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Processo n.º 893/2009
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A., foi proferida decisão
sumária de não conhecimento do objecto do recurso com o seguinte fundamento:
[…]
É manifesto que em lugar algum das alegações de recurso para o Tribunal a quo, o
recorrente suscitou qualquer questão de constitucionalidade – em termos de, como
dispõe o n.º 2 do artigo 72.º da LTC, este estar obrigado a dela conhecer –
apenas vindo suscitá-la no requerimento de interposição do presente recurso de
constitucionalidade.
O recorrente sustenta, porém, que “[a] interpretação afirmada sem quaisquer
rodeios ou limites, foi inesperada, porquanto, a decisão de 1ª instância, tendo
em conta as exigências de prevenção especial, formulou um juízo de prognose
desfavorável ao arguido, decidindo no sentido da não suspensão da pena de
prisão”.
Não é claro qual a decisão a que se reporta o recorrente – que, alegadamente,
teria efectuado uma interpretação inesperada – se a decisão de primeira
instância se o acórdão da Relação que, negando provimento ao recurso, manteve a
primeira inalterada.
Em qualquer caso, ainda que se entenda que o recorrente se reporta ao acórdão da
Relação – caso se entendesse reportar-se à decisão de primeira instância a
interpretação jamais poderia considerar-se inesperada para efeitos de se admitir
uma excepção ao requisito de suscitação prévia da questão de constitucionalidade
durante o processo –, o mesmo não oferece qualquer justificação por que se há-de
considerar a interpretação efectuada como inesperada.
Ora, como se afirma no Acórdão n.º 213/2004 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), “[é], no entanto, de exigir que o invocado
elemento surpresa decorra de regras de interpretação e aplicação lógicas e, por
isso, se impõe que sobre aquele que alega essa circunstância recaia o ónus de
explicitar os factores, objectivos, que possam conduzir o tribunal a aceitar uma
tal conclusão. É assim insuficiente afirmar, de modo conclusivo, que a aplicação
da norma foi inesperada ou surpreendente, se não se aponta com o necessário
rigor quer a formulação da interpretação normativa usada, quer a razão pela
qual, em atenção à fase processual verificada, foi impossível ao interessado
suscitar atempadamente a questão. Na verdade, a jurisprudência do Tribunal tem
vincado que «só em casos excepcionais e anómalos» em que o recorrente não dispôs
processualmente da possibilidade da suscitação atempada da questão é que será
«admissível» a arguição em momento subsequente (Acórdãos 62/85, 90/85 e 160/94
in AcTC, 5º vol., p. 497 e 663 e DR, II, de 28MAI94) o que faz recair sobre o
recorrente o dito ónus de expor, com a devida concretização, as circunstâncias
pelas quais lhe foi impossível suscitar a questão de forma adequada”.
Tanto basta para que se não conheça do presente recurso de constitucionalidade.
Ainda que assim não fosse, é, em todo o caso, manifesto que jamais poderia a
interpretação feita pelo Tribunal a quo ser considerada inesperada, na medida em
que este se limita a confirmar a interpretação efectuada pela decisão de
primeira instância, a qual corresponde a uma corrente jurisprudencial de que,
aliás, o recorrente dá conta, criticando-a, nas suas alegações de recurso para o
Tribunal a quo (fls. 545) sem que aí tenha suscitado – como lhe competia –
qualquer questão de constitucionalidade da dimensão normativa do n.º 1 do artigo
50.º do Código Penal que constitui objecto do presente recurso.
Assim, não pode o Tribunal Constitucional dele conhecer.
2. Notificado desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, com os
seguintes fundamentos:
Não obstante a decisão sumária em análise entender e concluir pela
inadmissibilidade do recurso a que os presentes autos se reportam e pela
consequente impossibilidade desse Tribunal conhecer do seu objecto, não pode o
Recorrente conformar-se com tal decisão, discordando, quer do seu sentido, quer
dos fundamentos em que se baseia.
Entende-se que se encontram plenamente preenchidos os requisitos formais e
materiais de admissibilidade do recurso interposto perante este tribunal
constitucional, previstos no art. 70º n.° 1 al. b) da LTC.
As questões de inconstitucionalidade suscitadas no presente recurso advêm
directamente dos fundamentos nos quais o Tribunal da Relação baseou a decisão
que manteve a sentença condenatória proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
Com efeito, a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância decidiu pela
aplicação ao ora Recorrente de uma pena de prisão efectiva, porquanto entende
que: “No presente caso, a pena de prisão consubstancia a medida necessária e
adequada para dar resposta não só às exigências de prevenção geral mas também às
exigências de prevenção especial de socialização, que, tal como aquelas, são
elevadas.
Deste modo, e em conclusão, a condenação do arguido numa pena de prisão
efectiva, para além de adequada à sua ressocialização, mostra-se necessária à
manutenção da ordem jurídica e da fidelidade do público ao direito.”
Conclui-se pois que a decisão da primeira instância, baseou a necessidade de
condenação do arguido numa pena de prisão de efectiva e na impossibilidade de
substituição por uma pena não privativa de liberdade – designadamente pela pena
de suspensão da execução da pena de prisão – no facto de o arguido ter agido
“com negligência grosseira e de se ter comportado com total indiferença perante
a gravidade das consequências do seu comportamento, sendo certo que nunca
denotou qualquer sinal de arrependimento”.
O ora Recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação, centrando as suas
alegações nos seguintes factos:
“A pena única de 3 anos e seis meses de prisão efectiva revela-se, com o devido
respeito, desajustada à conduta do arguido, às suas condições de vida, à
inexistência de exigências de prevenção especial a acautelar e às demais
circunstâncias processuais, porquanto a conjugação dos elementos probatórios dos
autos, permitia concluir pela aplicação ao recorrente de uma pena de prisão
nunca superior a dois anos.
O Tribunal a quo optou por aplicar ao Arguido uma pena de prisão efectiva,
fundamentando a sua decisão na actuação com negligência grosseira, na assunção
por parte do Arguido de um comportamento de total indiferença perante a
gravidade das consequências do seu comportamento, na inexistência de
arrependimento e no alarme social gerado pelo tipo de crime praticado pelo
Arguido.
O depoimento do Arguido e a postura por este assumida em sede de Audiência de
Julgamento, ao contrário da análise plasmada no acórdão, não demonstram
indiferença perante a gravidade das consequências do seu comportamento, tendo
chegado o Arguido a verbalizar sentir pena e desgosto pelo sucedido.
Não pode ser o Arguido penalizado por ter tentado em audiência de julgamento
transmitir ao Tribunal a quo a sua versão do acidente, ainda que sem sucesso,
sendo que a demonstração de arrependimento, para efeitos de suspensão da
execução da pena de prisão consiste apenas num dos elementos a ter em
consideração conjuntamente com os outros a que alude o art. 50.°, n.° 1, do CP,
não assumindo o estatuto de “conditio sine qua non”.
O Tribunal a quo não realizou um juízo de prognose favorável à suspensão,
impossibilitando o Arguido de comprovar que, em liberdade, com a simples ameaça
da pena, será afastado de cometer outros ilícitos, mesmo que estradais.
Considerando os aspectos pessoais do arguido, mormente a sua já longa idade (72
anos) e o seu comportamento exemplar, mesmo ao nível estradal – já que conduz
diariamente há mais de 50 anos sem que até à idade referida alguma vez tenha
posto em causa a integridade física e a vida de outrem –, a sua inserção social
e familiar, sendo considerado boa pessoa e respeitado no meio onde vive, o
ordenamento jurídico não ficará pois posto em crise com a suspensão da execução
da pena.
O arguido não carece de cumprir a pena de prisão em situação de reclusão
efectiva para sentir que não pode, nem deve, voltar a delinquir, porquanto o seu
percurso de vida e o seu passado sem qualquer mácula, revelam que o acidente de
viação a que os autos se reportam foi um infortúnio, fruto de uma momento de
azar.
O sistema prisional é extremamente hostil para um idoso, no fim da sua vida, com
todas as limitações inerentes à avançada idade e à degradação da sua saúde,
sendo que a última revisão do Cód. Penal foi particularmente sensível a esta
questão, desaconselhando a privação da liberdade em estabelecimento prisional a
Arguidos com mais de 65 anos.
O cumprimento efectivo da pena de prisão terá efeitos inversos aos pretendidos,
designadamente no que se prende com a ressocialização do arguido e a sua
reintegração na sociedade, operando-se, assim, uma “dessocialização” e uma
“desintegração” na sociedade, marcando irremediavelmente a sua vida futura e
proporcionando-lhe um fim de vida desadequado à sua conduta.”
Em resumo apelou o ora Recorrente que fossem devidamente ponderados pelo
Tribunal da Relação os factos atinentes às exigências de prevenção especial, que
se traduzem no seu entender a juízo de prognose favorável à suspensão da pena de
prisão que lhe foi aplicada.
O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, no que a esta particular questão
concerne, sustenta que: “É indiscutível, no caso, que tendo presente o que o
art. 50º n.° 1 do C. Penal dispõe, o requisito formal verifica-se, pois a pena
de prisão aqui em causa não é superior a 5 anos (repete-se de 3 anos e 6 meses).
Mas será que tal afirmação se justa também, minimamente que seja, ao requisito
material no mesmo art. 50º n.° 1, contido, e que consiste em o tribunal, tendo
presente a personalidade do arguido e as circunstâncias do facto formular um
prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento, o de que a simples
censura do facto e a ameaça da prisão serão bastantes para o afastamento daquele
da prática criminosa, sendo que para a formulação desse juízo, para o que não
basta, nunca, a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias de
facto, tem de atender-se, especialmente, às condições de vida do arguido e à sua
conduta anterior e posterior, sabendo-se, ademais, que “a finalidade
político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e
terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes
e não qualquer “correcção” ou – ainda menos – “metanóia” das concepções daquele
sobre a vida e mundo. (...)?
Temos para nós que sim.
Na verdade, nada nos factos enumerados como provados, nem mesmo a gravidade das
circunstâncias, óbvia, dos crimes, pela razão de que foram de surgimento, apesar
de tudo, inopinado, aponta para a exclusão desse juízo de prognose favorável,
bem pelo contrário, eles até o sugerem com segurança bastante, pois quer o
atinente passado do arguido quer o seu pertinente de vir (sem mácula criminal
típica ou atípica, isto é, na natureza da presente ou de natureza diversa) não
apontam para que se suponha que as expectativas de confiança na chamada
prevenção da reincidência não são fundadas, certo sendo que não são
considerações de culpa que devem, aqui, ponderar-se.”
Donde se conclui que o supra referido acórdão perfilha a posição assumida ab
initio pelo ora Recorrente, no sentido de que inexistem no caso ora em apreço
exigências de prevenção especial impeditivas de um juízo de prognose favorável à
suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
Contudo, o mesmo acórdão sustenta que, não obstante o supra exposto, existem
exigências de prevenção geral que impossibilitam que “o juízo de prognose
favorável atinja o seu final escopo que é a substituição da pena de prisão pela
pena de suspensão da execução da pena de prisão”.
Considera o acórdão que “a prevenção geral assume, deste modo, uma função
primordial de imposição de comportamentos devidos e esperados no domínio de
actividades sociais de intenso risco e aptos a evitar consequências sérias e
graves para bens fundamentais.”
O Recorrente sentiu-se na situação daquele arguido inglês que, condenado à morte
por ter furtado um cavalo, indignado, questionou o julgador se o simples furto
de um cavalo justificava a aplicação da pena de morte. Ao que o julgador
respondeu: Não é tanto por ter furtado um cavalo, mas para que outros não
furtem.
É por força do sentido desta decisão proferida pelo Tribunal da Relação e pelos
fundamentos em que ela se baseia, que se levanta e se torna de todo modo
pertinente a questão da inconstitucionalidade da interpretação por ela
perfilhada.
De facto, a sentença proferida em 1ª instância não permite sequer que seja
suscitada tal questão, sendo que são os fundamentos e a interpretação que o
acórdão do Tribunal da Relação fez, que pela manifesta diferença que
introduziram em relação à decisão da 1ª instância, colheram o ora Recorrente de
surpresa.
Cumpre salientar que a fundamentação jurídica plasmada no acórdão do Tribunal da
Relação é manifestamente diversa da constante da sentença proferida pelo
Tribunal de 1ª instância, o que a torna surpreendente, inesperada e
imprevisível, não sendo exigível que o recorrente pudesse antever, quer o seu
sentido, quer o seu alcance.
Resulta pois do supra exposto que as inconstitucionalidades só podiam ter sido
suscitadas no presente recurso, uma vez que só se consubstanciaram quando o
Recorrente tomou conhecimento com o teor do acórdão proferido pelo Tribunal da
Relação e da interpretação dos normativos jurídicos dele constantes e cuja
(in)constitucionalidade pretende questionar.
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
respondeu à reclamação nos seguintes termos:
1.°
Pela Decisão Sumária de fls. 686 a 701, decidiu-se não tomar conhecimento do
recurso com base numa dupla fundamentação:
- invocando o recorrente ter sido surpreendido pela interpretação levada a cabo
na decisão recorrida, para efeitos de não estar obrigado ao cumprimento do ónus
da suscitação prévia da questão da constitucionalidade, não indicara as
circunstâncias pelas quais lhe fora impossível suscitar, anteriormente, a
questão;
- tendo o recorrente tipo oportunidade de suscitar oportuna e adequadamente a
questão, não estava dispensado do cumprimento daquele ónus, não o tendo, no
entanto, cumprido.
2.°
Independentemente de se aceitar que, na reclamação da Decisão Sumária, o
recorrente pode suprir a deficiência que levou ao não conhecimento do recurso
com base no primeiro fundamento, a Decisão Sumária sempre será de manter com
base no outro fundamento.
3.°
Na verdade, a decisão da primeira instância é clara quando fundamenta a não
suspensão da execução da pena aplicada ao arguido (artigo 50.º do C. Penal),
numa determinada corrente jurisprudencial, dizendo-se o seguinte:
“Deste modo, e em conclusão, a condenação do arguido numa pena de prisão
efectiva, para além de adequada à sua ressocialização, mostra-se necessária à
manutenção da ordem jurídica e da fidelidade do público ao direito.
Como é salientado no acórdão do STJ, de 21/6/2007 (já citado), o Supremo
Tribunal de Justiça aceita, como princípio de tratamento penal preventivo mais
adequado ao desenfreado e cada vez mais alarmante desregramento em matéria de
tráfico rodoviário, a necessidade premente já há muito advogada por vozes
autorizadas – como dá conta o Prof. Costa Andrade –, de recurso às penas de
prisão, ainda que por vezes de curta duração – short sharp shock”.
4.º
Na motivação do recurso para a Relação, o arguido critica aquele entendimento,
referindo, expressamente, a corrente jurisprudencial que o acolhe.
5.º
Fá-lo, todavia, a nível de interpretação do direito ordinário, não o fazendo
invocando a desconformidade com os princípios constitucionais de qualquer
dimensão normativa.
6.º
Ora, a Relação do Porto, aceitou inequivocamente aquele interpretação,
limitando-se a desenvolver a argumentação constante do acórdão de 1.ª instância.
7.º
Pelo exposto, uma vez que o recorrente não suscitou prévia e adequadamente a
questão da inconstitucionalidade que agora pretende ver apreciada – não estando
dispensado desse ónus –, deve indeferir-se a reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
4. O reclamante alega que, perante a sentença proferida em primeira instância,
não poderia ter suscitado – nas alegações de recurso para o Tribunal a quo – a
questão de constitucionalidade, a mesma apenas podendo ter sido por ele
suscitada – como foi –, uma vez notificado do acórdão proferido pelo Tribunal a
quo, no próprio requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
Afirma o reclamante que “[…] são os fundamentos e a interpretação que o acórdão
do Tribunal da Relação fez, que pela manifesta diferença que introduziram em
relação à decisão da 1ª instância, colheram o ora Recorrente de surpresa”,
acrescentando que “[…] a fundamentação jurídica plasmada no acórdão do Tribunal
da Relação é manifestamente diversa da constante da sentença proferida pelo
Tribunal de 1ª instância, o que a torna surpreendente, inesperada e
imprevisível, não sendo exigível que o recorrente pudesse antever, quer o seu
sentido, quer o seu alcance”.
Simplesmente, ao fazê-lo, o reclamante não oferece qualquer justificação por que
se há-de considerar a interpretação efectuada como surpreendente, inesperada ou
imprevisível.
Ora, como se afirma na decisão sumária reclamada, citando-se jurisprudência
anterior do Tribunal Constitucional, designadamente o seu Acórdão n.º 213/2004
(disponível em www.tribunalconstitucional.pt), “[é], no entanto, de exigir que o
invocado elemento surpresa decorra de regras de interpretação e aplicação
lógicas e, por isso, se impõe que sobre aquele que alega essa circunstância
recaia o ónus de explicitar os factores, objectivos, que possam conduzir o
tribunal a aceitar uma tal conclusão. É assim insuficiente afirmar, de modo
conclusivo, que a aplicação da norma foi inesperada ou surpreendente, se não se
aponta com o necessário rigor quer a formulação da interpretação normativa
usada, quer a razão pela qual, em atenção à fase processual verificada, foi
impossível ao interessado suscitar atempadamente a questão. Na verdade, a
jurisprudência do Tribunal tem vincado que «só em casos excepcionais e anómalos»
em que o recorrente não dispôs processualmente da possibilidade da suscitação
atempada da questão é que será «admissível» a arguição em momento subsequente
(Acórdãos 62/85, 90/85 e 160/94 in AcTC, 5º vol., p. 497 e 663 e DR, II, de
28MAI94) o que faz recair sobre o recorrente o dito ónus de expor, com a devida
concretização, as circunstâncias pelas quais lhe foi impossível suscitar a
questão de forma adequada”.
Mesmo na hipótese de se admitir que a reclamação para a conferência é ainda o
momento processual adequado para o recorrente cumprir esse ónus – questão que o
Tribunal Constitucional não tem aqui que decidir – a verdade é que o recorrente,
ora reclamante, não oferece qualquer justificação para a afirmação que faz sobre
a natureza surpreendente, imprevisível e inesperada da interpretação feita pela
decisão recorrida, nada vindo, na sua reclamação, acrescentar ao que já havia
afirmado no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
Além de que, ao contrário do que o reclamante afirma – aliás, sem oferecer
qualquer justificação – não existe qualquer diferença – muito menos manifesta –
entre os fundamentos em que se baseia a decisão recorrida e aqueles que apoiam a
decisão da primeira instância.
Como se teve oportunidade de assinalar na decisão sumária reclamada, “[…] é, em
todo o caso, manifesto que jamais poderia a interpretação feita pelo Tribunal a
quo ser considerada inesperada, na medida em que este se limita a confirmar a
interpretação efectuada pela decisão de primeira instância, a qual corresponde a
uma corrente jurisprudencial de que, aliás, o recorrente dá conta, criticando-a,
nas suas alegações de recurso para o Tribunal a quo (fls. 545) sem que aí tenha
suscitado – como lhe competia – qualquer questão de constitucionalidade da
dimensão normativa do n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal que constitui objecto
do presente recurso”.
Assim, confirma-se a decisão sumária reclamada de não conhecimento do recurso.
III
Decisão
5. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
presente reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2009
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão