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Proc.º nº 351/95                     
 Sec. 1ª
 Rel. Cons. Vítor Nunes de Almeida
 
  
 
                         Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
                                                            I - RELATÓRIO:
 
  
 
                         1. – A. e B. foram acusados pelo Ministério Público 
 junto do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa (9ª VARA), da prática, em 
 co-autoria, de dois crimes de roubo, um na forma tentada e outro na forma 
 consumada, previstos e punidos pelos artigos 306º, nºs 1 e 2, alínea a) e 5, com 
 referência ao artigo 297º, nº 2, alíneas c) e h) e e) (só relativamente ao 
 arguido A.), 22º, 23º e 74º e artigo 306º, nºs 1 e 2, alínea a) e 5, com 
 referência ao artigo 297º, nº2, alíneas c) e h) e e) (só quanto ao arguido A.), 
 do Código Penal respectivamente.
 
  
 
                         Designada data para o julgamento, verificou-se um 
 adiamento da audiência, no dia 21 de Junho de 1994, tendo o  advogado do arguido 
 A. requerido, em 8 de Julho de 1994, a confiança do processo, pelo prazo de dois 
 dias, estando a nova audiência marcada para 11 de Outubro de 1994.
 
  
 
                         Este requerimento veio a ser indeferido por despacho de 
 
 13 de Julho de 1994, do seguinte teor:
 
  
 
 ' A manifesta exiguidade do processo, e, designadamente, da peça acusatória, bem 
 como a circunstância de os autos aguardarem julgamento, após efectivação de um 
 adiamento da respectiva audiência - e que se encontra designada para 11.10. do 
 corrente ano - não justifica a saída dos autos da secção - sendo certo que, 
 nestas instalações, sempre os mesmos poderão ser consultados.'
 
  
 
                         O arguido, notificado deste despacho, veio dele interpor 
 recurso para a Relação, apresentando logo a respectiva motivação, na qual logo 
 sustentou que interpretação feita no despacho recorrido viola o disposto nos 
 artigos 16º, 17º, 18º e 32º, nºs 1,2,3 e 5 da Constituição.
 
  
 
                         Por decisão de um juiz de turno, de 3 de Agosto de 1994, 
 não foi admitido o recurso interposto do despacho que não autorizara a confiança 
 dos autos, assentando tal despacho na interpretação do artigo 96º, nº 3, do CPP 
 e do artigo 169º, nº3, do CPC no sentido de que tais disposições 'deixam à livre 
 resolução do tribunal, ainda que fundamentada sinteticamente, a autorização da 
 confiança'. 
 
  
 
                         Notificado desta decisão de retenção do recurso, o 
 arguido reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa que, por 
 decisão de 25 de Outubro de 1994, resolveu deferir a reclamação, por entender 
 que o poder derivado do nº 3 do artigo 89º do CPP não é nem discricionário nem 
 de livre apreciação de quem oriente o processo criminal, pelo que é admissível 
 recurso do despacho que negou a confiança do processo.
 
  
 
                         2. - Procedeu-se, entretanto, ao julgamento dos 
 arguidos, em tribunal colectivo, tendo sido condenados, por cada um dos crimes 
 de roubo, na forma tentada, na pena de vinte meses de prisão, e, em cúmulo 
 jurídico de tais penas, na pena única de dois anos de prisão, com perdão de um 
 ano dessa pena.
 
  
 
                         O arguido A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de 
 Justiça (STJ), arguindo a nulidade cometida pela não autorização da confiança do 
 processo, decisão baseada numa interpretação do nº 3 do artigo 89º do CPP e que, 
 segundo o arguido, viola o artigo 32º, nºs 1,3 e 5 da Constituição. Também o 
 arguido invoca uma outra nulidade praticada na própria audiência e relacionada 
 com o cumprimento do artigo 342º do CPP. Por último, também o arguido suscita 
 uma questão relativa à forma como foi considerada na decisão a sua origem 
 
 étnica, o que o arguido considera violador do artigo 13º da Constituição.
 
  
 
                         O Ministério Público, na resposta à motivação do arguido 
 suscitou a questão prévia da não formulação de conclusões na motivação do 
 recorrente e quanto às questões suscitadas entende que, no respeitante à 
 denegação da confiança do processo, a decisão proferida foi 'a mais criteriosa 
 face às circunstâncias verificadas', não tendo ocorrido qualquer violação do nº 
 
 3 do artigo 89º do CPP nem qualquer outra nulidade; quanto à questão do artigo 
 
 342º do CPP, sendo o passado criminal do arguido legalmente relevante para 
 efeitos dos artigos 48º, nº2, 72º, nº2, alínea e) e 76º do Código Penal, o 
 interrogatório previsto na disposição referida não viola qualquer preceito 
 constitucional; também a valorização da etnia do arguido, passagem retirada das 
 conclusões do relatório do Instituto de Reinserção Social, não ofende qualquer 
 preceito constitucional.
 
  
 
                         Depois de o arguido ter vindo juntar elementos relativos 
 a um dos aspectos que suscitou no seu recurso, veio responder à questão prévia 
 levantada pelo Ministério Público, no sentido de que a mesma deve ser 
 desatendida, prosseguindo o recurso os seus termos normais.
 
  
 
                         3. - O STJ, por acórdão de 24 de Maio de 1995, quanto ao 
 recurso relativo à denegação da confiança do processo, veio a confirmar a 
 decisão recorrida por entender que não tinha ocorrido qualquer invalidade ou 
 irregularidade susceptível de afectar a decisão recorrida.
 
                         Quanto ao recurso relativo ao artigo 342º, nºs 2 e 3 do 
 CPP, o STJ também confirmou a decisão recorrida por se entender que tendo embora 
 os interrogatórios do arguido de se revestir de todas as garantias, enquanto 
 expressão do seu direito de defesa, é inegável que, na medida em que podem 
 contribuir para a descoberta da verdade material, tais interrogatórios podem ser 
 considerados um meio de prova; acresce que, no referente aos 'antecedentes 
 criminais, a sua correcta determinação através também do declarado pelo arguido 
 ao ser interrogado tem interesse, além do mais, para efeitos de reincidência, de 
 efectivação do cúmulo jurídico, da determinação da competência do tribunal e da 
 escolha e medida da pena', não se vendo 'como é que a valoração, em tais termos, 
 da conduta anterior do arguido, ofenda qualquer preceito constitucional, 
 
 «maxime» os apontados pelo recorrente (e tem ele mais antecedentes criminais - 
 fls. 104)'.
 
  
 
                         Também o colectivo do STJ decidiu confirmar a decisão 
 recorrida na parte em que se alegava haver violação do princípio da igualdade 
 por referência à etnia do arguido. O STJ concluiu que a decisão recorrida 'nada 
 presume quanto ao comportamento dos arguidos, antes expressa uma afirmação, no 
 sentido de que tais comportamentos ou condutas se explicarão mercê das suas 
 vivências de índole étnica', pelo que não houve qualquer violação do princípio 
 da igualdade.
 
  
 
                         4. - É desta decisão que vem interposto o presente 
 recurso de constitucionalidade. Uma vez recebido o processo neste Tribunal, foi 
 proferido pelo relator um despacho convidando o recorrente a esclarecer não só 
 qual a exacta interpretação dos artigos 86º, 89º e 342º, todos do CPP que o 
 recorrente considera inconstitucionais e, além disso, a indicar qual a norma  
 aplicada na decisão recorrida que considera violadora da interpretação do artigo 
 
 13º da Constituição feita na mesma decisão.
 
  
 
                         O arguido veio a fls... esclarecer, desde logo, a razão 
 de ter atribuído ao recurso efeito devolutivo e procurar esclarecer o 
 solicitado, mas em relação à questão da confiança do processo, acaba por não 
 fornecer - como se pediu - a exacta interpretação das normas que considera 
 inconstitucional, podendo apenas extrair-se do texto que o arguido considera 
 inconstitucional a norma do nº 3 do artigo 89º do CPP, por não reconhecer ao 
 arguido um direito amplo de confiança dos autos.
 
  
 
                         Quanto ao artigo 342º, nºs 2 e 3 do mesmo CPP, entende 
 que a exigência de prestação de declarações ao arguido sobre os seus 
 antecedentes criminais sob pena de incorrer em responsabilidade penal no caso de 
 falta ou de falsidade da resposta, viola o artigo 32º da Constituição, nos seus 
 nº 1, 2, 5 e 6.
 
                         Finalmente, quanto à violação do artigo 13º da 
 Constituição, o arguido não indicou a norma de direito ordinário que considera 
 violadora daquele preceito constitucional.
 
  
 
                         Ordenada a produção de alegações, quer o arguido quer o 
 Ministério Público vieram alegar, concluindo o arguido pela forma seguinte:
 
  
 
 'a) As normas dos nºs 2 e 3 do artº 342 do C.P.P. são inconstitucionais por 
 violação dos artºs 32, nº 1, 2 e 5, 29, 25, 26, 18 e 207 da Constituição e artº 
 
 6 e 7 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, além de contraditórias com 
 outras disposições do C.P.P.
 
  
 b) O artº 86 e o artº 89 do C.P.P. devem ser interpretados de modo a garantir o 
 disposto no artº 32 da C.R.P., e no caso não o foram.
 
  
 c) Houve violação directa do artº 13 da C.R.P.. No sistema constitucional 
 português e na lei penal que o concretiza os factores raça ou etnia não podem 
 ser considerados, sob pena de introdução de um factor discriminatório 
 absolutamente inconstitucional. A leituras possíveis são desabonatórias do 
 arguido pela sua inserção numa etnia, pelo que tal leitura é inconstitucional'.
 
  
 
  
 
                         Pelo seu lado, o Procurador-Geral adjunto em exercício 
 formulou as seguintes conclusões:
 
 1º
 
    A norma contida no nº 3 do artigo 89º do Código de Processo Penal ‑ na 
 interpretação que permite denegar ao defensor do arguido e na fase do julgamento 
 o direito a examinar o processo fora da secretaria, com fundamento na 
 simplicidade do processado e nos possíveis inconvenientes resultantes da 
 ausência da secção de processo comportando arguidos presos ‑ não constituí 
 restrição excessiva ou desproporcionada ao pleno e eficaz exercício do direito 
 de defesa, já que apenas implica o ónus de o próprio defensor se deslocar ao 
 tribunal e aí consultar livremente os autos.
 
  
 
 2º
 
    Não violando tal interpretação normativa o princípio constitucional da 
 plenitude das garantias de defesa , deve o presente recurso ser julgado 
 improcedente.'
 
  
 
  
 
                         Corridos que foram os vistos legais cumpre apreciar e 
 decidir.
 
  
 
                                                       II - FUNDAMENTOS:
 
  
 
                         5. - Importa, antes de mais, analisar a questão prévia 
 suscitada pelo Procurador-Geral adjunto nas suas alegações relativa à 
 inadmissibilidade dos recursos levantados quanto ao artigo 342º do CPP e à 
 violação directa do artigo 13º da Constituição pelo acórdão recorrido.
 
  
 
                         A questão vem suscitada nos seguintes termos:
 
  
 
 '2.1.  Como em qualquer audiência penal, foi o arguido, no caso dos autos 
 advertido pelo juiz presidente de que era obrigado a responder com verdade às 
 perguntas relativas à sua identidade e antecedentes criminais, aplicando tal 
 despacho o preceituado no artigo 342º do Código de Processo penal - supondo-se 
 que o terá feito, sem que, nessa altura, o arguido ou o seu defensor, tivessem 
 suscitado qualquer questão ou impugnado o despacho proferido.
 
      Tal questão é suscitada - de forma perfeitamente intempestiva - no recurso 
 interposto do acórdão condenatório, proferido pelo colectivo - decisão essa que, 
 naturalmente, ao pronunciar-se sobre o mérito da causa não aplicou a referida 
 norma processual penal; o mesmo ocorre, aliás, com o acórdão do Supremo Tribunal 
 de Justiça, ora recorrido, no qual se salienta, de forma perfeitamente 
 pertinente, que 'nada foi requerido pelo arguido ao ser interrogado em audiência 
 de julgamento'.
 
      A decisão recorrida não fez, pois, aplicação de tal norma, o que só por si, 
 deita por terra, por falta de um seu essencial pressuposto, o recurso de 
 constitucionalidade intentado.'
 
  
 
                         Quanto ao recurso relativo à violação do artigo 13º da 
 Constituição, a questão prévia é assim fundamentada:
 
  
 
 '2.2.  O recorrente trata de imputar directamente ao acórdão recorrido a 
 pretensa inconstitucionalidade decorrente de uma 'ficcionada' violação do 
 princípio constitucional da igualdade.
 
      Apesar do convite que, neste Tribunal, lhe foi dirigido no sentido de 
 aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, indicando as normas cuja 
 constitucionalidade pretendia questionar, não o fez, limitando-se a sustentar 
 que a decisão recorrida teria praticado violação directa do referido princípio 
 constitucional.
 
      Ora, para além de o recurso ser, neste ponto, manifestamente infundado - 
 não conseguimos entender onde está a pretensa discriminação de tratamento em 
 função da raça ou etnia decorrente da passagem da matéria de facto em questão - 
 
 é ponto assente que o objecto dos recursos de constitucionalidade nunca poderá 
 consistir numa decisão judicial, directamente violadora dos imperativos da Lei 
 Fundamental - devendo necessariamente consistir numa norma ou interpretação 
 normativa acolhida a aplicada na decisão recorrida.
 
      Também, quanto a este fundamento, não deverá conhecer-se do recurso de 
 constitucionalidade intentado.'
 
  
 
                         O recorrente na sua resposta a estas questões prévias 
 formula as seguintes conclusões:
 
  
 
 'a) É de decidir pela análise da inconstitucionalidade do art.342 nº 2 do CPP 
 porque essa disposição foi e é normalmente aplicada neste e em todos os 
 julgamentos e constitui uma violação da dignidade do arguido e das suas 
 garantias constitucionais, como aliás é expresso na Lei 90‑B/95 da A.R..
 
  
 b) A aplicação desse artigo condiciona todos os julgamentos e por isso as 
 sentenças e por isso não pode deixar de ser considerado nos recursos destas.
 
  
 c) Neste momento, subsequente à promulgação da Lei 90‑B/95 de 1 de Setembro, 
 mais se impõe a declaração de inconstitucionalidade daquela disposição legal.
 
  
 d) Deve também ser considerada a violação do art. 13 da Constituição ‑ princípio 
 da igualdade ‑ na aplicação feita pelas instâncias, uma vez que esta aplicação 
 implica uma inconstitucional aplicação da lei ‑ quer da lei em geral, quer da 
 lei penal em especial ‑ e porque viola a interpretação constitucional das 
 Convenções Internacionais citadas e em vigor na esfera interna, tanto mais que o 
 princípio da igualdade referido naquele art. 13º da Constituição é 
 co‑substancial no Estado de Direito Português à aplicação da Lei (cfr. ainda 
 art. 18/1 da CRP).
 
  
 E se se considerar a implícita aplicação da al. d) do nº 2 do art. 72 do C.P., 
 cuja consideração é 'de tabela' nos julgamentos, então dever‑se‑á dizer que se 
 fez inconstitucional interpretação e aplicação dessa disposição. 
 Tanto mais que desde a Comissão Constitucional até este tribunal Constitucional 
 
 (cfr. arestos citados) sempre se considerou que os ciganos constituem uma raça 
 ou etnia para efeitos constitucionais, e que tal factor não pode ser usado como 
 discriminatório.
 
  
 e) Devem, assim, os autos seguir os seus termos, não procedendo as questões 
 prévias suscitadas.'
 
  
 
  
 
                         Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         6. - O presente recurso vem interposto ao abrigo do 
 artigo 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e também do artigo 70º, nº 1, 
 alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional (LTC - Lei nº 28/82, de 15 de 
 Novembro, alterada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro).
 
  
 
                         Os recursos interpostos ao abrigo desta disposição 
 legal, devem respeitar os seguintes requisitos de admissibilidade, entre outros:
 
  
 
                         - a inconstitucionalidade da norma deve ter sido 
 previamente suscitada pelo recorrente «durante o processo»;
 
  
 
                         - a norma cuja inconstitucionalidade foi assim 
 suscitada, tem de ser aplicada pela decisão recorrida, constituindo um dos seus 
 fundamentos normativos.
 
  
 
                         Este Tribunal vem entendendo o primeiro requisito ‑ 
 suscitação durante o processo ‑ por forma a que ele deva ser tomado não num 
 sentido puramente formal, podendo a inconstitucionalidade ser suscitada até à 
 extinção da instância, mas num sentido funcional, devendo a arguição de 
 inconstitucionalidade ocorrer num momento em que o tribunal recorrido ainda 
 pudesse conhecer da questão, ou seja, antes de esgotado o poder jurisdicional do 
 juiz.
 
  
 
                         No caso dos autos, o recorrente suscitou a questão de 
 constitucionalidade no recurso interposto da decisão condenatória, mantendo-a ao 
 longo do processo e, por isso, tem de entender-se como estando verificado este 
 requisito.
 
  
 
                         Quanto ao segundo requisito, importa referir que a norma 
 cuja inconstitucionalidade for suscitada durante o processo tem de ser 
 fundamento da decisão e aplicada, em regra, na sequência do não atendimento da 
 arguição ou desaplicada com fundamento na sua inconstitucionalidade.
 
  
 
                         Em sede de fiscalização concreta de 
 inconstitucionalidade, em que nos encontramos, o legislador constituinte definiu 
 como objecto típico da actividade do Tribunal o conceito de «norma jurídica», 
 pelo que apenas as normas ou suas interpretações podem ser objecto de um juízo 
 de inconstitucionalidade, não o podendo ser as decisões judiciais ou os actos 
 administrativos, enquanto tais.
 
  
 
                         Face a estes princípios que orientam a admissibilidade 
 dos recursos de constitucionalidade, importa analisar a questão prévia suscitada 
 pelo Ministério Público.
 
  
 
                         7. - Começando pela questão relativa ao artigo 342º do 
 CPP, o recorrente suscitou a sua inconstitucionalidade na alegação de recurso 
 que interpôs para o STJ, após notificação da decisão condenatória do Tribunal 
 Colectivo da 9ª Vara Criminal da Comarca de Lisboa.
 
  
 
                         No início da audiência de discussão e julgamento do 
 processo em causa, depois de cumpridos os pertinentes actos introdutórios, o 
 presidente do colectivo procedeu à identificação do arguido de acordo com o nº 1 
 do artigo 342º do CPP.
 
  
 
                         Seguidamente, de acordo com a acta de fls. 697, verso, 
 dos autos, o presidente passou a perguntar ao arguido pelos seus antecedentes 
 criminais e por qualquer outro processo penal que contra ele corra termos nesse 
 momento. Tal interrogatório não suscitou por parte do arguido ou do seu defensor 
 qualquer oposição quer imediatamente, quer durante a produção da prova ou no 
 período das alegações, até ao momento do encerramento da audiência (artigo 361º, 
 nº 2 do CPP).
 
  
 
                         Com efeito, a respeito da utilização no início da 
 audiência do preceituado no artigo 342º, não foi formulado qualquer requerimento 
 ou suscitada qualquer questão de constitucionalidade durante a audiência, pelo 
 que, até ao encerramento da discussão que, em regra, corresponde ao encerramento 
 da audiência, relativamente a tal utilização não veio a ser proferida qualquer 
 decisão judicial.
 
  
 
                         Em 7 de Novembro de 1994, veio a ser proferido o acórdão 
 do Tribunal Colectivo, na 1ª instância, que condenou os arguidos. Este acórdão 
 não contem qualquer referência à utilização pelo presidente do tribunal da norma 
 do artigo 342º do CPP, nem do seu teor se pode extrair qualquer inferência 
 derivada de tal utilização.
 
  
 
                         De facto, o acórdão identifica os arguidos, resume a 
 acusação, refere a ausência de contestação dos arguidos, a inexistência de 
 questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito, relaciona 
 os factos provados e os não provados, indicando quais os que serviram para 
 formar a convicção do tribunal, fundamentando, de facto e de direito, a decisão, 
 da qual constam ainda os antecedentes criminais dos arguidos reportados 
 exclusivamente ao constante dos documentos emanados do registo criminal.
 
  
 
                         Como fundamentos de direito desta decisão, o acórdão 
 invoca apenas os artigos 306º, nº 1 e 2, alínea a), e 5, com referência ao 
 artigo 297º, nº2, alíneas c) e h), 22º, 23º, 72º e 74º, todos do Código Penal.
 
  
 
                         Como se referiu, em sede de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade, um dos pressupostos de admissibilidade dos recursos 
 interpostos ao abrigo da alínea b) do artigo 70º da LTC é a exigência de que a 
 norma questionada tenha sido efectivamente aplicada na decisão recorrida, isto 
 
 é, tenha sido um dos fundamentos jurídico‑normativos de tal decisão.
 
  
 
                         Ora, decorre com nitidez do exposto, que o acórdão de 1ª 
 instância inicialmente recorrido não fez aplicação da norma questionada. 
 
  
 
                         Assim, não tendo o arguido suscitado a questão de 
 constitucionalidade da norma do artigo 342º, nº 2 e 3 do CPP quando a mesma 
 norma foi utilizada pelo presidente do Colectivo, por forma a provocar uma 
 decisão judicial sobre tal questão que abrisse a via do recurso de 
 constitucionalidade e não tendo tal norma sido fundamento normativo da decisão 
 condenatória, teria ficado inviabilizada a possibilidade de tal recurso?
 
  
 
                         No caso em apreço, o arguido sem ter suscitado a 
 constitucionalidade no momento da utilização do artigo 342º do CPP, veio a 
 recorrer da decisão condenatória final e, aí, na motivação do recurso, levantou 
 tal questão, pelo que o acórdão do STJ não podia deixar de tratar do problema, 
 sob pena de omissão de pronúncia (diferentemente do que sucedera no caso similar 
 deste e que foi resolvido no Acórdão nº93/95, Diário da República, II Série, de 
 
 19 de Abril de 1995). 
 
  
 
                         O STJ, pelo seu acórdão de 24 de Maio de 1995, não pôs 
 em causa que a questão de constitucionalidade do artigo 342º do CPP constituísse 
 o objecto do recurso interposto, pelo que veio a conhecer do mesmo, julgando-o, 
 nesta parte, improcedente.
 
  
 
                         Não sendo legítimo que o poder jurisdicional deste 
 Tribunal questione, no âmbito da sua competência legal e constitucional, a 
 definição de competência e o seu uso por parte dos outros tribunais, não pode 
 deixar de se concluir, em casos como o dos autos, que o acórdão recorrido 
 aplicou apenas a norma do artigo 342º, nº 2, do CPP, uma vez que tal norma foi 
 um dos fundamentos normativos da decisão proferida.
 
  
 
                         O que significa que o STJ extraiu consequências do não 
 atendimento da questão de constitucionalidade suscitada (v.g., o conhecimento do 
 outro fundamento do recurso e também do recurso relativo à questão da confiança 
 dos autos), pelo que se pode afirmar que só a norma do artigo 342º, nº 2 do CPP 
 efectivamente foi aplicada no acórdão do STJ, o que leva ao desatendimento da 
 questão prévia suscitada pelo Ministério Público, nesta parte. 
 
  
 
                         8. - A segunda vertente da questão prévia suscitada pelo 
 Ministério Público, consiste no facto de o recorrente imputar directamente ao 
 acórdão recorrido uma pretensa inconstitucionalidade decorrente da eventual 
 violação do princípio constitucional da igualdade.
 
  
 
                         O recorrente, na sua motivação de recurso para o STJ, 
 referiu que a sentença, ao considerar que 'cada um dos arguidos, quando em 
 liberdade, vivem em condições sócio‑económico‑culturais desfavorecidas, estando 
 possivelmente identificados com sub‑grupos sociais e, dada a respectiva etnia, 
 caracterizada pelos padrões de conduta não conforme com o sistema de normas e 
 valores maioritariamente reconhecidos da vida em sociedade' faz uma apreciação 
 
 'inteiramente inconstitucional por violar o artº 13º da Constituição e a 
 presunção de inocência constante do artº 32º, nº 2 da Constituição'.
 
  
 
                         Desatendida esta questão no acórdão do STJ com o 
 argumento de que na consideração transcrita 'há a constatação pura e simples de 
 um facto (pessoal e directamente respeitante aos arguidos) e aponta-se uma 
 justificação ou causa possível para ele, o que é bem diferente de se afirmar 
 que, por pertencerem a determinada etnia não acolheriam as normas e valores 
 maioritariamente aceites em sociedade, o recorrente veio renovar a questão no 
 recurso para este Tribunal, em termos tais que levou a um convite para indicar 
 qual a norma jurídica que considerava ter sido aplicada na decisão recorrida e 
 violava o referido princípio da igualdade.
 
  
 
                         O recorrente, na sua resposta a este convite nada veio 
 adiantar de novo, limitando-se a reafirmar o que já antes tinha aduzido.
 
  
 
                         Posta a questão nestes exactos termos, é manifesto que o 
 recorrente não suscita qualquer questão de constitucionalidade. Como se referiu, 
 o objecto do juízo de constitucionalidade são apenas as normas jurídicas ou uma 
 sua interpretação.
 
  
 
                         No caso em apreço, a alegação de violação directa, pela 
 decisão, de uma norma da Constituição (a existir), traduz-se afinal em imputar a 
 inconstitucionalidade à própria decisão, o que não permite conhecer deste 
 fundamento do recurso porquanto falta um dos requisitos de admissibilidade: 
 violação da Constituição por uma norma ou pelo interpretação desta feita na 
 decisão recorrida.
 
  
 
                         Assim, considera-se que, nesta parte, deve deferir‑se a 
 questão prévia suscitada pelo Ministério Público, não se tomando conhecimento do 
 recurso.
 
  
 
                         9. - Importa, agora, considerar o mérito do recurso, 
 consistente nas questões de constitucionalidade suscitadas pelo recorrente e 
 respeitantes à recusa da confiança do processo e à norma do artigo 342º, nº 2, 
 do CPP.
 
  
 
                         Iniciar-se-á a análise pela questão da confiança dos 
 autos (artigo 89º, nº 3, do CPP).
 
  
 
                         Após ter sido designada data para o julgamento, que veio 
 a ser adiado, o mandatário do recorrente veio requerer a confiança do processo 
 para exame, por dois dias, no seu escritório. Este requerimento veio a ser 
 indeferido e, tendo sido interposto recurso, o mesmo não foi recebido, pelo que 
 o ora recorrente reclamou de tal despacho para a Relação de Lisboa. Esta 
 Relação, por acórdão de 25 de Outubro de 1994, veio a deferir a reclamação, 
 ordenando a admissão do recurso interposto.
 
  
 
                         O STJ apreciando este recurso, veio a julgá-lo 
 improcedente, por entender que 'estava subjacente [à decisão de 1ª instância] o 
 evitar perturbações no andamento da causa por virtude da saída do processo da 
 secretaria', pelo que, embora concedendo poder tratar-se de uma decisão 'um 
 tanto rigorosa', todavia, não teria tal decisão violado as garantias de defesa 
 do arguido, 'e muito menos de forma substancial a ponto de contender com o 
 princípio da verdade material'.
 
  
 
                         Vejamos.
 
  
 
                         A audiência de julgamento dos arguidos no processo 
 estava marcada para o dia 21 de Junho de 1994; neste dia, com a presença do 
 mandatário do ora recorrente (apud acta de fls. 157), a audiência veio a ser 
 adiada para 11 de Outubro de 1994, tendo o requerimento a solicitar a confiança 
 dos autos, para consulta no escritório do respectivo mandatário, sido 
 apresentado em 8 de Julho de 1994.
 
  
 
                         A decisão de indeferimento deste requerimento assentou, 
 essencialmente, na 'manifesta exiguidade do processado, e, designadamente, da 
 nota de culpa', bem como na 'circunstância de os autos aguardarem julgamento, 
 após efectivação de um adiamento'.
 
  
 
                         Assim e embora o recorrente, apesar de expressamente 
 convidado não tenha chegado a indicar o sentido da norma em causa, a questão que 
 se apresenta para resolver nos autos é a de saber se o nº 3 do artigo 89º do 
 CPP, interpretado como não permitindo ao mandatário do arguido a consulta fora 
 da secretaria de processo em que já tiver havido decisão instrutória, por razões 
 de conveniência processual (v.g., exiguidade do processado e pedido formulado 
 após um adiamento da audiência), é inconstitucional por violar as garantias de 
 defesa do arguido.
 
  
 
                         Esta questão insere-se no âmbito da publicidade do 
 processo penal e do segredo de justiça em matéria processual penal, regulada nos 
 artigos 86º a 90º do CPP.
 
  
 
                         É o seguinte o texto da norma cuja constitucionalidade 
 vem questionada:
 
  
 
 'Artigo 89º
 
  
 
      1. Para além da entidade que dirigir o processo, do Ministério Público e 
 daqueles que nele intervieram como auxiliares, o arguido, o assistente e as 
 partes civis podem ter acesso a auto, para consulta, na secretaria ou noutro 
 local onde estiver a ser realizada qualquer diligência, bem como obter cópias, 
 extractos e certidões autorizados por despacho, ou independentemente dele para 
 efeito de prepararem a acusação e a defesa dentro dos prazos para tal 
 estipulados pela lei.
 
 ..................................................
 
  
 
      3. As pessoas mencionadas no nº 1, têm, relativamente a processos findos, 
 
 àqueles em que não puder ou já não puder ter lugar a instrução e àqueles em que 
 tiver já havido decisão instrutória, direito a examiná-los gratuitamente fora da 
 secretaria, desde que o requeiram à autoridade judiciária competente e esta, 
 fixando o prazo para tal, autorize a confiança do processo.'
 
  
 
                         De acordo com o preceituado nesta disposição, o 
 princípio geral nela estabelecido é o de que o processo penal é público a partir 
 da decisão instrutória ou, se ela não tiver lugar, a partir do momento em que 
 ela já não pode ser requerida, sob pena de nulidade, vigorando até àqueles 
 momentos processuais, o princípio do segredo de justiça. O que significa que, em 
 regra, durante o inquérito e a instrução, o processo penal tem carácter secreto. 
 Este carácter não funciona quanto ao arguido, face aos seus amplos direitos de 
 defesa.
 
  
 
                         Se a publicidade do processo penal visa realizar uma 
 dada garantia de transparência da justiça, o segredo de justiça destina-se não 
 só a proteger a investigação criminal, proteger o bom nome e a honra dos 
 investigados até ao momento da pronúncia, retirar os investigadores da pressão 
 da opinião pública enquanto reúnem os indícios e as provas dos factos 
 denunciados (cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, 'Curso de Direito 
 Processual Penal', pág. 20; Costa Pimenta, 'Código de Processo Penal Anotado', 
 pág. 277).
 
  
 
                         O artigo 86º delimita o âmbito da publicidade e do 
 próprio segredo de justiça nos termos dos quais resulta que, quer o princípio da 
 publicidade do processo quer o segredo de justiça não estão regulados de forma 
 absoluta, havendo aberturas à publicidade no domínio do segredo de justiça e 
 restrições na fase da publicidade, procurando estabelecer-se o balanceamento de 
 posições por forma a acautelar a realização das finalidades do segredo 
 compatibilizando-o com o máximo possível das exigências da publicidade.
 
  
 
                         Assim, a publicidade do processo penal implica, de 
 acordo com o preceituado no artigo 86º, nº 2, alínea c),  a 'consulta do auto e 
 obtenção de cópias, extractos e certidões de quaisquer partes dele'. 
 Regulamentando esta norma, o artigo 89º do CPP estabelece nos seus nºs 1 e 2, a 
 forma de consulta dos autos pelos sujeitos processuais (consulta total, no nº1, 
 na secretaria ou no local em que decorrer a diligência; consulta parcial, no nº 
 
 2, apenas na secretaria), prevendo-se no nº 3 do preceito a possibilidade de 
 exame gratuito do processo fora da secretaria, desde que se trate de processos 
 findos, processos em que não puder ou já não puder ter lugar a instrução e em 
 que já tiver havido decisão instrutória e tal seja requerido e autorizado pela 
 entidade judiciária competente.
 
  
 
                         No caso dos autos, o arguido questiona a recusa de 
 acesso aos autos pelo indeferimento do pedido de confiança do processo para 
 consulta do seu mandatário no escritório, recusa esta ocorrida em momento em que 
 o processo penal tinha carácter público (fase de julgamento).
 
  
 
                         Invoca como fundamento da arguida inconstitucionalidade 
 a violação das garantias de defesa (artigo 32º, nºs 1, 3 e 5, da Constituição), 
 pela interpretação da norma feita na decisão recorrida.
 
  
 
                         De acordo com o nº 1, 'o processo criminal assegurará 
 todas as garantias de defesa', isto é, os meios necessários e adequados que 
 permitam ao arguido defender a sua posição, anulando a acusação. Uma dessas 
 garantias vem explicitada no nº 3 do preceito referido: o direito do arguido de 
 escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo.
 
  
 
                         O direito à confiança do processo para ser analisado no 
 escritório do respectivo mandatário integra, sem margem para dúvidas, uma forma 
 de realização do direito de defesa dos arguidos em processo penal. 
 
  
 
                         Porém, existem neste domínio outros interesses 
 constitucionalmente relevantes, como por exemplo, a impossibilidade de 
 cumprimento de prazos ou termos atinentes à realização do julgamento em prazo 
 razoável ou a impossibilidade de conceder direitos iguais a todos os 
 interessados (princípio da igualdade de armas), o que leva a considerar que, 
 nesta matéria, só deverão ser inconstitucionalizadas as normas ou interpretações 
 que delas sejam feitas e que impliquem um encurtamento inadmissível das 
 possibilidades de defesa do arguido.
 
  
 
                         Ora, como se referiu, a arguida violação do preceito 
 constitucional teria ocorrido em momento processual posterior à data já 
 designada para o julgamento, em virtude de este ter sido adiado. O que 
 significa, como bem salienta o Ministério Público nas suas alegações, que o 
 arguido tinha podido já 'ter acesso ao auto, para consulta na secretaria, bem 
 como obter cópias, extractos e certidões autorizadas por despacho, ou 
 independentemente dele para efeitos de preparar a defesa' dentro dos prazos 
 legais (artigo 89º, nº 1, salvo o caso previsto no nº2 do mesmo preceito do 
 CPP).
 
  
 
                         Assim, com a notificação da acusação, o arguido e seu 
 mandatário passaram a dispor de todos os elementos processuais disponíveis para 
 organizar a respectiva defesa, dispondo ainda do acesso irrestrito e gratuito 
 aos autos, na secretaria. O que significa que toda a defesa haverá de estar 
 completa na data do julgamento.
 
  
 
                         Mas, não sendo de excluir a necessidade do mandatário de 
 consultar os autos mesmo após o adiamento da audiência, a questão que vem 
 suscitada é a de saber se a «confinação» desta consulta à secretaria, por 
 despacho do juiz, quando, por força da lei poderia ocorrer no escritório do 
 mandatário, afecta, por forma constitucionalmente relevante, as garantias de 
 defesa do arguido?
 
  
 
                         A resposta à questão assim colocada só pode ser 
 afirmativa: de facto, sendo a própria lei a conceder a confiança do processo e a 
 sua consulta fora da secretaria, só fortes razões atinentes ao próprio processo 
 e à dinâmica das secretarias judiciais poderiam justificar uma solução diferente 
 da lei.
 
  
 
                         Ora, no caso, estas razões não se vislumbram: a 
 audiência tinha sido adiada para Outubro, o pedido foi feito em Julho (08/07) e 
 o prazo requerido era de dois dias, pelo que em nada contenderia com outros 
 eventuais prazos do outro arguido.
 
  
 
                         Não podendo afastar-se liminarmente a necessidade da 
 consulta dos autos para eventual aperfeiçoamento da defesa do arguido ‑ aspecto 
 de que só o seu mandatário pode avaliar ‑ e não se vendo quaisquer motivos para 
 a limitação «geográfica» da consulta à secretaria, tem de se concluir que não 
 foram observadas todas as garantias de defesa do recorrente enquanto arguido.
 
  
 
                         Nestes termos, entende-se que a norma do nº 3 do artigo 
 
 89 do CPP, interpretada como não autorizando a confiança do processo penal em 
 fase de adiamento da audiência de julgamento com fundamento na manifesta 
 exiguidade do processo, viola o princípio das garantias de defesa constantes do 
 nº 1 do artigo 32º da Constituição.
 
  
 
                         10. - Passando à análise da questão da 
 constitucionalidade do artigo 342º (em particular, o nº 2) do CPP, importa, 
 antes de mais, transcrever os textos legais.
 
  
 
                         É o seguinte o teor do preceito:
 
  
 
 'Artigo 342º
 
  
 
     1. O presidente começa por perguntar ao arguido pelo seu nome, filiação, 
 freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, 
 profissão, residência e, se necessário, pede-lhe a exibição de documento oficial 
 bastante de identificação.
 
  
 
     2. Em seguida, o presidente pergunta ao arguido pelos seus antecedentes 
 criminais e por qualquer outro processo penal que contra ele nesse momento 
 corra, lendo-lhe ou fazendo com que lhe seja lido, se necessário, o certificado 
 de registo criminal.
 
  
 
     3. O presidente adverte o arguido de que a falta de resposta às perguntas 
 feitas ou a falsidade da mesma o pode fazer incorrer em responsabilidade penal.'
 
  
 
                         De acordo com as conclusões das alegações do recorrente, 
 estas normas do CPP violam os artigos 32º, nºs 1,2 e 5, 29º, 25º, 18º e 207º da 
 Constituição.
 
  
 
                         Vejamos se assim é, de facto.
 
  
 
                         O nº 1 do artigo 32º ao determinar que 'o processo 
 criminal assegurará todas as garantias de defesa' como que condensa todas as 
 normas dos restantes números do preceito, não deixando, porém, tal norma de ter 
 um conteúdo normativo próprio a que se possa recorrer directamente, em casos 
 limite.
 
  
 
                         O nº 2 do preceito consagra a princípio da presunção de 
 inocência do arguido, cujo 'conteúdo adequado' integra '(a) proibição da 
 inversão do ónus da prova em detrimento do arguido; (b) preferência pela 
 sentença de absolvição contra o arquivamento do processo; (c) exclusão da 
 fixação da culpa em despachos de arquivamento;(d) não incidência de custas sobre 
 arguido não condenado; (e) a proibição de antecipação de verdadeiras penas a 
 título de medidas cautelares (cf. Ac TC nº 198/90);(f) a proibição de efeitos 
 automáticos da instauração do procedimento criminal' (cf. Gomes Canotilho e 
 Vital Moreira, 'Constituição da República Portuguesa Anotada', 3ª Edição, p. 
 
 203).
 
  
 
                         O nº 5 do artigo 32º consagra a estrutura acusatória do 
 processo penal, estabelecendo estarem 'a audiência de julgamento e os actos 
 instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório'. 
 
  
 
                         No desenvolvimento desta imposição constitucional, a 
 autorização legislativa para aprovar o Código de Processo Penal (CPP) 
 estabeleceu o respectivo sentido e alcance da legislação a adoptar: parificação 
 do posicionamento jurídico da acusação e da defesa em todos os actos do processo 
 e incrementação da igualdade de «armas»  no processo (nºs 2 e 3 do artigo 2º da 
 Lei nº 43/86, de 26 de Setembro); estabelecimento da máxima acusatoriedade do 
 processo penal, temperado com o princípio da investigação (nº 4); definição 
 rigorosa do momento e do modo de obtenção do estatuto de arguido (nº 8); 
 garantia efectiva da liberdade de actuação do defensor em todos os actos do 
 processo (nº 9). O CPP adoptou assim a tese defendida por Figueiredo Dias (in 
 
 'Direito Processual Penal', I, Coimbra, 1974, p.68 e segs. e 254 e segs.), de 
 que o processo penal deveria ter 'uma estrutura basicamente acusatória, 
 integrada por um princípio de investigação'.
 
  
 
                         O princípio do inquisitório domina a fase processual do 
 inquérito, conduzida pelo Ministério Público e bem assim a fase de instrução (nº 
 
 4 do artigo 288º do CPP). O princípio acusatório impondo que o julgamento por um 
 crime decorra de acusação formulada por órgão diferente do que proceder ao 
 julgamento e que o órgão que proceder à instrução não seja o mesmo que vier a 
 deduzir a acusação, é uma garantia da imparcialidade e independência do 
 julgamento.
 
  
 
                         O princípio do contraditório, referido na segunda parte 
 do nº 5 do artigo 32º da Constituição, traduz o direito que quer a acusação quer 
 a defesa tem de se pronunciar sobre os actos processuais da iniciativa de cada 
 uma delas, levando a que audiência e os actos instrutórios se concretizem em 
 forma de debate ou discussão entre a acusação e a defesa, cada uma aduzindo as 
 suas razões de facto e de direito, oferecendo as respectivas provas que a outra 
 poderá controlar e analisar criticamente e vice-versa.
 
  
 
                         O artigo 29º da Constituição reporta-se ao regime 
 constitucional da lei criminal, consagrando o princípio da legalidade (só a lei 
 
 é competente para a definição dos crimes e das respectivas penas), o princípio 
 da tipicidade (a lei deve concretizar suficientemente os fatos que integram o 
 tipo legal de crime e tipificar as penas) e ainda o princípio da não 
 retroactividade (a lei não pode criminalizar factos passados nem tratar 
 penalmente de forma mais gravosa por lei posterior, factos ocorridos no domínio 
 de lei mais favorável).
 
  
 
                         O artigo 25º da Constituição, consagra a inviolabilidade 
 do direito das pessoas à sua integridade moral e física (nº 1) e a proibição da 
 sujeição de qualquer pessoa à tortura, a tratos ou penas cruéis, degradantes ou 
 desumanos (nº 2), estando também abrangida na protecção da integridade moral a 
 proibição de práticas que levem à humilhação ou ao enxovalho público e 
 indignificante da própria pessoa.
 
  
 
                         11. - A questão que vem suscitada integra-se no âmbito, 
 mais amplo, dos direitos e deveres processuais reconhecidos pelo nosso processo 
 penal aos arguidos, designadamente, o direito a não responder a perguntas 
 feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o 
 conteúdo das declarações que sobre eles prestar (artigo 61º, nº 1, alínea c) do 
 CPP). É o chamado «direito ao silêncio» reconhecido legalmente, mas que também 
 no domínio do Código conhece algumas excepções.
 
  
 
                         Assim, o nº 3 do mesmo preceito, na sua alínea b) faz 
 recair, em especial, sobre o arguido, o dever de 'responder com verdade às 
 perguntas feita por entidade competente sobre a sua identidade e, quando a lei o 
 impuser, sobre os seus antecedentes criminais'.
 
  
 
                         Nestes termos e no seu recorte legal, o direito ao 
 silêncio do arguido abrange apenas o interrogatório substancial sobre o mérito 
 
 (a factualidade integradora da acusação e declarações sobre ela já prestadas) e 
 sobre a questão da culpabilidade, deixando a lei, em princípio de fora, a 
 questão da sua identidade e dos antecedentes criminais do arguido.
 
  
 
                         No caso em apreço, não vem questionada a legitimidade 
 das declarações do arguido e recorrente relativas à respectiva identidade (nº 1 
 do artigo 342º do CPP), mas apenas as relativas aos antecedentes criminais, na 
 medida em que, as normas dos nº 2 e 3 do artigo 342º referido impõem que, sendo 
 a entidade inquiridora competente, o arguido deve responder no início da 
 audiência de julgamento a perguntas respeitantes a tais antecedentes e a outro 
 ou outros processos que contra ele corram, no momento (nº 2), sendo as perguntas 
 feitas sob a advertência de que a falta de resposta ou a falsidade da mesma 
 podem fazer incorrer o arguido em responsabilidade penal (nº 3).
 
  
 
                         As perguntas sobre os antecedentes criminais do arguido 
 são, de acordo com o preceituado no artigo 141º, nº 3 do CPP, as que se destinam 
 a apurar se ele já esteve alguma vez preso, quando e porquê e se foi ou não 
 condenado e por que crimes.
 
  
 
                         A advertência, que obrigatoriamente antecede as 
 perguntas, justifica-se na medida em que, de acordo com a lei, a falta de 
 resposta às mesmas pelo arguido pode fazê-lo incorrer no crime de desobediência, 
 previsto e punido pelo artigo 388º do Código Penal e a resposta com falsidade 
 pode fazê-lo incorrer no crime de falsas declarações, previsto e punido ou pelo 
 artigo 402º do Código Penal ou, segundo certa doutrina, pelo artigo 22º do 
 Decreto-Lei nº 33 721, de 21 de Junho de 1944.
 
  
 
                         Violará esta norma que impõe ao arguido a resposta sobre 
 antecedentes criminais ou processo penal em curso, sob a mencionada advertência, 
 as normas ou princípios constitucionais que vêm referidos?
 
  
 
                         12. - Importa referir, antes mesmo de analisar a questão 
 suscitada, que o legislador entendeu intervir directamente nesta matéria, tal 
 como o próprio recorrente expressamente refere, nos seus requerimentos de fls. 
 
 583 e 596 dos autos.
 
  
 
                         Com efeito, em 1 de Setembro de 1995, foi publicada a 
 Lei nº 90-B/95 (2º Suplemento do Diário da República, I Série-A), pela qual a 
 Assembleia da República concedeu ao Governo autorização legislativa para rever o 
 Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de 
 Fevereiro.
 
  
 
                         E, de acordo com a alínea gg) do artigo 3º de tal Lei, o 
 legislador estabelece o seguinte:
 
  
 
                     'Artigo 3º
 
  
 
  De harmonia com o sentido a que se refere o artigo anterior [proceder à 
 adequação do Código de Processo Penal às alterações introduzidas no Código Penal 
 pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março], a extensão da autorização 
 legislativa revela-se no seguinte elenco de soluções:
 
 ................................................... 
 gg) Revogar o nº2 do artigo 342º, já que a indagação em audiência pública dos 
 antecedentes criminais do arguido atenta contra a sua dignidade e com as suas 
 garantias constitucionais'.
 
                         No seguimento da aprovação e publicação desta 
 autorização legislativa, veio a ser publicado em 28 de Novembro de 1995, o 
 Decreto-Lei nº 317/95, pelo qual o Governo alterou o Código de Processo Penal.
 
  
 
                         E, cumprindo a disposição delegante acima transcrita  ‑ 
 a mencionada alínea gg), do artigo 3º, da Lei nº 90-B/95 ‑, o legislador 
 eliminou o nº 2 do artigo 342º do Código de Processo Penal (CPP), mantendo a 
 redacção do nº 1 e passando o nº 3 a nº 2. Assim, este preceito, sob a epígrafe 
 de 'Identificação do arguido', passou a estabelecer que 'o presidente começa por 
 perguntar ao arguido pelo seu nome, filiação, freguesia e concelho de 
 naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência e, se 
 necessário, pede-lhe a exibição de documento oficial bastante de identificação' 
 
 (nº 1); e, no nº 2, determina que 'o presidente adverte o arguido de que a falta 
 de resposta às perguntas feitas ou a falsidade da mesma o pode fazer incorrer em 
 responsabilidade penal'.
 
  
 
                         Tendo entrado em vigor no passado dia 3 de Dezembro de 
 
 1995 esta nova redacção do preceito, desapareceu a norma cuja 
 constitucionalidade o recorrente questiona, mantendo-se todavia o interesse na 
 resolução de tal questão, pelos eventuais efeitos que tal julgamento possa vir a 
 ter na decisão recorrida.
 
  
 
                         A referência à nova formulação legal interessa de 
 sobremaneira pois o aplicador do direito não pode alhear-se das alterações 
 legislativas - mesmo das que não são directamente aplicáveis ao caso «sub 
 judicio» - principalmente quando da própria lei de autorização constam os 
 fundamentos da alteração e estes se relacionam de perto com a questão que o 
 Tribunal tem de resolver, como é o caso.
 
  
 
                         13. - O recorrente questiona essencialmente o nº 2 do 
 artigo 342º, pois se não refere às perguntas do nº 1 (estritamente orientadas 
 para a identificação pessoal do arguido). Como e, por outro lado, o nº 3 não foi 
 sequer aplicado na decisão recorrida, não se põe, com autonomia, a questão da 
 sua eventual inconstitucionalidade, mas tão somente quando conexionada ou na 
 dependência da norma do nº2, isto é, esta norma constante do referido nº 3 seria 
 também inconstitucional por a falta de resposta às perguntas por ela permitidas, 
 ou uma resposta falsa, poder fazer incorrer o arguido em responsabilidade penal; 
 porém, como se disse, o nº 3 do artigo 342º não foi aplicado na decisão 
 recorrida.
 
  
 
                         Assim, a presente análise incidirá apenas sobre a norma 
 do nº 2 do artigo 342º do CPP/87.
 
  
 
                         Violará esta norma o princípio constitucional das 
 garantias de defesa do arguido, consagrado no nº 1 do artigo 32º da 
 Constituição?
 
  
 
                         Recordemos o conteúdo da norma em causa: depois de, no 
 início da audiência de discussão e julgamento, ter interrogado o arguido sobre a 
 sua identidade, o presidente interroga-o sobre os seus antecedentes criminais e 
 sobre qualquer outro processo penal que contra ele corra nesse momento, 
 lendo-lhe ou fazendo com que lhe seja lido, se necessário, o certificado de 
 registo criminal, sendo todo este interrogatório feito sob a cominação da 
 possível responsabilidade penal, prevista no nº 3 da norma.
 
  
 
                         O princípio constitucional de que o processo criminal 
 assegurará todas as garantias de defesa tem como conteúdo essencial a exigência 
 de que o arguido, seja tratado como sujeito e não como objecto do procedimento 
 penal, garantindo-lhe a  Constituição, com essa finalidade, não só um direito de 
 defesa (artigo 32º, nº 1), a que a lei confere efectividade através de direitos 
 processuais autónomos a exercer durante o processo e que lhe permitem conformar 
 a decisão final do processo, mas também a presunção de inocência até ao trânsito 
 em julgado da condenação, elemento fundamental naquela perspectiva. 
 
  
 
                         De entre os concretos direitos que integram o direito de 
 defesa do arguido (artigo 61º do CPP), importa salientar, de momento, o direito 
 de ser ouvido que, em termos genéricos, se traduz na possibilidade de, durante 
 todo o processo, poder influenciar o curso do mesmo, através da prestação de 
 declarações.
 
  
 
                         Em concreto, o arguido tem o direito de ser ouvido pelo 
 tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que deva ser tomada qualquer decisão 
 que pessoalmente o afecte (nº 1, alínea b), do artigo 61º), devendo este direito 
 ser exercitado em todas as fases do procedimento penal, por forma a que a 
 audição do arguido possa influenciar a decisão a tomar.
 
  
 
                         O arguido pode também ser interrogado quer no inquérito 
 preliminar quer na fase de instrução e ainda na fase do julgamento. A este 
 respeito, a lei determina que o arguido tem o direito de não responder a 
 perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados 
 e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar (nº1, alínea c), do 
 artigo 61º CPP).
 
  
 
                         Consagra-se aqui o direito ao silêncio do arguido no que 
 respeita aos factos que lhe são imputados e, bem assim, caso tenha feito 
 quaisquer declarações sobre eles, silenciar posteriormente outras questões sobre 
 o  seu conteúdo.
 
  
 
                         Este direito ao silêncio está directamente relacionado 
 com o princípio constitucional da presunção de inocência (artigo 32º, nº 2 da 
 Constituição). Com efeito, o interrogatório do arguido - exceptuadas as 
 declarações finais antes do encerramento da audiência de julgamento, em que é 
 perguntado se tem mais alguma coisa a alegar em sua defesa (artigo 361º do CPP) 
 
 - pode vir a ser utilizado como um meio de prova: as declarações do arguido 
 podem constituir um importante meio de obter a verdade material dos factos, 
 ponto é que se respeite a livre determinação da sua vontade.
 
  
 
                         Assim, o arguido deve ser informado, antes de qualquer 
 interrogatório, de que goza do direito ao silêncio (artigos 141º, nº 4, 143º, 
 nº2, 144º, nº1, e 343º, nº1, do CPP), devendo também ser esclarecido de que o 
 seu silêncio não pode ser interpretado desfavoravelmente aos seus interesses, 
 não podendo, por isso, o arguido ser prejudicado por ter exercitado o seu 
 direito a não prestar quaisquer declarações (o silêncio não pode ser 
 interpretado como presunção de culpa).
 
  
 
                         De facto, o princípio da presunção de inocência ínsito 
 no nº 2 do artigo 32º da Constituição, não só obsta a tal tipo de interpretação 
 como também, se conexionado com o princípio da preservação da dignidade pessoal 
 do arguido, leva a que a utilização do arguido (v.g., das suas declarações) como 
 meio de prova seja sempre limitada pelo integral respeito da sua decisão de 
 vontade.
 
  
 
                         Mesmo reconhecendo a lei ao arguido a plena liberdade de 
 falar ou não sobre os factos materiais de que vem acusado, ou de responder 
 apenas às questões que ache conveniente, o certo é que, relativamente às 
 declarações relativas à sua identidade e antecedentes criminais, lhe impõe um 
 verdadeiro dever. Aqui, o legislador impôs ao arguido um «especial dever» de 
 responder com verdade às perguntas feitas por entidade competente sobre a sua 
 identidade e, quando a lei o impuser, sobre os seus antecedentes criminais 
 
 (artigo 61º, nº 3, alínea b), do CPP).
 
  
 
                         E é esta obrigação legalmente consagrada, que importa 
 confrontar com o princípio constitucional das garantias de defesa, quando tal 
 dever de resposta se verifique no início da audiência de julgamento e se reporte 
 aos antecedentes criminais do arguido.
 
  
 
                         O Tribunal entende que a imposição ao arguido do dever 
 de responder a perguntas sobre os seus antecedentes criminais formulada no 
 início da audiência de julgamento viola o direito ao silêncio, enquanto direito 
 que integra as garantias de defesa do arguido.
 
  
 
                         Como se referiu, o conteúdo essencial do direito de 
 defesa do arguido assenta em que este deve ser considerado como «sujeito» do 
 processo e não como objecto; ora, a obrigatoriedade de declarar, no início da 
 audiência de julgamento, os antecedentes criminais do arguido e bem assim, 
 informar sobre processos pendentes implica a transformação do arguido de sujeito 
 em objecto do processo.
 
  
 
                         Com efeito, ao arguido fica retirada a possibilidade de 
 prestar as suas declarações no momento que mais lhe convier, tendo de as prestar 
 numa altura em que não se iniciaram sequer as diligências probatórias, ou seja, 
 sem qualquer possibilidade de o arguido poder evitar eventual irradiação 
 daquelas declarações sobre o objecto do processo.
 
  
 
                         Acresce que, em tal fase do procedimento penal tal como 
 está entre nós estruturado, estão já em princípio juntos aos autos elementos 
 documentais oficiais relativos a tais antecedentes criminais, o que tornaria a 
 exigência legal do nº 2 do artigo 342º do CPP excessiva e irrazoável perante as 
 garantias de defesa do arguido.
 
  
 
                         Tem, assim, de se concluir pela violação do princípio 
 constitucional das garantias de defesa pela norma do nº 2 do artigo 342º do CPP, 
 enquanto impõe ao arguido, o dever de responder às perguntas do presidente do 
 tribunal, no início da audiência de julgamento sobre os seus antecedentes 
 criminais e sobre outro processo penal que contra ele corra nesse momento.
 
  
 
                         14. - Mas violará tal norma também o princípio da 
 presunção de inocência constante do nº 2 do artigo 32º da Constituição?
 
  
 
                         Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (in 
 
 'Constituição da República Portuguesa Anotada', 3ª Ed. revista, Coimbra Editora, 
 
 1993, pág. 202), ao princípio da presunção de inocência, num processo penal em 
 que o princípio da investigação funciona subordinadamente ao princípio do 
 acusatório, é atribuído o seguinte conteúdo adequado: proibição da inversão do 
 
 ónus da prova em detrimento do arguido, preferência pela sentença de absolvição 
 contra o arquivamento do processo, exclusão da fixação da culpa em despachos de 
 arquivamento, não incidência de custas sobre o arguido não condenado, proibição 
 de antecipação de verdadeiras penas a título de medidas cautelares, proibição de 
 efeitos automáticos da instauração do procedimento criminal.
 
  
 
                         Porém, para quem defenda o entendimento de que o 
 
 'princípio de presunção do arguido diz respeito a todos os factos relevantes 
 para a acusação, não se excluindo aqueles que não ocorrem no momento da prática 
 do facto, mas que condicionam a culpa do agente' (neste sentido e defendendo 
 ainda que a norma também viola as garantias de defesa e o princípio da 
 necessidade da pena, Maria Fernanda Palma, 'A constitucionalidade do artigo 342º 
 do Código de Processo Penal (O direito ao silêncio do arguido)', in Revista do 
 Ministério Público, Ano 15º, Out./Dez. 1994, nº 60º, pág. 101 e segs.), então a 
 norma que vem questionada viola o princípio da presunção de inocência, 'porque 
 os factos referentes aos antecedentes criminais e à pendência de outros 
 processos constituem ainda matéria da acusação, que o arguido não pode ser 
 coagido a revelar, como também porque ainda não está feita a prova do facto 
 típico, ilícito e culposo no momento em que é exigida a comunicação daqueles 
 factos' (ibidem, pág. 106).
 
  
 
                         Nestes termos, conclui-se que o recurso do arguido 
 merece, nesta parte, ser provido, pelo que a decisão de STJ recorrida, também 
 aqui deverá ser reformulada em consonância com o juízo de inconstitucionalidade 
 que tem de recair sobre a norma do nº 2 do artigo 342º do Código de Processo 
 Penal.
 
  
 
                                                             III - DECISÃO:
 
  
 
                         Pelo exposto, decide-se:
 
  
 
                         A) Julgar inconstitucionais as normas do artigo 89º, nº 
 
 3, quando interpretada como não autorizando a confiança do processo penal em 
 fase de adiamento da audiência de julgamento com fundamento na manifesta 
 exiguidade do processado, e do artigo 342º, nº 2, ambas do Código de Processo 
 Penal, por violação do princípio das garantias de defesa ínsito no artigo 32º, 
 da Constituição da República Portuguesa;
 
  
 
                         B) Em consequência, determinar a reformulação do acórdão 
 recorrido em conformidade com o decidido em matéria de constitucionalidade.
 
  
 
                         Lisboa, 1995.12.05
 
  
 
                                     Vítor Nunes de Almeida
 Armindo Ribeiro Mendes
 Maria Fernanda Palma
 Alberto Tavares da Costa
 
                                        Antero Alves Monteiro Dinis (Vencido 
 quanto ao julgamento de inconstitucionalidade da norma do artigo 89º, nº 3, do 
 Código de Processo Penal, pois que não se tem por desproporcionado e irrazoável 
 que o legislador faça depender a consulta dos autos fora da Secretaria de prévia 
 autorização da entidade judiciária, desde logo porque, mesmo quando devido a 
 razões objectivamente fundadas o pedido não venha a lograr deferimento, ainda 
 assim sempre será possível  aceder ao processo e aos elementos documentais
 nele existentes através do exame na secretaria do respectivo tribunal.
 
                                        A sindicância Constitucional a exercer 
 por este Tribunal apenas pode incidir sobre o âmbito dos poderes atribuídos 
 naquela norma à autoridade judiciária e não já ao específico modo como no caso 
 concreto foram exercidos)
 
                                        José Manuel Cardoso da Costa (Por 
 entender que não é inconstitucional, em si mesma, uma norma, como a do artº 89º, 
 nº 3, do Código de Processo penal, que torne a consulta dos autos fora da 
 secretaria dependente da autorização da autoridade judiciária competente, a qual 
 haverá, porém, de fundamentar os termos dessa autorização - por entender isso, 
 propendi a que se não tomasse conhecimento do recurso quanto à questão da 
 constitucionalidade dessa norma, por já não estar senão em causa, provavelmente, 
 a 'aplicação' dela, e não propriamente a sua 'interpretação': estaríamos, assim, 
 perante uma questão de constitucionalidade da 'decisão', antes que da 'norme'. 
 mas reconheço que o ponto é duvidoso).