 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo: n.º 371/92.
 Plenário
 Relator: Conselheiro Messias Bento.
 
    
 
  
 Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
 
  
 I — Relatório
 
  
 
 1 — A. e outros recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo (1.ª Secção), 
 pedindo a declaração de nulidade do Despacho n.º 1332/90, de 10 de Julho de 
 
 1990, do Secretário de Estado do Tesouro, publicado no Diário da República, II 
 Série, de 1 de Setembro de 1990, que não homologou a decisão da Comissão 
 Arbitral, constituída nos termos do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março, para 
 avaliação dos valores da indemnização devida pela nacionalização da sociedade 
 
 «Companhia Sintra Atlântico», de cujo capital social os recorrentes possuíam 
 percentagens diversas.
 Nas alegações que então apresentaram, os recorrentes suscitaram a 
 inconstitucionalidade do artigo 16.º, n.º 6, da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, 
 e do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março, os quais — disseram — 
 violam a «reserva da jurisdição instituída nos artigos 205.º e 206.º da 
 Constituição da República» e a «separação de poderes consagrada pela Lei 
 Fundamental (citado artigo 114.º)».
 O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 24 de Março de 1992, da Secção 
 do Contencioso Administrativo (1.ª Secção, 2.ª Subsecção), recusou aplicação, 
 com fundamento em violação dos artigos 205.º e 206.º da Constituição da 
 República, ao artigo 16.º, n.º 6, da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro (redacção 
 do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro), e ao artigo 24.º do Decreto-Lei 
 n.º 51/86, de 14 de Março, e, em consequência, declarou nulo o acto impugnado.
 
  
 
 2 — É deste acórdão que vêm os presentes recursos, interpostos ao abrigo da 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo 
 Ministério Público, um, e o outro, pelo Secretário de Estado do Tesouro, visando 
 ambos a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 16.º, n.º 6, da Lei n.º 
 
 80/77, de 26 de Outubro, e do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de 
 Março.
 Neste Tribunal, alegaram os recorrentes e os recorridos.
 O Procurador-Geral Adjunto formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
 1.º   Não são inconstitucionais, pois não violam qualquer princípio ou preceito 
 constitucional, designadamente os artigos 205.º e 206.º da Lei Fundamental, as 
 normas constantes do n.º 6 do artigo 16.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, na 
 redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, e do artigo 24.º do 
 Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março, na medida em que estabelecem que as 
 decisões das comissões arbitrais terão validade após homologação, por despacho 
 do Ministro das Finanças e do Plano.
 
 2.º   Deve, em consequência, conceder-se provimento ao recurso, determinando-se 
 a reforma da decisão recorrida, na parte impugnada.
 
  
 O Secretário de Estado do Tesouro disse, a concluir:
 
  
 Termos, em que se conclui, pela não inconstitucionalidade das normas constantes 
 do n.º 6 do artigo 16.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, na redacção 
 atribuída pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, e do artigo 24.º do 
 Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março, na medida em que consignam que as 
 decisões das comissões arbitrais terão validade após homologação do Ministro das 
 Finanças, não violando qualquer princípio ou preceito constitucional, 
 designadamente, os artigos 205.º e 206.º da Constituição da República 
 Portuguesa.
 Deve, em consequência, dar-se provimento ao presente recurso, devendo ordenar-se 
 a reforma da decisão recorrida em conformidade com a posição ora defendida na 
 matéria da constitucionalidade das normas atrás apontadas.
 
  
 Os recorridos concluíram como segue:
 
  
 
              a)   A Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, na primeira redacção, 
 prevendo a emergência de litígios entre a Administração e os interessados na 
 indemnização devida pela nacionalização de bens objecto de propriedade privada, 
 institui uma comissão arbitral   — de que fixa a composição — para, em via de 
 recurso, resolver tais litígios;
 
              b)   As atribuições e competência deferidas pela Lei n.º 80/77, na 
 primeira redacção (ut, artigo 16.º, n.os 1 e 4), e a natureza e eficácia das 
 suas decisões (citado artigo 16.º, n.os 8 e 11) qualificam a comissão arbitral 
 como órgão jurisdicional e as suas decisões finais como actos jurisdicionais 
 susceptíveis de produzir efeitos de res judicata;
 
              c)   O artigo 16.º, n.º 6, da Lei n.º 80/77, na redacção do 
 Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, e o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 
 
 51/86, de 14 de Março, condicionando a validade das decisões das comissões 
 arbitrais, instituídas ao abrigo daquela Lei, à homologação por despacho do 
 Ministro das Finanças e do Plano, viola a reserva de jurisdição estabelecida nos 
 artigos 205.º e 206.º da Constituição da República e a separação de poderes 
 consagrada no artigo 114.º da Lei Fundamental.
 Termos em que, supridas as deficiências do patrocínio, deve ser negado 
 provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida, […].
 
  
 
 3 — Corridos os vistos, cumpre decidir a questão de saber se sim (ou não) são 
 inconstitucionais os artigos 16.º, n.º 6, da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro 
 
 (redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro), e 24.º do Decreto-Lei 
 n.º 51/86, de 14 de Março (não está, aqui, em causa a primitiva redacção do 
 artigo 16.º da Lei n.º 80/77, uma vez que ela não era aplicável ao caso, nem o 
 acórdão recorrido a desaplicou).
 
 É o que vai fazer-se.
 
  
 II — Fundamentos
 
  
 
 4 — O artigo 16.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro (na redacção do Decreto-Lei 
 n.º 343/80, de 2 de Setembro) — que, entretanto, foi revogado pelo Decreto-Lei 
 n.º 332/91, de 6 de Setembro (cfr. artigo 12.º) —, cujo n.º 6 aqui está sub 
 judicio, preceitua como segue:
 
  
 Artigo 16.º
 
  
 
 1 — Sem prejuízo do recurso para outras instâncias competentes, a resolução de 
 quaisquer litígios relativos à titularidade do direito à indemnização e à sua 
 fixação, liquidação e efectivação poderá ser feita por comissões arbitrais.
 
 2 — As comissões arbitrais serão constituídas a requerimento dos titulares de 
 direito à indemnização, dirigido ao Ministro das Finanças e do Plano, de acordo 
 com os seguintes princípios:
 
  
 
              a)   Só pode haver uma comissão arbitral para os ex-sócios ou 
 accionistas de uma mesma empresa nacionalizada;
 
              b)   Só pode haver uma comissão arbitral para os comproprietários 
 de um mesmo bem nacionalizado ou expropriado.
 
  
 
 3 — Cada comissão arbitral será constituída por três membros, sendo um 
 representante do Governo, outro da parte litigante e o terceiro, que presidirá, 
 um árbitro escolhido por mútuo acordo entre os dois primeiros.
 
 4 — O Governo designará o seu representante no prazo de 30 dias a contar da 
 solicitação de constituição da comissão arbitral, devendo esta emitir a sua 
 decisão no prazo máximo de 60 dias após a sua entrada em funcionamento.
 
 5 — O Ministro das Finanças e do Plano fixará, por despacho, os emolumentos 
 devidos ao árbitro presidente, os quais serão satisfeitos pelo litigante.
 
 6 — As decisões das comissões arbitrais terão validade após homologação por 
 despacho do Ministro das Finanças e do Plano publicado na II Série do Diário da 
 República.
 
 7 — Dos despachos que recaiam sobre decisões das comissões arbitrais cabe 
 recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
 
 8 — Os requerimentos visando a criação de comissões arbitrais só terão efeito se 
 forem enviados ao Ministro da Finanças e do Plano no prazo de 30 dias a contar 
 da data do despacho ou acto que seja causa de litígio.
 
  
 De sua parte, o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março [diploma 
 que visa regulamentar o artigo 16.º da Lei n.º 80/77 e que, entretanto, foi 
 revogado pelo Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro (cfr. artigo 12.º)] 
 reproduz a doutrina do n.º 6 daquele artigo 16.º  Assim, dispõe como segue:
 
  
 Artigo 24.º
 
  
 As decisões das comissões arbitrais terão validade após a homologação por 
 despacho do Ministro das Finanças, publicado no Diário da República, II Série.
 
  
 O artigo 25.º deste Decreto-Lei n.º 51/86 prescreve que, dos despachos que 
 recaiam sobre as decisões das comissões arbitrais (homologando-as ou não), cabe 
 recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
 Como se vê da leitura do artigo 16.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro 
 
 (redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro), e dos artigos 3.º e 13.º 
 do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março, os «litígios relativos à titularidade 
 do direito à indemnização, à sua fixação, liquidação e efectivação» podem ser 
 resolvidos por comissões arbitrais — uma por cada empresa ou por bem 
 nacionalizado ou expropriado (n.os 1 e 2 do artigo 16.º citado e artigos 3.º e 
 
 13.º do Decreto-Lei n.º 51/86).  As decisões proferidas por tais comissões 
 carecem de homologação do Ministro das Finanças (n.º 6 do citado artigo 16.º e 
 artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86), havendo recurso para o Supremo Tribunal 
 Administrativo dos despachos ministeriais que recaiam sobre elas (n.º 7 do 
 artigo 16.º e artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 51/86).
 As comissões arbitrais só intervirão se os titulares do direito à indemnização o 
 requererem (artigo 16.º, n.º 2, da Lei n.º 80/77 e artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 
 
 51/86).  Por isso, essa possibilidade de intervenção existe, como diz o n.º 1 do 
 artigo 16.º, «sem prejuízo do recurso para outras instâncias competentes».  Ou 
 seja: a par do direito de recorrer aos tribunais, para a resolução das questões 
 atinentes ao direito à indemnização de que aqui se trata, abre-se aos 
 particulares a via (facultativa) de acesso a comissões arbitrais.
 
  
 
 5 — Este Tribunal, em fiscalização abstracta sucessiva, já confrontou o artigo 
 
 16.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro (na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, 
 de 2 de Setembro) com o direito ao recurso contencioso, consagrado na 
 Constituição (artigo 269.º, n.º 2, na sua versão originária, passando, depois, 
 na versão de 1982, para o artigo 268.º, n.º 3, e, na versão de 1989, para o 
 artigo 268.º, n.º 4).  Fê-lo no Acórdão n.º 39/88, publicado no Diário da 
 República, I Série, de 3 de Março de 1988.  Escreveu-se, então:
 
  
 Pretende-se que a disciplina legal acabada de descrever «compromete o êxito do 
 recurso à via jurisdicional».
 E isso seria assim porque as decisões das comissões arbitrais carecem de 
 homologação ministerial. E, então, bastaria que o Ministro as não homologasse 
 para que o recurso, a interpor do respectivo despacho, só pudesse visar a 
 anulação deste «nos limitados termos em que o direito português prevê a 
 fiscalização jurisdicional do exercício de poderes discricionários» (cfr. 
 parecer junto pela CIP).
 Esta argumentação não procede, porém.
 Vejamos:
 O Ministro das Finanças só haverá de decidir-se pela não homologação da decisão 
 de uma comissão arbitral quando esta não respeitar os critérios legais.  E, ao 
 fazê-lo, fundamentará a sua decisão, tal como quando o despacho for 
 homologatório (cfr. artigo 268.º, n.º 2, da Constituição e artigo 1.º do 
 Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho).
 A ser assim, como parece, não se vê como o recurso a interpor do despacho 
 ministerial deva restringir-se à invocação do desvio do poder.  Haja o Ministro 
 homologado ou não a decisão da comissão arbitral, sempre o recurso haverá de 
 poder fundamentar-se em outros vícios de que o acto administrativo acaso padeça.
 
 É certo que, sendo o recurso em causa um recurso de mera legalidade, as 
 possibilidades que o Supremo Tribunal Administrativo tem de avaliar a correcta 
 ou incorrecta aplicação dos critérios legais de determinação dos valores das 
 indemnizações — e, assim, de anular o despacho impugnado — são, naturalmente, 
 mais limitadas do que se se tratasse de um recurso de plena jurisdição: só 
 quando se prove a ilegalidade dos métodos adoptados ou dos critérios utilizados 
 na avaliação é que a anulação é possível.
 Nada disto, porém, afecta a garantia do recurso contencioso, consagrada no 
 artigo 268.º, n.º 3, da Constituição, quando preceitua:
 Artigo 268.º […]
 
  
 
 3 — É garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em 
 ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios, 
 independentemente da sua forma, bem como para obter o reconhecimento de um 
 direito ou interesse legalmente protegido.
 
  
 Na verdade, como este Tribunal já decidiu por mais de uma vez, seguindo a 
 jurisprudência da Comissão Constitucional, «a garantia de recurso contencioso 
 tem por conteúdo a possibilidade de acesso aos tribunais para defesa dos 
 direitos».  O que se quer é «fazer valer de forma expressa para os actos 
 administrativos definitivos e executórios […] a doutrina geral consignada pela 
 parte primeira do artigo 20.º, quando dispõe que ‘a todos é assegurado o acesso 
 aos tribunais para defesa dos seus direitos [...]’.  Garante-se aí aos 
 interessados a possibilidade de impugnação dos actos administrativos viciados» 
 
 (cfr. Acórdão n.º 86/84, in Diário da República, II Série, de 2 de Fevereiro de 
 
 1985, e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 354, pp. 229 e segs.).
 Ora, seja qual for o fundamento que, para impugnação do despacho ministerial, os 
 particulares possam invocar, e bem assim as possibilidades de que disponha a 
 jurisdição administrativa para sindicar o acto impugnado, uma coisa é certa: o 
 acesso à via judicial para atacar um acto administrativo eventualmente viciado 
 aí está.  Mas, mais do que isso: os particulares podem, como já se mostrou, 
 lançar mão da via judicial, não já para atacar o despacho do Ministro que 
 homologou ou não a decisão da comissão arbitral, a que decidiram recorrer, mas 
 sim para, nessa sede, serem decididas as questões suscitadas pela titularidade 
 do direito à indemnização, pela sua fixação, liquidação e efectivação.
 Concluindo este ponto: o artigo 16.º da Lei n.º 80/77 (redacção do Decreto-Lei 
 n.º 343/80) não viola, pois, a garantia de recurso contencioso, consagrada no 
 n.º 3 do artigo 268.º da Constituição.
 
  
 
 (Um comentário a este acórdão e, concretamente, sobre este ponto pode ver-se em 
 José de Oliveira Ascensão, Expropriações e Nacionalizações, Lisboa, 1989, pp. 
 
 230 e segs., esp. pp. 258-9).
 Não há razão para alterar a conclusão a que, então, se chegou e que vale, por 
 identidade de razões para o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de 
 Março.
 
  
 
 6 — Aliás, verdade seja dita que os recorridos também não sustentam haver 
 violação do direito ao recurso contencioso; o que sustentam é que o n.º 6 do 
 artigo 16.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro (redacção do Decreto-Lei n.º 
 
 343/80, de 2 de Setembro) viola os artigos 205.º e 206.º (reserva do juiz) e 
 
 114.º (separação de poderes) da Constituição (quanto aos artigos 205.º e 206.º, 
 na versão de 1982, claro, pois que, na de 1989, em causa estão os n.os 1 e 2 do 
 artigo 205.º, como adiante se verá).
 Essa é também a via por que o acórdão recorrido chega à inconstitucionalidade 
 das normas sub iudicio.  Escreveu-se, aí, a propósito:
 
  
 Deste modo, quando o artigo 16.º, n.º 6, da Lei n.º 80/77, na redacção dada pelo 
 Decreto-Lei n.º 343/80, e o artigo 24.º do Decreto--Lei n.º 51/86 conferem ao 
 Ministro das Finanças e do Plano o poder de fixar as indemnizações devidas por 
 actos de nacionalização ou expropriação, através da homologação ou não 
 homologação das «decisões» das comissões arbitrais estão a atribuir àquele órgão 
 administrativo o poder de decidir, em termos autoritários, um conflito de 
 interesses em que a própria Administração é parte interessada, atribuindo-lhe um 
 poder próprio da função jurisdicional que a Constituição reserva aos Tribunais e 
 exclui da função administrativa que ao Governo compete […].
 Para o acórdão recorrido, pois, a fixação de indemnização devida por 
 nacionalização é matéria em que é ao juiz que cabe, não apenas a última, mas 
 logo a primeira palavra.
 
 É, pois, ao confronto das normas sub iudicio com o princípio da reserva do juiz 
 que há que proceder, uma vez que, se os artigos 205.º e 206.º da Constituição 
 não forem violados, também, por razões óbvias, o não será o princípio da 
 separação de poderes, consagrado no artigo 114.º da Lei Fundamental.
 Este Tribunal já analisou a essa luz o artigo 16.º da Lei n.º 80/77, mas tendo 
 em conta a sua redacção originária.  Fê-lo no Acórdão n.º 280/89, publicado no 
 Diário da República, II Série, de 12 de Junho de 1989, tirado em fiscalização 
 concreta.  Aí se concluiu no sentido da não inconstitucionalidade do preceito 
 em causa.
 Tem aqui pleno cabimento o que então se escreveu para concluir que, tendo em 
 conta os termos em que essa competência é exercida, o facto de a lei cometer a 
 fixação das indemnizações devidas por nacionalizações a entidade diversa do juiz 
 
 (recte, ao Ministro das Finanças) não constitui violação do princípio da reserva 
 da função jurisdicional aos juízes e aos tribunais.
 Sublinha-se que a doutrina do artigo 205.º (na redacção original e na de 1982) 
 corresponde, na versão de 1989, ao n.º 1 desse artigo 205.º; e que a do artigo 
 
 206.º (também da redacção original e da de 1982) consta, hoje, do n.º 2 do mesmo 
 artigo 205.º  Prescreve-se, aí:
 
  
 Artigo 205.º
 
 (Função jurisdicional)
 
  
 
 1 — Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a 
 justiça em nome do povo.
 
 2 — Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos 
 direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da 
 legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
 
 3 — […].
 
 4 — […].
 
  
 A propósito dos artigos 205.º e 206.º da Constituição (versão originária), 
 escreveu-se no citado acórdão n.º 280/89, entre o mais, o que segue, aplicável, 
 hoje, aos n.os 1 e 2 do artigo 205.º, acabados de transcrever:
 
  
 Assim, enquanto o artigo 205.º reservava aos tribunais o exercício da função 
 jurisdicional [...], o artigo 206.º descrevia, em termos finalísticos, tal 
 função, isto é, especificava que a ela cabiam as seguintes tarefas: 1) a defesa 
 dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos; 2) a repressão de 
 violações à legalidade democrática; 3) a dirimição dos conflitos de interesses 
 públicos e privados.
 Desenvolvendo o sentido e alcance destas tarefas, constitucionalmente reservadas 
 
 à função judicial, escreviam, a propósito, Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. 
 cit., p. 397:
 A distinção entre direitos e interesses legalmente protegidos é corrente no 
 direito administrativo para distinguir entre os direitos subjectivos (privados 
 ou públicos) e as situações ou posições juridicamente protegidas que se não 
 reconduzem a direitos subjectivos propriamente ditos («interesses legítimos»).  
 O conceito de legalidade democrática parece estar utilizado aqui num sentido 
 prescritivo — isto é, no sentido de ordem jurídica democraticamente instituída 
 
 —, e não num sentido normativo, como no artigo 3.º, n.º 4 (v. nota respectiva).  
 Os conflitos de interesses tanto podem ser entre interesses públicos (ou pelo 
 menos entre interesses de diversas entidades públicas), entre interesses 
 públicos e privados ou entre interesses privados.
 Com esta descrição normativa não se esgotam, no entanto, as dificuldades 
 existentes na distinção da função jurisdicional da função administrativa, dados 
 os pontos em comum que as unem [v., por exemplo, o artigo 202.º, alínea f), da 
 Constituição da República Portuguesa, que estipula que compete ao Governo, o 
 exercício de funções administrativas, defender a legalidade democrática].  Sem 
 divergência em relação à definição constitucional da função jurisdicional, 
 outros traços, outros aspectos tidos por típicos de tal função têm vindo a ser 
 salientados, em ordem a diferenciá-la da função administrativa.
 
  
 E, mais adiante, acrescenta, transcrevendo, de resto, o que se escrevera no 
 Acórdão n.º 104/85, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Agosto 
 de 1985:
 
  
 Referenciando o que une e o que separa uma e outra função, escreveu-se, a 
 propósito, no Acórdão n.º 104/85 do Tribunal Constitucional:
 
  
 
 É certo que existe algum paralelismo, alguma analogia, entre a função 
 jurisdicional e a função administrativa: ambas, como funções do Estado, são 
 expressão do imperium emanado da soberania popular, ambas são executivas e ambas 
 agem sobre o caso concreto.  Mas apesar de ligadas entre si por estes pontos 
 comuns, mantêm-se no fundo irredutivelmente diferenciadas.
 A separação real entre a função jurisdicional e a função administrativa passa 
 pelo campo dos interesses em jogo: enquanto a jurisdição resolve litígios em que 
 os interesses em confronto são apenas os das partes, a Administração, embora na 
 presença de interesses alheios, realiza o interesse público.  Na primeira 
 hipótese, a decisão situa-se num plano distinto do dos interesses em conflito; 
 na segunda hipótese, verifica-se uma osmose entre o caso resolvido e o interesse 
 público.
 Todavia, ainda por outra vertente se distinguem as funções consideradas: ao 
 passo que o medium da jurisdição é a vontade da lei (concretizada no apuramento 
 da conclusão decisória a partir das premissas previamente enunciadas do 
 silogismo judiciário), o medium da Administração é a vontade própria (o que 
 pressupõe a possibilidade de agir sobre as várias alternativas propostas pela 
 lei).
 
  
 Mais recentemente, no Acórdão n.º 443/91, publicado no Diário da República, II 
 Série, de 2 de Abril de 1992, no intuito de caracterizar a função judicial, 
 escreveu-se, a dado passo, o seguinte: 
 
  
 Será, pois, na chamada de resolução de um conflito relativo a um caso concreto, 
 resolução essa cujo atingir decorre dos critérios constantes de normas jurídicas 
 já existentes (e, desta arte, tendo como fim específico a realização do direito 
 e da justiça), que residirá o punctum saliens caracterizador da função 
 jurisdicional que, assim, não almeja a prossecução e realização de um interesse 
 público diferente do da composição dos conflitos.
 
  
 Esta é também a lição da Doutrina.  Assim, Afonso Rodrigues Queiró [Lições de 
 Direito Administrativo (policopiadas), Coimbra, 1976, pp. 50 e 51] — depois de 
 dizer que «essencial, para que se fale de um acto jurisdicional, parece-nos ser, 
 para já, que um agente estadual tenha que resolver de acordo com o Direito uma 
 
 ‘questão jurídica’, entendendo-se por tal um conflito de pretensões entre duas 
 ou mais pessoas, ou uma controvérsia sobre a verificação em concreto de uma 
 ofensa ou violação da ordem jurídica» — escreve:
 
  
 Ao cabo e ao resto, o quid specificum do acto jurisdicional reside em que ele 
 não apenas pressupõe mas é necessariamente praticado para resolver uma «questão 
 de direito».  Se, ao tomar-se uma decisão, a partir de uma situação de facto 
 traduzida numa «questão de direito» (na violação do direito objectivo ou na 
 ofensa de um direito subjectivo), se actua, por força da lei, para se conseguir 
 a produção de um resultado prático diferente da paz jurídica decorrente da 
 resolução dessa «questão de direito», então não estaremos perante um acto 
 jurisdicional: estaremos, sim, perante um acto administrativo.
 
  
 Na actividade administrativa, com efeito — como sublinha Rogério Soares 
 
 (Interesse Público, Legalidade e Mérito, Coimbra, 1955, pp. 101, 102 e 120) — a 
 resolução do conflito de interesses (da «questão de direito») é orientada por 
 uma perspectiva de interesse público — justamente, do interesse público 
 específico ou particular que a norma acolhe e incorpora.
 Está-se, por isso, ainda no domínio da actividade administrativa, quando, ao 
 resolver uma questão de facto (que se traduz numa «questão de direito»), se visa 
 a prossecução do interesse público que a lei põe a cargo da Administração, e não 
 a paz jurídica que decorre da resolução dessa questão.
 
  
 
 7 — As normas sub iudicio, na medida em que sujeitam as decisões das comissões 
 arbitrais, que hajam fixado indemnizações devidas por nacionalizações, a 
 despacho ministerial de homologação (ou de não homologação), atribuem ao 
 Ministro das Finanças a última palavra sobre o montante dessas indemnizações.  
 
 Última palavra, obviamente, ao nível da Administração, pois que, cabendo recurso 
 contencioso (para o Supremo Tribunal Administrativo) do despacho do Ministro, a 
 
 última e definitiva palavra cabe, em boa verdade, aos tribunais.
 Esta fixação do valor da indemnização pelo Ministro das Finanças não viola a 
 reserva do juiz.
 
 É que — como se sublinhou no Acórdão n.º 317/89 (publicado no Diário da 
 República, II Série, de 16 de Junho de 1989), a propósito do artigo 15.º da Lei 
 n.º 80/77 — «ao fixar-se esse valor, ainda se está a prosseguir o interesse 
 público subjacente ao acto de nacionalização [...] ou, por outras palavras, 
 ainda se está no domínio da função administrativa.  Ponto é que a lei não exclua 
 o recurso aos tribunais».
 A competência, que as normas sub iudicio atribuem ao Ministro das Finanças, 
 releva, pois, ainda da actividade administrativa, e não — contrariamente ao que 
 foi decidido pelo acórdão sob recurso — da função judicial.
 O que, então, importa (para que a solução legal tenha assegurada a sua 
 legitimidade constitucional) é, como se disse, que o despacho do Ministro das 
 Finanças, previsto nessas normas, seja contenciosamente impugnável.
 Ora, já atrás se viu, que dele se pode recorrer para o Supremo Tribunal 
 Administrativo.
 
  
 
 8 — Dir-se-á, no entanto, que o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo a 
 que acaba de fazer-se referência, sendo de mera anulação, não protege 
 satisfatoriamente os interesses dos particulares, os quais só serão 
 suficientemente acautelados se esse recurso for de plena jurisdição.
 Ainda, porém, que assim seja — o que aqui não tem que decidir-se —, daí apenas 
 poderá decorrer a inconstitucionalidade do n.º 7 do artigo 16.º da Lei n.º 
 
 80/77, de 26 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de 
 Setembro, e nunca a do n.º 6 do mesmo preceito legal.
 
 É, de facto, o n.º 7 que prescreve que «dos despachos que recaiam sobre decisões 
 das comissões arbitrais cabe recurso para o Supremo Tribunal Administrativo».
 Simplesmente, o n.º 7 do artigo 16.º da Lei n.º 80/77 não está aqui sub iudicio. 
 
  Objecto deste recurso — para além do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de 
 
 14 de Março — é tão-só, recorda-se, o n.º 6 do mesmo artigo 16.º
 
  
 III — Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, concede-se provimento aos recursos e revoga-se o 
 acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de inconstitucionalidade, que, 
 por isso, nessa parte, deve ser reformado.
 
  
 Lisboa, 9 de Maio de 1995. — Messias Bento — Fernando Alves Correia — Bravo 
 Serra — José de Sousa e Brito — Luís Nunes de Almeida — Guilherme da Fonseca — 
 Maria da Assunção Esteves — Alberto Tavares da Costa — Vítor Nunes de Almeida — 
 Maria Fernanda dos Santos Martins da Palma Pereira   (vencida quanto à 
 fundamentação nos termos da declaração de voto junta)         — Antero Alves 
 Monteiro Diniz (sem prejuízo de entender que a fixação das indemnizações 
 decorrentes de nacionalização, quando não exista acordo entre as partes, se 
 há-de inserir no âmbito da função jurisdicional, votei a decisão por força do 
 entendimento de que a norma do artigo 169.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, 
 na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, ao permitir aos 
 interessados «o recurso a outras instâncias competentes» para «a resolução de 
 quaisquer litígios relativos à titularidade do direito à indemnização e à sua 
 fixação, liquidação e efectivação», lhes concedia em todos os casos o acesso à 
 via jurisdicional)— Armindo Ribeiro Mendes (vencido, nos termos da declaração de 
 voto junta) — José Manuel Cardoso da Costa (com a declaração de voto junta).
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 Votei vencida quanto aos fundamentos da declaração de não inconstitucionalidade, 
 por considerar que ela apenas se justifica partindo do princípio de que os 
 artigos 16.º, n.º 6, e 24.º da Lei n.º 80/77, na redacção do Decreto-Lei n.º 
 
 343/80, não excluem a possibilidade de acesso à via judicial para resolução das 
 questões atinentes ao direito de indemnização devida por nacionalização, por 
 força do artigo 16.º, n.º 1, do referido diploma.
 Entendo, diferentemente do que o acórdão pressupõe, que a actividade de fixação 
 do direito à indemnização não corresponde ao exercício de função administrativa. 
 
  Trata-se, na verdade, da determinação, no caso concreto, segundo critérios 
 legais preexistentes, do conteúdo de um direito, correspondendo, por isso, ao 
 exercício de função jurisdicional.  Desse modo, se a solução legislativa 
 oferecida pelo diploma em que se inserem os artigos 16.º, n.º 6, e 24.º não 
 previsse o acesso à via jurisdicional, haveria colisão com o artigo 205.º, n.os 
 
 1 e 2, da Constituição.
 Todavia, apesar de o legislador ter criado uma forma administrativa de 
 determinação da indemnização, não negou o acesso imediato aos tribunais, não se 
 pondo em causa, por conseguinte, a reserva de função jurisdicional.
 A reserva de função jurisdicional não tem de significar, em qualquer situação, 
 uma imposição aos particulares da via contenciosa para realização dos seus 
 direitos ou solução de quaisquer litígios.  A reserva de função jurisdicional 
 apenas implica, na minha opinião, competência dos tribunais para decidir certo 
 tipo de questões.
 Em matéria de complexidade técnica, é compreensível que a Administração se 
 disponha a actuar no sentido de adequar os critérios legais à situação concreta 
 
 — e isso será legítimo desde que não obste, repete-se, ao recurso aos tribunais.
 Por outro lado, é igualmente aceitável que os particulares prefiram a via do 
 diálogo com a Administração por razões do seu interesse.  Há, de algum modo, na 
 criação de comissões arbitrais mistas em que os particulares estão representados 
 uma forma dialogante e participada de Administração que a tradicional divisão de 
 funções não tem que impedir.  A própria homologação do Ministro das Finanças 
 prevista no artigo 24.º, só tem como fim a verificação da conformidade da 
 decisão da comissão arbitral com os critérios legais.
 Além disso, a actividade administrativa não tem de se caracterizar, hoje, pela 
 prossecução de interesses públicos em detrimento de fins de realização do 
 Direito. Entendida a realização do Direito, ou a prossecução de fins de Justiça, 
 como decisão segundo os critérios jurídicos vigentes, também, de algum modo, 
 estes fins caracterizam uma Administração moderna.
 
 É claro que a subordinação da Administração a estritos critérios de legalidade 
 não pode enfraquecer uma perspectiva essencial de salvaguarda das máximas 
 garantias de independência e imparcialidade do órgão decisor, nem tornar inútil 
 a divisão de funções decorrente da separação de poderes.  A intensificação da 
 referência da actividade administrativa à Legalidade e à Justiça, apenas implica 
 uma relativização da divisão de funções, assente tradicionalmente no tipo de 
 interesse prosseguido, deslocando a perspectiva para as exigências da realidade 
 pré-normativa.
 Por tudo isto, entendi, no caso sub judicio, que a reserva de função 
 jurisdicional se satisfazia com a possibilidade de acesso aos tribunais.  
 Segundo tal interpretação do artigo 16.º, n.º 1, a constitucionalidade do 
 sistema pressupõe que a opção pela via administrativa nunca vincula 
 definitivamente os particulares à decisão da Administração.
 Neste sentido, também a constitucionalidade da via administrativa prevista 
 legalmente se não basta com as garantias do recurso contencioso de anulação.  
 Impõe-se sempre a plena revisibilidade da decisão homologada pelo Ministro das 
 Finanças, nomeadamente através de recurso contencioso de plena jurisdição, como 
 decorrência do artigo 20.º da Constituição.
 Este último limite da constitucionalidade da solução legal prevista nos artigos 
 
 16.º, n.º 6, e 24.º não constitui, porém, directamente, objecto do pedido, pois 
 apenas se questiona a colisão dos artigos 16.º, n.º 6 e 24.º com os artigos 
 
 205.º, n.os 1 e 2, e 114.º da Constituição.
 Assim, e exclusivamente pelas razões sustentadas nesta declaração de voto, votei 
 a decisão de não inconstitucionalidade. — Maria Fernanda Palma.
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 
 1 — No presente processo de fiscalização concreta, estava em recurso um acórdão 
 do Supremo Tribunal Administrativo que desaplicara, com fundamento em 
 inconstitucionalidade, o n.º 6 do artigo 16.º da Lei n.º 80/77, de 26 de 
 Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, e o 
 artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março.
 Por não ter podido concordar com a tese subscrita por significativa maioria no 
 Tribunal Constitucional, votei vencido.  Passo a indicar os fundamentos desse 
 voto.
 
  
 A)   O artigo 16.º, n.º 6, da Lei das Indemnizações aos ex-Titulares de Direitos 
 sobre Bens Nacionalizados ou Expropriados
 
  
 
 2 — Na sequência da Revolução de 25 de Abril de 1974 e, em especial, a partir de 
 
 11 de Março de 1975, o Conselho da Revolução e os Governos provisórios 
 procederam a nacionalizações de grande parte das empresas de significativa 
 dimensão em diferentes sectores da economia nacional (banca, seguros, 
 cimenteiras, empresas transportadoras, tabacos, cervejas, cimentos, produtos 
 químicos, produtos siderúrgicos, meios de comunicação, etc.).  A par dessas 
 nacionalizações de empresas, assistiu-se também a expropriações e a 
 nacionalizações de prédios rústicos, na zona de intervenção da Reforma Agrária 
 
 (Decretos-Leis n.os 406-A/75, de 29 de Julho, e 407-A/75, de 30 de Julho).
 Ainda antes da entrada em vigor das normas de distribuição de competência 
 legislativa entre os novos órgãos de soberania consagrados na Constituição de 
 
 1976 — diploma que consagrou, na sua versão originária, o princípio da 
 irreversibilidade das nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril de 1974, 
 qualificadas como «conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras» (artigo 
 
 83.º, n.º 1) — foi publicado o Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho, emanado do 
 Conselho da Revolução, o qual veio consagrar um conjunto de normas a seguir no 
 cálculo e posterior pagamento das indemnizações devidas pelo Estado aos 
 ex-titulares de direitos sobre empresas ou bens nacionalizados e expropriados.  
 No preâmbulo deste decreto-lei explicitava-se que o processo indemnizatório aí 
 regulado procurava traduzir «o justo equilíbrio entre os vários interessados — 
 Estado, empresas e titulares de acções ou partes de capital —, de modo a 
 salvaguardar, quer os direitos dos particulares com especial destaque para os 
 pequenos e médios investidores, quer as superiores conveniências da economia 
 nacional», procurando evitar-se «uma nova e indesejável concentração de 
 riqueza».
 Neste diploma de 1976, estabeleciam-se os critérios gerais do processo 
 calculatório das indemnizações (artigos 1.º a 7.º), prevendo-se que as 
 modalidades de pagamento, os prazos desse pagamento e as taxas de juro 
 referentes às eventuais formas de titulação da respectiva dívida pública seriam 
 fixados em Conselho de Ministros mediante proposta do Ministro das Finanças.  Do 
 artigo 13.º deste diploma resultava, com segurança, que se tratava de um 
 primeiro passo legislativo, de carácter emblemático, que pressupunha a edição 
 posterior de legislação concretizadora.
 
  
 
 3 — Em 1977, a Assembleia da República veio aprovar uma nova lei indemnizatória, 
 a Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, na sequência do Decreto-Lei n.º 528/76 e com 
 remissões para parte da disciplina deste, onde se estabeleceu, no seu artigo 
 
 1.º, o princípio geral da indemnização aos ex-titulares dos bens nacionalizados 
 ou expropriados:
 
  
 Do direito à propriedade privada, reconhecido pela Constituição, decorre que, 
 fora dos casos expressamente previstos na Constituição, toda a nacionalização ou 
 expropriação apenas poderá ser efectuada mediante o pagamento de justa 
 indemnização. (artigo 1.º, n.º 1).
 
  
 Nos termos do diploma, previa-se que haveria, em primeiro lugar, uma 
 indemnização provisória, a que se seguiria uma indemnização definitiva, sendo o 
 valor desta última «fixado por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da 
 Agricultura e Pescas, de acordo com os princípios e regras a definir pelo 
 Governo, nos termos do n.º 2 do artigo 37.º» (artigo 15.º, n.º 1).  A fixação do 
 valor indemnizatório seria, porém, precedida do parecer de uma comissão 
 tripartida, composta por representantes dos Ministérios das Finanças, da 
 Agricultura e Pescas e do titular ou titulares do direito à indemnização.
 O artigo 16.º, na sua versão originária, organizava a impugnação do acto 
 administrativo de fixação da indemnização definitiva de uma forma relativamente 
 original: ou através de recurso contencioso a interpor para o Supremo Tribunal 
 Administrativo (meio geral que está englobado indubitavelmente na primeira parte 
 do n.º 1 deste artigo 16.º: «sem prejuízo do recurso para outras instâncias 
 competentes…» como se confirmava pela leitura do seu n.º 8), ou através de um 
 recurso a interpor para uma comissão arbitral única composta por 7 membros e 
 presidida por um juiz do Supremo Tribunal de Justiça.  Através do recurso 
 interposto para a referida comissão arbitral, por livre opção do interessado, 
 podia obter-se «a resolução de quaisquer litígios relativos à titularidade do 
 direito à indemnização definitiva e à sua fixação, liquidação e efectivação».  
 De harmonia com o n.º 4 do artigo 16.º, a Comissão arbitral julgaria «da 
 existência dos créditos pretendidos face ao direito vigente», reapreciando «de 
 pleno direito a liquidação, avaliação e formas de pagamento, de acordo com a lei 
 aplicável, podendo anular ou modificar actos impugnados», e julgaria os casos de 
 compensação com outros créditos que lhe fossem submetidos pelo Estado ou outras 
 entidades públicas.  Da decisão desta comissão arbitral cabia recurso 
 jurisdicional, nos termos gerais de direito, para o Supremo Tribunal 
 Administrativo, sendo obrigatório o recurso para o Ministério Público sempre que 
 a decisão fosse desfavorável ao Estado (n.º 8).
 Para que não subsistissem dúvidas, o n.º 11 do artigo 16.º estabelecia que se 
 aplicava as resoluções da comissão arbitral «o regime da inexecução legítima das 
 sentenças dos tribunais administrativos».
 Face a este regime legal, podia razoavelmente concluir-se — embora a 1.ª Secção 
 do Tribunal Constitucional o não tivesse feito no Acórdão n.º 280/89 adiante 
 referido — que o legislador organizava um sistema administrativo de fixação da 
 indemnização definitiva, atribuindo competência ao Ministro das Finanças para 
 proceder, através de acto administrativo, a essa fixação, ouvido antes o parecer 
 de uma comissão consultiva tripartida.  Este acto administrativo era impugnável 
 contenciosamente, ou por recurso a interpor directamente para o Supremo Tribunal 
 Administrativo ou por recurso para uma comissão arbitral.  O âmbito desse 
 recurso era muito amplo, quando interposto para a comissão arbitral única, 
 podendo falar-se de um sistema de revisibilidade plena ou de um recurso de plena 
 jurisdição.  A última palavra na matéria cabia sempre ao Supremo Tribunal 
 Administrativo, ou através do conhecimento do recurso jurisdicional interposto 
 da decisão da comissão arbitral, ou através de recurso directo de anulação para 
 ele directamente interposto, nos termos gerais de direito.
 
  
 
 4 — O Governo da Aliança Democrática veio alterar a Lei n.º 80/77, visando, no 
 dizer do próprio legislador, tornar mais expedito o sistema de atribuição das 
 indemnizações definitivas, eliminando dúvidas de interpretação e mecanismos mais 
 complexos do articulado original.
 O Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, descaracterizou o sistema anterior, 
 eliminando a alternatividade dos órgãos competentes para conhecer dos litígios 
 relativos à titularidade do direito à indemnização definitiva e à sua fixação, 
 liquidação e efectivação, bem como a referência ao objecto do recurso constante 
 da precedente redacção do n.º 4 do artigo 16.º De facto, em vez de um órgão 
 arbitral típico — como era a anterior comissão arbitral, de cujas decisões cabia 
 recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo — passou a haver 
 uma comissão arbitral cujas decisões estavam sujeitas a homologação pelo 
 Ministro das Finanças.  Do despacho que recaísse sobre as decisões das comissões 
 arbitrais, de homologação ou de não-homologação, caberia um recurso contencioso 
 de anulação para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos da lei geral.  A 
 acreditar no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 343/80, as alterações à constituição e 
 fornecimento das comissões arbitrais visariam torná-las «mais operativas».
 A norma desaplicada pela decisão recorrida é precisamente a constante do n.º 6 
 do artigo 16.º da redacção de 1980 da Lei n.º 80/77 [entretanto revogada pelo 
 artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro], 
 norma que, repete-se, descaracterizou a natureza arbitral da antiga comissão 
 
 única, ao transmudá-la em diferentes órgãos ancilares da Administração, 
 encarregados da preparação das decisões indemnizatórias definitivas 
 relativamente aos diferentes bens ou empresas nacionalizados ou expropriados.
 Cabe, por isso, perguntar se a redução última do controlo jurisdicional, em 
 matéria de contencioso de indemnizações, ao Supremo Tribunal Administrativo, 
 através de um recurso de anulação, recurso de mera legalidade, poderá 
 considerar-se conforme à Constituição, na sua versão presente.
 
  
 
 5 — O acórdão recorrido do Supremo Tribunal Administrativo deu uma resposta 
 clara a esta interrogação.
 Considerou que o despacho do Ministro das Finanças que recusasse a homologação 
 da decisão da chamada comissão arbitral estaria afectado de vício de usurpação 
 de poder, sendo, por isso, nulo na tese do acordão recorrido — e que traduz a 
 orientação jurisprudencial predominante no Supremo Tribunal Administrativo, 
 sendo minoritária a corrente que sustenta não se verificar tal vício— a 
 resolução dos litígios decorrentes do acto de nacionalização é uma matéria 
 tipicamente jurisdicional, integrada na reserva do juiz.  Tratar-se-ia de um 
 caso em que a primeira e a última palavra haveriam de caber ao juiz e não a um 
 
 órgão administrativo.  Ora, a norma em apreciação, ao conferir ao Ministro das 
 Finanças o poder de fixar as indemnizações definitivas devidas por actos de 
 nacionalização ou expropriação, através do acto de homologação ou de 
 não-homologação das decisões das comissões arbitrais, estaria, no fundo, a 
 conferir-lhe o poder de decidir, em termos autoritários e finais, um conflito de 
 interesses entre a administração e o particular privado do bem nacionalizado ou 
 expropriado, fazendo a Administração agir como juiz em causa própria, isto é, 
 conferindo-lhe um poder próprio da função jurisdicional que a Constituição 
 reserva aos Tribunais e deixa, por isso, fora da função administrativa que ao 
 Governo compete.  A homologação administrativa de uma decisão que deveria ser 
 proferida por órgão jurisdicional, como seria um tribunal arbitral, implicaria 
 uma usurpação de poderes jurisdicionais, proibida pelo princípio constitucional 
 da divisão de poderes ou de separação e interdependência dos poderes do Estado 
 
 (cfr. artigo 114.º, n.º 1, da Constituição).  No caso concreto, a comissão 
 arbitral teria resolvido um litígio entre o Estado e a recorrente, o que 
 traduziria um objectivo de realização do direito ou da justiça através de um 
 acto de declaração do direito (jurisdictio), agindo de forma desinteressada e 
 imparcial.  A decisão de não-homologação da decisão arbitral por uma autoridade 
 administrativa provinha do representante de uma das partes no litígio, pelo que 
 não haveria nesse acto desinteresse e imparcialidade.  A contrariedade com os 
 artigos 205.º, n.os 1 e 2, e 206.º da Constituição seria patente.
 Seria indesmentível a semelhança entre a nacionalização e a expropriação por 
 utilidade pública. Também neste último caso, os interesses públicos prosseguidos 
 pela Administração se esgotam na declaração de utilidade pública e no eventual 
 decretamento da posse administrativa.  Na falta de acordo entre expropriante e 
 expropriado quanto ao valor da indemnização devida pelo acto de ablação, o 
 expropriado é remetido para os tribunais comuns, a quem cabe resolver o litígio 
 existente, de forma autoritária e definitiva (cfr. Código das Expropriações de 
 
 1991, artigos 10.º, 22.º e 36.º).
 
  
 
 6 — Como se refere no texto do presente acórdão, o Tribunal Constitucional teve 
 ocasião, em 1988 e em 1989, de negar que fosse contrário à Constituição o regime 
 de homologação administrativa das decisões arbitrais.  No Acórdão n.º 39/88 (in 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º Vol., p. 282) — em passo transcrito no 
 presente acórdão — indicaram-se os seguintes fundamentos para o juízo de não 
 inconstitucionalidade:
 
  
 
 —  o Ministro das Finanças só deveria decidir-se pela não-homologação da decisão 
 de uma comissão arbitral quando esta não respeitasse os critérios legais 
 
 (estando excluída a discordância do Ministro das Finanças com a decisão da 
 comissão arbitral por razões de conveniência ou oportunidade);
 
 —  O acto administrativo de não-homologação teria, nos termos da lei geral, de 
 ser fundamentado (tal como o de homologação), ficando excluído o risco de 
 qualquer secretismo nas razões da decisão administrativa em causa;
 
 —  No recurso directo de anulação, poderiam arguir-se, assim, todos os vícios de 
 natureza administrativa quanto ao concreto acto administrativo praticado pelo 
 Ministro das Finanças (homologação ou não-homologação) e não só o desvio de 
 poder;
 
 —  De todo o modo, as eventuais limitações do conhecimento dos fundamentos de 
 impugnação no recurso de contencioso administrativo nunca afectariam a garantia 
 constitucional do recurso contencioso;
 
 —  Fosse qual fosse o fundamento que, para impugnação do despacho ministerial, 
 os particulares pudessem invocar, e, bem assim, as possibilidades de que 
 dispusesse a jurisdição administrativa para sindicar o acto impugnado, uma coisa 
 seria certa: «o acesso à via judicial para atacar um acto administrativo 
 eventualmente viciado aí está.  Mas, mais do que isso os particulares podem, 
 como já se mostrou, lançar mão da via judicial não já para atacar o despacho do 
 Ministro que homologou ou não a decisão da comissão arbitral, a que decidiram 
 recorrer, mas sim para, nessa sede serem decididas as questões suscitadas pela 
 titularidade do direito à indemnização pela sua fixação, liquidação e 
 efectivação» (ob. cit., p. 283, itálicos acrescentados; desconsiderando tal 
 possibilidade, veja-se o comentário de Freitas do Amaral, in Indemnização Justa 
 ou Irrisória, publicado in Direito e Justiça, vol. v, 1991, pp. 68-69; em 
 sentido concordante, Oliveira Ascensão, estudo citado no texto do acórdão, pp. 
 
 259-260).
 
  
 No Acórdão n.º 280/89, tirado em fiscalização concreta, interpretou-se a versão 
 originária do artigo 16.º da Lei n.º 80/77 no sentido de se consagrar aí uma 
 tríplice possibilidade de «impugnação» do acto de fixação das indemnizações ou 
 através de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (artigo 16.º, n.º 8), 
 ou através de recurso para a comissão arbitral prevista no n.º 1 da disposição, 
 ou, por último, por meio processual alternativo dirigido aos tribunais judiciais 
 
 (seria esse o sentido da ressalva inicial constante desse n.º 1 «sem prejuízo do 
 recurso para outras instâncias competentes»):
 
  
 E, por isso mesmo, outro tinha de ser o sentido da ressalva, ou seja, o sentido 
 que logo se lhe assinalou: o de que aos interessados era também lícito 
 recorrerem directamente aos tribunais, e com prevalência sobre as decisões 
 administrativamente tomadas, para resolução de litígios relativos à fixação da 
 indemnização definitiva (Acórdãos, 13.º Vol., Tomo II, p. 848).
 
  
 Nessa ordem de ideias, se os particulares recorressem desde logo aos tribunais 
 judiciais para a fixação do valor da indemnização — o que, concedia-se, seria 
 
 «tipicamente uma situação não standard» — «a opção pela via judicial retirava 
 automaticamente valência ao despacho ministerial conjunto que tivesse procedido 
 
 àquela fixação» (ob. cit., p. 852).  Este acto administrativo, «tão precário», 
 não poderia, «de modo algum, participar da dialéctica interna ao conceito de 
 função jurisdicional.  Antes a actuação dos Ministros das Finanças e da 
 Agricultura e Pescas, prevista no artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 80/77, redacção 
 originária, desenvolvendo-se numa fase pré-conflitual, como que preventiva, era 
 tipicamente administrativa» (ob. cit., pp. 852-853).  Não haveria, em caso 
 algum, violação da reserva de juiz porque o acto administrativo em causa seria 
 
 «condicionado», num momento em que não se verificara ainda «qualquer violação de 
 um direito subjectivo, situação esta que só a posteriori, e eventualmente, 
 poderia ocorrer, ou seja, se a indemnização compensatória, administrativamente 
 fixada, viesse a ser inferior ao valor real do prédio nacionalizado ou 
 expropriado».  Mas havendo ofensa do direito à justa indemnização, o ofendido 
 poderia — em situação de real «conflito entre o interesse público e o interesse 
 privado» — recorrer aos tribunais, únicos legitimados, face à Constituição, para 
 dirimir tal conflito, no exercício da função jurisdicional.  A determinação 
 indemnizatória pelo órgão administrativo «situava-se antes num plano 
 pré-jurisdicional» (ob. cit., p. 854; vejam-se as críticas a este acórdão de 
 Oliveira Ascensão, in «A Reserva Constitucional de Jurisdição», em O Direito, 
 ano 123.º, ii/iii, 1991, pp. 478 e segs.).
 Já no Acórdão n.º 317/89, tirado em fiscalização concreta pela outra secção do 
 Tribunal Constitucional (a 2.ª), houve uma clara tomada de posição sobre a não 
 inconstitucionalidade do artigo 15.º da Lei n.º 80/77, adoptando-se o 
 entendimento de que a fixação da indemnização por nacionalização podia ser, à 
 luz da Constituição, determinada por via administrativa: «a fixação do ‘valor da 
 indemnização definitiva devida pela nacionalização e expropriação de prédios ao 
 abrigo da legislação sobre reforma agrária’ pode ser objecto daquele despacho 
 
 [do Ministro das Finanças e do Ministro da Agricultura e Pescas], pois, ao 
 fixar-se esse valor, ainda se está a prosseguir o interesse público subjacente 
 ao acto da nacionalização ou expropriação ou, por outras palavras, ainda se está 
 no domínio da função administrativa.  Ponto é que a lei não exclua o recurso aos 
 tribunais» (Acórdãos, 13.º Vol., Tomo II, p. 936).
 Não pode deixar de acentuar-se a diversidade de entendimentos entre estes dois 
 
 últimos acórdãos, tirados em fiscalização concreta.  No fundo, a 1.ª Secção do 
 Tribunal Constitucional entendia que a resolução do litígio não cabia, em caso 
 algum, à função administrativa.  Outro entendimento era perfilhado pela 2.ª 
 Secção neste Acórdão n.º 317/89.
 
  
 
 7 — O acórdão em que votei vencido considera que a indemnização pode, em termos 
 constitucionais, ser fixada administrativamente, independentemente de se saber 
 se existe ou não uma via alternativa de recurso aos tribunais judiciais (via que 
 estaria, porventura contida na ressalva inicial constante do n.º 1 do artigo 
 
 16.º da Lei n.º 80/77), ou qual o âmbito de cognição do tribunal administrativo 
 quanto ao objecto do respectivo recurso.
 Tenho para mim que a melhor interpretação do n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º 
 
 80/77 — em qualquer das suas sucessivas redacções — exclui a via de acesso aos 
 tribunais judiciais para a fixação das indemnizações, como atrás deixei referido 
 
 (cfr. n.º 3 desta Declaração).  Nessa medida — e não obstante a substancial 
 concordância, quanto ao fundo, com a doutrina acolhida no citado Acórdão n.º 
 
 280/89 — impõe-se que tenha de votar vencido, por considerar inconstitucional o 
 n.º 6 do artigo 16.º da Lei n.º 80/77.
 Na verdade, não me parece compatível com o disposto, hoje, no n.º 3 do artigo 
 
 214.º da Constituição — mas acentuo que este preceito só foi introduzido na 
 revisão constitucional de 1989, sendo o Acórdão n.º 280/89 tirado antes dessa 
 alteração constitucional — que os particulares ex-detentores de bens 
 nacionalizados ou expropriados possam, ad libitum, recorrer aos tribunais 
 judiciais para resolução dos litígios com o Estado acerca da fixação da 
 indemnização definitiva, ou seguir a via do contencioso administrativo e 
 impugnar o acto administrativo de homologação ou de não homologação da decisão 
 da concreta comissão arbitral.  E, mesmo antes de 1989, sempre acrescentarei que 
 dificilmente poderia sustentar-se tal existência de impugnações alternativas, no 
 contencioso administrativo e nos tribunais judiciais, situação que o Acórdão n.º 
 
 280/89 concedia não ser típica ou standard...
 No plano interpretativo do direito ordinário, entendo que os cânones de uma boa 
 interpretação sempre imporiam que a ressalva da parte inicial do n.º 1 do artigo 
 
 16.º da Lei n.º 80/77 — na sua versão originária de forma clara; na versão 
 posterior ao Decreto-Lei n.º 343/80, com menor clareza, mas ainda de forma 
 suficientemente segura — fosse entendida essencialmente como a ressalva da via 
 do contencioso administrativo: na versão originária, permitia-se ou o recurso 
 directo para o Supremo Tribunal Administrativo ou o recurso a um tribunal 
 arbitral de natureza permanente, com subsequente recurso para o Supremo Tribunal 
 Administrativo, tendo cada um destes últimos meios diferente âmbito de cognição 
 
 (cognição plena e plena revisibilidade do acto de fixação da indemnização 
 definitiva pela comissão arbitral; recurso jurisdicional quanto a matéria de 
 direito para o S.T.A.); na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 343/80, 
 permitia-se igualmente o recurso directo para o S.T.A. do acto administrativo 
 ministerial, mas admitia-se — como sobrevivência da solução originária — a 
 existência de uma comissão tripartida «de tipo arbitral» (na realidade, um órgão 
 de natureza auxiliar ou consultiva do Ministro das Finanças, a que poderiam 
 recorrer os interessados, sendo que esse ministro tinha o poder de decisão 
 administrativa final, homologando ou não o «laudo arbitral»).  Deve, aliás, 
 entender-se que a ressalva da parte inicial do n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º 
 
 80/77 cobre, em qualquer das versões desse número o recurso aos tribunais 
 judiciais quando haja litígios entre os particulares sobre a titularidade do 
 direito à indemnização definitiva (por exemplo, sucessão mortis causa do titular 
 da indemnização; cfr. o artigo 4.º, n.º 1, alínea f), do E.T.A.F., Decreto-Lei 
 n.º 129/84, de 27 de Abril).
 
  
 
 8 — Tal como sustenta Rebelo de Sousa (in Comissões Arbitrais, Indemnizações e 
 Privatizações, estudo também publicado no vol. v, de 1991, da revista Direito e 
 Justiça, pp. 92 e segs.) entendo que a fixação do valor das indemnizações 
 previstas em matéria de nacionalizações ou expropriações cabe no âmbito material 
 da função jurisdicional, à face da Constituição portuguesa.  Essa é, de resto, a 
 orientação tradicional do direito francês desde a revolução, de 1789, vendo no 
 juge judiciaire o «guardião natural da propriedade privada e das liberdades 
 essenciais» (cfr. Franck Moderne, «L’Exemple des Nationalisations Françaises», 
 in Direito e Justiça, vol. v, p. 24, nota 25; quanto à situação espanhola, 
 note-se que, a propósito da nacionalização do Grupo Rumasa, os ex-titulares das 
 empresas nacionalizadas suscitaram a questão de inconstitucionalidade da lei de 
 nacionalização perante o tribunal judicial — cfr. Pierre Bon, «Les 
 Nationalisations dans la Jurisprudence Constitutionnelle de l’Europe de 
 l’Ouest», in Revue Française de Droit Constitutionnel, n.º 17, 1994, pp. 30 e 
 segs.).
 Tal como Rebelo de Sousa, creio que, na matéria de indemnização por 
 nacionalização ou por expropriação por utilidade pública, «não existe legalmente 
 interesse público administrativo autónomo relevante». A decisão de 
 nacionalização é de natureza política ou, pelo menos, de direito público; a 
 decisão de expropriar por utilidade pública é de natureza administrativa.  Os 
 critérios das respectivas indemnizações — que não têm de ser constitucionalmente 
 idênticos, como afirmou, e bem, o Tribunal Constitucional no citado Acórdão n.º 
 
 39/88 — hão-de constar da lei.  Mas há-de caber ao juiz ordinário a primeira e a 
 
 última palavra na resolução do conflito entre o particular, ex-titular do bem 
 nacionalizado ou expropriado, e a Administração, e tal «primeira palavra» há-de 
 caber ao tribunal judicial e não ao tribunal administrativo.  Como nota ainda 
 Rebelo de Sousa, «se, em teses, existisse caso em que, por absurdo, seria 
 defensável a existência de um interesse administrativo autónomo a ponderar na 
 fixação das indemnizações seria no previsto [no] Código das Expropriações, que, 
 no entanto, precisamente o afasta», do mesmo passo que «falar num interesse 
 político-legislativo autónono do interesse essencial de dirimir conflitos de 
 interesses seria admitir que um direito como o é a indemnização mereceria menos 
 protecção em face de actos legislativos» (artigo citado, revista citada p. 96; 
 do mesmo autor, mais desenvolvidamente, «As Indemnizações por Nacionalização e 
 as Comissões Arbitrais», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 49.º, ii, 1989, 
 pp. 378 e segs.; e ainda Oliveira Ascensão, «A Reserva Constitucional de 
 Jurisdição», in O Direito, ano 123.º, ii/iii, 1991, pp. 465 e segs.).
 Admitindo o critério de distinção da actividade administrativa e da actividade 
 judicial que o Tribunal Constitucional vem adoptando, na esteira do ensino de 
 Afonso Rodrigues Queiró, e considerando que a função jurisdicional se 
 caracteriza por ter como objecto e como fim específico a resolução de uma 
 questão de direito (cfr. Acórdãos n.os 104/85, 443/91, 52/92 e 179/92, publicado 
 o primeiro nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º vol., pp. 633 e segs., e 
 os restantes no Diário da República, II Série, n.º 78-S, de 2 de Abril de 1992, 
 I Série-A, n.º 62, de 14 de Março de 1992, e II Série, n.º 216, de 18 de 
 Setembro de 1992, respectivamente), creio que a primeira e a última palavra na 
 fixação do quantum indemnizatório hão-de caber aos tribunais, visto aí se 
 encontrar, indiscutivelmente, a realização do interesse público de composição de 
 conflitos, uma vez que importa definir autoritariamente a resolução de uma 
 questão de direito, ou seja, a aplicação dos critérios indemnizatórios legais ao 
 caso concreto controvertido.
 Sem desconhecer as dificuldades de aplicação (bastará citar Gomes Canotilho e 
 Canelas de Castro, «Constitucionalidade do Sistema de Liquidação Coactiva 
 Administrativa de Estabelecimentos Bancários», in Revista da Banca, n.º 23, 
 
 1992, pp. 59 e segs.; e ainda Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, pp. 792 e 793) e sem 
 contrariar frontalmente mesmo o entendimento de que a fixação do «núcleo duro» 
 da função jurisdicional possa ser temporalmente contingente em diferentes ordens 
 jurídicas do nosso «círculo cultural» (por exemplo, no caso de despejos, 
 execuções, falências, divórcios, fixação de indemnização em expropriações e 
 nacionalizações), reverterei em todo o caso à ideia atrás referida de que, desde 
 a Revolução Francesa e no círculo de direitos da família romano-germânica, em 
 especial dos direitos influenciados pelo direito francês, é o juiz dos tribunais 
 comuns «o guardião natural da propriedade privada e das liberdades essenciais» 
 
 (Franck Moderne), aquele que assegura cabalmente o respeito pelo princípio da 
 igualdade perante os encargos públicos e evita que a Administração queira 
 prejudicar os titulares dos bens nacionalizados ou dos bens expropriados, 
 invocando obscuras razões de ordem financeira ou domínios de discricionaridade 
 técnica insusceptíveis de ser sindicadas num recurso administrativo de mera 
 anulação (cfr. Freitas do Amaral e Robin de Andrade, «As Indemnizações por 
 Nacionalizações em Portugal», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 49.º, i, 
 
 1989, pp. 73-74, e ainda, a «Adenda», pp. 79 a 81; Sousa Franco, As 
 Indemnizações e as Privatizações como Institutos Jurídico-Financeiros, pp. 125 e 
 segs., nota 4).
 Concluo, assim, que a resolução dos litígios do tipo do dos autos deve caber aos 
 tribunais comuns, não estando excluído a priori que o legislador possa optar por 
 um tribunal arbitral necessário, desde que aí se verifiquem as necessárias 
 condições de imparcialidade (cfr. citado Acórdão n.º 52/92 deste Tribunal).
 Por isso, entendo que a sujeição da decisão desse «tribunal arbitral» a 
 homologação ministerial inutiliza a solução arbitral, tornando inconstitucional 
 o n.º 6 do artigo 16.º da Lei n.º 80/77, na redacção vigente a partir da 
 alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 343/80, por violação dos artigos 
 
 205.º, n.os 1 e 2, e 206.º da Lei Fundamental.
 
  
 
 9 — Acrescentarei uma última palavra a este propósito.
 Como é evidente, a minha discordância é radical quanto à tese daqueles que não 
 votam a inconstitucionalidade do preceito em causa porque entendem que a 
 actividade calculatória e de fixação da indemnização definitiva é essencialmente 
 administrativa, cabendo, nos termos gerais, recurso de anulação do respectivo 
 acto administrativo final.  Mesmo assim, neste campo houve vozes que sustentaram 
 ser necessário sempre um recurso de plena jurisdição, dados os interesses dos 
 particulares em jogo.
 A minha discordância é menor relativamente à tese daqueles que, pensando como eu 
 que a fixação de indemnização é uma actividade materialmente jurisdicional, 
 admitem que a Administração possa ter a primeira palavra na matéria, desde que 
 aos tribunais administrativos caiba a última palavra, havendo, por isso, nesse 
 caso de se assegurar uma via processual que garanta a plena revisibilidade desse 
 acto administrativo (recurso administrativo de plena jurisdição; eventualmente, 
 recurso à acção administrativa a que se refere o n.º 5 do artigo 268.º da 
 Constituição — cfr. artigos 69.º e seguintes da Lei de Processo nos Tribunais 
 Administrativos e Fiscais).  Entre a minha posição e a daqueles que perfilham a 
 indicada tese, há, apesar de tudo, uma concordância substancial quanto à 
 conclusão de que se está perante uma actividade materialmente jurisdicional.  
 Para esta última posição, o n.º 6 do artigo 16.º da Lei n.º 80/77 não seria 
 inconstitucional, antes o sendo o n.º 7 do mesmo artigo 16.º, enquanto não prevê 
 que o recurso aí contemplado seja um recurso de plena jurisdição, que garanta a 
 plena revisibilidade do acto e uma decisão judicial eventualmente substitutiva 
 do acto administrativo.
 Relativamente aos que perfilham a tese acolhida no várias vezes citado Acórdão 
 n.º 280/89, a concordância entre a minha posição e aqueles é praticamente total. 
 
  Deles me afasto apenas no ponto em que admitem que o acto administrativo possa 
 ter uma valência limitada (no fundo, esse acto estaria sujeito a condição 
 resolutiva) e que seja cumulável com a impugnação administrativa do acto o 
 recurso ilimitado aos tribunais judiciais.  As razões de tal afastamento radicam 
 não só na interpretação que reputo mais correcta do n.º 1 do artigo 16.º da Lei 
 n.º 80/77, como também no entendimento que faço do disposto no artigo 214.º, n.º 
 
 3, da Constituição, considerando que as vias administrativa e judicial não são 
 cumuláveis, mas exclusivas uma da outra, quanto a um certo litígio concreto.
 
  
 B)   O artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março
 
  
 
 10 —  O acórdão do S.T.A. sob recurso desaplicou igualmente a norma do artigo 
 
 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86.  Trata-se de um diploma que visou regular o 
 recurso às comissões arbitrais previsto no artigo 16.º da Lei n.º 80/77.
 Este preceito limita-se a estipular, repetitivamente, que as decisões das 
 comissões arbitrais «terão validade após a homologação por despacho do Ministro 
 das Finanças, publicado no Diário da República, II Série».
 Como resulta do seu teor literal, a coincidência com a norma do artigo 16.º, n.º 
 
 6, da Lei n.º 80/77 é total.
 Aplicam-se, por isso, as razões do juízo de inconstitucionalidade que atrás 
 deixei expresso. — Armindo Ribeiro Mendes.
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 
 1 — A questão reapreciada pelo Tribunal no precedente acórdão contende com duas 
 interrogações fundamentais que o procedimento de fixação do valor das 
 indemnizações devidas pela nacionalização de empresas pode suscitar, sub specie 
 constitutionis: — a de saber, em primeiro lugar, se a competência para 
 determinar originária ou inicialmente esse valor pode ser deferida à 
 
 «Administração», lato sensu (ao Governo ou a um órgão ou entidade dele 
 dependente ou sujeito, de alguma forma, à sua «tutela»); — e, no caso de tal ser 
 constitucionalmente admissível, a de saber, depois, qual a natureza e a extensão 
 das garantias contenciosas que devem, então, ser concedidas aos interessados, 
 contra o acto administrativo que estabeleça o valor da indemnização.
 Não me sendo possível justificar agora (ainda que sucintamente), o meu ponto de 
 vista sobre estas interrogações fundamentais e remetendo por isso, a tal 
 respeito, para a declaração de voto que juntarei ao Acórdão a tirar no processo 
 de fiscalização abstracta n.º 417/91 (relativo ao Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 
 de Setembro), cuja decisão foi também hoje votada, limitar-me-ei aqui, pois, a 
 enunciar os seguintes postulados — de que evidentemente partirei — e que são as 
 respostas que, efectivamente entendo deverem ser dadas a tais interrogações:
 
  
 
 1.º   é lícito ao legislador atribuir à Administração a competência para fixar, 
 em primeira linha, o valor de indemnização de uma empresa nacionalizada.  Ou 
 seja: essa fixação inicial da indemnização pode operar-se através de um acto 
 administrativo, sem que isso envolva violação do princípio constitucional da 
 
 «reserva do juiz» (artigo 205.º da Constituição);
 
 2.º   no caso de o legislador adoptar tal solução — da determinação do valor da 
 indemnização por acto administrativo — há-de, porém, assegurar a revisibilidade 
 jurisdicional plena e integral desse acto.  Ou seja: há-de prever um meio ou 
 mecanismo processual que dê aos interessados a possibilidade de fazerem intervir 
 um «tribunal» (isto é, uma instância imparcial e independente, deles e da 
 Administração) na fixação directa e definitiva do valor da indemnização.  Só 
 assim, de facto, se satisfará, na hipótese, o princípio constitucional do 
 
 «direito de acesso aos tribunais» (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.os 4 e 5, da 
 Constituição).
 
  
 
 2 — A partir destes postulados, tornar-se-á claro que, se não poderei julgar 
 contrário à Constituição o disposto no artigo 14.º da Lei n.º 80/77, na redacção 
 do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro (competência do Ministro das 
 Finanças para determinar o valor de cada acção ou parte do capital social de 
 cada empresa nacionalizada, para efeitos de indemnização definitiva), já haverei 
 necessariamente de concluir pela insuficiência, sob o ponto de vista 
 constitucional, do regime de reapreciação do correspondente acto, constante do 
 artigo 16.º dessa Lei, na redacção desse mesmo Decreto-Lei.  Na verdade, ao 
 admitir-se aí a possibilidade de submeter o litígio relativo à fixação da 
 indemnização a uma chamada «comissão arbitral», mas, depois, ao fazer-se 
 depender a «validade» da decisão da comissão de «homologação» ministerial 
 
 (homologação pelo próprio autor do acto que inicialmente determinara o valor da 
 indemnização) (n.º 6) e ao prever-se um mero recurso contencioso de anulação do 
 acto homologatório (n.º 7), acaba por não se respeitar o princípio segundo o 
 qual o valor da indemnização há-de poder ser fixado, directamente e em 
 definitivo, por uma instância de natureza jurisdicional.
 
  
 
 3 — Ao concluir assim, estou evidentemente a afastar-me agora do entendimento 
 perfilhado por este Tribunal, sobre o ponto em apreço, no Acórdão n.º 39/88 — 
 acórdão que, nesse mesmo ponto, subscrevi, na altura, sem qualquer reserva 
 expressa.  A tanto fui conduzido por uma nova reflexão sobre a problemática em 
 causa, suscitada pelo largo debate doutrinal e forense a que a mesma, 
 entretanto, deu azo, e se acha recenseado e comentado, por último, em J. Pedro 
 Cardoso da Costa, «A fixação das indemnizações por nacionalização e o princípio 
 da reserva do juiz» (nos «Estudos em homenagem à Dr.ª Maria de Lourdes Órfão de 
 Matos Correia e Vale», vol. 171 de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, 1995).
 O meu afastamento de tal doutrina ou entendimento logo se revela na 
 circunstância, já referida, de considerar hoje constitucionalmente 
 imprescindível a plena revisibilidade contenciosa do acto administrativo que 
 fixa o valor da indemnização (enquanto nesse aresto se julgou suficiente a 
 garantia contenciosa do mero recurso de anulação); não pára, contudo aí.
 Desde logo, também não creio agora — o ponto, que é mais de pormenor, 
 relaciona-se naturalmente com o anterior — que se possa extrair qualquer 
 consequência («salvadora» da conformidade constitucional do regime em apreço) do 
 facto de a recusa de homologação só haver de ocorrer (como se pondera nessa 
 anterior decisão do Tribunal) no caso de a comissão arbitral «não respeitar os 
 critérios legais».  É que, sendo que tal afirmação só será exacta (e nem mesmo 
 se pode extrair conclusão diversa do que disse o Tribunal) se nela se englobar 
 toda a legalidade (no sentido de toda a «juridicidade») pela qual deve reger-se 
 a deliberação da comissão (incluindo, pois, a própria «legalidade técnica» que a 
 mesma deverá observar), segue-se que, afinal, a revisibilidade desta pelo acto 
 homologatório é plena e a sua dependência desse acto completa: ora, assim sendo, 
 só mais nítido se torna como o simples recurso contencioso de anulação (cujo 
 alcance «limitado», de resto, é o próprio Acórdão n.º 39/88 a reconhecer) não 
 pode constituir aqui garantia contenciosa suficiente.
 Por outro lado, tão pouco subscrevo hoje a ideia, acolhida no aresto em 
 referência, de que, abrindo a lei a via de acesso às comissões arbitrais «sem 
 prejuízo do recurso a outras instâncias competentes» (n.º 1 do supra citado 
 artigo 16.º), a utilização de tal via, bem como do recurso de anulação do 
 subsequente despacho de homologação (ou não homologação), é, no fim de contas, 
 puramente facultativa, e isto porque, atenta aquela ressalva, sempre poderão os 
 interessados, em alternativa, «lançar mão da via judicial» para, nessa sede, 
 serem decididas as questões suscitadas, inter alia, pela «fixação» do direito à 
 indemnização.  Tal ideia — e o argumento que a partir dela se extrairia no 
 sentido de o regime legal em apreço ser ainda, em último termo, compatível com a 
 Constituição — esbarra, na verdade, nos dois obstáculos seguintes (além de 
 eventualmente outros), que se me afiguram essenciais e decisivos:
 
  
 
 —  por um lado, tendo o legislador estabelecido a regra da fixação 
 administrativa do valor da indemnização, seria absurdo imputar-lhe a intenção de 
 conceder aos interessados um quadro de garantias contenciosas, relativamente à 
 determinação daquele valor, que inclusivamente lhes permitisse fazer pura e 
 simples tábua rasa do correspondente ou dos correspondentes actos ministeriais 
 
 (a outra coisa não conduziria, de facto, a tese ora rejeitada), os quais 
 passariam, assim, a não ter mais do que um valor «precário» ou «provisório», 
 inteiramente desconforme com aquela que é a eficácia «natural» de um acto 
 administrativo;
 
 —  por outro lado, reportando-se a reserva legal em causa ao «recurso para 
 outras instâncias competentes» em ordem à «resolução de quaisquer litígios» 
 relativos ao direito à indemnização (sublinhou-se), não apenas o seu teor e o 
 seu contexto sistemático não apontam para tal intenção ou propósito legislativo, 
 como ela remete, afinal, não mais do que para as regras comuns, em matéria de 
 meios contenciosos e de competência jurisdicional, preexistentes no ordenamento 
 jurídico.
 
  
 Daí — da conjugação destes dois tópicos — que, a meu ver, a única via de 
 recurso, no tocante especificamente à fixação do valor indemnizatório, aberta 
 aos interessados pela ressalva em causa, em alternativa à constituição de uma 
 
 «comissão arbitral», seja a da impugnação contenciosa directa, em vista da 
 respectiva «anulação», do acto administrativo ministerial (o acto originário) 
 que procedeu àquela fixação (com o que, dentro dos postulados de que se partiu, 
 subsiste, claro está, a insuficiência constitucional da solução).  Não excluo, 
 entretanto, que outras consequências possam extrair-se ainda da mesma ressalva: 
 penso, porém, que respeitarão já a aspectos diferentes do direito à 
 indemnização, que não ao do estabelecimento do valor desta.
 
  
 
 4 — Esclarecida assim — como cumpria — a extensão do meu actual afastamento da 
 doutrina do Acórdão n.º 39/88, na parte dele que aqui importa, e retomando a 
 conclusão, já avançada, de que o regime do artigo 16.º da Lei n.º 80/77, na 
 redacção que recebeu em 1981, é, globalmente considerado, insatisfatório, do 
 ponto de vista constitucional, resta-me justificar como, assim sendo, acabei por 
 não votar a confirmação do acórdão recorrido.
 De facto, há-de reconhecer-se que a solução a que neste se chegou já realizaria 
 as exigências que, em meu juízo, a Constituição faz na matéria.  Na verdade, 
 eliminada, porque julgada inconstitucional, a necessidade de «homologação» da 
 deliberação da «comissão arbitral» (n.º 6 do artigo 16.º), e recuperado assim, 
 plenamente, o carácter «jurisdicional» dela, ficava aberta aos interessados uma 
 dupla via de impugnação contenciosa do acto ministerial de fixação da 
 indemnização: em alternativa, poderiam eles, fosse interpor no Supremo Tribunal 
 Administrativo recurso de mera anulação desse acto (se entendessem que, no caso, 
 tal era caminho suficiente, e até o adequado), fosse requerer a constituição de 
 uma «comissão arbitral», a qual, funcionando com a independência e a autonomia 
 típicas de um «tribunal», iria poder rever, na íntegra, o referido acto e fixar, 
 ela própria, o montante da indemnização.  Eis, pois, um caminho que certamente 
 conduzia a repor os postulados constitucionais de que acima se partiu.
 Só que, desde logo a consagração de uma «comissão arbitral», verdadeira e 
 própria, para intervir no domínio em causa, não é, em si mesma, nada de 
 constitucionalmente necessário: há outros caminhos susceptíveis de igualmente 
 conduzirem a um resultado conforme com o que a Constituição aqui exige.  Mas 
 além disso, e noutro plano, sucede que a decisão tomada pelo Supremo Tribunal 
 Administrativo no acórdão recorrido parece assentar em premissas mais estritas 
 do que as atrás enunciadas e levar implícito um juízo de inconstitucionalidade 
 mais radical do que o que delas se poderia extrair.  Mais concretamente, e 
 quanto a este segundo ponto: se bem vejo, o que estará em causa para o Supremo 
 
 é, mais do que a extensão da revisibilidade contenciosa do acto de fixação de 
 indemnização, o próprio carácter não jurisdicional que esse acto acaba por 
 assumir no regime em apreço.
 Ora, não considerando eu que o cerne da questão resida aí, e antes, justamente, 
 em garantir a possibilidade da revisão integral do mesmo acto por uma instância 
 jurisdicional, e sendo certo, por outro lado, que tal garantia também viria a 
 obter-se se do acto ministerial recaindo sobre a decisão da comissão arbitral 
 coubesse recurso, não de mera anulação, mas de plena jurisdição — eis como posso 
 entender que a insuficiência constitucional do regime constante do artigo 16.º 
 da Lei n.º 80/77, na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, se situará, em último 
 termo, mais no disposto no n.º 7 desse preceito do que no seu n.º 6, que é (este 
 
 último) a única norma agora sub judicio.  Ou seja: eis como posso ainda, sem 
 contradizer a minha posição de princípio, acompanhar a «decisão» (mas não mais) 
 a que chegou maioritariamente o Tribunal.
 Não, porém, sem deixar dito que o faço, apesar de tudo, com grande reserva, e 
 isto porque o tempo me não chegou para averiguar em definitivo — tal há-de ser, 
 de facto, o critério determinante, em último termo, para optar entre essas duas 
 soluções alternativas — se um juízo de inconstitucionalidade recaindo 
 especificamente sobre o n.º 7, antes que sobre o n.º 6, do artigo 16.º é, na 
 verdade, aquele que menos «atinge», na sua estrutura global, o regime definido 
 no mesmo preceito.  Ou, dito de outro modo, e se se preferir: para averiguar se 
 esse primeiro juízo é, dos dois, aquele que realmente mais se aproximará da (ou 
 respeitará a) «vontade presumível» de um legislador colocado perante a 
 necessidade constitucional de modificar tal regime. — José Manuel Cardoso da 
 Costa.
 
   
 
 1 — Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Julho de 1995.