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Processo nº 25/95
 
 2ª Secção
 Relator: Cons. Sousa e Brito
 
   
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 A CAUSA
 
  
 
  
 
                         1. No âmbito do Inquérito nº 1162/93, correndo termos 
 pela Delegação da Procuradoria da República da Comarca de Angra do Heroísmo, 
 encontrando-se preso preventivamente, na sequência do primeiro interrogatório 
 judicial, o arguido J... (relativamente a quem se entende indiciada a prática de 
 um crime de tráfico de estupefacientes - artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei 15/93, 
 de 22 de Janeiro), veio o mesmo requerer o reexame dos pressupostos que 
 motivaram a sua sujeição a tal medida (requerimento de fls. 74/77).
 
  
 
  
 
                         Por despacho de 30 de Setembro de 1994 (fls. 85vº/86) 
 entendeu o Juiz, exercendo as funções de instrução criminal na referida comarca, 
 não ter ocorrido qualquer alteração dos pressupostos que determinaram a opção 
 pela prisão preventiva, mantendo, por isso, a sujeição do arguido a esta.
 
  
 
                         Deste despacho interpôs o arguido recurso, para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa, solicitando a revogação do mesmo e a substituição 
 por outro aplicando-lhe medida diversa da prisão preventiva.
 
  
 
                         Na motivação desse recurso invocou a falta de 
 fundamentação do despacho impugnado, entendendo tal omissão como violadora do 
 disposto no nº 1, do artº 208º, da Constituição.
 
  
 
                         Através de Acórdão de 15 de Dezembro de 1994 (fls. 
 
 110/115) negou, o Tribunal da Relação de Lisboa, provimento ao recurso, 
 entendendo não procedente a invocada falta de fundamentação ( adiantando mesmo 
 que, só uma eventual 'falta absoluta de motivação' poderia constituir nulidade), 
 formulando, quanto à aplicação de medidas de coacção, o seguinte critério geral:
 
  
 
 '... nenhuma medida de coacção, à excepção do termo de identidade e residência, 
 pode ser aplicada se, em concreto, se não verificar [o risco] de fuga do arguido 
 ou qualquer dos perigos previstos no artigo 204º [do Código de Processo Penal].
 
                E esta fuga e estes perigos têm de se alicerçar em circunstâncias 
 objectivas e concretas do caso. Não basta a invocação em abstracto de uma mera 
 convicção subjectiva do julgador'.
 
  
 
                         Com base neste critério, procedeu de seguida o Tribunal 
 da Relação à análise da situação do arguido, consignando a tal respeito:
 
  
 
 'Da análise dos elementos de prova que instruem os presentes autos de recurso 
 
 (declaração de R..., F..., P... e E...) resulta, a nosso ver, a existência dos 
 
 'fortes indícios' exigidos pela Lei Constitucional e ordinária, nos termos atrás 
 referidos, na fase do inquérito, sobre o cometimento do crime de tráfico de 
 estupefacientes, p.p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de 
 Janeiro, e a participação do recorrente, na forma de co-autoria material, no 
 mesmo.
 
  
 
                E não é a negativa do recorrente nem o depoimento, junto aos 
 autos, de S... que  fragilizam tais indícios. Aquele, está no direito de negar 
 o seu envolvimento na indiciada conduta criminosa de tráfico de droga, na 
 ramificação açoriana; este - assumindo 
 
  
 
  
 
  
 uma atitude de tamanha protecção e de tão grande empenho na libertação do J..., 
 pouco usual em relação a pessoa de quem não é familiar, e que apenas conhece, 
 segundo refere, desde 1990 na qualidade de empregado - porque, dado o tipo de 
 serviço que o arguido lhe passou a prestar, a partir de Dezembro de 1991, - 
 
 'fazia o necessário, quando necessário' - não é de molde a incompatibilizá-lo 
 com a indiciada delituosa conduta que se reporta ao ano de 1993.
 
  
 
                Portanto, neste aspecto de base indiciária, não se descortina 
 motivo para revogar a prisão preventiva, nem para substituí-la por medida de 
 coacção não detentiva, continuando a conduta imputada ao arguido J... a 
 subsumir-se no artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
 
  
 
                E, por ser punível com pena de prisão de máximo superior a oito 
 anos, mas também por se tratar de um crime de tráfico ilícito de droga, punível 
 com pena de máximo superior a três anos, é daqueles casos que, atendendo à sua 
 gravidade, aferida pelos valores que viola e pela pena que lhe corresponde, 
 provoca tão grande alarme social e denota tal perigosidade dos seus agentes, 
 que o legislador considerou ser conveniente a prisão preventiva - artigo 209º, 
 nºs 1 e 2, alínea d).
 
  
 
                E da compaginação da fundamentação do despacho recorrido com a 
 do que aplicou a prisão 
 
  
 
  
 preventiva vemos que se considerou, nesse decretamento, existir um concreto 
 perigo de fuga, de perturbação do inquérito e de continuação da actividade 
 criminosa.
 
  
 
                Decorridos dez meses sobre aquele primeiro despacho, o perigo de 
 fuga apresenta-se já compatível com a medida de coacção do artigo 201º do 
 Código de Processo Penal, na forma sugerida pelo aludido S..., ou seja, com a 
 obrigação de permanência na habitação deste, assim como o perigo de continuação 
 da actividade criminosa também se configura diminuído pela detenção e prisão de, 
 pelo menos, alguns dos co-autores da actividade ilícita que, indiciariamente, o 
 arguido vinha desenvolvendo.
 
  
 
                Já, porém, encontrando-se o processo ainda na fase preliminar, se 
 mantém o perigo de que o arguido, na sequência da sua não confissão da imputada 
 conduta delituosa, em liberdade provisória, tente, a todo o custo e por todas as 
 formas, obstruir as investigações, nomeadamente ocultando/destruindo elementos 
 de prova ainda não detectados e influenciando testemunhas (cit. artigo 204º, 
 alínea b).'
 
  
 
                         2. De novo inconformado recorreu o arguido para este 
 Tribunal, invocando a alínea b), do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82, de 15 
 de Novembro, manifestando pretender:
 
  
 
 '... que o Tribunal Constitucional venha a decretar a inconstitucionalidade do 
 disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 212º do Código de Processo Penal, tal 
 como foi interpretado e aplicado no Acórdão em apreço, por tal interpretação e 
 aplicação coenvolver violação do disposto no nº 1 do art. 209º da Constituição 
 da República...'
 
  
 
                         Nas alegações, que em apoio desta pretensão produziu 
 neste Tribunal, formulou o (doravante) recorrente as seguintes conclusões:
 
  
 
 '1. O acórdão recorrido, ao julgar que só a falta absoluta de motivação 
 constitui nulidade, violou o disposto no nº 1 do artigo 208º da Constituição da 
 República,
 
  
 
 2. Procedendo em conformidade a uma interpretação e aplicação do disposto na 
 alínea b) do nº 1  do artigo 212º do Código de Processo Penal que tornaria tal 
 normativo materialmente inconstitucional e, na verdade, por violação do referido 
 normativo constitucional.
 
  
 
 3. O qual, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 18º da Constituição da 
 República é directamente aplicável. Na verdade,
 
  
 
 4. O Tribunal da Relação de Lisboa, ao bastar-se com um tal fundamentação - 
 aquela decorrente do despacho do qual foi levado perante ele recurso - retirou o 
 conteúdo mínimo da garantia que deve assistir a uma verdadeira fundamentação.
 
  
 
 5. Pelo que, ao julgar não terem deixado de subsistir as circunstâncias que 
 justificaram a aplicação ao recorrente da medida cautelar da prisão preventiva, 
 considerando que a fundamentação constante do despacho recorrido satisfaz as 
 exigências legais e constitucionais tornou materialmente inconstitucional a 
 norma referida da alínea b) do nº 1 do artigo 212º do Código de Processo Penal. 
 Como assim,
 
  
 
 6. Deve ser declarada inconstitucional a concreta interpretação a que se 
 procedeu sobre o dever de fundamentar aquela decisão judicial, com remessa dos 
 autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para que decida em conformidade'.
 
  
 
  
 
                         Contra-alegou o Senhor Procurador-Geral Adjunto em 
 exercício neste Tribunal, pugnando pelo não conhecimento, por inutilidade, do 
 recurso, concluindo:
 
  
 
 '1º
 
  
 
                Não tendo o acórdão recorrido extraído qualquer consequência 
 concreta, na solução jurídica do pleito, de afirmações que, de forma lateral e 
 subsidiária, produziu acerca da extensão do dever de fundamentação (só a 'falta 
 absoluta de motivação constituiria nulidade) e das consequências da sua 
 preterição ( a falta de fundamentação, constituiria mera 'irregularidade' 
 processual), é inútil a pronúncia do Tribunal Constitucional sobre as questões 
 de (in)constitucionalidade suscitadas a respeito de tais pontos.
 
  
 
  
 
 2º
 
  
 
                Tendo o acórdão recorrido procedido a um reexame substancial e 
 alargado dos pressupostos de direito e de facto de que depende a manutenção da 
 prisão preventiva do arguido, consumindo ou absorvendo o despacho inicialmente 
 proferido pelo juiz de instrução, mostra-se precludida e ultrapassada a questão 
 da eventual insuficiência da fundamentação deste constante.
 
 3º
 
  
 
                Ao concretizar e densificar o nível de exigência do dever e 
 constitucional e legal de motivação das decisões judiciais, deve o intérprete e 
 aplicador do direito ter necessariamente em consideração a natureza e função 
 processual da decisão em causa, nomeadamente o tratar-se de decisão meramente 
 confirmativa de outra, anteriormente proferida, ter carácter provisório e 
 ocorrer quando o processo se encontra em segredo de justiça e com base em 
 elementos estritamente indiciários'.
 
  
 
                         Ouvido o recorrente sobre tal 'questão prévia', 
 respondeu nos termos constantes de fls. 180/196.
 
  
 
                         Com dispensa de vistos, importa decidir.
 
  
 
  
 III
 FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
                         3. A decisão a tomar reporta-se, desde logo, à questão 
 prévia suscitada pelo Ministério Público.
 
  
 
                         Pretende o recorrente uma declaração de não conformidade 
 constitucional do artigo 212º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal 
 
 (CPP) na interpretação que encontra na decisão do Tribunal da Relação: a de que 
 
 'só a falta absoluta de motivação constitui nulidade'; a de que uma 
 fundamentação como a constante  do despacho recorrido perante essa Relação 
 cumpre o dever constitucional e legal de motivação das decisões dos tribunais.
 
  
 
                         Encontramos, com efeito, no Acórdão recorrido a 
 afirmação de que só 'a ausência total de fundamentos de direito e de facto' 
 torna a decisão em causa nula. Da mesma forma, subjaz a esse Acórdão o 
 entendimento segundo o qual um despacho de reexame dos pressupostos da prisão 
 preventiva como o certificado a fls. 85vº/86, cumpre as exigências de 
 fundamentação decorrentes dos artigos 208º, nº 1, da Constituição e 97º, nº 4, 
 do CPP.
 
  
 
                         Porém, estes aspectos do Acórdão recorrido - como 
 sublinha o Ministério Público - mostram-se não determinantes, em concreto, da 
 decisão final, sendo certo conter o aresto em causa um reexame autónomo da 
 subsistência das circunstâncias que justificaram a opção pela prisão preventiva, 
 na sequência do primeiro interrogatório judicial.
 
  
 
                         Substituindo-se, de alguma forma, à decisão da 1ª 
 instância, procedeu o Tribunal da Relação à ponderação dos elementos de prova 
 constantes dos autos, concluindo pela existência de 'fortes indícios' do 
 cometimento pelo recorrente de um crime de tráfico de estupefacientes. Na posse 
 desta conclusão, sindicou o Acórdão da permanência dos requisistos gerais do 
 artigo 204º, do CPP, relativamente à medida de coacção em vigor, concluindo 
 finalmente que, se o perigo de fuga e continuação da actividade criminosa 
 
 (artigo 204º, alíneas a) e c) se mostravam diminuídos, o perigo de obstrução das 
 investigações ('... nomeadamente ocultando/destruindo elementos de prova ainda 
 não detectados e influenciando testemunhas') permanecia inteiramente (artigo 
 
 204º, alínea b)).
 
  
 
  
 
                         Nesta conformidade, mesmo que se devesse admitir a 
 inconstitucionalidade, reportada ao artigo 212º, nº 1, al. b), do CPP, do 
 entendimento que só considerasse integradora de nulidade do despacho de reexame 
 a total ausência de fundamentação, ou que tivesse por fundamentação suficiente 
 uma como a constante do despacho inicialmente recorrido, não seria objecto 
 possível do presente recurso tais entendimentos da norma questionada, porque não 
 foram aplicados como ratio decidendi da decisão recorrida.
 
  
 
  
 
                         Com efeito a decisão da Relação de Lisboa, procedeu ao 
 reexame da medida e (fundamentadamente) entendeu permanecerem os pressupostos 
 formais desta e a adequação de o recorrente aguardar o decurso do processo preso 
 preventivamente. Ora a norma não foi questionada pelo recorrente neste 
 entendimento, que foi o relevante para a decisão
 
  
 
                         Tanto basta para que este Tribunal se iniba de conhecer 
 do presente recurso.
 
  
 
  
 
  
 III
 DECISÃO
 
  
 
  
 
                         4. Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do 
 recurso, fixando-se em cinco unidades de conta a taxa de justiça a cargo do 
 recorrente.
 
  
 Lisboa, 5 de Abril de 1995
 José de Sousa e Brito
 Luís Nunes de Almeida
 Guilherme da Fonseca
 Bravo Serra
 Fernando Alves Correia
 Messias Bento
 José Manuel Cardoso da Costa