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Processo n.º 797/08
Plenário
Relatório: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 - O Presidente da Assembleia Municipal de Viana do Castelo
submeteu ao Tribunal Constitucional, para efeitos de nova verificação preventiva
da constitucionalidade e da legalidade, nos termos do art.º 27.º da Lei Orgânica
n.º 4/2000, de 24 de Agosto, que aprova o regime jurídico do referendo local
(LORL – à qual pertencerão os preceitos, doravante citados, sem indicação de
outra referência), a deliberação da Assembleia Municipal de Viana do Castelo, de
5 de Novembro de 2008, que reformulou a sua anterior deliberação de realização
de um referendo local, tomada em 6 de Outubro de 2008.
2 – O requerimento, que foi apresentado no Tribunal Constitucional,
no dia 7 de Novembro de 2008, vem instruído com cópias da acta da reunião da
Câmara Municipal de Viana do Castelo, em que foi deliberada a apresentação, à
assembleia municipal, de uma proposta de deliberação de realização do referendo,
com reformulação de pergunta; da acta da reunião da assembleia municipal que
deliberou sobre essa proposta; do edital de convocação da sessão extraordinária
da Assembleia Municipal e de declarações de voto, feitas nas referidas sessões
da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal.
3 – Apresentado o memorando a que se refere o n.º 2 do artigo 58.º
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), concluída a sua
discussão e tomada a decisão, cumpre elaborar acórdão, nos termos do artigo
59.º, n.º 3, da mesma Lei.
B – Fundamentação
4– Dos documentos, juntos aos autos, tem-se por assente o seguinte:
a) O Presidente da Assembleia Municipal de Viana do Castelo foi
notificado do Acórdão deste Tribunal n.º 524/2008, proferido nos autos, no dia
30 de Outubro de 2008;
b) A Comissão Permanente da Assembleia Municipal de Viana do
Castelo, convocada pelo seu presidente, deliberou, no dia 31 de Outubro de 2008,
devolver o processo relativo ao referendo à Câmara Municipal, para que esta
reformulasse a pergunta, e convocasse uma sessão extraordinária da mesma
Assembleia, para o dia 5 de Novembro de 2008;
c) Por edital, datado de 31 de Outubro de 2008, o Presidente da
Assembleia Municipal convocou uma sessão extraordinária da Assembleia Municipal
para o dia 5 de Novembro de 2008, com início às 21 horas, indicando como ordem
de trabalhos “Referendo local sobre a adesão do Município de Viana do Castelo à
Comunidade Intermunicipal Minho-Lima – Reformulação da pergunta conforme acórdão
do Tribunal Constitucional”.
d) A Câmara Municipal de Viana do Castelo deliberou, por
unanimidade, estando presentes o seu presidente e sete vereadores, em reunião
efectuada no dia 5 de Novembro de 2008, propor, à Assembleia Municipal de Viana
do Castelo, a reformulação da pergunta anteriormente efectuada na sua iniciativa
de referendo local que fora apreciada no referido Acórdão deste Tribunal,
passando a mesma a ser do seguinte teor:
“Concorda que o Município de Viana do Castelo integre a Comunidade
Intermunicipal Minho-Lima?
Sim ( )
Não ( )”;
e) Esta deliberação foi objecto de duas declarações de voto, sendo
uma do Presidente da Câmara e outra dos Vereadores eleitos pelo PSD;
f) A Assembleia Municipal de Viana do Castelo reuniu, em sessão
extraordinária, no dia 5 de Novembro de 2008, para apreciação da proposta de
reformulação da pergunta do referendo local, efectuada pela Câmara Municipal, em
reunião tida no mesmo dia, e deliberou, por unanimidade, aprovar a proposta da
Câmara Municipal, a que alude a alínea d) supra;
g) – Na reunião da sessão referida na alínea anterior, registou-se a
presença de 72 deputados municipais e a falta de 9 deputados.
5 – No seu Acórdão n.º 524/08, o Tribunal Constitucional apreciou a
verificação das irregularidades formais ou de procedimento de que o Tribunal
devesse conhecer, concluindo pela sua inexistência, bem como a
constitucionalidade e a legalidade do referendo, aqui julgando o referendo
ilegal, em resumo, porque «nos termos em que a pergunta se encontra formulada, a
menção da comunidade intermunicipal a instituir, a referência a NUTS III, a
enunciação dos municípios que integram a comunidade intermunicipal e o
aditamento verbal “no quadro da Lei n.º 45/2008” induzem a sua falta de clareza,
objectividade e precisão […]».
A decisão do Tribunal baseou-se, assim, na falta de clareza,
precisão e objectividade da pergunta referendária.
6 – Tendo ocorrido a reformulação da pergunta referendária e
reenviada a mesma, ao Tribunal Constitucional, cumpre a este, nos termos do
artigo 27.º, n.º 2, da LORL, proceder a “nova verificação da constitucionalidade
e da legalidade da deliberação”.
7 – Do preceito resulta que se mantém o julgamento antes efectuado,
no Acórdão n.º 524/2008, relativamente a todas as matérias em que não houve
qualquer juízo de inconstitucionalidade e ilegalidade.
Assim sendo, apenas, importa analisar a constitucionalidade e
legalidade do referendo no que importa aos trâmites processuais e
procedimentais, ocorridos, posteriormente, à prolação do referido Acórdão, e à
pergunta que foi efectuada, agora, na sua expressão reformulada.
Como se vê do relatado, a iniciativa da reformulação da pergunta do
referendo foi exercida pelo órgão executivo do Município de Viana do Castelo – a
Câmara Municipal – que, aliás, fora a autora da proposta de deliberação do
referendo local que foi objecto do anterior juízo deste Tribunal.
Não obstante o artigo 27.º da LORL não prever a intervenção da
Câmara Municipal na reformulação da proposta de deliberação do referendo, quando
a iniciativa, tendo origem representativa, tiver partido da sua iniciativa, pois
se limita a dispor que “o Tribunal […] notificará o presidente do órgão que a
tiver tomado para que, […], esse órgão delibere no sentido da sua reformulação
[…]”, em contraponto com o que sucede quando o referendo procede de iniciativa
popular, caso em que o presidente do órgão que deliberou a realização do
referendo convidará a comissão executiva dos cidadãos subscritores da iniciativa
popular, a apresentar proposta de reformulação (n.ºs 3 e 4), o certo é que as
circunstâncias de, segundo uma óptica provável de colaboração entre os dois
órgãos, a Comissão Permanente da Assembleia Municipal de Viana do Castelo ter
deliberado remeter a reformulação da pergunta para a Câmara Municipal e de esta
haver efectuado uma proposta de reformulação da pergunta que a Assembleia
Municipal de Viana do Castelo veio a votar, por unanimidade, em nada afectam a
legalidade da deliberação da assembleia municipal.
Na verdade, decidindo, embora, sobre uma proposta, a Assembleia
Municipal de Viana do Castelo, forma a sua vontade própria sobre a matéria
apreciada e sobre o conteúdo integrante da deliberação, resultando a estatuição
administrativa, directamente, do exercício da sua competência legal, já
anteriormente afirmada.
A deliberação, que aprovou a reformulação da pergunta referendária,
conforme resulta do relatado, foi tomada no prazo de oito dias, a contar da
notificação do Acórdão n.º 524/2008, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo
27.º da LORL.
Por outro lado, o pedido de verificação da constitucionalidade e da
legalidade mostra-se efectuado em tempo.
À falta de disposição especial, vale aqui o prazo de oito dias,
estatuído no artigo 25.º da LORL, para o presidente do órgão deliberativo
submeter a deliberação a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da
legalidade. Ora, a deliberação foi tomada no dia 5 e o pedido apresentado no dia
7, ambos do corrente mês.
A reformulação da pergunta do referendo foi deliberada por
unanimidade, havendo estado presentes, na sessão extraordinária da Assembleia
Municipal de Viana do Castelo, de 5 de Novembro de 2008, 72 deputados e ausentes
9 deputados municipais, pelo que se mostra cumprida a exigência prescrita no n.º
5 do referido artigo 24.º da LORL.
Como decorre do exposto, a pergunta a constar do referendo local
cuja realização se pretende efectuar tem o seguinte teor:
“Concorda que o Município de Viana do Castelo integre a Comunidade
Intermunicipal Minho-Lima?
Sim ( )
Não ( )”
A deliberação comporta, apenas, uma pergunta e não é precedida de
quaisquer considerandos, preâmbulos ou notas explicativas, pelo que se mostram
respeitadas as exigências formuladas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 7.º da LORL.
Verifica-se, outrossim, que a pergunta está formulada em termos de
poder obter, apenas, respostas de sim ou de não, respeitando, deste modo, o
princípio dilemático ou da bipolaridade do referendo, consagrado no n.º 2 do
artigo 7.º da LORL (cf. Acórdão n.º 360/91, publicado nos Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 19º volume, página 701).
Não se vislumbra, por outro lado, que as projectadas respostas, de
sim ou de não, determinem a prática de actos ou a adopção de normas legais que
sejam desconformes com a Constituição (No sentido de a apreciação da
constitucionalidade material da questão posta se inscrever no âmbito do controlo
de constitucionalidade, pronunciou-se o Acórdão n.º 288/98, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
8 – Importa, agora, apurar se ela se encontra formulada com
objectividade, clareza e precisão e sem sugerir, directa ou indirectamente, o
sentido das respostas, ou seja, se cumpre os demais requisitos estabelecidos no
artigo 7.º, n.º 2, da LORL, sendo que esses requisitos devem ser entendidos nos
termos já explanados no Acórdão n.º 524/08.
Como decorre deste aresto, a “comunidade intermunicipal Minho-Lima”
é uma pessoa colectiva de direito público, sob a forma de associação de
municípios de fins múltiplos, instituída em concreto com a aprovação dos seus
estatutos pelas Assembleias Municipais dos Municípios de Arcos de Valdevez,
Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Ponte da Barca, Ponte de Lima,
Valença, Viana do Castelo e Vila Nova de Cerveira (cuja área territorial
conjunta corresponde à unidade territorial do Minho-Lima), ou, pelo menos, da
maioria absoluta destes municípios, podendo a adesão dos municípios, não
dependente de consentimento dos restantes, verificar-se em momento posterior ao
da sua instituição (cf. artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, e 4.º da Lei n.º 45/2008, de 27
de Agosto e 1.º e Anexo I do Decreto-Lei n.º 68/2008, de 14 de Abril).
Ora, o que se pergunta é se o munícipe de Viana do Castelo concorda
que o Município de Viana do Castelo integre, ou faça parte dessa concreta
associação de municípios de fins múltiplos.
A pergunta é objectiva, porque o que se inquire é se o cidadão
concorda com a integração do município de Viana do Castelo na concreta
identidade jurídica acabada de enunciar, sendo que os componentes verbais da
pergunta se referem a elementos conformados normativamente e com recurso a
termos verbais de sentido definido, independentes de qualquer ponderação
subjectiva.
É precisa, porque a relação entre o facto sobre o qual o cidadão é
interrogado e a realidade a que o mesmo se refere, para resposta de sim ou de
não – se concorda com a integração do Município de Viana do Castelo na
comunidade intermunicipal Minho-Lima – se encontra totalmente definida na lei,
em termos de o seu sentido, apenas, poder ser o, aí, recortado (o sentido que a
lei lhe empresta, acima caracterizado), não consentindo qualquer outro sobre se
a integração pode ocorrer dentro de outras circunstancias factuais ou jurídicas.
E é clara, porque é perfeitamente possível, ao eleitor “médio” –
padrão normativo pressuposto, também, para o exame dos demais requisitos, como
se afirmou no referido Acórdão n.º 524/08 – representar, quer o facto simples
perguntado “se concorda com a integração”, quer o facto associado a que diz
respeito “comunidade intermunicipal Minho-Lima”, porquanto tais termos deixam,
facilmente, entender que o que se pretende saber é se o leitor está ou não de
acordo que o Município de Viana do Castelo faça parte de uma concreta e
preexistente (do ponto de vista normativo) comunidade intermunicipal.
À compreensibilidade da matéria perguntada é irrelevante a
circunstância de a pergunta não incluir quaisquer elementos do regime jurídico a
que o concreto sujeito de direito se encontra subordinado e sobre cuja
ponderação, na perspectiva do seu concreto reflexo-jurídico favorável ou
desfavorável para o Município de Viana do Castelo, se centrou, em parte, o
debate político.
Todavia, independentemente de estes aspectos não acarretarem
qualquer ambiguidade da pergunta, eles contendem já com a motivação da vontade
referendária.
Sendo assim, é a campanha eleitoral a sede própria para a sua
exposição, consideração e ponderação.
C – Decisão
9 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
verifica a constitucionalidade e a legalidade da deliberação do referendo local,
adoptada pela Assembleia Municipal de Viana do Castelo, na sua sessão ordinária
de 6 de Outubro de 2008, e cuja pergunta foi aprovada pela mesma Assembleia, na
sua sessão extraordinária de 5 de Novembro de 2008.
Lisboa, 19/11/2008
Benjamim Rodrigues (com declaração anexa)
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira – com declaração
Gil Galvão
João Cura Mariano
Vítor Gomes
José Borges Soeiro
Ana Maria Guerra Martins
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres (com a declaração de voto
junta)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Para o relator, a pergunta referendária é, também, clara, porque, por outro
lado, os seus termos expressam uma acepção que – para além de ter vindo a estar,
frequentemente, presente, desde a vigência da Constituição de 1976, na linguagem
corrente da comunicação social e na vida dos cidadãos, em virtude de grande
parte das infraestruturas locais de que os cidadãos beneficiam corresponderem a
empreendimentos feitos por comunidades intermunicipais – é, por si mesma
(enquanto “individualidade” ou sujeito jurídico bem talhado na lei),
auto-suficiente, do ponto de vista comunicativo e da óptica do significado que
tem a pretensão de comunicar.
Benjamim Rodrigues
DECLARAÇÃO DE VOTO
Subscrevo a decisão mas mantenho o entendimento, que exprimi mais detalhadamente
em declaração aposta ao anterior Acórdão n.º 524/2008, de que ao proceder à
fiscalização preventiva da constitucionalidade e de legalidade do referendo, nos
termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 223º da Constituição, e n.º 2 do artigo
7º do regime jurídico do referendo local (Lei Orgânica n.º 4/2000 de 24 de
Agosto) o Tribunal deve analisar a questão na perspectiva de poder determinar se
as perguntas estão formuladas de forma equívoca, capciosa, obscura ou
dissimulada, em vez de determinar, mediante um julgamento materializado numa
afirmação positiva, que as perguntas se apresentam formuladas 'com
objectividade, clareza e precisão'.
Carlos Pamplona de Oliveira
DECLARAÇÃO DE VOTO
Entendo que a pergunta referendária, tal como foi
reformulada, não respeita os requisitos da clareza e da precisão, pois a
referência à “Comunidade Intermunicipal Minho‑Lima”, sem mais, não permitirá, a
um eleitor médio, aperceber‑se que o que se pretende indagar é se ele concorda,
ou não, com a integração do Município de Viana do Castelo na específica
Comunidade prevista com essa designação, tendo como potenciais integrantes os
Municípios de Arcos de Valdevez, Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de Coura,
Ponte da Barca, Ponte de Lima, Valença, Viana do Castelo e Vila Nova de
Cerveira, e sujeita às regras de composição, organização e funcionamento
definidas na Lei n.º 45/2008, de 27 de Agosto, e no Decreto‑Lei n.º 68/2008, de
14 de Abril.
É que, como este Tribunal tem repetidamente sublinhado
quando foi chamado a verificar a constitucionalidade e a legalidade de
referendos, a clareza e a precisão são requisitos que a pergunta referendária
deve possuir em si mesma, face à sua formulação literal, não se podendo atribuir
relevância aos eventuais contributos que a posterior campanha possa trazer no
sentido de tornar precisa e clara uma pergunta, que, à partida, não o era.
Como referi no voto de vencido aposto ao Acórdão n.º
524/2008:
“(…) se a seca referência à «Comunidade Intermunicipal da NUT III
Minho‑Lima», proposta inicialmente, surgia, de facto, como pouco clara, dado o
natural desconhecimento do significado dessa sigla por parte da generalidade
dos eleitores, já a enunciação dos municípios susceptíveis de integrar essa
Comunidade, que passou a constar do texto final da pergunta, contribuiu
decisivamente para a sua clarificação. Neste contexto, a manutenção da
referência a «NUTS III» (que se terá entendido ser imposta pelo n.º 2 do artigo
6.º da Lei n.º 45/2008), imediatamente «descifrada» com a enumeração dos
municípios susceptíveis de serem envolvidos, não se afigura como determinando
irremediavelmente a obscuridade da pergunta.
Finalmente, a referência ao quadro legal – cujas implicações serão
naturalmente objecto de esclarecimento na campanha referendária – surge como
absolutamente essencial ao fidedigno apuramento da vontade popular. Repete‑se: o
que se pretende é apurar se os munícipes de Viana do Castelo concordam, ou não,
com a integração em Comunidade Intermunicipal que ficará sujeita ao regime de
composição, organização e funcionamento definido na Lei n.º 45/2008. A
eliminação, na pergunta, das referências que foram consideradas
desrespeitadoras dos requisitos da objectividade, clareza e precisão é que – em
minha opinião – conduzirá à formulação de uma pergunta intoleravelmente
imprecisa.»
Foi, de facto, este resultado que se veio a verificar
com a reformulação da pergunta, em termos que reputo não claros nem precisos.
No entanto, derivando este resultado da anterior decisão
deste Tribunal, nada mais restava do que, agora, dar por verificada a
constitucionalidade e a legalidade da deliberação referendária em causa.
Mário José de Araújo Torres