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Processo nº 145/94
 
 2ª Secção
 Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 2ª Secção do
 Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
   1. O Ministério Público, como curador de menores, no Tribunal de Menores de 
 Lisboa, interpôs recurso, ao abrigo da alínea a) do artigo 70º da Lei nº 28/82, 
 de 15 de Novembro, do despacho do Mmº Juiz do mesmo Tribunal de Menores que, 
 considerando inconstitucional a norma do artigo 41º da Organização Tutelar de 
 Menores (O.T.M.), que apenas permite, em processo tutelar, a intervenção do 
 mandatário judicial 'para efeitos de recurso', recusou a sua aplicação, 
 admitindo naquele tipo processual a intervenção de advogado como representante 
 da mãe do menor, fora do condicionalismo imposto por tal preceito.
 
  
 
   Escreveu-se textualmente na decisão recorrida:
 
  
 
 'A obstrução à intervenção de mandatário judicial no processo tutelar por 
 parte dos representantes legais e/ou progenitores dos menores, excepto para 
 efeitos de recurso, estipulada no artigo 41º da Organização Tutelar de Menores, 
 considera-se inconstitucional, por se nos afigurar violar tal preceito legal 
 o disposto nos artigos 16º, nºs 1 e 2, 36º, 67º, 68º, 20º e 205º da 
 Constituição da República Portuguesa e, por isso, se tem vindo a recusar a sua 
 aplicação e continuadamente a admitir a intervenção do Exmº. advogado da mãe 
 do menor nos autos até decisão superior em contrário'.
 
  
 
   2. Por sua vez, em alegações de recurso, formulou o Ministério Público 
 recorrente as seguintes conclusões:
 
  
 
 '1º - A parte final do nº 2 do artigo 20º da Constituição da República 
 Portuguesa considera como elemento integrador do direito fundamental de 
 acesso ao direito e aos tribunais o direito ao patrocínio judiciário, que 
 envolve a possibilidade de as partes ou sujeitos processuais se fazerem 
 representar em quaisquer causas por profissional do foro.
 
  
 
 2º - Ao impedir a constituição de mandatário judicial próprio no processo 
 tutelar, salvo na fase de recurso, o artigo 41º da Organização Tutelar de 
 Menores introduz uma restrição excessiva e desproporcionada, que atinge o 
 conteúdo essencial daquele direito, impedindo que sejam assistidos por 
 profissional do foro da sua confiança os sujeitos potencialmente afectados 
 pelas medidas decretadas, em desconformidade com o disposto nos nºs 2 e 3 do 
 artigo 18º da Constituição.
 
  
 
 3º - Termos em que deverá confirmar-se a decisão recorrida.'
 
  
 
   3. Também apresentou uma alegação a mãe do menor, limitando-se à mera 
 afirmação de que o 'art. 41º, é inconstitucional porque viola os artigos 16º, 
 
 36º, 67º, 68º, 20º e 205º da Constituição', talqualmente consta do despacho 
 recorrido.
 
  
 
   4. Vistos os autos, cumpre decidir.
 
  
 
   O equacionamento da questão de (in)constitucionalidade aqui posta resume-se 
 em saber se o citado artigo 41º da O.T.M. colide materialmente com a 
 Constituição.
 
  
 
   Preceitua aquele artigo 41º:
 
  
 
 'Artigo 41º
 
 (Mandatário judicial)
 
  
 A intervenção de mandatário judicial só é admitida para efeitos de recurso'.
 
  
 
   Vejamos, então, atento o quadro legal do processo tutelar regulado hoje na 
 O.T.M., correspondendo ao anterior processo de prevenção criminal.
 
  
 
   A actual O.T.M., aprovada pelo Decreto-Lei nº 314//78, de 27 de Outubro, 
 nasceu da necessidade de adaptar a orgânica dos Tribunais de Menores ao novo 
 esquema de alterações introduzidas à organização dos Tribunais Judiciais pela 
 Lei nº 28/77, de 6 de Dezembro.
 
  
 
   Esta lei repartiu pelos Tribunais de Menores e os de Família a competência que 
 vinha sendo tradicionalmente atribuída aos primeiros.
 
  
 
   Daí a necessidade de um novo diploma onde se opera uma profunda remodelação do 
 sistema.
 
  
 
   Como refere David Borges de Pinho (Da Protecção Judiciária dos Menores e do 
 Estado, pág. 15):
 
  
 
 '[C]om o D.L. 314/78, de 27 de Outubro (actual O.T.M.), pretendeu-se sublinhar o 
 carácter protector e educativo que se deseja vingar na jurisdição tutelar, e 
 daí que, consequentemente, já não se fala em medidas de prevenção criminal. 
 Assim, o acento tónico de tal jurisdição tutelar recai hoje nos aspectos 
 proteccionistas, assistencial e educativo das medidas a aplicar pelos 
 tribunais, muito embora não se possa olvidar que, protegendo-se judicialmente os 
 menores e defendendo-se os seus direitos e interesses através de tais medidas, 
 estar-se-á, consequentemente, a efectivar todo um trabalho de prevenção criminal 
 que, naturalmente e logicamente, não deixará de advir de uma aplicação 
 atempada, correcta e ajustada de tais medidas'.
 
  
 
   Tendo o processo tutelar por fim a aplicação de medidas tutelares de 
 protecção, assistência e educação a menores, é um processo de tramitação 
 simples e resumida, que visa encontrar a medida mais adequada a essa finalidade. 
 Assim:
 
  
 
 - no processo não há acusação - nem as promoções do curador nem o seu parecer 
 final constituem acusação, nos termos em que esta é entendida em processo 
 criminal comum;
 
  
 
 - não se admitem nele assistentes - apenas se permitindo a intervenção de 
 mandatário judicial na fase de recurso - artºs. 40º e 41º;
 
  
 
 - inexiste audiência de discussão e julgamento - em sistema de contraditório, 
 como sucede no processo criminal comum.
 
  
 
   'Tudo é simples e de execução sumária neste processo' (cfr. Manuel de 
 Oliveira Leal-Henriques, Organização Tutelar de Menores, pág. 22).
 
  
 
   5. Norteado pela regulação de um interesse primordial, que é o do interesse 
 do menor, o processo tutelar é um processo em que a natureza da intervenção do 
 juiz implica também o exercício de uma actividade que postula o contacto 
 imediato do juiz com os interessados, que apela por vezes à sua capacidade 
 imaginativa (cfr. Manuel de Oliveira Leal-Henriques, ob. cit., pág. 108) e que 
 visa, antes de mais, como já se referiu, a protecção, a assistência e educação 
 do menor, no processo tutelar.
 
  
 
   Como diz Borges de Pinho, na passagem atrás transcrita, embora na O.T.M. já 
 não se fale em medidas de prevenção criminal, protegendo-se judicialmente os 
 menores e defendendo-se os seus direitos e interesses através das medidas 
 tutelares, está-se a efectuar um trabalho de prevenção criminal que terá de 
 advir de, entre o mais, uma aplicação atempada de tais medidas.
 
  
 
   Ora, a aplicação atempada dessas medidas pressupõe que tudo seja simples e de 
 execução sumária, sob pena de o efeito útil de tais medidas se perder.
 
  
 
   São medidas cuja aplicação se destina rapidamente a evitar que o menor entre 
 
 (se não se encontrar já) em situação de risco: de abandono, de maus tratos, de 
 vadiagem, de agente ou potencial agente de crime, etc.. Medidas que, pela 
 imediata necessidade de as aplicar e eventual menos boa adequação ao caso, podem 
 ser revistas a todo o momento.
 
  
 
   6. Pergunta-se então: é o fim que tem em vista o processo tutelar (a aplicação 
 de medidas de protecção, assistência e educação), o modo como se desenvolve 
 
 (simplicidade motivada pela urgência, em regra, das medidas), a inexistência de 
 
 'partes' (como sujeitos de interesses contrastantes) e o facto de o menor não 
 estar desprotegido na defesa dos seus interesses (ao curador cabe zelar pelos 
 mesmos) que fazem com que não se justifique a intervenção de mandatário 
 judicial naquela fase?
 
  
 
   Ou antes, não será desproporcionada ou desadequada a medida legal restritiva 
 do artigo 41º da intervenção do mandatário judicial só 'para efeitos de 
 recurso'?
 
  
 
   É aqui que se tem de ponderar e resolver se se mostra ou não violado o 
 princípio do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da 
 Constituição, na vertente da 'intervenção de mandatário judicial', em processo 
 tutelar (o direito ao patrocínio judiciário reconhecido no nº 2 daquele artigo 
 
 20º), quando conjugado com o artigo 18º, nºs 2 e 3.
 
  
 
   Ora, a restrição ao patrocínio judiciário - elemento integrador daquele 
 direito - revela-se, à luz do artigo 18º, nºs 2 e 3, da Lei Fundamental, 
 desproporcionada e desadequada, pois excluindo-se a defesa dos interesses do 
 menor e dos direitos que na matéria cabem aos pais por um mandatário judicial, 
 ainda que ela não se mostre absolutamente necessária, atinge-se o núcleo 
 essencial do referido direito (direito à nomeação no processo de um 
 
 'intermediário técnico', 'entendido como a representação em juízo das partes 
 ou sujeitos processuais por profissionais do foro, no que se reporta à condução 
 técnico-jurídica do processo').
 
  
 
   Na verdade, o juiz pode, no decurso do processo, adoptar medidas que 
 restringem fortemente a liberdade dos menores e os poderes que cabem a seus 
 pais. 
 
  
 
   Assim, há-se entender-se que os interesses do menor e os correspondentes 
 direitos dos pais podem não ficar suficientemente protegidos com a intervenção 
 do Ministério Público, e até com a intervenção do próprio juiz, a quem é 
 conferido o poder de julgar como o árbitro, não se podendo considerar 
 salvaguardado esse 'núcleo essencial', e nem a celeridade exigida por tal tipo 
 de processos, visando acudir a um menor em risco ou em vias de o estar, 
 justifica a dispensa de mandatário judicial.
 
  
 
   Aliás, do texto constitucional, a propósito da filiação e do poder paternal, 
 extrai-se um complexo de direitos e deveres que espelham aquele poder e o 
 superior interesse dos filhos. Assim:
 
  
 
 - os 'pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos' (nº 5 do 
 artigo 36º)
 
  
 
 - os ' filhos não podem ser separados dos pais' (nº 6 do artigo 36º)
 
  
 
 - ao Estado incumbe cooperar 'com os pais na educação dos filhos' (artigo 67º, 
 c))
 
  
 
 - os 'pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na 
 realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente 
 quanto à sua educação' (nº 1 do artigo 68º).
 
  
 
   Caracterizando-se o poder paternal, minuciosamente regulado nos artigos 1877º 
 e seguintes do Código Civil, 'não como um conjunto de faculdades de conteúdo 
 egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas como 
 um conjunto de poderes-deveres, como uma situação jurídica complexa em que 
 avultam poderes funcionais, que devem ser exercidos altruisticamente, no 
 interesse do filho, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no 
 objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista 
 ao seu harmonioso e integral desenvolvimento físico intelectual e moral' (na 
 linguagem do Parecer do Conselho  Consultivo da Procuradoria-Geral da República 
 nº 8/91, de 16 de Janeiro de 1992, in Boletim, nº 418, págs. 285 e segs., com 
 análise detalhada do instituto do poder paternal), com tal caracterização 
 compadece-se a defesa plena dos interesses do menor e bem assim a dos 
 correlativos direitos dos pais no processo tutelar por um mandatário judicial, 
 sendo desproporcionado e desadequado excluir ou restringir essa defesa.
 
  
 
   7. Em conclusão: parece que o artigo 41º da O.T.M., nos termos em que proíbe a 
 
 'intervenção de mandatário judicial', viola o artigo 20º, nº 2, conjugado com o 
 artigo 18º, nºs 2 e 3, da Constituição, como é a tese do recorrente, e tanto 
 basta para o ferir de inconstitucionalidade material.
 
  
 
   8. Termos em que, DECIDINDO, decide-se:
 
  
 
   a) julgar inconstitucional, por violação do artigo 20º, nº 2, conjugado com o 
 artigo 18º, nºs 2 e 3 da Constituição, a norma do artigo 41º da O.T.M., na 
 parte em que não admite a intervenção de mandatário judicial fora da fase de 
 recurso;
 
  
 
   b) negar, em consequência, provimento ao recurso, mantendo-se o despacho 
 recorrido.
 
  
 
  
 Lisboa, 27.9.95
 Guilherme da Fonseca
 Bravo Serra
 Fernando Alves Correia
 Messias Bento
 Luís Nunes de Almeida