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Processo nº 501/92 
 
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: 
 
 
       I. Relatório: 
 
       1. A. impugnou no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa as seguintes decisões: 
       (a). o despacho conjunto nº 13-P/87 do Presidente da Câmara Municipal de B. e de um vereador da mesma Câmara, datado de 24 de Junho de 1987, que nomeou director do Departamento de Urbanismo certo técnico superior; 
       (b). o despacho conjunto nº 23-P/87 das entidades acabadas de referir, datado também de 24 de Junho de 1987, que o nomeou a si consultor do Gabinete de Consultores da Câmara Municipal de B.; 
       (c). a deliberação do plenário da dita Câmara Municipal, datada de 5 de Agosto de 1987, que negou provimento ao recurso por ele interposto, ao abrigo do artigo 52º, nºs 7 e 8, do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, daqueles dois despachos. 
 
       O recurso de anulação foi, no entanto, julgado improcedente, por sentença de 8 de Maio de 1989, razão por que o recorrente interpôs recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso Administrativo). 
 
       Sem êxito, porém (cf. acórdão de 5 de Fevereiro de 
 1991). 
 
 
       Desse acórdão de 5 de Fevereiro de 1991, interpôs ele recurso para o Pleno da dita Secção do Contencioso Administrativo daquele Supremo Tribunal, com fundamento em oposição de julgados. 
       O Supremo Tribunal Administrativo, no entanto, por acórdão de 9 de Abril de 1992, decidiu que não se verificava a invocada oposição de julgados. 
 
 
       2. O recorrente interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, dizendo fazê-lo, ao abrigo das alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 
 70º da Lei do Tribunal Constitucional, dos referidos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo. 
 
       Como, porém, não dera cabal cumprimento ao disposto no artigo 75º-A daquela Lei, foi o recorrente convidado, neste Tribunal, a vir fazê-lo em 5 dias, nomeadamente indicando: 
       (a). a norma ou normas legais, cuja inconstitucionalidade foi por ele suscitada durante o processo e que o acórdão recorrido aplicou. 
       (b). as peças processuais em que suscitou tal questão de inconstitucionalidade; 
       (c). a norma legal que, tendo antes sido julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, o acórdão recorrido aplicou; 
       (d). a decisão do Tribunal Constitucional que, com anterioridade, julgou tal norma inconstitucional. 
 
       Em resposta, o recorrente veio informar o seguinte: 
       (a). Quanto à norma ou normas legais, cuja inconstitucionalidade ele suscitara durante o processo e que o acórdão recorrido aplicou, disse que 'na petição de recurso o recorrente suscitou que os actos recorridos tinham violado o artigo 268º/2/ da Constituição (artigo 14º da p.r)'. E acrescentou: 'Ora, os despachos conjuntos nº 13-P/87 e 23-P/87, de 24/6/87 e a deliberação camarária de 5/8/87 aplicaram o art. 51º/1/b do DL 100/84,o art. 
 7º/5/a/ e art. 17º-B do DL 116/84 na redacção que lhe foi dada pela Lei 44/85 e o art. 58º/1/ do DL nº 247/87, de 17 de Junho que são nitidamente inconstitucionais, desde que tais preceitos levem ao entendimento de que o Presidente da Câmara detém poderes discricionários quanto à escolha do pessoal menos qualificado, menos experiente, eventual e sem os requisitos mínimos para desempenhar os cargos de Director do Departamento de Urbanismo'. E ainda: 'os acórdãos recorridos aplicaram as referidas normas inconstitucionais, violando o princípio da confiança, insíto no princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2º da Lei Fundamental (Acórdão 303/90, de 26 de Dezembro, do Tribunal Constitucional - DR - 1ª série - nº 296 - 26/12/90)'. 
       (b). Quanto às peças processuais em que suscitou tal questão de inconstitucionalidade, diz o recorrente tê-lo feito no artigo 14º da petição do recurso e nas alegações que apresentou no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, no Supremo Tribunal Administrativo e no Pleno do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal de Justiça, precisando que, 'ao longo de todas as peças processuais apresentadas por si' foi dito que '[...] os actos recorridos violaram direitos fundamentais ... o princípio fundamental dos direitos adquiridos, maxime, a não redução da categoria e de vencimento, bem como o direito ao lugar (cf. art.60º/1/a e 266/1 da Constituição)'. 
       (c). Quanto à norma legal que, tendo anteriormente sido julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, o acórdão recorrido aplicou, disse ele que 'os acórdãos recorridos ao aplicarem os arts. 58º/1/ do DL nº 247/87, de 17 de Junho e as demais normas' antes aludidas 'ofenderam o princípio da confiança/acórdão 303/90 do Tribunal Constitucional de 26 de Dezembro'; 
       (d). Quanto à decisão do Tribunal Constitucional que, com anterioridade, julgou tais normas inconstitucionais, disse o recorrente que se trata 'do citado acórdão nº 303/90, de 26 de Dezembro, do Tribunal Constitucional - DR - 1ª série - nº 296 - 26/12/90'. 
 
       3. O recorrente fundamentou, pois, o recurso interposto nas alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Ao que acresce que o recurso foi interposto da sentença da 1ª instância e dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, atrás indicados. 
 
       4. O relator, por entender que não podia conhecer-se do recurso, fez exposição prévia no processo e mandou ouvir as partes por cinco dias. 
 
       Responderam o recorrente e os recorridos: aquele, para sustentar que o Tribunal Constitucional 'deve conhecer do presente recurso, dado terem sido arguidas e aplicadas normas e princípios inconstitucionais, que muito prejudicaram - moral e materialmente - o recorrente'; este, para concluir que o Tribunal não pode, de facto, conhecer dos recursos interpostos pelo recorrente. 
 
       5. Corridos os vistos, cumpre decidir. 
 
       II. Fundamentos: 
 
       6. Começando por recordar que o recurso, fundado nas alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, foi interposto da sentença da 1ª instância e dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de Fevereiro de 1991 e de 9 de Abril de 1992, vejamos, então: 
 
       6.1. Quanto ao recurso tendo por objecto a sentença da 
 1ª instância, escreveu-se na exposição do relator: 
       A sentença da 1ª instância é irrecorrível para o Tribunal Constitucional, uma vez que ela admitia recurso ordinário (cf. artigo 
 70º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional), que, de resto, foi interposto e julgado pelo acórdão de 5 de Fevereiro de 1991, da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo. 
 
       Tendo, pois, a referida sentença sido consumida pelo acórdão de 5 de Fevereiro de 1991, que decidiu o recurso que dela cabia e se interpôs para o Supremo Tribunal Administrativo, óbvio é que da mesma se não pode recorrer para o Tribunal Constitucional. 
 
 
       6.2. No tocante ao recurso tendo por objecto o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de Fevereiro de 1991, escreveu-se na referida exposição: 
 
       De outro lado, o recurso, na medida em que nele se visa impugnar aquele acórdão de 5 de Fevereiro de 1991, é extemporâneo, pois que, quando, em 4 de Maio de 1992, o mesmo foi interposto, há muito já que havia expirado o prazo de 8 dias para recorrer daquele aresto. 
 
       O recurso, enquanto interposto do mencionado acórdão de 
 5 de Fevereiro de 1991, só seria tempestivo, se o prazo para recorrer para este Tribunal se houvesse de contar da notificação ao recorrente do acórdão do Pleno, de 9 de Abril de 1992. 
 
       Só que, não é dessa data que tal prazo se conta: o recurso para o Pleno, fundado em oposição de julgados [cf. artigo 22º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril) e artigos 102º e 103º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho)] - que, no caso, se deu por findo, por se não verificar a invocada oposição - não é, com efeito, um 
 'recurso ordinário' que não tenha sido 'admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão' - e essa é a hipótese para que unicamente rege o nº 2 do artigo 75º (e não 72º, como, por lapso, se escreveu) da Lei do Tribunal Constitucional (sobre não ser recurso ordinário, embora para uma finalidade diversa, cf. o Acórdão nº 59/90, por publicar). 
 
       O recorrente insiste em que o recurso é tempestivo, 
 'porque um dos pressupostos do recurso da constitucionalidade consiste na exaustão dos recursos ordinários a que se refere a norma do artigo 70º, nº 2, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro'. 
 
       Sem razão, porém. 
 
       É certo que, para se poder recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (ou seja: para se poder recorrer com fundamento em que a decisão recorrida aplicou norma cuja inconstitucionalidade o recorrente suscitara durante o processo), é necessário que essa decisão já não admita recurso ordinário, seja porque a lei o não prevê, seja porque se esgotaram todos os que no caso cabiam (cf. nº 2 do artigo 70º citado). E mais: quando se interpõe recurso ordinário de uma decisão dessas (ou seja, de uma decisão que aplicou norma arguida de inconstitucional durante o processo) e esse recurso não é admitido com fundamento em que ela é irrecorrível, o prazo para recorrer dessa decisão para o Tribunal Constitucional não se conta da sua notificação, mas antes do 'momento em que se torne definitiva a decisão que não admita o recurso' ordinário que se quis interpor na respectiva ordem judiciária (cf. artigo 75º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional). 
 
       No caso, porém, não se tornava necessário interpor recurso para o Pleno com fundamento em oposição de julgados, para que se verificasse a exaustão dos recursos ordinários. 
       Por isso, não sendo o recurso, fundado em oposição de julgados, um recurso ordinário para o efeito aqui tido em vista, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional, do acórdão de 5 de Fevereiro de 1991, não podia contar-se do momento em que se tornou definitivo o acórdão de 9 de Abril de 1992, que teve por inverificada a oposição de julgados que se havia invocado. 
 
       O recurso com o objecto assinalado é, assim, extemporâneo, dele, pois, não podendo conhecer-se - o que também sucederia se tempestivo fosse, pois sempre faleceria o pressuposto da suscitação da inconstitucionalidade de normas jurídicas durante o processo. 
 
       6.3. No tocante ao recurso tendo por objecto o acórdão do Pleno, de 9 de Abril de 1992, escreveu-se na exposição inicial: 
 
       Pois, também nesta parte, se não pode conhecer do recurso, como vai ver-se, de seguida. 
 
       Este Tribunal só poderia conhecer do recurso, enquanto fundado na alínea b) citada, se o recorrente houvesse suscitado perante o tribunal recorrido a inconstitucionalidade de uma determinada norma jurídica durante o processo e se o acórdão sob recurso, não obstante, a houvesse aplicado. 
 
       Objecto do recurso de constitucionalidade só podem, na verdade, ser as normas jurídicas aplicadas que o recorrente tenha arguido de inconstitucionais, e não actos jurídicos de outra natureza, como sejam os actos administrativos contenciosamente impugnados. 
 
       Ora, o recorrente, nas alegações para o Supremo Tribunal Administrativo (tal como já antes sucedera nas peças processuais apresentadas em 
 1ª instância) não suscitou a inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica, antes assacou a violação de direitos fundamentais aos próprios actos recorridos. Ao que acresce que o acórdão recorrido não aplicou qualquer das normas legais indicadas pelo recorrente. 
 
       Daqui decorre, pois, que, do presente recurso, enquanto interposto ao abrigo da citada alínea b), não pode o Tribunal conhecer. 
 
       Este Tribunal também não pode conhecer do recurso enquanto interposto ao abrigo da mencionada alínea g). 
 
       De facto, para que dele pudesse conhecer, necessário era que o Tribunal houvesse, anteriormente, julgado inconstitucionais as normas que o recorrente diz terem sido aplicadas pela decisão recorrida, e que esta, realmente, as tivesse aplicado. 
 
       Ora - para além de, como se disse, o acórdão não ter aplicado tais normas -, este Tribunal, no Acórdão nº 303/90, indicado pelo recorrente, não julgou inconstitucional qualquer delas. Nesse acórdão declarou, isso sim, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do nº 11 do artigo 14º da Lei nº 114/88, de 30 de Dezembro. 
 
       O recorrente, na sua resposta, sustenta, no entanto, nomeadamente, que: 
 
       (a). 'Objecto do recurso de constitucionalidade tanto podem ser as normas jurídicas aplicadas que o recorrente tenha arguido de inconstitucionais, como [...] os actos jurídicos de outra natureza, como sejam os actos administrativos contenciosamente impugnáveis', pois 'o recorrente ao assacar a violação de direitos fundamentais aos próprios actos recorridos' está a arguir - diz - 'a inconstitucionalidade das normas contidas nos despachos recorridos [...]'; 
       (b) 'A inconstitucionalidade sempre poderá ser suscitada até à extinção da instância'; 
       (c). 'O suscitamento da questão de inconstitucionalidade mesmo no requerimento de interposição do recurso para o TC [...] será e é inteiramente eficaz, porque ocorre durante o processo, já que este 'durante' tem um sentido amplo e não restritivo ou limitativo'. 
       (d). 'O recurso para o TC não pressupõe necessariamente uma anterior decisão do tribunal 'a quo'. 
 
       Significa isto que a razão por que o recorrente entende que o Tribunal Constitucional deve conhecer do recurso é porque discorda do modo como a lei regula os respectivos pressupostos ou, pelo menos, do modo como este Tribunal tem interpretado a lei nesse particular. Ele é, de resto, claro ao afirmar: 'estamos contra o pacifismo jurisprudencial'. 
 
       O Tribunal não vê, porém, motivos para modificar a sua jurisprudência sobre a matéria. 
 
       III Decisão: 
 Pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer do recurso e condenar o recorrente nas custas, fixando-se, para o efeito, a taxa de justiça em cinco unidades de conta. 
 
 Lisboa, 2 de Março de 1993 
 Messias Bento Fernando Alves Correia Mário de Brito Bravo Serra José de Sousa e Brito (Com declaração de voto) Luís Nunes de Almeida (Com declaração de voto) José Manuel Cardoso da Costa (com declaração idêntica à dos Ex.mos Conselheiros Sousa e Brito e Luís Nunes de Almeida)