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Procº nº 93/92
 Rel. Cons. Alves Correia
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
                              I - Relatório.
 
  
 
                              1. M..., empregada administrativa do Banco de 
 Portugal, requereu, em 15 de Setembro de 1986, ao Conselho Distrital de Lisboa 
 da Ordem dos Advogados a sua inscrição como advogada estagiária, referindo 
 expressamente aquela sua profissão.
 
                              Tal pedido veio a ser deferido por deliberação do 
 Conselho Distrital de Lisboa de 29 de Outubro de 1986 e confirmada por 
 deliberação do Conselho Geral de 12 de Novembro de 1986.
 
  
 
                              2. Em 25 de Julho de 1988, requereu a M... a 
 inscrição como advogada, reiterando que mantinha a mesma situação profissional. 
 Mas, por deliberação de 15 de Novembro de 1988, o Conselho Distrital de Lisboa 
 indeferiu o pedido de inscrição, por considerar a requerente abrangida pela 
 incompatibilidade prevista no artigo 69º, nº 1, alínea i), do Estatuto da Ordem 
 dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, isto é, por 
 entender que ela era agente de um serviço público de natureza central. Daquela 
 deliberação recorreu a mesma para o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, 
 que, por acórdão de 7 de Julho de 1989, negou provimento ao recurso e manteve a 
 deliberação recorrida.
 
  
 
                              3. Inconformada, recorreu a M... para o Tribunal 
 Administrativo de Círculo de Lisboa, que, por Sentença de 10 de Outubro de 1990, 
 negou provimento ao recurso. Deste aresto interpôs a mesma novo recurso, desta 
 vez para o Supremo Tribunal Administrativo, referindo, em síntese, nas 
 respectivas alegações, que, não tendo havido alteração na sua situação 
 profissional, a sua admissão como advogada estagiária constituiu-a no direito a 
 exercer a actividade de advogada estagiária e a, 'nesse mesmo contexto fáctico e 
 feito o estágio com boa informação, nos termos do artigo 170º, nº 1, do E.O.A., 
 ter acesso à categoria de advogada, que não é mais que a continuação e o 
 desenvolvimento da primeira situação em que foi investida'. Ainda segundo a 
 argumentação aduzida nas referidas alegações, a admissão como advogada 
 estagiária 'implicou a verificação de requisitos que foram atributivos de 
 direitos para a recorrente: primeiro, o de exercer as actividades de advogada 
 estagiária, segundo, o de, feito o estágio, ter acesso à plenitude da profissão 
 de advogado'. Finalmente, refere a recorrente naquela peça processual que 'a 
 interpretação dada a qualquer norma do E.O.A., maxime ao seu artigo 170º, que 
 permita sustentar a possibilidade da revisão dos pressupostos em que assentou a 
 admissão como advogado estagiário, constitui violação do princípio 
 constitucional do respeito pelos direitos adquiridos, que o artigo 266º, nº 1, 
 da Constituição reflecte'.
 
                              
 
                              4. Por Acórdão de 19 de Dezembro de 1991, o Supremo 
 Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, confirmando a sentença 
 recorrida. Naquele aresto, o Supremo Tribunal  Administrativo rejeitou a questão 
 de inconstitucionalidade suscitada, ponderando que 'nada há na legislação 
 vigente que imponha a inscrição obrigatória no quadro da Ordem dos Advogados aos 
 advogados estagiários com aproveitamento ou que a inscrição seja concedida 
 automaticamente após a efectivação do estágio com aproveitamento'. Ainda segundo 
 aquela instância, 'o que a lei efectivamente prevê são duas inscrições distintas 
 a apreciar e a conceder por órgãos diferentes e com implicações também 
 diferentes. Trata-se, sem dúvida, de actos constitutivos de direitos. Mas 
 direitos distintos e por isso não ocorre a violação do princípio do respeito 
 pelos direitos adquiridos consagrado no artigo 266º, nº 1, da Constituição'.
 
  
 
                              5. É daquele acórdão que vem interposto pela M... o 
 presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 
 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de 
 Novembro).
 
                              No requerimento de interposição do recurso, 
 apresentado na sequência do convite feito pelo Relator, nos termos do nº 5 do 
 artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, refere a recorrente que a norma 
 cuja inconstitucionalidade se pretende que seja apreciada é 'o nº 1 do artigo 
 
 170º do  Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto--Lei nº 84/84, 
 de 16 de Março, no entendimento que lhe é dado pela autoridade recorrida e pelas 
 instâncias no sentido de que tal preceito permite, aquando da apreciação do 
 pedido de inscrição do advogado estagiário como advogado, que a Ordem reveja a 
 verificação dos requisitos em que assentou a admissão como advogado estagiário 
 
 (ou, se se preferir, que a Ordem os aprecie de novo)'. Mas 'se se entender que 
 tal sentido resulta da conjugação desse preceito com o disposto nos artigos 
 
 157º, 161º e 171º daquele Estatuto, como igualmente pode decorrer da decisão 
 recorrida, a inconstitucionalidade dessa conjugação também deve ser apreciada'. 
 De acordo com o mesmo requerimento, as normas ou princípios constitucionais 
 violados são os princípios constitucionais da 'protecção da confiança e do 
 respeito pelos direitos adquiridos pelos particulares e o artigo 266º, nº 1, da 
 Constituição'.
 
  
 
                              Nas alegações produzidas neste Tribunal, conclui 
 assim a recorrente:
 
                              '1- Admitido um advogado estagiário com base no 
 pressuposto de que detém certa qualidade de empregado, não pode, findo o estágio 
 com boa informação, ser-lhe recusada a sua inscrição como advogado com 
 fundamento em diferente interpretação da norma que  avalia a compatibilidade 
 dessa situação com o exercício da advocacia.
 
  
 
                              2- Entenderam a autoridade recorrida e as 
 instâncias em sentido diverso, sustentando que, aquando da inscrição como 
 advogado, pode ser reapreciada a verificação desse requisito, invocando em favor 
 da sua tese o artigo 170º, nº 1, do EOA ou, se se entender nesse sentido, a 
 conjugação de tal preceito com os artigos 157º, 161º e 171º do EOA.
 
  
 
                              3- Tal entendimento viola os princípios 
 constitucionais da protecção da confiança e do respeito pelos direitos e 
 interesses legalmente protegidos dos cidadãos, que estão inscritos no nosso 
 modelo constitucional, reflectindo-se o segundo designadamente no artigo 266º, 
 nº 1, da Constituição'.
 
  
 
                              Por sua vez, o Conselho Superior da Ordem dos 
 Advogados começou por suscitar, nas alegações aqui produzidas, a questão prévia 
 da inadmissibilidade do recurso, por a recorrente não ter arguido a 
 inconstitucionalidade de quaisquer normas do Estatuto da Ordem dos Advogados na 
 petição de recurso contencioso para o Tribunal Administrativo de Círculo de 
 Lisboa. E conclui as suas alegações do modo que se segue:
 
                              '1- O presente recurso deverá ser rejeitado por não 
 se poder considerar a questão de inconstitucionalidade por ele proposta como 
 suscitada 'durante o processo';
 
  
 
                              2- De todo o modo, o nº 1 do artigo 266º da 
 Constituição não tutela a estabilidade das situações jurídicas criadas pela 
 Administração na esfera jurídica dos administrados, mas sim a observância do 
 princípio da legalidade administrativa;
 
  
 
                              3- Não parece, pois, invocável para os efeitos 
 pretendidos pela recorrente;
 
  
 
                              4- Também não houve violação do princípio da 
 protecção da confiança, desde logo porque o acto administrativo sujeito a 
 impugnação contenciosa não destruiu quaisquer efeitos jurídicos gerados por acto 
 anterior e ainda ....
 
  
 
                              5- ... porque, mesmo que o tivesse feito, essa 
 conduta seria imposta pela reposição da legalidade ofendida pelo acto anterior e 
 teria tido lugar no primeiro momento em que seria materialmente possível a 
 conduta revogatória'.
 
  
 
                              6. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e 
 decidir.
 
  
 
                              II - Fundamentos.
 
  
 
                              7. Como foi salientado, o recorrido iniciou as suas 
 alegações pela invocação de uma questão prévia, traduzida na inadmissibilidade 
 do recurso, por a recorrente não haver levantado tempestivamente a questão de 
 inconstitucionalidade. Segundo o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, a 
 recorrente não arguiu, na petição do recurso contencioso administrativo, a 
 inconstitucionalidade de quaisquer normas. Tal só veio a acontecer nas alegações 
 do recurso por ela interposto para o Supremo Tribunal Administrativo e, na 
 perspectiva do recorrido, 'não estava já em tempo de o fazer, porque os 
 recorrentes não podem levantar questões de direito nos recursos que interpõem 
 das sentenças dos tribunais de primeira instância. A violação de preceitos 
 constitucionais foi 'questão nova', de que o Supremo Tribunal Administrativo não 
 podia conhecer, por o seu poder jurisdicional quanto à matéria da causa se 
 esgotar para além do âmbito da matéria discutida e decidida na primeira 
 instância (artigo 666º do Código de Processo Civil)'.
 
                              Como as questões de inconstitucionalidade não foram 
 devidamente suscitadas no 'processo-pretexto', deve entender-se, na óptica do 
 recorrido, que não se encontram reunidos os pressupostos previstos no artigo 
 
 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.
 
                              Ouvida sobre a questão prévia, veio a recorrente 
 dizer, em síntese, que 'a Lei do Tribunal Constitucional (art. 70º) não exige 
 que a inconstitucionalidade tenha sido suscitada desde a primeira intervenção da 
 parte no processo, bastando-se com o facto de que tal inconstitucionalidade 
 tenha sido materialmente suscitada durante o processo, como aqui manifestamente 
 aconteceu'.
 
                              Importa, por isso, começar por conhecer da 
 assinalada questão prévia. É o que vai fazer-se.
 
  
 
                              7.1. O recurso de inconstitucionalidade previsto no 
 artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e na alínea b) do nº 1 do artigo 
 
 70º da Lei do Tribunal Constitucional exige, para além dos pressupostos gerais, 
 a verificação dos seguintes requisitos específicos:
 
  
 
                              a) A suscitação durante o processo da 
 inconstitucionalidade de uma ou de várias normas jurídicas;
 
                              b) A aplicação ulterior pela decisão recorrida 
 dessa norma ou normas jurídicas reputadas de inconstitucionais;
 
                              c) A inadmissibilidade de recurso ordinário da 
 decisão de aplicação, por a lei não o prever ou por já se haverem esgotado todos 
 os que no caso cabiam.
 
  
 
                              Ao suscitar a questão prévia, o recorrido contestou 
 a verificação,in casu,do primeiro requisito específico referido.
 
  
 
                              Constitui jurisprudência reiterada e uniforme deste 
 Tribunal que aquele requisito deve ser entendido não em sentido meramente 
 formal, tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da 
 instância, mas num sentido funcional, tal que essa invocação haverá de ser feita 
 em momento em que o tribunal a quo ainda possa conhecer da questão, ou seja, 
 antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz, o qual ocorre, em princípio, 
 com a prolação da sentença. Noutros termos, a questão de inconstitucionalidade 
 considera-se suscitada durante o processo sempre que seja invocada em momento em 
 que o tribunal a quo ainda dela possa conhecer. Neste sentido, cfr., inter alia, 
 os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 90/85, 94/88, 318/90, 41/92 e 310/94, 
 os primeiros quatro publicados no Diário da República, II Série, de 11 de Julho 
 de 1985, 22 de Agosto de 1988, 15 de Março de 1991, e 20 de Maio de 1992, 
 respectivamente, e o último ainda inédito).
 
  
 
                              7.2. No caso sub judicio, a questão de 
 inconstitucionalidade da norma constante do artigo 170º do Estatuto da Ordem dos 
 Advogados foi suscitada pela primeira vez pela recorrente nas alegações do 
 recurso para o Supremo Tribunal Administrativo. E, como já foi realçado, segundo 
 entendimento do recorrido, a questão de inconstitucionalidade não foi 
 oportunamente suscitada, pois a 'violação de preceitos constitucionais foi 
 
 'questão nova', de que o Supremo Tribunal Administrativo não podia conhecer, por 
 o seu poder jurisdicional quanto à matéria da causa se esgotar para além do 
 
 âmbito da matéria discutida e decidida na primeira instância (artigo 666º do 
 Código de Processo Civil)'.
 
                              Acontece, porém, que, como resulta do artigo 207º 
 da Lei Fundamental, a inconstitucionalidade é questão de conhecimento oficioso 
 de qualquer tribunal, pelo que os interessados podem invocá-la em qualquer via 
 de recurso ordinário que a decisão consinta. Como se consignou no Acórdão deste 
 Tribunal nº 173/88 (publicado no Diário da República, II Série, de 30 de 
 Novembro de 1988) e se repetiu nos citados Acórdãos nºs. 41/92 e 310/94, 'se 
 suscitada (a questão de inconstitucionalidade) pela primeira vez em alegações 
 perante o Supremo Tribunal de Justiça, não há que considerá-la, pois, uma 
 
 'questão nova', que ao Supremo seja vedado apreciar: há sim, que conhecer dela'.
 
                              Deve, por isso, entender-se que a natureza oficiosa 
 do conhecimento da questão de inconstitucionalidade prevalece sempre em face do 
 argumento da 'questão nova', desde logo porque, em processo constitucional, 
 basta que a decisão do tribunal aplique norma cuja inconstitucionalidade haja 
 sido suscitada durante o processo, nos termos do disposto no artigo 70º, nº 1, 
 alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, norma que aparece, de resto, em 
 consonância com a alínea b) do nº 1 do abrigo 280º da Constituição.
 
                              Há, pois, que concluir pelo desatendimento da 
 questão prévia invocada pelo recorrido.
 
  
 
                              8. Como flui das peças processuais, a recorrente 
 defende o seu direito à inscrição como advogada, sustentando que o acto de 
 admissão de um canditado 'como advogado estagiário' é o acto constitutivo de 
 direitos (constitutivo do status profissional), pelo que a inscrição como 
 advogado fica apenas condicionada por uma actividade de controlo da 
 administração, destinada a certificar o cumprimento de determinadas obrigações 
 legais: frequência do estágio com 'boa informação' (artigo 170º, nº 1, do 
 Estatuto da Ordem dos Advogados).
 
                              Assim sendo, a admissão da recorrente como advogada 
 estagiária constituiu-a no direito de exercer a actividade de advogada 
 estagiária e a ter acesso à categoria de advogada, desde que verificadas as 
 condições legais previstas no artigo 170º daquele Estatuto, e que a 
 administração é apenas chamada a declarar verificadas ou não.
 
                              Ainda segundo a argumentação da recorrente, 
 mantendo-se a mesma situação fáctica existente no momento da decisão sobre o 
 pedido de inscrição como advogada, não é possível rever e alterar a decisão de 
 não incompatibilidade efectivada no momento da inscrição como advogada 
 estagiária, sob pena de violação do princípio constitucional da protecção da 
 confiança (artigo 2º da Constituição) e do princípio do respeito pelos direitos 
 adquiridos (artigo 266º, nº 1, da Lei Fundamental).
 
                              Em reforço da sua tese da proibição da alteração, 
 aquando da decisão sobre a inscrição como advogado, da anterior decisão de 
 verificação dos requisitos de admissão como advogado estagiário, nomeadamente de 
 não existência de incompatibilidades, arguiu a recorrente, nas alegações do 
 recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, 'a inconstitucionalidade da 
 interpretação dada a qualquer norma, maxime ao artigo 170º do Estatuto da Ordem 
 dos Advogados, com base na qual se sustenta a possibilidade de, em sede de 
 inscrição como advogado, se poder pôr em causa a verificação dos requisitos que 
 permitiram a inscrição como advogado estagiário, desde que, naturalmente não se 
 alterem os pressupostos fácticos de ambos os actos'.
 
                              Verifica-se do trecho transcrito que a única norma 
 cuja inconstitucionalidade a recorrente suscitou 'durante o processo' foi a do 
 artigo 170º do Estatuto da Ordem dos Advogados, na interpretação que lhe foi 
 dada tanto na Sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa de 10 de 
 Outubro de 1990, como no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de 
 Dezembro de 1991, isto é, com o sentido de que, no momento da decisão sobre a 
 inscrição como advogado de um 'advogado estagiário', é possível reapreciar a 
 existência de incompatibilidades com o exercício da advocacia. Isto significa 
 que não foi suscitada a inconstitucionalidade, 'durante o processo', das normas 
 dos artigos 157º, 161º e 171º do Estatuto da Ordem dos Advogados - de facto, 
 estas normas só foram indicadas no requerimento de interposição do recurso para 
 este Tribunal -, nem da norma da alínea i) do nº 1 do artigo 69º daquele 
 Estatuto, que estabelece a incompatibilidade com o exercício da advocacia com as 
 funções de 'funcionário ou agente de quaisquer serviços públicos de natureza 
 central, regional ou local, ainda que personalizados', incompatibilidade essa 
 que, no caso da recorrente, foi considerado verificar-se. Com efeito, em parte 
 alguma do processo, invocou a recorrente a inconstitucionalidade desta última 
 norma, resultando antes dos autos que aquela não contesta a legitimidade 
 constitucional da norma que prevê a incompatibilidade que lhe veio a ser 
 reconhecida, mas apenas  da norma que possibilita que uma incompatibilidade 
 venha a ter-se por verificada no momento da decisão sobre a inscrição como 
 advogado, quando essa mesma incompatibilidade foi tida por inexistente no 
 momento em que foi proferida decisão favorável sobre a admissão como advogado 
 estagiário.
 
                              Objecto do presente recurso de constitucionalidade 
 
 é, pois, tão-só a norma do artigo 170º do Estatuto da Ordem dos Advogados, na 
 interpretação acima assinalada.
 
  
 
                              9. A norma do artigo 170º da Estatuto da Ordem dos 
 Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, prescreve o 
 seguinte:
 
 '1 - A inscrição como advogado depende do estágio com boa informação.
 
 2 - A boa informação no estágio depende do cumpri- mento do disposto nos artigos 
 
 165º e 166º'.
 
  
 
                              Como se referiu, a recorrente entende que a norma 
 transcrita é inconstitucional, por violação dos 'princípios constitucionais da 
 protecção da confiança e do respeito pelos direitos e interesses legalmente 
 protegidos dos cidadãos, que estão inscritos no nosso modelo constitucional, 
 reflectindo-se o segundo designadamente no artigo 266º, nº 1, da Constituição', 
 se interpretada, tal como o foi pelas instâncias, com o sentido de que, no 
 momento da decisão sobre a inscrição como advogado de um 'advogado estagiário', 
 
 é possível reapreciar a verificação de incompatibilidades com o exercício da 
 advocacia, mantendo-se inalteráveis os pressupostos existentes aquando da 
 decisão de admissão como 'advogado estagiário'.
 
                              Entende, porém, o Tribunal que a aludida norma não 
 viola nem o princípio da protecção da confiança, ínsito no princípio do Estado 
 de direito, consagrado nos artigos 2º e 9º, alínea b), da Constituição, nem o 
 artigo 266º, nº 1, da Constituição. Vejamos porquê.
 
  
 
                              9.1. Interpretando o artigo 170º, nº 1, do Estatuto 
 da Ordem dos Advogados, escreveu-se, em dado passo, no acórdão recorrido:
 
                              'O facto de anteriormente a recorrente ter sido 
 admitida a estágio da advocacia não era de per si suficiente e decisivo para 
 que, findo o estágio com boa informação, fosse imediatamente inscrita como 
 advogada. Trata-se de dois actos distintos e não de actos sobre actos, pois 
 constituem direitos bem diferentes. O primeiro consistiu no direito da 
 recorrente efectuar um estágio e o segundo no direito ao exercício da profissão 
 de advogado.
 
                              O acto que a admitiu como advogada estagiária 
 definiu e declarou esta qualidade, que, porém, não pode transpor-se para outra 
 situação, que é a de exercer a advocacia.
 
                              Não se pode, por isso, falar, em rigor, de acto 
 revogatório. Daí que o artigo 18º da Lei Orgânica do Supremo Tribunal  
 Administrativo (LOSTA) não tenha aplicação ao caso sub-judice,já que o acto 
 administrativo impugnado pela recorrente não revogou o anterior acto de admissão 
 desta ao estágio da advocacia.
 
                              Não obstante o primeiro acto de admissão se ter 
 fundado, entre outros pressupostos, num juízo de compatibilidade, não estava 
 impedido o Conselho Superior da Ordem dos Advogados de, no segundo 
 acto,considerar, como veio a suceder, a ocorrência da incompatibilidade da 
 alínea i) do nº 1 do artigo 69º do EOA.
 
  
 
                              Trata-se de dois actos administrativos distintos, 
 como decorre da leitura dos artigos 157º e 161º do EOA, por um lado, e dos 
 artigos 170º e 171º do mesmo EOA, por outro, e dos quais ressalta que se trata 
 de duas deliberações autónomas, que desempenham funções distintas: admitir a 
 fazer estágio e admitir ao exercício da profissão de advogado.
 
                              Não há, assim, que falar em 'accertamento' na 
 modalidade de uma verificação constitutiva, como pretende a recorrente quando 
 sustenta que o exame do pressuposto da (in)compatibilidade teria integrado o 
 conteúdo do acto de admissão ao estágio, já que a valoração da situação 
 profissional da requerente de admissão ao estágio, para concluir se ocorre ou 
 não incompatibilidade que impeça a inscrição, não obedece a qualquer propósito 
 de atestação para efeito de criar  uma certeza legal'.
 
                              E um pouco mais à frente, debruçando-se sobre a 
 questão de inconstitucionalidade suscitada pela recorrente, ponderou o acórdão 
 aqui sob recurso:
 
                              'Tal inconstitucionalidade consubstanciar-se-ia na 
 violação do princípio do respeito pelos direitos adquiridos pelos cidadãos, que 
 o artigo 266º, nº 1, CRP reflecte e o artigo 18º da LOSTA concretiza.
 
                              Resulta do que acima se escreveu que não colhe a 
 argumentação da recorrente, visto que não se trata do respeito por direitos 
 adquiridos.
 
                              Na verdade, nada há na legislação vigente que 
 imponha a inscrição obrigatória no quadro da Ordem dos Advogados aos advogados 
 estagiários com aproveitamento ou que a inscrição seja concedida automaticamente 
 após a efectivação do estágio com aproveitamento.
 
                              O que a lei efectivamente prevê são duas inscrições 
 distintas a apreciar e a conceder por órgãos diferentes e com implicações também 
 diferentes.
 
                              Trata-se,sem dúvida, de actos constitutivos de 
 direitos. Mas direitos distintos e, por isso, não ocorre a violação do princípio 
 do respeito pelos direitos adquirido consagrado no artigo 266º, nº 1, da 
 Constituição'.
 
  
 
                              9.2. O acórdão recorrido interpretou, como se viu, 
 a norma do artigo 170º do  Estatuto da Ordem dos Advogados com o sentido de que 
 a inscrição de um advogado estagiário como advogado é um acto autónomo em 
 relação à inscrição de uma pessoa como advogado estagiário, já que se trata de 
 actos que seguem procedimentos diferentes, obedecem a pressupostos diversos e 
 produzem efeitos distintos - interpretação esta que é controversa, mas que não 
 pode ser sindicada pelo Tribunal Constitucional, dado que não lhe cabe intervir 
 ou resolver contendas doutrinais ou jurisprudenciais relacionadas com a 
 interpretação de normas de direito ordinário, as quais escapam à sua função 
 específica de controlo da constitucionalidade (cfr. o Acórdão deste Tribunal nº 
 
 370/93, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Outubro de 1993). 
 
 [Uma interpretação oposta àquela é defendida, por exemplo, por João Pacheco de 
 Amorim, A Liberdade de Escolha da Profissão de Advogado (Procedimento 
 Administrativo de Concretização), Coimbra, Coimbra Editora, 1992, p. 47-49, para 
 quem o acto de inscrição como advogado estagiário não é um acto constitutivo 
 
 (autorização), mas meramente declarativo, uma vez que o exercício do direito 
 está condicionado apenas a juízos de conhecimento vinculados, limitando-se o 
 estagiário, findo o estágio, a pedir à Ordem que certifique o cumprimento das 
 suas (dele estagiário) obrigações legais].
 
                              Assim sendo, se a inscrição de alguém como advogado 
 estagiário não lhe confere automaticamente direito, uma vez terminado o estágio 
 com boa informação, a ser inscrito como advogado, a recusa de inscrição dessa 
 mesma pessoa como advogado, no caso de o órgão competente da Ordem dos Advogados 
 detectar a existência de uma incompatibilidade com o exercício 
 da advocacia, não constitui violação do princípio da protecção da confiança, nem 
 a revogação de qualquer direito adquirido. Equivale isto por dizer que a norma 
 do artigo 170º do Estatuto da Ordem dos Advogados, interpretada nos termos  
 assinalados, não infringe o princípio da protecção da confiança, decorrente do 
 princípio do Estado de direito, referenciado nos artigos 2º e 9º, alínea b), da 
 Constituição, nem o artigo 266º, nº 1, da Lei Fundamental, mesmo que se 
 considere - o que não é seguro - que nele encontra guarida um verdadeiro e 
 autêntico princípio constitucional de respeito pelos direitos e interesses 
 legalmente protegidos.
 
  
 
                              10. Antes de terminar, apenas mais duas notas.
 
                              A primeira para referir que a norma do artigo 170º 
 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de 
 Março, foi alterada recentemente pelo artigo 1º da Lei nº 33/94, de 6 de 
 Setembro - fenómeno que não tem, porém, qualquer repercussão no caso sub 
 judicio, já que a norma  aplicada no presente processo foi a constante da sua 
 versão originária. A segunda para adiantar que o Tribunal Constitucional, no seu 
 Acórdão nº 106/92 (publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Julho de 
 
 1992), interpretou a norma da alínea i) do nº 1 do artigo 69º do Estatuto da 
 Ordem dos Advogados no sentido de o conceito de 'funcionário ou agente de 
 quaisquer serviços públicos' não poder abranger certas classes de pessoas, como 
 sejam, por exemplo, a classe dos 'trabalhadores de empresas públicas não 
 sujeitos ao regime geral da função pública'. Nesta linha, o Tribunal 
 Constitucional julgou inconstitucional, naquele aresto,por violação do artigo 
 
 13º da Constituição, a norma da alínea i) do artigo 69º do Estatuto da Ordem dos 
 Advogados (Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março), quando interpretada no sentido 
 de abranger os trabalhadores das empresas públicas não sujeitos ao regime geral 
 da função pública.
 
                              Mas, no presente processo, não pode o Tribunal 
 Constitucional conhecer da questão da inconstitucionalidade daquele norma, uma 
 vez que, como foi demonstrado, nunca a recorrente suscitou a sua 
 inconstitucionalidade 'durante o processo'.
 
  
 
                              III- Decisão.
 
  
 
                              11. Nos termos e pelos fundamentos expostos, 
 decide--se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o acórdão 
 recorrido, na parte impugnada.
 
  
 
                              Lisboa, 26 de Abril de 1995
 Fernando Alves Correia
 Bravo Serra
 Messias Bento
 Guilherme da Fonseca
 José Manuel Cardoso da Costa