antes de proferida a decisão final, ainda o juiz está 
 a tempo de ouvir a outra parte e de, nessa decisão, se pronunciar sobre ela.
 Como quer que seja, a verdade é que, no caso dos autos, a questão de 
 constitucionalidade não foi apresentada ao Tribunal Constitucional como uma 
 questão nova, que é o que a lei, em direitas contas, pretende evitar, quando 
 exige que ela seja suscitada durante o processo perante o tribunal recorrido.
 De facto, como se viu, o juiz decidiu tal questão, julgando-a improcedente.
 Tudo concorre, pois, para se dever avançar para o conhecimento do objecto do 
 recurso — ou seja: da questão de inconstitucionalidade da norma do artigo 1.º do 
 Decreto Regulamentar n.º 1/89, de 7 de Janeiro, que         — repete-se — regula 
 a composição da comissão que vai proceder à segunda avaliação, para efeitos de 
 julgamento do recurso interposto da deliberação da comissão de avaliação a que 
 se refere o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 37 021.
 Prosseguindo, pois.
 
  
 
 5 — A questão da (in)constitucionalidade da norma do artigo 1.º do Decreto 
 Regulamentar n.º 1/89, de 7 de Janeiro:
 
  
 O artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 1/89 (diploma que foi editado ao abrigo 
 do disposto no artigo 57.º da Lei n.º 2030, de 27 de Junho de 1948, tendo 
 revogado o Decreto Regulamentar n.º 28/87) dispõe como segue:
 
  
 Artigo 1.º
 
  
 A segunda avaliação, para efeitos de julgamento do recurso, será efectuada:
 
  
 
              a)   Por um louvado nomeado pelo juiz de entre os peritos 
 constantes da lista a que se refere o n.º 3 do artigo 14.º da Lei n.º 2030, de 
 
 27 de Junho de 1948;
 
              b)   Por um louvado nomeado pelo director de finanças do distrito 
 de entre os que figuram na mesma lista;
 
              c)   Por um louvado nomeado pelo Instituto de Gestão e Alienação do 
 Património Habitacional do Estado.
 
  
 
 5.1 — O recorrente sustenta que tal norma é inconstitucional, uma vez que — diz, 
 em síntese — tal norma:
 
  
 
        a)   viola o artigo 205.º, n.º 2, da Constituição, pois o tribunal «não 
 pode assegurar a defesa dos direitos legalmente protegidos», dada a «falta de 
 independência» da comissão de avaliação, que «é composta por louvados apenas 
 nomeados por uma das partes interessadas» — o Estado;
 
        b)   viola também o artigo 206.º da Lei Fundamental, porquanto o juiz 
 tem, «necessária e exclusivamente, de fundamentar a sua decisão no laudo» 
 elaborado por essa comissão, que não é independente;
 
        c)   e viola, por último, o artigo 13.º da Constituição, por a comissão 
 integrar «apenas peritos nomeados por uma das partes interessadas, o Estado e 
 senhorio», «sem de igual modo integrar um louvado nomeado pela outra parte 
 interessada, o inquilino».
 
  
 
 5.2 — A Caixa de Previdência recorrida chama a atenção, em resumo, para que:
 
  
 
        a)   «a função que cabe a essas comissões é uma função meramente técnica, 
 são comissões de peritagem, são meros pareceres técnicos, os quais não oferecem 
 qualquer carácter vinculativo»;
 
        b)   o Estado não é, no caso, parte interessada no processo, uma vez que 
 ela, Caixa de Previdência, «é uma pessoa colectiva com natureza e aspectos 
 próprios de um instituto público, mas também com outros de natureza 
 exclusivamente privada, pois foi constituída e é mantida através de uma 
 assembleia geral de sócios», e, no caso, «actua como particular, no âmbito de 
 uma relação de inquilinato», nenhum dos louvados tendo qualquer ligação com ela;
 
        c)   a decisão cabe ao juiz, que não está vinculado ao relatório da 
 comissão, nem fundamenta a sua decisão, única e exclusivamente, no laudo dela;
 
        d)   o juiz está vinculado a escolher o louvado de entre os constantes de 
 uma lista, mas é livre nessa escolha.
 
  
 
 5.3 — O simples alinhar das razões aduzidas a favor e contra a acusação de 
 inconstitucionalidade, que o recorrente faz à norma do artigo 1.º do Decreto 
 Regulamentar n.º 1/89, de 7 de Janeiro, é bastante para mostrar a sem-razão de 
 uma tal arguição.
 Vejamos, porém, as coisas mais em pormenor:
 
  
 
 5.4 — A norma sub iudicio e os artigos 205.º, n.º 2, e 206.º da Constituição:
 
  
 Tais preceitos dispõem como segue:
 
  
 Artigo 205.º
 
 (Função jurisdicional)
 
  
 
 1 — […].
 
 2 — Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos 
 direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da 
 legalidade democrática e dirimir conflitos de interesses públicos e privados.
 
 3 — […].
 
 4 — […].
 
  
 Artigo 206.º
 
 (Independência)
 
  
 Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.
 
  
 Aos tribunais compete, pois, «administrar justiça em nome do povo» (cfr. n.º 1 
 do artigo 205.º), cumprindo-lhes, no que aqui importa, «dirimir os conflitos de 
 interesses […] privados» (cfr. n.º 2 do artigo 205.º).  E isto demanda que os 
 juízes sejam independentes (cfr. artigo 206.º), julgando sem outra sujeição que 
 não seja a obediência à lei e aos ditames da sua própria consciência.
 Os tribunais, no seu conjunto, têm, por conseguinte, que ser independentes em 
 relação aos demais poderes do Estado, ficando «a coberto das suas ingerências ou 
 pressões», e independentes entre si, «salvo as relações de hierarquia ou 
 supraordenação dentro de cada ordem ou categoria de tribunais (cfr. artigos 
 
 212.º, 214.º e 223.º), e sem prejuízo da cooperação que todos devem uns aos 
 outros na administração da justiça (cfr. artigo 205.º, n.º 3)»: [sobre isto, 
 cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 794)].
 Os cidadãos têm, portanto, direito a ver julgadas as suas causas por tribunais 
 independentes e imparciais (cfr. artigos 20.º, n.º 1, e 206.º), que o mesmo é 
 dizer que têm direito a que o Estado lhes assegure uma igual probabilidade de 
 
 êxito quanto ao resultado das lides judiciais em que forem partes; ou ainda: que 
 têm direito a um processo equitativo perante um tribunal independente e 
 imparcial.
 Garantia essencial da independência dos tribunais é — repete-se — a 
 independência dos respectivos juízes (e, assim, a sua imparcialidade).
 Como se assinalou no Acórdão n.º 52/92 (publicado no Diário da República, I 
 Série-A, de 14 de Março de 1992), a independência dos juízes (e, assim, a sua 
 imparcialidade) exige «garantias orgânicas, estatutárias e processuais».  E 
 nesse aresto escreveu-se também: «A imparcialidade da jurisdição não é só a 
 imparcialidade subjectiva.  É também a imparcialidade objectiva que deve ser 
 assegurada antes e durante o julgamento».
 Só desse modo, com efeito, os tribunais podem inspirar verdadeira confiança aos 
 cidadãos — a confiança que, numa sociedade democrática, estes devem poder 
 depositar na jurisdição.
 A propósito da independência dos juízes escreveu-se no Acórdão n.º 135/88 
 
 (publicado no Diário da República, II Série, de 8 de Setembro de 1988) o 
 seguinte, que o citado Acórdão n.º 52/92 repetiu:
 
  
 A independência dos juízes é, acima de tudo, um dever — um dever ético-social.  
 A «independência vocacional», ou seja, a decisão de cada juiz, de ao «dizer o 
 direito», o fazer sempre esforçando-se por se manter alheio — e acima — de 
 influências exteriores é, assim, o seu punctum saliens.  A independência, nesta 
 perspectiva, é, sobretudo, uma responsabilidade que terá a «dimensão» ou a 
 
 «densidade» da fortaleza de ânimo, do carácter e da personalidade moral de cada 
 juiz.
 Com sublinhar estes pontos, não pode, porém, esquecer-se a necessidade de 
 existir um quadro legal que «promova» e facilite aquela «independência 
 vocacional».
 Assim, necessário é, inter alia, que o desempenho do cargo de juiz seja rodeado 
 de cautelas legais destinadas a garantir a sua imparcialidade e a assegurar a 
 confiança geral na objectividade da jurisdição.
 
 É que, quando a imparcialidade do juiz ou a confiança do público nessa 
 imparcialidade é justificadamente posta em causa, o juiz não está em condições 
 de «administrar justiça».  Nesse caso, não deve poder intervir no processo, 
 antes deve ser pela lei impedido de funcionar — deve, numa palavra, poder ser 
 declarado iudex inhabilis.
 
  
 O juiz, pois — na lição de J. Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao 
 Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, p. 148) —, «não deve achar-se ligado às 
 partes em litígio, ou ter contendas com qualquer delas, para que fique garantida 
 a sua isenção ou a imparcialidade da decisão a proferir».
 Esta administração independente, isenta e imparcial da justiça, a que os 
 cidadãos têm direito e que é dever dos juízes e dos tribunais, em nada é, porém, 
 impedida ou, sequer, dificultada pelo modo de recrutamento e de nomeação dos 
 louvados, previsto na norma aqui sub iudicio.
 De facto — recorda-se —, os louvados, que procedem à «segunda avaliação para 
 efeitos de julgamento do recurso», nenhum deles é nomeado por qualquer das 
 partes do processo: um deles é nomeado pelo juiz; outro, pelo director distrital 
 de finanças; e o terceiro, pelo Instituto de Gestão e Alienação do Património 
 Habitacional do Estado — tudo entidades inteiramente estranhas aos interesses 
 que, na relação jurídico-privada de arrendamento, são os do inquilino e os do 
 senhorio.  Senhorio, que, no caso, é a Caixa de Previdência do Ministério da 
 Educação (criada pelo Decreto n.º 11 220, de 6 de Novembro de 1925, sendo os 
 seus estatutos aprovados, primeiro, pelo Decreto n.º 12 695, de 17 de Novembro 
 de 1926, e, depois, pelo Decreto-Lei n.º 35 781, de 5 de Agosto de 1946, mais 
 tarde revogado pelo Decreto-Lei n.º 82/91, de 19 de Fevereiro, por sua vez, 
 depois revogado pelo Decreto-Lei n.º 133/93, de 26 de Abril), que — 
 contrariamente ao que sustenta o recorrente — não se confunde com o Estado (pois 
 que é uma pessoa colectiva distinta administrada por um conselho de 
 administração, cujos vogais são eleitos pela assembleia geral de sócios e cuja 
 acção é fiscalizada por um conselho fiscal: cfr. artigos 17.º e 19.º dos 
 Estatutos aprovados pelo citado Decreto-Lei n.º 35 781), nem com nenhuma das 
 entidades que nomeia os louvados.  Depois, dois desses louvados são nomeados de 
 entre os constantes de uma lista previamente organizada — o que, obviamente, 
 contribui para que, na sua nomeação, não interfiram factores subjectivos.  Por 
 
 último — e decisivamente — quem julga (isto é, quem dirime o conflito de 
 interesses entre o senhorio e o inquilino, fixando o montante da renda que este 
 passará a pagar àquele) é o juiz, e não os louvados.
 Os louvados são peritos, chamados a apurar o rendimento do local arrendado, que 
 nada decidem.  O seu parecer é livremente apreciado pelo juiz, que fixará a 
 renda «entre os limites do rendimento ilíquido constante da matriz e dos 
 resultados das averiguações efectuadas» (cfr. artigo 15.º, 3.º trecho, do citado 
 Decreto n.º 37 021, na redacção do Decreto-Lei n.º 37 784, de 14 de Março de 
 
 1950).  Ou seja: o juiz aprecia os laudos com a mesma liberdade com que aprecia 
 o depoimento de uma testemunha.
 Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Maio de 1987 
 
 (publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 367, p. 457): «não é, pois, 
 a comissão de avaliação chamada a definir direitos civis — montante da renda — 
 em conflito entre senhorio e inquilino, mas a determinar o valor do rendimento 
 matricial […]».
 A norma sub iudicio não viola, pois, os artigos 205.º, n.º 2, e 206.º da 
 Constituição.
 
  
 
 5.5 — A norma sub iudicio e o princípio da igualdade:
 
  
 O princípio da igualdade — que se acha consagrado no artigo 13.º da Constituição 
 
 («Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei».  
 
 «Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer 
 direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, 
 território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, 
 situação económica ou condição social») — exige que se trate por igual o que for 
 essencialmente igual e se dê tratamento diferenciado ao que for diferente.
 Tal princípio não proíbe a diferenciação de tratamento; proíbe tão-somente a 
 discriminação, o tratamento diferente irrazoável ou arbitrário, porque 
 materialmente infundado.
 
 É um princípio que vincula todas as funções do Estado, jurisdição incluída.
 A igualdade dos cidadãos perante a jurisdição significa, desde logo, igualdade 
 de acesso aos tribunais (cfr. artigo 20.º, n.º 2).  Significa também igualdade 
 perante os tribunais, que é uma igualdade no e durante o processo (igualdade 
 processual ou igualdade de armas).  E significa ainda igualdade na aplicação do 
 direito.
 A igualdade no desfrute do direito ao tribunal — a um tribunal independente e 
 imparcial, que julgue as questões em tempo útil, vinculado, nas suas decisões, 
 pela ideia de igualdade — exige o reconhecimento do direito ao processo, a um 
 processo equitativo (justo), que, como atrás se referiu, assegure às partes uma 
 igual probabilidade de êxito quanto ao resultado da lide.  E tudo isto reclama 
 que as partes sejam colocadas nesse processo em perfeita paridade de condições.
 O princípio da igualdade processual, no dizer de Manuel de Andrade (Noções 
 Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1956, p. 365), «consiste em as partes 
 serem postas no processo em perfeita paridade de condições, desfrutando, 
 portanto, idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida», ou 
 seja, de conseguir o que for «de direito em cada caso» (a expressão é de J. 
 Baptista Machado, ob. cit., p. 148).
 Pois bem: a forma de nomeação dos louvados, que aqui está em causa, não é 
 susceptível de afectar a igualdade perante a jurisdição.
 De facto — recorda-se —, um deles é nomeado pelo juiz e os outros dois, por 
 entidades inteiramente estranhas a qualquer das partes no processo, que, assim, 
 desfrutam, «de idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes é devida» — 
 de conseguir o que, no caso, for de direito.
 A norma do artigo 1.º do Decreto Regulamentar n.º 1/89, de 7 de Janeiro, também 
 não viola o princípio da igualdade (e, assim, o artigo 13.º da Constituição).  
 Ela não é, pois, inconstitucional.
 
  
 III — Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a 
 sentença recorrida na parte impugnada.
 
  
 Lisboa, 22 de Fevereiro de 1995. — Messias Bento — Bravo Serra — Guilherme da 
 Fonseca — Luís Nunes de Almeida (vencido, conforme declaração junta) — José 
 Manuel Cardoso da Costa.
 
  
 
  
 Declaração  de  voto
 
  
 Votei vencido, por entender que o «direito a um processo equitativo perante um 
 tribunal independente e imparcial», não se esgotando com a garantia de 
 independência dos juízes, exige, igualmente, entre outras coisas, que seja 
 assegurada a imparcialidade das peritagens, quando do resultado delas dependa, 
 na prática, o sucesso ou insucesso da acção.
 Ora, no caso vertente, se é certo que os louvados, como se afirma no acórdão que 
 obteve vencimento, não são nomeados ou escolhidos por qualquer das partes no 
 processo, a verdade é que um deles, pelo menos, é designado por entidade 
 interessada no resultado da avaliação.  Com efeito, tendo a avaliação em causa 
 consequências do ponto de vista fiscal (quanto maior for o valor, maior será a 
 receita fiscal), não se me afigura compatível com as exigências de um processo 
 justo e equitativo que um dos louvados seja nomeado pelo director de finanças do 
 distrito. — Luís Nunes de Almeida.
 
  
 
  
 
  
 
 (1) Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Junho de 1995.