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Processo nº 691/93
 
 2ª Secção
 Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 2ª Secção do
 Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
  
 
                       1. R..., S.A., com os sinais identificadores dos autos, 
 veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Pleno da 
 
 2ª Secção (Secção Tributária) do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de Julho 
 de 1993, que negou provimento ao recurso jurisdicional por ela interposto do 
 acórdão da mesma Secção, mantendo, assim, o julgamento das instâncias de 
 improcedência da impugnação que a recorrente deduzira contra a liquidação do 
 imposto de capitais, secção B, no montante de 852 953$00, relativamente ao ano 
 de 1986 (meses de Agosto, Setembro e Outubro) e entretanto pago.
 
  
 
                       O acórdão recorrido enunciou como questão a resolver 'a de 
 saber se a entrega antecipada de parte do preço da compra de veículos 
 automóveis, ao abrigo de um contrato-promessa de compra e venda, com a 
 contrapartida da obtenção de um desconto no preço, proporcional ao tempo 
 decorrido desde a entrega dessa parte do preço até à data da realização do 
 contrato de compra e venda, configura uma aplicação de capitais, abrangida pela 
 norma de incidência do artº 6º, nº 12º, do Código do Imposto de Capitais (CIC), 
 constituindo o desconto a remuneração dessa aplicação de capitais'. Para 
 responder, em síntese, que 'é precisamente nesta norma de carácter remanescente 
 que a sentença e o acórdão recorrido e bem assim a administração fiscal entendem 
 que se enquadra o caso vertente', sendo 'este o melhor entendimento, concedendo 
 embora que a questão não é isenta de dúvidas'.
 
  
 
                       'Em suma, o nº 12º do artº 6º do CIC constitui uma norma 
 remanescente que visa tributar em imposto de capitais os ganhos resultantes de 
 qualquer aplicação de capitais além das previstas na Secção A e nas restantes 
 hipóteses do artigo 6º do código - Secção B. E na hipótese desse preceito se 
 enquadra o caso vertente.
 
                       Daí que não se mostrem violados o princípio da tipicidade, 
 nem o artº 9º do Código Civil e o artº 106º, nº 2, da Constituição da República' 
 
 - é a afirmação conclusiva do acórdão. 
 
  
 
  
 
  
 
                       2. Nas suas alegações, concluiu assim a recorrente:
 
  
 
 '1-Em Direito Fiscal, por força do princípio da legalidade previsto no artigo 
 
 106º, nº 2 da Constituição da República e dos princípios da tipicidade e 
 determinação em que aquele se desdobra, as normas de incidência têm de ser 
 pré-determinadas no seu conteúdo, devendo os elementos integrantes da mesma 
 estar formulados de modo preciso e determinado.
 
  
 
 2- A determinação do conteúdo da norma tributária de incidência exclui a 
 utilização de conceitos indeterminados, bem como de conceitos determinados 
 normativos, cuja aplicação ao caso concreto assente em valoração subjectiva ou 
 pessoal do órgão de aplicação, sob pena de ser postergada a segurança jurídica.
 
  
 
 3- Não estando definido na lei ordinária fiscal o conceito de operação de 
 simples aplicação de capitais, e prevendo a norma como tributável quaisquer 
 rendimentos daí derivados, a grande amplitude e indeterminação de conteúdo 
 daqueles conceitos, permitem ao órgão de aplicação incluir na mesma todo e 
 qualquer ganho decorrente de uma aplicação de capitais, sacrificando-se assim a 
 segurança jurídica, que se traduz na susceptibilidade de previsão objectiva, 
 pelos particulares, das suas situações jurídicas futuras.
 
  
 
 4- A norma do nº 12º do artigo 6º do Código de Imposto de Capitais, estando 
 formulada em termos vagos e imprecisos, com recurso a puros conceitos 
 normativos, cuja concretização e determinação assenta em valorações subjectivas, 
 
 é uma norma materialmente inconstitucional, por ofensa do princípio da 
 tipicidade e legalidade consagrados no citado artigo 106º.
 
  
 
 5- O reconhecimento expresso no texto da decisão recorrida de que a questão não 
 
 é isenta de dúvidas e a alteração de posição por parte do Ministério Público que 
 emitiu parecer favorável à procedência do recurso e posteriormente mudou de 
 opinião, confirmam o carácter indeterminado do conteúdo da norma, e a 
 necessidade de valorações subjectivas para fixação dos conceitos nela 
 integrados.
 
  
 
 6- Considerando a decisão recorrida que as entregas de dinheiro efectuadas pelos 
 promitentes compradores, porque determinaram um desconto no preço final dos bens 
 objecto da compra e venda, traduzem um ganho resultante de uma aplicação de 
 capital, este entendimento pressupõe uma interpretação extensiva da norma não 
 compatível com o princípio da legalidade.
 
  
 
 7- Em sede de interpretação de normas de incidência tributária, a segurança 
 jurídica, valor subjacente ao princípio da legalidade, não consente outra 
 interpretação que não a literal e restritiva.
 
  
 
 8- A decisão recorrida, não cuidando sequer de precisar e definir o conteúdo da 
 expressão operação de 'simples aplicação de capitais' e considerando análogas as 
 expressões 'aplicação de capitais' e 'simples aplicação de capitais' efectuou 
 uma interpretação extensiva da norma, o que está vedado pelo princípio 
 constitucional da legalidade.
 
  
 
 9- A decisão recorrida ao assimilar a situação dos autos aos casos de cedência 
 de capitais tipificados nos artigos 3º e 6º, efectuou uma interpretação 
 extensiva da norma contida no nº 12º deste último, já que nos tipos tributários 
 enumerados nos outros preceitos, a cedência de capitais é realizada com reserva 
 da titularidade destes, enquanto no caso concreto, os promitentes compradores ao 
 efectuarem as entregas de dinheiro, perdiam a titularidade deste.
 
  
 
 10- A decisão recorrida, ao assimilar a situação dos autos às demais previstas 
 no Código, efectuou também interpretação extensiva do preceito, já que em todas 
 as situações tipificadas na lei, a cedência de capitais tem apenas como 
 objectivo a obtenção de rendimentos, o que não acontece no caso concreto, em 
 que, mesmo admitindo que os promitentes compradores tivessem também o propósito 
 de obter o desconto, o objectivo principal e determinante das entregas era o 
 pagamento do preço de um veículo automóvel a comprar, traduzindo essas entregas 
 o pagamento antecipado do preço, e sendo a fonte ou causa das mesmas um contrato 
 de compra e venda de bem móvel e não uma operação de simples aplicação de 
 capitais.
 
  
 
 11- A norma contida no nº 12 do artigo 6º do Código do Imposto de Capitais mesmo 
 que pudesse considerar-se conforme à Constituição, foi assim, interpretada e 
 aplicada em desconformidade com o princípio da legalidade, vertido no nº 2 do 
 artigo 106º da Lei Fundamental.'
 
  
 
                       3. Também apresentou alegações a recorrida Fazenda 
 Pública, sustentando que 'deve ser negado provimento ao recurso, com as legais 
 consequências'.
 
  
 
                       4. Vistos os autos, incluindo o visto do Ministério 
 Público, cumpre decidir.
 
  
 
                       A recorrente, no requerimento de interposição do recurso 
 para este Tribunal Constitucional, com invocação dos 'termos do artigo 70º, nº 1 
 b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro', diz que o 'douto Acórdão que julgou  o 
 recurso aplicou o artigo 6º, nº 12 do Código do Imposto de Capitais' e que ela 
 suscitou 'na parte final das alegações, a inconstitucionalidade dessa norma bem 
 como a inadmissibilidade da interpretação sustentada por esse Venerando 
 Tribunal, por ofensa do princípio da tipificação especifica dos factos 
 tributários, decorrente do princípio da legalidade, tributária, consagrado no 
 artigo 106º, nº 2 da Constituição da República'.
 
  
 
                       Será assim? Terá efectivamente a recorrente utilizado essa 
 fórmula nas alegações exibidas perante o Tribunal a quo?
 
  
 
                       Da leitura dessa peça processual ressalta à vista que a 
 recorrente defendeu vigorosamente a tese de que 'nem do contrato, nem dos autos, 
 resulta que o motivo ou propósito determinante das entregas feitas fosse a 
 obtenção de um rendimento, ou sequer de um desconto no preço' e que, deste modo, 
 não estando demonstrado nos autos 'a existência de verdadeiro rendimento  em 
 sentido económico-fiscal, nem existindo uma operação de simples aplicação de 
 capitais, não existe facto tributável'.
 
  
 
                       Para depois formular as seguintes conclusões finais:
 
  
 
 '11- O douto Acórdão recorrido ao equiparar um eventual beneficio do comprador a 
 rendimento e ao desconsiderar as entregas de dinheiro como pagamento antecipado 
 do preço, violou as regras vigentes em matéria de interpretação da lei fiscal, 
 já que não pode ficcionar uma realidade ou truncá-la, antes tem que se limitar a 
 verificar se essa realidade como um todo preenche o tipo de incidência.
 
  
 
 12- O douto Acórdão recorrido violou ainda as regras decorrentes do artigo 9º do 
 Código Civil, já que considerou as entregas feitas uma operação de aplicação de 
 capitais, e só esta é tipificada como facto tributável no texto o nº 12 do 
 artigo 6º do Código do Imposto de Capitais.
 
  
 
 13- O douto Acórdão recorrido, ao socorrer-se analogicamente do disposto no nº 3 
 do artigo 3º do mesmo Código, violou o mencionado princípio da tipicidade 
 exclusiva, corolário do princípio da legalidade e efectuou uma interpretação 
 proibida em Direito Fiscal, por força do principio da reserva de lei consagrado 
 no artigo 106º nº 2 da Constituição da República.
 
  
 
 14- Mas mesmo que se considerasse tal interpretação admissível, nenhuma 
 analogia existe entre a realidade documentada nos autos e a prevista naquele nº 
 
 3 do artigo 3º, já que não existe no presente caso nem mora nem diferimento do 
 pagamento, e só nestes casos ocorre remuneração ou rendimento de capital'.
 
  
 
                       Tal significa que a recorrente dirigiu toda a censura ao 
 acto judicial de julgamento na Secção - o acórdão de 7 de Novembro de 1991 que 
 concluiu que 'a situação em análise enquadra-se efectivamente na referida norma' 
 
 (o citado artigo 6º, nº 12) - e não discutiu a inconstitucionalidade daquela 
 norma ou de qualquer outra, nem mesmo uma inconstitucionalidade do sentido 
 interpretativo com que ela (o nº 12 do artigo 6º) teria sido aplicada naquele 
 aresto.
 
  
 
                       A recorrente o que faz é atacar o 'Acórdão recorrido', 
 numa triplice perspectiva:
 
  
 
                       - a da violação das 'regras vigentes em matéria de 
 interpretação da lei fiscal'.
 
                       - a da violação das 'regras decorrentes do artigo 9º do 
 Código Civil'.
 
                       - a da violação do 'mencionado princípio da tipicidade 
 exclusiva, corrolário do princípio da legalidade', ao 'socorrer-se 
 analogicamente do disposto no nº 3 do artigo 3º do mesmo Código' (o Código do 
 Imposto de Capitais).
 
  
 
                       É, pois, um discurso centrado na interpretação normativa, 
 ou declarativa, ou extensiva ou analógica, a que teria aderido o aresto da 
 Secção, com ofensa das 'regras decorrentes do artigo 9º do Código Civil' ou 
 então incorrendo numa 'interpretação proibida em Direito Fiscal, por força do 
 princípio da reserva de lei consagrado no artigo 106º nº 2 da Constituição da 
 República' ('Mas mesmo que se considerasse tal interpretação admissível, nenhuma 
 analogia existe entre a realidade documentada nos autos e a prevista naquele nº 
 
 3 do artigo 3º (...)' - acrescenta ainda a recorrente, na parte final das suas 
 alegações).
 
  
 
                       Daí que o acórdão recorrido se visse obrigado a concluir, 
 depois de afirmar que na 'hipótese desse preceito (o nº 6 do artigo 12º) se 
 enquadra o caso vertente', que não se mostram 'violados o princípio da 
 tipicidade, nem o artº 9º do Código Civil e o artº 106º, nº 2 da Constituição da 
 República'. Violados pelo acórdão da Secção, é bom de ver.
 
  
 
                       Portanto, o que a recorrente questiona, no essencial, no 
 recurso interposto no tribunal a quo, não é a norma do nº 12 do artigo 6º 
 interpretada em desarmonia com a Constituição, mas, antes, a decisão judicial 
 do acórdão da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo que, 
 inconstitucionalmente, e na sua tese, tê-la-ia prejudicado, ao aplicar certa 
 norma ao seu caso, através de um método de interpretação colidente com as regras 
 gerais de interpretação das leis fiscais e os princípios constitucionais na 
 matéria (cfr., a propósito, o acórdão deste Tribunal Constitucional nº 141/92, 
 publicado na II série do Diário da República, nº 192, de 21 de Agosto de 1992).
 
  
 
                       Nem se diga que aproveita à recorrente, in extremis, a 
 afirmação de que o citado acórdão, 'ao socorrer-se analogicamente do disposto no 
 nº 3 do artigo 3º do mesmo Código, violou o mencionado princípio da tipicidade 
 exclusiva, corolário do princípio da legalidade e efectuou uma interpretação 
 proibida em Direito Fiscal, por força do principio da reserva de lei consagrado 
 no artigo 106º nº 2 da Constituição da República', pois, ainda assim, a questão 
 de inconstitucionalidade, tal como a recorrente a coloca, se reporta à decisão. 
 E igual conclusão há que extrair da afirmação da recorrente, quando sustenta a 
 seguir que 'mesmo que se considerasse tal interpretação admissível, nenhuma 
 analogia existe entre a realidade documentada nos autos e a prevista naquele nº 
 
 3 do artigo 3º, já que não existe no presente caso nem mora nem diferimento do 
 pagamento, e só nestes casos ocorre remuneração ou rendimento de capital'.
 
  
 
  
 
  
 
                       5. Chegados aqui, é fácil de ver que a recorrente não 
 cumpriu um dos requisitos do recurso de constitucionalidade de que se serviu in 
 casu, o da exigência de suscitação da questão de inconstitucionalidade de uma 
 norma jurídica durante o processo ( artigo 280º, nº 1, b), da Constituição, e 
 artigo 70º, nº 1, b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro). E também em obediência 
 a esse requisito, não suscitou uma questão de inconstitucionalidade, no plano da 
 interpretação da norma em colisão com a Lei Fundamental (norma inconstitucional, 
 numa certa interpretação da mesma).
 
  
 
                       Em jogo, na tese da recorrente, esteve sempre matéria 
 decisória das instâncias e nunca matéria  normativa. Por outras palavras: o que 
 sempre foi questionado pela recorrente foi a violação do 'mencionado princípio 
 da tipicidade exclusiva, corolário do princípio da legalidade' enquanto dirigido 
 ao julgador, donde que tal violação, a ter lugar, houvesse de radicar na 
 decisão daquele, e não em norma por ele aplicada.
 
  
 
                       E já não pode a recorrente tirar proveito do texto e das 
 conclusões das suas alegações apresentadas perante este Tribunal Constitucional 
 
 - aí sim, invocando directamente a inconstitucionalidade da norma do nº 6 do 
 artigo 12º, ou quando interpretada em desconformidade com a Constituição -, pois 
 não é esse o momento processual adequado para cumprir o aludido pressuposto 
 processual.
 
  
 
                       Daí que não se possa conhecer do mérito do presente 
 recurso de constitucionalidade, entrando na questão de fundo, por faltar um dos 
 seus pressupostos legais, o da suscitação durante o processo da questão de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
                       6. Termos em que, DECIDINDO, não se toma conhecimento do 
 recurso.
 
                       Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça 
 em cinco unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 26 de Abril de 1995
 Guilherme da Fonseca
 Messias Bento
 Bravo Serra
 Fernando Alves Correia
 José Manuel Cardoso da Costa