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Procº. nº. 358/94                
 
 2ª. Secção
 Relator: Cons. Sousa e Brito
 
  
 
  
 Acordam na 2ª. Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I
 
  
 A CAUSA
 
  
 
  
 
                    1. No Tribunal de Trabalho de Lisboa, A., demandou em acção 
 ordinária emergente de contrato de trabalho, a B., pedindo, em função de 
 despedimento sem justa causa e sem precedência de processo disciplinar, a 
 condenação da ré a reintegrá-lo e a pagar-lhe as prestações pecuniárias que, não 
 fora esse despedimento, teria auferido.
 
  
 
                                No desenvolvimento desta acção, tendo ocorrido a 
 publicação do DL 161/82, de 7 de Maio e da Portaria nº. 653/82, de 30 de Junho, 
 viria a ré a requerer, em função das disposições destes diplomas, a declaração 
 de extinção da instância (fls.47 – Vol. I).  Acolhida tal pretensão (despacho de 
 fls. 52/53 - Vol. 1) viria, na sequência de agravo interposto pelo autor, a ser 
 revogado o despacho respectivo por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 
 
 (fls.70/72 - Vol.I), onde se entendeu que a norma contida no ponto 2 da alínea 
 a), do nº 6 da Portaria 653/82, ao determinar que a extinção da B. - operada 
 pelo DL 161/82 - implicava a extinção da instância nas acções intentadas contra 
 esta, extravasando os limites regulamentares do DL 161/82 não 'merecia 
 acatamento pelos tribunais'.
 
  
 
                                Tendo os autos baixado à 1ª instância, foi 
 proferido novo despacho julgando extinta a instância (fls. 112 - Vol. I), desta 
 feita por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artº 276º, nº 3, do 
 Código de Processo Civil (CPC), essencialmente por se entender não poder a 
 acção prosseguir contra uma pessoa jurídica declarada extinta, quando a 
 manutenção da personalidade jurídica desta (v. nº 2, do artigo 1º., do DL 
 
 161/82) visava apenas efeitos de liquidação, liquidação que era, na lógica dos 
 diplomas em causa, extra-judicial.
 
  
 
                                Interposto novo agravo pelo autor, foi o despacho 
 de extinção da instância de novo revogado pelo Tribunal da Relação de Lisboa 
 
 (Acórdão de fls. 142/144 - Vol. I), por se entender que a referida acção 
 declarativa se inseria no processo de liquidação, não tendo o crédito nela 
 reclamado sido inserido no mapa referido na Portaria nº. 653/82, e sendo 
 facultado o recurso aos tribunais pelo nº. 12 da citada Portaria.  Entendeu a 
 Relação de Lisboa que a cessação dos direitos de acção dos credores da B. não 
 abrangia as acções pendentes à data da publicação do DL 161/82, em que fossem 
 exigidos créditos que a Comissão Liquidatária não reconhecesse, por isso 
 implicar o absurdo de pôr fim a uma acção para logo de seguida intentar outra 
 igual.
 
  
 
                                Transitada esta decisão, viria a acção 
 declarativa a ser julgada sendo definitivamente decidida por Acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça de 11.07.87 (Acórdão de fls. 252/257 - Vol.II) condenando a 
 ré a pagar ao autor as retribuições que este teria auferido desde a data do 
 despedimento até à extinção da B. pelo DL 161/82.
 
  
 
  
 
                    2. Em 17.03.88, veio o referido A. requerer a execução do 
 seu crédito, liquidando-o previamente no montante de 695.176$00 e nomeando bens 
 
 à penhora.
 
  
 
                                Não tendo a executada B. contestado a liquidação 
 
 (v. fls. 10 - Vol. III), deduziu, através de embargos, oposição à execução (fls. 
 
 2/5 - Vol. IV), invocando que subsistindo o nº 3, do artº 3º., do DL 161/82, que 
 determina cessarem 30 dias após a sua entrada em vigor, para os credores 
 residentes no País, 'os direitos de acção contra a empresa ou sobre os seus 
 bens', remetendo-se os credores para o processo de liquidação regulamentado 
 pela Portaria 653/82, faltaria, em função dessa extinção dos direitos de acção, 
 o pressuposto relativo ao tribunal consubstanciado na existência de um direito 
 de acção, relativamente à acção executiva.
 
  
 
                                Acrescenta a executada que o entendimento fixado 
 na acção declarativa, quanto à existência de um direito de acção contra a B., 
 mesmo após a extinção, visava exclusivamente essa acção declarativa, e não a 
 execução, sendo esta uma nova instância já iniciada na vigência do DL 161/82.
 
  
 
                                Contestou o exequente estes embargos (fls. 8/12 - 
 Vol. IV), defendendo valerem quanto à execução os fundamentos que, na acção 
 declarativa, levaram à prolação de dois Acórdãos determinando o prosseguimento 
 da acção, sendo que - como defende - a instância executiva não apresenta no caso 
 independência da instância declarativa, visando apenas aquela realizar o 
 direito definido nesta.
 
  
 
                                Foram tais embargos julgados no sentido da 
 improcedência (Sentença de fls. 18/20 - Vol.IV), no essencial, pelas seguintes 
 razões:
 
 - 1.       A cessação dos direitos da acção contra a B. ou sobre os seus bens 
 não se aplica às acções que se encontram pendentes em juízo.---
 
  
 
 - 2.       À data da entrada em vigor do Dec.Lei nº 161/82 o direito e 
 consequente crédito do embargo eram litigiosos.  Tendo esse carácter não era 
 legítimo ao embargado reclamar o seu crédito junto da comissão liquidatária da 
 B.------------------------
 
 - 3.       O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça é exequível nos termos do 
 Artº. 2º do Código de Processo Civil e 91º do Código de Processo de 
 Trabalho.----------------------------------
 
 -----A interpretação oposta conduz à violação do Artº 20º da Constituição da 
 República Portuguesa.----------------------------------
 
 - 4.       Não tendo o embargante pago o crédito do autor a execução judicial é 
 a via legal para a realização do seu direito.-------------------'
 
  
 
                                Inconformada apelou a executada/embargante B., 
 reeditando a argumentação constante dos embargos, acrescentando que a 
 inexequibilidade do crédito do embargado fora do âmbito próprio da extinção e 
 liquidação, decorrentes do DL 161/82 e Portaria 653/82, não ofende o princípio 
 consagrado no artigo 20º., da Constituição, 'quer porque a protecção jurídica é 
 definida «nos termos da lei», quer porque, no âmbito daquela regulamentação e 
 face ao mapa de créditos, é concedido ao reclamante a possibilidade de recurso 
 aos tribunais comuns', acrescentando que 'o efeito da decisão proferida na acção 
 declarativa só poderá ser o (...) reconhecimento do crédito do embargado para 
 inclusão no mapa de créditos'.  O entendimento contrário - defendeu ainda a 
 embargante - violaria o princípio constitucional da igualdade, colocando o 
 embargado em situação de desigualdade face aos restantes credores da B..
 
  
 
                                O embargado, por sua vez, nas suas 
 contra-alegações (fls. 31/40 - Vol. IV), renovou a argumentação que, em oposição 
 aos embargos, já apresentara, acrescentando-lhe as seguintes considerações 
 versando matéria de inconstitucionalidade:
 
  
 
    '        Se as disposições do Decreto-Lei nº. 161/82 e da Portaria nº. 653/82 
 tivessem o sentido que a B. pretende dar-lhes, elas seriam realmente 
 inconstitucionais.
 
  
 
             Com efeito, uma determinação emanada do Governo, ainda que sob a 
 forma de decreto-lei ou de portaria, impondo a extinção da instância nas acções 
 intentadas contra certa pessoa, singular ou colectiva, ou impedindo a execução 
 das decisões judiciais proferidas contra essa pessoa, violaria flagrantemente, 
 não só o art. 20º., que consagra o direito dos cidadãos recorrerem aos tribunais 
 para defesa dos seus direitos, como ainda os arts. 114º. (separação dos órgãos 
 de soberania), 206º. (função dos tribunais) e 208º. (independência dos 
 tribunais), todos da Constituição da República.
 
  
 
             E se as normas do Decreto-lei nº. 161/82 não foram declaradas 
 inconstitucionais, foi precisamente porque não têm o sentido que a recorrente 
 lhes atribui.'
 
  
 
  
 
                    3. Através do Acórdão de 10.10.90 (fls. 50/58 - Vol.IV), 
 julgou o Tribunal da Relação de Lisboa, procedente a apelação, revogando a 
 decisão recorrida e declarando a procedência dos embargos, com a consequência 
 
 'de não poder prosseguir a execução (...) ficando sem efeito a penhora nela 
 efectuada'.
 
  
 
                                Desse aresto sublinham-se as seguintes passagens:
 
  
 
 '...       o legislador teve a intenção de concentrar num único processo de 
 liquidação o apuramento do activo e do passivo da empresa extinta, só nesse 
 processo sendo vendidos os bens e paga a totalidade das dívidas, em rateio, se 
 necessário, e segundo a ordem das preferências legais, para ele se remetendo os 
 credores interessados na cobrança dos seus créditos.
 
  
 
             Tanto assim que determinou a cessação dos direitos de acção contra 
 a B. ou sobre os seus bens, e chegou mesmo a determinar a extinção da instância 
 nas acções intentadas contra aquela (nº 6 da Portaria).
 
  
 
             A partir da extinção da empresa os credores só podiam recorrer a 
 juízo para solucionar divergências litigiosas com as decisões da comissão 
 liquidatária quanto à verificação dos respectivos créditos, sua inclusão no 
 mapa e graduação em relação aos demais créditos.  Mas as decisões judicialmente 
 obtidas nesses casos eram ainda determinadas a serem ulteriormente levadas em 
 conta no conjunto da liquidação, obrigando a comissão liquidatária a admitir os 
 créditos recusados ou a graduá-los no lugar devido.
 
  
 
             Este plano de actuação está, de resto, em conformidade com a 
 previsão do artº 1130 do Cod.Proc.Civil para as liquidações extra-judiciais, 
 nas quais se recorre ao tribunal em questões pontuais, na medida do necessário 
 para assegurar o andamento e o acerto legal da liquidação.
 
  
 
             A liquidação do activo da empresa extinta encontra-se a cargo de uma 
 
 única entidade: a comissão liquidatária.  Daí que se retire aos credores, ainda 
 que movidos de título executivo, o direito de acção sobre os bens da empresa, 
 pois se assim não fosse e pudesse cada um mover execuções à margem do processo 
 de liquidação frustar-se-iam por completo os fins desta, que são os de assegurar 
 a repartição justa do saldo apurado, com respeito pelas garantias legais dos 
 credores.
 
 ---------------------------------------------------
 
  
 
             O alcance útil desta decisão, (referindo-se à decisão da acção 
 declarativa) aliás aceite pela embargante, tanto na petição dos embargos, como 
 nas alegações do presente recurso, é o de a comissão liquidatária, em acatamento 
 do decidido, ter que considerar o crédito do A. como verificado na medida em 
 que a B.  foi condenado a pagá-lo.
 
  
 
             Uma vez que se decidiu no sentido do aproveitamento da instância 
 que estava pendente e que nesta passou a intervir a Comissão Liquidatária em 
 representação da B., tendo àquela sido notificada a decisão final, deverá 
 considerar-se que a formulação do pedido na acção supera a eventual falta de 
 reclamação do crédito perante a referida comissão.
 
  
 
             Mas uma vez que nos termos do artº 3º do Dec-Lei nº 161/82 cessaram 
 os direitos de acção sobre os bens da B., daí resulta que tais bens se acham 
 subtraídos à penhora, ficando afectados aos fins da liquidação, sendo no âmbito 
 desta que o ora exequente deve obter o pagamento do que lhe fôr devido.
 
  
 
             O artº. 2º do Cod. Proc. Civil dispondo que a todo o direito 
 corresponde uma acção destinada a fazê-lo reconhecer em juízo ou a realizá-lo 
 coercivamente, exceptua os casos em que a lei determine o contrário, sendo um 
 desses casos aquele que estamos apreciando.
 
             Todavia, embora neste caso o credor não tenha o direito de accionar 
 singularmente o seu crédito na instância executiva, são-lhe reconhecidos os 
 direitos de acção suficiente para garantir que a liquidação extrajudicial se 
 processe em harmonia com a lei e que o seu crédito seja atendido na justa 
 medida em que o deva ser na concorrência com os demais créditos que devam ser 
 pagos pela massa liquidanda.
 
  
 
             Não se vê, por isso, que o regime de liquidação imposto pelo 
 Dec-Lei nº 161/82 incorra em qualquer violação do princípio constitucional de 
 garantia de acesso aos Tribunais, consagrado no artº. 20 da Constituição. '
 
  
 
                                Tendo sido interposto recurso desta decisão pelo 
 exequente/embargado, não foi o mesmo conhecido (Acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça de fls. 131/133 - Vol.IV), por se entender irrecorrível o Acórdão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa.
 
  
 
  
 
                    4. Recorreu, então o exequente/embargado, do Acórdão da 
 Relação, para este Tribunal (fls.136/137 - Vol.IV), nos termos do artigo 70º., 
 nº. 1. al. b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), reportando o recurso às 
 
 'disposições do DL nº 161/82, de 7 de Maio e Portaria nº. 653/82, de 30 de 
 Junho, nomeadamente, as contidas nos artigos 3º., nº. 3 e 4º., nº. 2, do DL e 
 nos nºs. 5, alíneas 5) e 8), 6º., alíneas 1) e 2), 11º., 12º. e 14º., alíneas a) 
 e b), da Portaria', acrescentando ter invocado tal inconstitucionalidade 'logo 
 na primeira instância, na fase declarativa da acção' (refere-se ao requerimento 
 de fls. 49, do Vol.I).
 
  
 
                                Admitido o recurso pelo Tribunal da Relação de 
 Lisboa (v. artigos 75º., nº. 2 e 76º., nº. 1, da LTC), apresentaram recorrente 
 e recorrida alegações.
 
  
 
                                O recorrente, pugnando pela revogação do Acórdão 
 do Tribunal da Relação, formula as seguintes conclusões:
 
  
 
 'A)       As normas do decreto-lei nº 161/82 e da Portaria nº 653/82 que 
 determinam a cessação dos direitos de acção contra a B. ou sobre os seus bens e 
 a extinção da instância nas acções intentadas contra aquela empresa violam os 
 princípios constitucionais do Estado de direito, nomeadamente o princípio da 
 legalidade, que exige que todas as pessoas, singulares ou colectivas, em 
 idêntica situação sejam tratadas pela lei de forma idêntica, os princípios da 
 divisão de poderes e da independência dos tribunais, e a garantia de livre 
 acesso aos tribunais para defesa dos direitos das pessoas.
 
  
 
  B)       A circunstância de os credores da B. poderes recorrer para os 
 tribunais das decisões da comissão liquidatária nomeada pelo Governo não 
 invalida a conclusão antecedente, pois esses credores não têm poder algum de 
 fiscalização ou controle do processo de liquidação, o qual é dirigido 
 discricionariamente por aquela comissão.
 
  
 
  C)       Decorridos mais de doze anos sobre a publicação do Decreto-Lei nº 
 
 161/82, e mais de sete anos sobre o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que 
 fixou o direito de crédito do recorrente a liquidação da B. ainda não terminou 
 nem se sabe quando terminará, e a comissão liquidatária nada comunicou ao 
 recorrente sobre se reconhece ou não o seu direito, qual a respectiva graduação 
 e se e quando tenciona satisfazê-lo, o que mostra bem como as condições impostas 
 pelo Decreto-Lei nº 161/82 e pela Portaria nº 653/82 para cobrança dos créditos 
 dos credores da empresa violam a garantia de protecção jurídica e de livre 
 acesso aos tribunais expressa no art. 20º da Constituição.
 
  
 
  D)       Aplicando as normas supracitadas e decidindo, com base nessas normas, 
 que a execução instaurada pelo recorrente não pode prosseguir, o acórdão 
 recorrido infringiu o art. 207º da Constituição, pelo que deve ser revogado. '
 
  
 
                                A recorrida, por sua vez, defendendo que seja 
 negado provimento ao recurso, concluiu da seguinte forma:
 
  
 
 1ª -       O acórdão da Relação de Lisboa que, dando provimento ao recurso da 
 B., considerou procedentes os embargos, não se pronunciou sobre a questão da 
 extinção da instância na sequência da entrada em vigor do Dec.Lei Nº 161/82.
 
  
 
 2ª -       Esta questão foi anteriormente levantada na acção declarativa e nesta 
 decidida com trânsito em julgado.
 
  
 
 3ª -       Pelo que, quanto a ela, não tem o presente recurso fundamento no 
 art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
 
  
 
 4ª -       O aludido Acórdão considerou, apenas, a questão da 
 constitucionalidade do preceituado no Dec.Lei Nº 161/82, concretamente quanto à 
 cessação dos direitos da acção contra a B. ou sobre os seus bens (artº.3º).
 
  
 
 5ª -       Apreciando tal questão no sentido da constitucionalidade da norma e 
 da sua aplicabilidade à instância executiva, por ser distinta e de objectivo 
 diverso da precedente instância declarativa.
 
  
 
 6ª -       O julgamento do Acórdão quanto à diferenciação das instâncias, sendo 
 correcto, respeita apenas à interpretação e à aplicação de normas de natureza 
 meramente processual, constantes do Código de Processo Civil.
 
  
 
 7ª -       A decisão no sentido da constitucionalidade está, de resto, em 
 inteira conformidade com o Acórdão Nº 11/84, de 7 de Maio, deste Tribunal, que 
 julgou constitucionais todas as normas do Dec.Lei Nº 161/82.
 
  
 
 8ª -       É, em qualquer caso, manifesto que a regra da cessação do direito de 
 acção contra a B. ou sobre os seus bens em nada poderia ofender a independência 
 dos tribunais e o princípio da sua sujeição à lei (art. 206º da CRP), a 
 enumeração dos órgãos de soberania ou o princípio da respectiva separação (art. 
 
 113º e 114º da CRP).
 
  
 
 9ª -       A norma do art. 3º do Dec.Lei 161/82 é de óbvia legalidade face ao 
 disposto no art. 2º do Código de Processo Civil e em nada ofende as disposições 
 constitucionais dos artigos 20º e 202º da CRP.
 
  
 
 10ª-      Como inegavelmente decorre da fundamentação, que se acolhe, constante 
 do Acórdão Nº 358/86, de 16 de Dezembro, deste Tribunal, pelo qual foi julgada a 
 constitucionalidade da norma de sentido e alcance idênticos, constante do 
 diploma de extinção da C..
 
  
 
 11ª-      Nada relevam e são desajustadas da realidade as afirmações de facto 
 produzidas sobre uma alegada conduta de passividade ou inércia tomada na 
 liquidação da B..
 
  
 
                                Respondeu a recorrente à 'questão prévia' 
 suscitada pela recorrida (fls.157/158 - Vol.IV).
 
  
 
                                Colhidos que se mostram os pertinentes vistos, 
 cumpre decidir.
 
  
 
  
 II
 
  
 FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
                    5. Porque se trata de recurso interposto nos termos da alínea 
 b), do nº. 1, do artº. 70º., da LTC, que sobe nuns autos de embargos de 
 executado, e o recorrente reporta (v. fls. 136) a suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade a um momento processual situado na acção declarativa, que 
 originou a execução de sentença embargada (resposta de fls. 49 do Vol.I), 
 importa começar por esclarecer se a questão de inconstitucionalidade foi 
 suscitada em momento relevante.
 
  
 
                                Com efeito, se para considerarmos suscitada, no 
 que a este recurso interessa, essa questão, fosse necessário recorrer à acção 
 declarativa, não disporia o recurso de condições permitindo o seu conhecimento, 
 nos termos em que foi interposto.
 
                                Como já se disse estamos face a um recurso 
 originado num processo de embargos de executado, processados por apenso (artº. 
 
 817º., nº. 1, do CPC) a uma execução de sentença - consubstanciada no Vol. III 
 apenso a este recurso - cujo título executivo é constituído pela decisão final 
 proferida na acção declarativa - consubstanciada nos Vol. I e II, apensos a 
 este recurso.
 
  
 
                                Ora, questões de inconstitucionalidade invocadas 
 nessa acção declarativa era aí que importava serem resolvidas e, se analisarmos 
 o que aí ocorreu, veremos que o foram, explícita ou implicitamente, com a 
 cobertura do caso julgado aí formado quanto à respectiva decisão.
 
  
 
                                Acontece, porém, que, embora o recorrente o não 
 refira no requerimento de interposição, a questão de inconstitucionalidade em 
 causa foi por ele suscitada nos embargos de executado, em momento 
 processualmente relevante - no presente recurso e antes da decisão recorrida - e 
 foi, expressamente, analisada na decisão recorrida que a desatendeu.
 
  
 
                                O trecho processual em que o recorrente suscitou 
 essa questão, foi objecto de transcrição no relatório do presente Acórdão (ponto 
 
 11, a fls. 38 vº., das contra-alegações de fls. 1/40) e é em função dela que se 
 entende suscitada a questão de inconstitucionalidade possibilitadora da 
 apreciação do recurso.
 
  
 
  
 
                    6. Assente esse aspecto importa, antes de se avançar, 
 esclarecer a que normas se reporta o recurso.
 
  
 
                                A decisão recorrida enunciou da seguinte forma a 
 questão a resolver: '...é a de saber se o Apelado (referindo-se ao aqui 
 recorrente), tendo obtido decisão favorável na fase declarativa da acção, que 
 transitou em julgado e condenou a B. (...), pode requerer em juízo a execução 
 daquele julgado, ou terá de aguardar a satisfação do seu crédito no âmbito do 
 processo de liquidação administrativa instituído pelo DL 161/82 e regulamentado 
 pela Portaria 653/82'.
 
  
 
                                Mais adiante, resumindo o fundamento da decisão 
 no sentido da procedência dos embargos, escreveu-se no Acórdão recorrido: '... 
 quando o embargado (o aqui recorrente) viu definido o seu direito por decisão 
 transitada em julgado, estava em curso a liquidação extrajudicial da embargante, 
 imposta por lei, só no quadro dessa liquidação podendo e devendo ser satisfeito 
 o direito definido, uma vez que foi retirado aos credores da empresa extinta a 
 faculdade de em instância executiva autónoma se fazerem pagar pelos bens do 
 património em liquidação'.
 
  
 
                                Esse retirar aos credores da faculdade de 
 satisfação dos respectivos créditos através da instauração de acções executivas 
 contra a B., ou dito de outra forma, essa impossibilidade de os bens da B. 
 serem objecto de acções executivas, reporta-o a decisão recorrida ao teor do 
 artº 3º., do DL 161/82, especificamente ao trecho em que se faz cessar 'os 
 direitos de acção contra a empresa ou sobre os seus bens' (artº. 3º., nº.3, in 
 fine).
 
  
 
                                Constituí, assim, esta norma, no segmento citado, 
 a verdadeira «ratio decidendi» da decisão, a ela havendo que reportar, 
 consequentemente, o presente recurso.  É certo que outras referências normativas 
 ao DL 161/82 e à Portaria 653/82, constam do Acórdão recorrido.  Tratam-se, 
 porém, de referências feitas num processo argumentativo de caracterização do 
 regime global em que se operou a extinção e liquidação da B., referências que 
 sendo relevantes para uma compreensão sistemática do artº 3º., nº 3, não 
 traduzem uma aplicação dessas normas, nos termos em que a aplicação de uma norma 
 interessa a um recurso do tipo do aqui em causa.
 
                                Fora do âmbito do presente recurso estão, assim, 
 as diversas disposições citadas pelo recorrente a fls. 136 e 157/158, 
 designadamente, o nº 6, da Portaria 653/82, no trecho onde faz decorrer da 
 extinção da B. a extinção da instância nas acções contra ela intentadas.  Não é, 
 decididamente, isso o que aqui está em causa, visando como sem dúvida visa essa 
 disposição apenas as acções que pendiam contra a B. à data da extinção.
 
  
 
                                Diversa é a situação das acções (e aqui só estão 
 em causa acções executivas) propostas, posteriormente à extinção como, no 
 entendimento do Acórdão recorrido é o caso da execução embargada.
 
  
 
                                Tal entendimento - que assumidamente decorre de 
 uma ideia de autonomia da acção executiva, relativamente à acção declarativa - 
 tem como referência normativa exclusiva a cessação do direito de acção contra a 
 B. e os seus bens, decorrente do artº 3º., nº 3, trecho final, do DL 161/82.
 
  
 
                                A esta norma, e só a ela, se refere o presente 
 recurso.  Só ela, portanto, constituirá objecto de indagação de 
 constitucionalidade.
 
  
 
                                A essa indagação importa passar.
 
  
 
                    7. Através do DL 161/82, de 7 de Maio, procedeu-se à 
 extinção da B. (cuja nacionalização ocorrera por força do DL 572/76, de 20 de 
 Julho), fixando-se um processo de extinção/liquidação da empresa, 
 posteriormente regulado pela Portaria 653/82, de 30 de Junho.
 
  
 
                                Entre outros aspectos, nos quais avulta a 
 manutenção da personalidade jurídica da B., exclusivamente para efeitos de 
 liquidação, fixou este diploma, como consequência da sua entrada em vigor, a 
 cessação de todos 'os direitos de acção contra a empresa ou sobre os seus bens' 
 
 (artº 3º., nº 3, trecho final).
 
  
 
  
 
                                O que aqui importa averiguar é se esse efeito 
 particular, entendido como tornando impossível a propositura, posteriormente à 
 entrada em vigor do DL 161/82, de uma acção executiva contra a B. ofende alguma 
 disposição ou princípio constitucional, designadamente, tendo em conta o 
 entendimento a este propósito defendido pelo recorrente, os princípios da 
 igualdade, 'da divisão de poderes e da independência dos tribunais, e a garantia 
 de livre acesso aos tribunais para defesa dos direitos das pessoas'.
 
  
 
                    8. Ocorre desde logo sublinhar a circunstância de o diploma 
 em causa ter sido objecto de fiscalização abstracta por este Tribunal, 
 consubstanciado no Acórdão nº 11/84 (publicado no DR-II, de 8.5.94, no BMJ 342, 
 
 155 e no II Vol. dos ATC, pág.99), que culminou com uma decisão de não 
 provimento.  Porém, a fiscalização levada a cabo pelo Tribunal nessa ocasião, 
 incidiu sobre aspectos diversos dos aqui em causa.  Tratou-se de saber se a 
 extinção (a sequência «extinção-alienação do património») da empresa pública 
 B., determinada pelo artº. 1º, do DL 161/82, violava o disposto no texto 
 constitucional, nos artºs. 83º., nº. 1 (versão anterior à Lei Constitucional nº. 
 
 1/89), 167º., al. q) e 56º., al. c) (ambos na versão original da Constituição).  
 Só pela circunstância de aí estar em causa a própria extinção da B., nos termos 
 em que se produziu, se refere nessa decisão que a eventual inconstitucionalidade 
 do artº. 1º., do diploma envolveria por arrastamento a inconstitucionalidade 
 dos artºs. 2º., 3º, e 4º..
 
  
 
                                Diversamente, no presente recurso, estando como 
 estamos, em sede de fiscalização concreta, indissociável da específica 
 sequência processual em que ocorre, o artº. 3º. do DL 161/82, no trecho 
 questionado, apresenta-se como logicamente autonomizável de qualquer outro 
 aspecto do diploma.
 
  
 
                    9. Importa antes de mais - e assim entramos directamente na 
 apreciação da norma em causa - esclarecer o sentido da decisão recorrida.
 
                                Assenta esta em dois pressupostos que importa 
 sublinhar.
 
  
 
                                9.1. O primeiro tem que ver com a articulação 
 entre a instância executiva e a instância declarativa, onde se formou o título 
 executivo judicial que serve de base à primeira: o entendimento do Acórdão é o 
 de que as acções declarativa e executiva são inteiramente autónomas, não 
 funcionando a segunda - e estão em causa as execuções de sentença - como 
 continuação processual da primeira.
 
  
 
                                            Encontramos a afirmação desta 
 autonomia na generalidade da doutrina processualista: Lebre de Freitas, por 
 exemplo, refere que 'a declaração ou acertamento do direito subjectivo, que é o 
 ponto de partida, de onde decorre que o processo executivo, embora dotado de 
 autonomia estrutural e funcional, se coordena com o processo declarativo no 
 ponto de vista funcional sempre que por ele é precedido' (Acção Executiva e Caso 
 Julgado, Separata da Revista da ordem dos Advogados, Lisboa 1993, pág. 226; v. 
 também Miguel Teixeira de Sousa, A Exequibilidade da Pretensão, Lisboa, 1991, 
 pág. 14).
 
  
 
                                            9.2. Assenta, ainda, a decisão 
 recorrida no pressuposto de que o aproveitamento da instância traduzida na acção 
 declarativa, onde interveio após o diploma de extinção a Comissão Liquidatária, 
 implica que esta terá de considerar como verificado o crédito do aqui 
 recorrente, tal qual ele emergiu da acção declarativa (na fixação desse crédito 
 se traduziu o efeito útil desta), para o efeito de o satisfazer, em plano de 
 igualdade com os demais credores da B..  Este entendimento, aliás, foi 
 expressamente aceite nos presentes embargos pela recorrida e subjaz ao disposto 
 no nº.12, al. b), da Portaria 653/82.
 
  
 
  
 
                                            9.3. Assim sendo, é pressupondo a 
 afirmação da autonomia da acção executiva intentada pelo recorrido 
 relativamente à acção declarativa que a antecedeu, e pressupondo que o crédito 
 do recorrido sobre a B. foi fixado pela condenação nessa acção declarativa, 
 superando - como se diz na decisão recorrida - 'a eventual falta de reclamação 
 do crédito' perante a Comissão, é, pressupondo estes dois elementos, que teremos 
 de analisar se a aplicação fundando a decisão dos embargos, do trecho em causa 
 do artº., nº. 3, do DL 161/82, entendido como impedindo a instauração de 
 execuções contra a B., viola o texto constitucional.
 
                    10. O aspecto fundamental da argumentação do recorrente tem 
 que ver com a eventual violação do direito de acesso aos tribunais, garantido 
 no artº. 20º., nº. 1, da Constituição.
 
  
 
                                Esse problema, face a normas substancialmente 
 idênticas à aqui em causa, formuladas a propósito da extinção D. e C. 
 
 (respectivamente nos artºs. 4º., nº.1, al. b) do DL 137/85 e 138/85, ambos de 3 
 de Maio), já foi objecto de análise na jurisprudência deste Tribunal, através 
 dos Acórdãos nºs. 358/86 (DR-II, 11.4.87), 137/88 (DR-II, 8.9.88; BMJ 378, 759; 
 ATC, Vol.11, pág. 955) e 121/92 (DR-II, 21.8.92), concluindo-se, então, que a 
 coexistência das normas aí questionadas nos respectivos diplomas, com normas de 
 teor idêntico, no caso da B., à constante do nº 12, al. a), da Portaria 653/82 
 
 (nesses Acórdãos os artºs. 8º., nº. 1, dos diplomas respectivos), chegavam para 
 que se não entendesse violado o direito dos credores de acesso aos tribunais 
 para defesa dos seus direitos.
 
  
 
                                Estabelece, com efeito, o nº. 12, al. a), da 
 citada Portaria, em termos praticamente iguais ao que sucedia com os diplomas da 
 D. e da C., o direito de recurso aos tribunais comuns, por banda dos credores 
 da B., para efectiva garantia dos direitos à inclusão no mapa e graduação em 
 conformidade com a lei dos créditos respectivos.
 
                                Este regime, face às importantes especificidades 
 que a situação subjacente ao presente recurso apresenta, levam-nos a reafirmar 
 aqui a inexistência de violação da garantia resultante do artº. 20º., nº. 1, da 
 Lei Fundamental.
 
  
 
                                Importa no entanto, dizer algo mais a este 
 respeito.
 
  
 
                                Com efeito, o entendimento, que como atrás 
 dissemos constitui pressuposto da decisão recorrida, de que a condenação na 
 acção declarativa equivale à verificação do crédito, substituindo a sua 
 eventual não reclamação junto da Comissão Liquidatária e vinculando esta 
 entidade à sua satisfação como aos outros credores, este entendimento dizíamos, 
 supera situações de dúvida quanto à existência e características do direito do 
 recorrente - note-se que a liquidação do crédito não foi sequer impugnada.
 
  
 
                                A isto acresce a circunstância de a recorrente 
 reivindicar a especial modalidade de acesso aos tribunais constituída pelo 
 processo executivo, quando está em causa uma situação de liquidação universal do 
 património da empresa.
 
  
 
                                É certo que o direito de acesso aos tribunais 
 abrange 'o direito a um processo de execução' (v. Gomes Canotilho/Vital 
 Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª. ed., Coimbra 1993, 
 pág. 163/164), só que a liquidação já implica uma sequência de actos 
 
 (subsequentes à extinção) visando a conversão em dinheiro de determinado 
 património, nomeadamente, para satisfação do passivo, que o mesmo é dizer, essa 
 liquidação já cumpre, reportado à globalidade do património e dos créditos sobre 
 ele, o objectivo que a execução visa: a garantia efectiva do direito de alguém.
 
  
 
                                Portanto, incluindo essa liquidação as operações 
 jurídicas e materiais (em sentido próprio ou equivalente) que na execução levam 
 
 à garantia efectiva de um direito, o problema da possibilidade de acesso aos 
 tribunais, transfere-se para o controlo das operações de concretização desse 
 direito, enfim, para o controlo das operações de liquidação, naquilo em que 
 estas afectam o crédito em causa.
 
  
 
                                Ora, relativamente a estas operações, como já 
 vimos, decorre do nº. 12 da Portaria 653/82 a efectiva possibilidade de obter a 
 respectiva sindicância jurisdicional.
 
  
 
                                Baseados nestes pressupostos podemos seguramente 
 afirmar que a impossibilidade, derivada do artº. 3º., nº. 3, do DL 161/82, de 
 instaurar a execução aqui visada contra a B., ou sobre os seus bens, não põe em 
 causa o direito de acesso aos tribunais.
 
                    11. O recorrente argumenta ainda - por referência ao 
 princípio da igualdade - , com a existência de tratamento diverso de quem se 
 encontra em situação idêntica, como decorrência da impossibilidade de propôr 
 uma acção executiva.
 
  
 
                                Também aqui lhe não assiste razão.
 
  
 
                                É evidente que a norma em causa, coloca em pé de 
 igualdade todos os credores da B. e, relativamente ao universo daqueles que na 
 nossa ordem jurídica detêm créditos e podem recorrer quanto a eles ao processo 
 executivo, a diferenciação que introduz é racionalmente compreensível pelas 
 especificidades que o processo de extinção e liquidação envolve, sendo, aliás, 
 idêntica às normas que disciplinam situações semelhantes (veja-se, por exemplo, 
 o artº. 154º., nº. 3, do Código dos Processos Especiais de Recuperação de 
 Empresa e de Falência, aprovado pelo DL 132/93, de 23 de Abril).
 
  
 
  
 
                    12. Finalmente, da mesma forma não colhem as referências à 
 violação, pela norma questionada, do princípio da separação de poderes 
 consagrado no artº. 114º., da Constituição.
 
  
 
                                Não está em causa aqui - e tenhamos presente a 
 caracterização já feita das especificidades da presente situação - qualquer 
 acto que afecte o núcleo essencial do sistema de competências caracterizador da 
 função jurisdicional.  A faculdade de instauração de um processo de execução 
 contra determinado património - e é só isso o que aqui está em causa - não tem 
 que ver com este aspecto do princípio do «Estado de direito democrático», poderá 
 ter que ver com outros aspectos, aos quais já foi feita referência.
 
  
 
  
 III
 
  
 DECISÃO
 
  
 
                    13. Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, 
 confirmando o acórdão recorrido, no que tange ao julgamento da questão de 
 constitucionalidade.
 
  
 
                                Lisboa, 23 de Novembro de 1995
 
  
 José de Sousa e Brito
 Luís Nunes de Almeida
 Guilherme da Fonseca
 Bravo Serra
 Messias Bento
 José Manuel Cardoso da Costa