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Processo: n.º 417/91.
 Plenário
 Relator: Conselheiro Alves Correia.
 
  
 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I — Relatório
 
  
 
 1 — O Provedor de Justiça requereu ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto nos artigos 281.º, n.º 2, alínea d), da Constituição e 51.º, n.º 1, da 
 Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), a declaração 
 de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos 
 artigos 1.º a 7.º e 8.º a 11.º do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro, e, 
 bem assim, de todas as normas revogadas pelo artigo 12.º do mesmo diploma legal.
 Depois de sustentar, em observação preliminar, que o facto de o Tribunal 
 Constitucional já haver apreciado e decidido, a requerimento do Provedor de 
 Justiça, no Acórdão n.º 39/88, de 9 de Fevereiro de 1988 (publicado no Diário da 
 República, I Série, de 3 de Março de 1988), e matéria relativa às indemnizações 
 conferidas aos ex-titulares de direitos sobre bens nacionalizados não impede que 
 o mesmo órgão suscite a reapreciação e a declaração de inconstitucionalidade de 
 normas já anteriormente consideradas, aduziu o requerente, como suporte do 
 pedido, entre outros, os seguintes fundamentos:
 
  
 
        a)   Editado no uso da autorização legislativa contida na Lei n.º 40/91, 
 de 27 de Julho, o Decreto-Lei n.º 332/91 veio estabelecer o novo processo de 
 cálculo das indemnizações conferidas aos ex-titulares de direitos sobre bens 
 nacionalizados.
 
        b)   Embora a Constituição ainda relegue para o legislador comum os 
 critérios de fixação da indemnização correspondente à apropriação colectiva dos 
 meios de produção (artigo 83.º), o processo calculatório (na terminologia do 
 preâmbulo daquele diploma) terá que conduzir à atribuição de uma «justa 
 indemnização», em homenagem ao direito de propriedade privada consagrado no 
 artigo 62.º, n.º 1, da Lei Fundamental.
 
        c)   Certo é que assim não o entendeu o Tribunal Constitucional no 
 Acórdão n.º 39/88, louvando-se, em essência, na distinção conceitual entre 
 expropriação e nacionalização.
 
        d)   Será a nacionalização um acto político, com carácter excepcional, 
 impelido por razões ideológicas.  E daí que o n.º 2 do artigo 62.º da 
 Constituição somente preveja o pagamento da justa indemnização para o instituto 
 expropriativo.
 Só que a tal ideia terá de ser aditada uma outra: a de que essa indemnização 
 parcial só terá lógica e coerência se o circunstancialismo ideológico 
 prevalecente ao tempo da nacionalização subsistir no momento em que a 
 indemnização venha a ser efectivamente computada e atribuída.
 
        e)   A ideologia subjacente ao «processo calculatório» das indemnizações 
 já não é a do «processo revolucionário», mas a de um Estado de direito 
 normalizado e consonizado com o espaço comunitário em que se insere.
 
        f)   A Constituição não estabelece uma diferenciação dogmática entre o 
 instituto expropriativo e o instituto da nacionalização.
 
              O artigo 83.º do texto constitucional saído de revisão de 1989 não 
 pode dissentir do critério nuclear da garantia da propriedade privada, que se 
 exprime, além do mais, na hipótese de transferência forçada de um bem privado 
 para o Estado, numa conversão de valores patrimoniais, através de justa 
 indemnização.
 
        g)   A justa indemnização terá de conduzir à reposição actual no 
 património daquele que foi objecto de uma apropriação estatal dos seus bens do 
 respectivo valor integral.
 
              Este não pode ser apurado através de critérios tabelares e 
 formalizantes, mas com apelo e regras substanciais de justiça: ora o 
 retardamento verificado nas operações de aplicação dos mecanismos do Decreto-Lei 
 n.º 528/76, de 7 de Julho, e legislação subsequente esvaziaram de sentido, em 
 decisiva medida, o princípio da justa indemnização.
 
        h)   O resultado obtido foi, em muitos casos, por completo 
 desproporcionado e irrisório.
 Não permitindo que se lance mão de qualquer dispositivo correctivo dos valores 
 apurados, o «processo calculatório», desdobrado nos artigos 1.º a 7.º do 
 Decreto-Lei n.º 332/91, é, assim, inconstitucional.
 
         i)   Alterando substancialmente o regime anterior, que provinha, com 
 vicissitudes várias, da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, o Decreto-Lei n.º 
 
 332/91 atribui ao Ministro das Finanças, apoiado no parecer de uma comissão 
 mista (que tem um significado meramente processual, de arbitramento não 
 vinculante), competência para fixar, por despacho definitivo, o valor da 
 indemnização.
 
              Tem-se como flagrante que, desta sorte, violado fica o n.º 2 do 
 artigo 205.º da Constituição, na medida em que se comete ao Governo uma função 
 caracterizadamente jurisdicional.
 
        j)   Do despacho definitivo do Ministro das Finanças caberá recurso 
 contencioso, que cobre uma das vertentes da garantia da via judiciária.
 
              Só que essa garantia não corresponde ao princípio da reserva de 
 jurisdição de que apenas os tribunais são detentores.  Ela imporia que, como 
 acontece com as expropriações, fossem os tribunais a fixar o quantum das 
 indemnizações.
 
         l)   É o contencioso administrativo um contencioso de anulação, e não de 
 plena jurisdição, e apenas pode declarar ilegal o acto administrativo em que se 
 traduz o despacho do Ministro das Finanças.
 
              A margem de sindicabilidade será sempre restrita: o exercício do 
 poder jurisdicional primário é cometido ao Governo.
 
       m)   Aliás, o sistema tem vindo, desde a Lei n.º 80/77, sempre a 
 retroceder, na sua comportabilidade constitucional.
 
              Esta lei previa um regime alternativo de acesso aos tribunais 
 comuns, de recurso para a comissão arbitral ou directamente para o STA e de 
 recurso da comissão arbitral para o STA.
 O Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, ao dar ao artigo 16.º daquela lei 
 uma nova redacção, conferiu aos particulares, além da via jurisdicional comum, a 
 possibilidade de requererem ao Ministro das Finanças a constituição de uma 
 comissão arbitral para resolver «quaisquer litígios relativos à titularidade do 
 direito à indemnização e à sua fixação, liquidação e efectivação».
 
        n)   Só que as decisões das comissões arbitrais — que eram órgãos 
 caracterizadamente jurisdicionais — para ganharem validade teriam de ser 
 homologadas por despacho do Ministro das Finanças, traduzindo-se esta 
 homologação administrativa de uma decisão jurisdicional em patente 
 inconstitucionalidade.
 
              No sistema do Decreto-Lei n.º 332/91, as comissões mistas não são, 
 de todo em todo, órgãos jurisdicionais, limitando-se a emitir meros pareceres ou 
 juízos opinativos, como elemento prévio de uma decisão administrativa 
 materialmente definitiva.
 
        o)   E este diploma expurga por completo da apreciação casuística dos 
 critérios legais os meios jurisdicionais comuns.
 
              Certo é que se trata de uma reapreciação de valores já fixados mas 
 o Ministro das Finanças não actua, obviamente, como uma instância de recurso, 
 mas em ordem à fixação de um novo valor de indemnização.
 
        p)   E não poderá chamar-se aqui à colação a abertura que o artigo 205.º, 
 n.º 4, na actual versão da constituição, perspectiva quanto à possível criação, 
 pelo legislador comum, de instrumentos e formas de composição não jurisdicional 
 de conflitos.
 
        q)   Do que vem de se ponderar decorre que todas as normas revogadas pelo 
 artigo 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 332/91 — as normas constantes dos artigos 
 
 1.º a 7.º do Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho; dos artigos 14.º e 16.º da 
 Lei n.º 80/77, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro; 
 da Portaria n.º 786-A/77, de 23 de Dezembro; do Decreto-Lei n.º 206/78, de 24 de 
 Julho; da Portaria n.º 610/78, de 7 de Outubro; do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 
 de Março; e as normas constantes da Portaria n.º 497/86, de 8 de Setembro — se 
 encontram      feridas de inconstitucionalidade, pelo que não podem ser 
 repristinadas.
 
  
 
 2 — Notificado o Primeiro-Ministro, nos termos e para os efeitos do disposto nos 
 artigos 54.º e 55.º, n.º 3, de Lei do Tribunal Constitucional, apresentou o 
 mesmo resposta, na qual começou por suscitar a questão prévia da falta de 
 legitimidade activa do requerente para apresentar o presente pedido de 
 fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade.
 Na sua óptica, tendo o Tribunal Constitucional analisado, no Acórdão n.º 39/88, 
 a requerimento do Provedor de Justiça, a questão da constitucionalidade de 
 diversas normas cuja reapreciação agora é proposta e tendo decidido não declarar 
 a sua inconstitucionalidade, não pode a mesma entidade recolocar ao Tribunal 
 Constitucional a mesma questão de constitucionalidade, uma vez que «a aceitação 
 da tese da possibilidade de repropositura das mesmas questões, pelas mesmas 
 entidades, parece configurar um uso infundado do direito de desencadear o 
 processo de fiscalização abstracta da Constituição».
 Não deixou, porém, o Primeiro-Ministro, para a eventualidade de não atendimento 
 da questão prévia, de invocar a falta de fundamento do pedido do Provedor de 
 Justiça e de sustentar a conformidade com a Constituição das normas impugnadas.  
 Os argumentos avançados na resposta do Primeiro--Ministro são, em síntese, os 
 seguintes:
 
  
 
        a)   O Decreto-Lei n.º 332/91 vem estabelecer o novo processo de cálculo 
 das indemnizações conferidas aos ex-titulares de direitos sobre bens 
 nacionalizados.
 
              Nessa conformidade, procedeu à revogação das disposições anteriores 
 que estabeleciam critérios diferentes de cálculo.
 
        b)   Não veio aquele diploma alterar o substracto anterior inerente às 
 nacionalizações, mas tão-só alterar, para melhor, o cálculo das indemnizações a 
 atribuir aos detentores dos bens nacionalizados.
 
        c)   Por ser assim, mantém-se intocada a filosofia dos anteriores 
 diplomas, cuja inconstitucionalidade não foi declarada pelo Tribunal 
 Constitucional no Acórdão n.º 39/88.
 
        d)   Pretende o Provedor de Justiça que os artigos 1.º a 7.º do 
 Decreto-Lei n.º 332/91 violam a protecção constitucional do direito de 
 propriedade e o princípio da justa indemnização.
 
        e)   O direito de propriedade, de que é elemento essencial o direito de 
 não ser dela privado, não goza de protecção constitucional em termos absolutos.
 
              O que está garantido é apenas «um direito de não ser 
 arbitrariamente privado da propriedade e de ser indemnizado no caso de 
 desapropriação» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, 2.ª ed., anotação ao artigo 62.º).
 
        f)   O Decreto-Lei n.º 332/91 não põe em causa o princípio 
 constitucionalmente consagrado do direito à propriedade privada consagrado no 
 artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, não o violando pois.
 
        g)   No que concerne à violação do direito à justa indemnização dos 
 titulares dos bens nacionalizados, «o fundamento do direito à indemnização por 
 nacionalização há-de encontrar-se no artigo 82.º (actual artigo 83.º) da 
 Constituição e não, como pretende o requerente, no artigo 62.º, n.º 2, da Lei 
 Fundamental», como bem se refere no já mencionado Acórdão n.º 39/88.
 
        h)   É abundante a doutrina que aponta para um diferente entendimento das 
 indemnizações por nacionalização e por expropriação (cfr., por todos, Gomes 
 Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., em anotação ao artigo 83.º).
 
         i)   Consequentemente, não poderá proceder a invocada 
 inconstitucionalidade das normas dos artigos 1.º a 7.º do Decreto-Lei n.º 
 
 332/91.
 
        j)   Pretende-se de seguida que os artigos 8.º a 11.º transgridem a regra 
 de que a função jurisdicional cabe, em exclusivo, aos Tribunais, violando, 
 assim, a norma do n.º 2 do artigo 205.º da Constituição.
 
              O que parece estar em questão é a fixação da indemnização 
 definitiva por despacho do Ministro das Finanças e a revisão do cálculo daquele 
 valor ficar a cargo de uma comissão mista.
 
         l)   A lei limita-se a determinar a quem compete a fixação dos montantes 
 indemnizatórios e a composição da comissão mista, em substituição das Comissões 
 Arbitrais previstas na Lei n.º 80/77, cujo parecer servirá de base ao despacho 
 definitivo do Ministro das Finanças quanto à fixação do valor da indemnização.
 
       m)   Sendo tal despacho contenciosamente impugnável, nos termos legais, 
 sempre caberá ao tribunal a decisão, ou seja, não resulta das disposições 
 questionadas a usurpação ou subtracção aos tribunais das suas competências de 
 administração da justiça.
 
              E por ser claramente assim, não resulta qualquer violação da norma 
 do n.º 2 do artigo 205.º da Constituição.
 
        n)   Por último, ataca-se a constitucionalidade da norma revogatória do 
 artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 332/91, pretendendo-se que não ressurja, por 
 repristinação, a legislação ali expressamente revogada.
 
              O que se pretende é a própria declaração de inconstitucionalidade 
 das normas revogadas pelo artigo 12.º, que sejam repristinadas.
 
        o)   Para além da duvidosa possibilidade de o Tribunal Constitucional 
 conhecer e declarar a inconstitucionalidade das normas revogadas pelo artigo 
 
 12.º do Decreto-Lei n.º 332/91, a questão só se colocaria se o Tribunal 
 concluísse pela inconstitucionalidade das normas revogadas.
 
              Ora, os «males» apontados no pedido a essas normas, se existiam, 
 ficaram remediados com a revogação.
 
        p)   Com efeito, o Decreto-Lei n.º 332/91 vem efectivamente melhorar a 
 situação dos titulares dos bens nacionalizados, quer permitindo a alteração dos 
 valores da indemnização em termos mais favoráveis — já que nunca poderão ser 
 fixados em valor inferior ao anteriormente atribuído —, quer determinando a 
 constituição de comissões mistas, cujo parecer servirá de base à fixação do 
 valor da indemnização.
 
              Por ser assim, a norma do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 332/91 não 
 viola qualquer norma constitucional, que, aliás, não vem referida.
 
  
 
 3 — Concluída a discussão do memorando apresentado pelo relator e tomada a 
 decisão do Tribunal, foi aquele substituído pelo primeiro juiz vencedor, para 
 efeitos de elaboração do acórdão, nos termos do artigo 65.º, n.º 3, da Lei do 
 Tribunal Constitucional.
 
  
 II — Fundamentos
 
  
 
 4 — A primeira tarefa que imediatamente se depara ao Tribunal é a da apreciação 
 e decisão da questão prévia suscitada pelo Primeiro-Ministro, a qual consiste na 
 falta de legitimidade activa do Provedor de Justiça para apresentar o presente 
 pedido de fiscalização abstracta da constitucionalidade.  Na verdade, segundo o 
 entendimento expresso na resposta do Primeiro-Ministro, tendo o Tribunal 
 Constitucional, no Acórdão n.º 39/88, analisado, a requerimento do Provedor de 
 Justiça, a questão da conformidade com a Constituição de diversas normas 
 relativas à indemnização por nacionalização e tendo concluído pela não 
 declaração da sua inconstitucionalidade, não pode a mesma entidade recolocar ao 
 Tribunal Constitucional a questão da constitucionalidade das mesmas normas 
 jurídicas, isto é, reeditar um pedido em que anteriormente tinha decaído.
 Que dizer desta argumentação?
 
  
 
 4.1 — O Tribunal Constitucional vem acentuando, na sua jurisprudência, que as 
 
 únicas decisões capazes de precludirem a possibilidade de nova apreciação 
 judicial da constitucionalidade de uma norma são as que, sendo proferidas em 
 sede de fiscalização abstracta sucessiva, declaram a sua inconstitucionalidade 
 
 (cfr. o Acórdão n.º 66/84, publicado no Diário do República, II Série, de 9 de 
 Agosto de 1984) e que, no caso de acórdãos que não se pronunciem pela 
 inconstitucionalidade, o Tribunal não fica impedido de voltar a pronunciar-se 
 sobre a mesma matéria, quer o Acórdão tenha sido produzido em fiscalização 
 preventiva, quer também o tenha sido em fiscalização sucessiva (cfr. o Acórdão 
 n.º 85/85, publicado no Diário da República, II Série, de 25 de Junho de 1985).
 Uma tal jurisprudência baseia-se no sistema de controlo da constitucionalidade, 
 tal como é gizado na Constituição Portuguesa, em que ao Tribunal Constitucional 
 
 é atribuída competência para apreciar e declarar (ou não) a 
 inconstitucionalidade e não para declarar a constitucionalidade de normas 
 jurídicas ou para emitir uma declaração positiva da sua conformidade com a 
 Constituição.
 As decisões de não declaração de inconstitucionalidade de uma norma jurídica não 
 têm, assim, efeito preclusivo da possibilidade de ser novamente solicitada ao 
 Tribunal Constitucional a apreciação e declaração da inconstitucionalidade da 
 norma anteriormente não declarada inconstitucional.  Efeito preclusivo dessa 
 possibilidade têm-no apenas as decisões de declaração de inconstitucionalidade, 
 pela simples razão de que, por efeito de tal declaração, as normas são banidas 
 do ordenamento jurídico, desaparecendo, por isso, a possibilidade de ser de novo 
 fiscalizada a sua constitucionalidade.
 O entendimento que vem de ser exposto tem vindo a ser sustentado, sem 
 discrepância pela doutrina constitucionalista portuguesa [cfr. Jorge Miranda, 
 Manual do Direito Constitucional, tomo ii, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 
 
 1991, pp. 482-483; J. M. Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em 
 Portugal, 2.ª ed., Coimbra, 1992, pp. 61-62; M. Rebelo de Sousa, «As 
 Indemnizações por Nacionalização e as Comissões Arbitrais em Portugal», in 
 Revista de Ordem dos Advogados, 49 (1989), pp. 384-385; e J. J. Gomes Canotilho, 
 Direito Constitucional, 6.ª ed., Coimbra, Almedina, 1993, pp. 1079-1080).  É 
 certo que este último autor, depois de acentuar que a conclusão de ausência de 
 efeito preclusivo das decisões de não declaração de inconstitucionalidade 
 proferidas pelo Tribunal Constitucional «é, de resto, a única defensável quando 
 se coloca o problema em termos jurídico-constitucionais e jurídico-dogmáticos», 
 afirma que, «enquanto a declaração de inconstitucionalidade determina a nulidade 
 ipso jure, eliminando a possibilidade de recursos por via incidental, a não 
 declaração carece de quaisquer efeitos purgativos, sendo admissível a 
 repropositura de uma acção directa (fiscalização abstracta) por outras 
 entidades, constitucionalmente legitimadas, e a interposição de recursos em via 
 incidental».  Mas a expressão «repropositura de uma acção directa por outras 
 entidades» deve ser entendida no contexto da globalidade do discurso 
 argumentativo daquele autor, o qual vai no sentido de não existir qualquer 
 obstáculo constitucional ou legal a que o novo pedido, versando sobre matéria 
 constante de uma decisão de rejeição de inconstitucionalidade proferida 
 anteriormente pelo Tribunal Constitucional, possa ser formulado pelo requerente 
 do primitivo pedido.
 Refira-se que o figurino da nossa Constituição quanto à negação da eficácia 
 preclusiva das decisões de não declaração de inconstitucionalidade      
 proferidas pelo Tribunal Constitucional e quanto à recusa de efeito de caso    
 julgado material em relação ao requerente não é adoptado em alguns ordenamentos 
 jurídicos europeus.  Assim, na República Federal da Alemanha, o Tribunal 
 Constitucional, sendo o caso, «declara» a conformidade constitucional da norma 
 sujeita ao controlo, declarando que tem eficácia idêntica à da declaração de 
 inconstitucionalidade; na Áustria, as decisões em sentido inverso ao da 
 inconstitucionalidade têm eficácia geral no tocante às questões de 
 constitucionalidade apreciadas (produzindo uma correspondente força de caso 
 julgado nos respectivos «fundamentos»); na Espanha, a lei prevê que as 
 declarações de negação de provimento produzam um «efeito preclusivo» 
 relativamente à apreciação do mesmo problema de constitucionalidade; na Turquia, 
 as decisões de não provimento, no âmbito do controlo concreto, implicam um 
 julgamento de «conformidade constitucional», que exclui a possibilidade de a 
 questão ser reapreciada durante 10 anos; finalmente, na Bélgica, as decisões de 
 rejeição de um «recurso de constitucionalidade» (controlo abstracto) são 
 obrigatórias para os tribunais no que respeita à questão decidida (cfr. J. M. 
 Cardoso da Costa, «Justiça Constituciona1 no Quadro das Funções do Estado Vista 
 
 à Luz das Espécies, Conteúdo e Efeitos das Decisões sobre a Constitucionalidade 
 de Normas Jurídicas», in Justiça Constitucional e Espécies, Conteúdo e Efeitos 
 das Decisões sobre a Constitucionalidade de Normas, Lisboa, Tribunal 
 Constitucional, 1987, pp. 64-65).
 A caracterização do modelo português quanto aos efeitos das decisões do Tribunal 
 Constitucional de não declaração de inconstitucionalidade de normas jurídicas 
 leva inexoravelmente ao desatendimento da questão prévia suscitada pelo 
 Primeiro-Ministro.
 
  
 
 4.2 — Acrescente-se, ainda, que não se pode dizer com rigor que as normas 
 objecto do presente pedido de declaração de inconstitucionalidade já foram 
 apreciadas pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 39/88, tendo aí este 
 
 órgão de administração da justiça em matérias de natureza 
 jurídico-constitucional decidido não declarar a sua inconstitucionalidade.  Na 
 verdade, o pedido de declaração de inconstitucionalidade que agora este Tribunal 
 tem entre mãos tem como objecto primário as normas constantes do Decreto-Lei n.º 
 
 332/91 — diploma legal surgido posteriormente àquele aresto do Tribunal 
 Constitucional e que reformula os critérios e o processo de cálculo das 
 indemnizações a atribuir aos titulares de acções ou partes de capital de 
 empresas nacionalizadas — e como objecto secundário as normas revogadas pelo 
 artigo 12.º daquele diploma legal — normas essas  cuja conformidade com a 
 Constituição apenas será analisada pelo Tribunal Constitucional se concluir pela 
 inconstitucionalidade das constantes do Decreto-Lei n.º 332/91.  Ora, somente 
 algumas das normas revogadas por aquele artigo do Decreto-Lei n.º 332/91 — mais 
 precisamente, as normas dos artigos 2.º, 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 528/76, de 
 
 7 de Julho, as normas dos artigos 14.º e 16.º da Lei n.º 80/77, de 26 de 
 Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, e as 
 normas das Portarias n.os 786-A/77, de 23 de Dezembro, e 610/78, de 7 de Outubro 
 
 — fazem parte do elenco de normas apreciadas no citado Acórdão n.º 39/88.
 Verificando-se, como acaba de ver-se, tão-só uma coincidência parcial entre o 
 objecto do actual pedido e o daquele que esteve na génese do Acórdão n.º 39/88, 
 nunca a ilegitimidade activa do Provedor de Justiça para apresentar o presente 
 pedido de declaração de inconstitucionalidade, a ser admitida — o que não é o 
 caso, como se acentuou —, poderia abranger as normas constantes do Decreto-Lei 
 n.º 332/91, mas, somente, de entre o grupo das revogadas pelo artigo 12.º 
 daquele diploma legal, as que já foram analisadas no Acórdão n.º 39/88 e nele 
 não declaradas inconstitucionais.
 Eis, pois, como deve o Tribunal Constitucional concluir pelo desatendimento da 
 questão prévia suscitada na resposta do Primeiro-Ministro.
 
  
 
 5 — Outro problema deve ser esclarecido, desde já, que é o de saber se o 
 Tribunal tem competência para apreciar a questão da constitucionalidade de 
 normas repristinadas, em consequência da declaração de inconstitucionalidade (ou 
 de ilegalidade) com força obrigatória geral.  Trata-se de uma questão que, é 
 certo, só se colocará ao Tribunal Constitucional, na hipótese de concluir pela 
 inconstitucionalidade de alguma ou algumas das normas do Decreto-Lei n.º 332/91. 
 
  Só nesse caso é que se verifica a repristinação de algumas ou de todas as 
 normas revogadas pelo artigo 12.º daquele diploma legal.  Mas se o Tribunal 
 Constitucional entender que lhe está, de todo, vedado conhecer da conformidade 
 com a Constituição de normas repristinadas por efeito da declaração de 
 inconstitucionalidade, então serão imediatamente excluídas do objecto do 
 presente pedido de fiscalização abstracta da constitucionalidade as normas 
 revogadas pelo Decreto-Lei n.º 332/91, cuja declaração de inconstitucionalidade 
 com força obrigatória geral é expressamente solicitada pelo requerente.  Vejamos 
 então.
 
  
 
 5.1 — O Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido de lhe assistir 
 competência para limitar os efeitos da inconstitucionalidade, no que respeita à 
 repristinação das normas revogadas pela norma declarada inconstitucional.  
 Fê-lo, no Acórdão n.º 56/84 (publicado no Diário da República, I Série, de 9 de 
 Agosto de 1984), em matéria penal, «por razões de segurança jurídica, dentro do 
 espírito do artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição, e na linha do disposto no 
 artigo 282.º, n.º 4, da Lei Fundamental», a fim de evitar a aplicação das normas 
 repristinadas durante o período de vigência das normas declaradas 
 inconstitucionais.
 Todavia, até hoje ainda não foi colocado perante a necessidade de decidir a 
 questão de saber se é competente para conhecer da eventual inconstitucionalidade 
 das normas repristinadas, quer para o efeito de declarar essa 
 inconstitucionalidade, quer apenas para restringir os efeitos da 
 inconstitucionalidade, em termos de, em tal caso, impedir a repristinação.
 Esta problemática já foi abordada pela doutrina.  Assim, J. J. Gomes Canotilho 
 escreveu, no citado Direito Constitucional, p. 1075:
 
  
 Embora não se estabeleçam restrições aos efeitos repristinatórios, estes não 
 devem aceitar-se incondicionalmente.  Tendo em conta a sua razão de ser, é 
 lógico que: (i) existam esses efeitos quando entre nenhuma norma e a norma 
 repristinada seja esta a solução mais razoável; (ii) não existam quando a norma 
 declarada inconstitucional não tiver revogado qualquer norma anterior.  No caso 
 de a norma repristinada ser inconstitucional não está vedada ao TC a 
 possibilidade de conhecer dessa inconstitucionalidade para fundamentar nela a 
 recusa de efeitos repristinatórios (cfr. Acórdão do TC n.º 56/84).  Mais 
 duvidoso (por violar o princípio do pedido) é a possibilidade de o TC conhecer e 
 declarar a inconstitucionalidade das normas repristinadas.
 
  
 Debruçando-se sobre o mesmo tema, o autor mencionado, juntamente com Vital 
 Moreira, teve o ensejo de referir o seguinte (cfr. Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 1040):
 
  
 Nas hipóteses de repristinação de uma norma anterior, coloca-se o problema de 
 saber se o TC pode conhecer da inconstitucionalidade das normas repristinadas.  
 Em sentido negativo pode invocar-se o princípio da congruência ou da limitação 
 do TC ao pedido; em sentido positivo é lícito argumentar-se com o carácter 
 consequencial da apreciação da inconstitucionalidade das normas repristinadas.  
 A solução afirmativa comporta ainda duas variantes: (1) o TC conhece da 
 inconstitucionalidade das normas repristinadas, podendo declará-las 
 inconstitucionais, evitando a sua repristinação; (2) o TC conhece apenas da 
 inconstitucionalidade das normas repristinadas, mas não a declara, podendo 
 apenas invocar a inconstitucionalidade juntamente para evitar o efeito 
 repristinatório (ao abrigo do n.º 4).  A primeira variante, embora pudesse 
 trazer certeza ao ordenamento jurídico, implicaria ou poderia implicar um 
 alargamento ad infinitum do pedido (possibilidade de ter de enfrentar a 
 repristinação de normas que por sua vez tenham revogado outras).
 Mas parece ser admissível um pedido de fiscalização de inconstitucionalidade 
 que, a título subsidiário e cumulativo, solicite também a apreciação das normas 
 revogadas que, eventualmente, possam vir a ser repristinadas.
 
 5.2 — No caso vertente, o Provedor de Justiça incluiu no âmbito do pedido de 
 declaração de inconstitucionalidade as normas revogadas pelo artigo 12.º do 
 Decreto-Lei n.º 332/91, as quais serão repristinadas, nos termos do artigo 
 
 282.º, n.º 1, da Constituição, na hipótese de o Tribunal declarar a 
 inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas constantes daquele 
 diploma legal.  Ora, em situações destas, nas quais é o próprio requerente a 
 solicitar, a título subsidiário e cumulativo, a apreciação e a declaração de 
 inconstitucionalidade das normas revogadas pelas normas cuja declaração de 
 inconstitucionalidade é pedida, a título principal, com o objectivo de evitar a 
 sua repristinação, nenhum obstáculo processual existe ao conhecimento da 
 eventual inconstitucionalidade de tais normas.  Um tal conhecimento da 
 conformidade com a Constituição das normas apontadas não implica, nas referidas 
 situações, qualquer desrespeito do princípio do pedido — princípio esse cuja 
 observância é imposta ao Tribunal Constitucional pelos n.os 1 e 5 do artigo 51.º 
 da Lei do Tribunal Constitucional nos processos de fiscalização abstracta da 
 constitucionalidade e da legalidade.
 
  
 
 5.3 — Chegados a este ponto, está o Tribunal em condições de afirmar que o 
 objecto do presente processo de fiscalização sucessiva de constitucionalidade 
 abrange, a título principal, as normas constantes dos artigos 1.º a 11.º do 
 Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro, e, a título, subsidiário e cumulativo, 
 as normas revogadas pelo artigo 12.º daquele diploma legal.  A natureza 
 subsidiária desta última parte do pedido resulta, como facilmente se percebe, da 
 circunstância de o conhecimento da questão da constitucionalidade das normas 
 revogadas pelo artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 332/91 estar dependente da 
 declaração de inconstitucionalidade das normas deste diploma legal.
 
  
 
 6 — O actual quadro jurisprudencial e doutrinário em matéria de indemnizações 
 por nacionalização.
 
  
 Antes de apreciar e decidir as questões de constitucionalidade colocadas a este 
 Tribunal no requerimento do Provedor de Justiça, é de primordial importância 
 traçar o actual quadro jurisprudencial e doutrinário em matéria de indemnizações 
 por nacionalização, tarefa que passa pela indicação das linhas gerais do Acórdão 
 n.º 39/88, no qual foram analisadas várias questões relacionadas com a 
 indemnização por nacionalização, por uma referência às reacções doutrinárias 
 suscitadas por aquele aresto e, finalmente, por uma alusão a alguns acórdãos 
 tirados pelo Supremo Tribunal Administrativo e pelo Tribunal Constitucional 
 sobre os artigos 14.º, 15.º e 16.º, n.º 6, da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro 
 
 (na sua versão originária e na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de 
 Setembro), e 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março, respeitantes ao 
 princípio da reserva do juiz no domínio das indemnizações por nacionalização.
 
  
 
 6.1 — Como é do conhecimento geral, procedeu-se, no nosso país, após a Revolução 
 de 25 de Abril de 1974, à nacionalização de um significativo número de empresas. 
 
  O processo iniciou-se, em meados de 1974, com a nacionalização dos bancos 
 emissores (Banco de Angola, Banco Nacional Ultramarino e Banco Portugal, 
 respectivamente, pelos Decretos-Leis n.os 450/74, 451/74 e 452/74, todos de 15 
 de Maio) e foi encerrado com a nacionalização de vários meios de comunicação 
 social (Sociedades Nacional de Tipografia, Industrial de Imprensa e Gráfica de A 
 Capital, S.A.R.L., e a Empresa Nacional de Publicidade), pelo Decreto-Lei n.º 
 
 639/76, de 29 de Julho.
 Não se vai, por razões compreensíveis, fazer aqui o elenco das empresas objecto 
 de nacionalização (a lista das nacionalizações operadas entre aquelas duas datas 
 
 — 15 de Maio de 1974 e 29 de Julho de 1976 — pode, aliás, ser consultada no 
 Acórdão n.º 39/88 e, bem assim, em F. Pinto Bronze, «As Indemnizações em Matéria 
 de Nacionalizações», in Revista de Direito e Economia, ano ii, n.º 2, pp. 47 e 
 segs.).  Dir-se-á apenas, para se ficar com uma ideia global do alcance do 
 movimento nacionalizador, que foram nacionalizadas a quase totalidade das 
 empresas dos sectores bancário e dos seguros, dos petróleos, petroquímica, 
 siderurgia, electricidade, celulose, adubos e cimentos, transportes aéreos, 
 marítimos e fluviais, ferroviários e terrestres, tabacos e da comunicação social 
 
 (televisão, principais estações de rádio e alguns jornais diários) e, bem assim, 
 outras empresas dispersas por vários sectores de actividade, tais como as 
 cervejas, os vidros e os estaleiros navais.
 O decreto-lei foi a forma utilizada para as nacionalizações.
 Nos diplomas nacionalizadores eram indicadas as razões que motivaram, em cada 
 caso, aquele acto ablativo.  Mas, no seu conjunto, pode afirmar-se que o 
 movimento nacionalizador obedeceu a uma filosofia político-económica de cariz 
 colectivista e socialista, levada à prática num contexto revolucionário (cfr. A. 
 Carlos Santos-M. Eduarda Gonçalves-M. M. Leitão Marques, Direito Económico, 
 Coimbra, Almedina, 1991, pp. 160-161; e M. Afonso Vaz, Direito Económico, 3.ª 
 ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1994, p. 181).
 Do processo nacionalizador foram excluídas, em geral (designadamente, no sector 
 financeiro), as empresas estrangeiras, bem como as participações estrangeiras, 
 tendo aquelas, por isso, continuado a existir e a operar, mesmo nos sectores 
 que, posteriormente, vieram a ser definidos como vedados à iniciativa privada.
 Traço peculiar das nacionalizações portuguesas — e que espelha bem a «ambience» 
 política e social em que elas ocorreram — é constituído pela ausência nos 
 diplomas legais que decretaram aquelas medidas privativas da propriedade — 
 anteriores, quase todos eles, à Constituição de 1976 — da indicação dos 
 critérios de determinação das indemnizações aos titulares dos direitos 
 nacionalizados.  Em todos eles, foi reconhecido o direito à indemnização dos 
 titulares do capital das empresas nacionalizadas, mas foi relegada para 
 legislação posterior a fixação dos critérios de cálculo do quantum 
 indemnizatório.
 A nota acabada de assinalar constitui uma marca (de entre várias) distintiva das 
 nacionalizações realizadas em Portugal no período de 1974/1976 em relação às que 
 tiveram lugar, por exemplo, em consequência da Lei Francesa de Nacionalização 
 n.º 82-155, de 11 de Fevereiro de 1982 — lei esta que continha critérios 
 precisos de determinação da indemnização (os quais foram aperfeiçoados em 
 consequência da decisão do 10 de Janeiro de 1982 do Conselho Constitucional).  
 Cfr. L’Actualité Juridique, Droit Administratif (AJDA), n.º 38 (1982), pp. 202 e 
 segs., e Nota de Jean Rivero, ibidem, pp. 209 e segs.
 Paralelamente ao processo de nacionalizações de empresas, desenvolveu-se o 
 fenómeno da reforma agrária, a qual foi iniciada com a ocupação de vastas 
 extensões de terra.
 
  
 
 6.2 — Como já foi referido, as nacionalizações foram feitas, entre nós, na quase 
 totalidade, antes da promulgação da Constituição de 1976.  Ora, esta consagrou, 
 no seu artigo 82.º, n.º 1, o direito de indemnização por nacionalização, ao 
 estatuir que «a lei determinará os meios e as formas de intervenção e de 
 nacionalização e socialização de meios de produção, bem como os critérios de 
 fixação de indemnizações».  É certo que o n.º 2 deste preceito abria a 
 possibilidade de a lei determinar que as expropriações de latifundiários e de 
 grandes proprietários e empresários ou accionistas não dessem lugar a qualquer 
 indemnização.  Mas esta faculdade de exclusão da indemnização, para além de ter 
 sido eliminada na 1.ª Revisão Constitucional (1982), nunca foi utilizada pelo 
 legislador ordinário.
 Foi neste quadro — e também na lógica do reconhecimento do direito de 
 indemnização aos proprietários de bens ou direitos nacionalizados constante dos 
 vários diplomas que decretaram as nacionalizações — que viu a luz do dia a Lei 
 n.º 80/77, de 26 de Outubro (alterada pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de 
 Setembro, por sua vez ratificado, com alterações, pela Lei n.º 36/81, de 31 de 
 Agosto), a qual veio consagrar os direitos de indemnização a atribuir aos 
 ex-accionistas, ex-sócios ou ex-proprietários de bens económicos nacionalizados, 
 os quais foram regulamentados em diplomas subsequentes quanto a metodologias e 
 parâmetros a ter em conta no cálculo do valor a indemnizar.  Antes, porém, já o 
 Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho, tinha vindo estabelecer critérios para o 
 cálculo e pagamento das indemnizações devidas pelas nacionalizações.
 Entretanto, com a 2.ª Revisão Constitucional (1989), o artigo 82.º da 
 Constituição passou a 83.º, com o seguinte conteúdo: «A lei determinará os meios 
 e as formas de intervenção e de apropriação colectiva dos meios de produção e 
 solos, bem como os critérios de fixação da correspondente indemnização».  Foi já 
 no domínio da actual versão do artigo 83.º da Lei Fundamental que viu a luz do 
 dia o Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro (aprovado no uso de autorização 
 legislativa concedida pela Lei n.º 40/91, de 27 de Julho), cujas normas são 
 impugnadas no requerimento do Provedor de Justiça.
 
  
 
 6.3 — As grandes linhas do Acórdão n.º 39/88, no qual o Tribunal Constitucional 
 se debruçou sobre alguns pontos do regime jurídico das indemnizações por 
 nacionalização, consagrado nos diplomas que antecederam o Decreto-Lei n.º 
 
 332/91, podem ser epitomadas nas seguintes proposições:
 
  
 a)  No plano constitucional, e no que concerne ao direito à indemnização, 
 existem sensíveis diferenças de regime entre o instituto da nacionalização — 
 acto ablativo do Estado que incide sobre empresas, entendidas como uma unidade e 
 uma universalidade (constituída por bens imóveis, móveis, direitos incorpóreos, 
 etc.), transferindo-as da propriedade privada para a propriedade pública, e do 
 qual resulta um alargamento do sector público dos meios de produção — e o da 
 expropriação — com o qual se pretende que um bem individualizado seja afecto a 
 um fim específico de utilidade pública ou de interesse público e que se traduz 
 numa modificação de situações jurídicas singulares, sem que haja uma alteração 
 estrutural do sistema jurídico relativo ao domínio dos bens [cfr. F. Alves 
 Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, 
 Coimbra, 1982, pp. 49-59; os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 11/84 
 
 (publicado no Diário da República, II Série, de 8 de Maio de 1984) e 39/88; e 
 André de Laubadère/Pierre Delvolvé, Droit Public Économique, 5.ª ed., Paris, 
 Dalloz, 1986, pp. 727-728].
 Enquanto a indemnização por expropriação encontra o seu fundamento no artigo 
 
 62.º, n.º 2, da Constituição («a requisição e a expropriação por utilidade 
 pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa 
 indemnização» — repare-se que a 2.ª Revisão Constitucional eliminou o inciso 
 
 «fora dos casos previstos na Constituição»), a indemnização por nacionalização 
 alicerça-se no artigo 82.º (hoje, artigo 83.º).
 b)  A indemnização por nacionalização não tem que obedecer às mesmas 
 características da indemnização por expropriação.
 Se a Constituição impõe para o acto expropriativo uma compensação completa, 
 total ou integral do dano suportado pelo expropriado (é este seguramente o 
 sentido principal da expressão «justa indemnização» — cfr. F. Alves Correia, O 
 Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, Almedina, 1990, pp. 532 e 
 segs., Formas de Pagamento da Indemnização na Expropriação por Utilidade Pública 
 
 — Algumas Questões, Coimbra, 1991, pp. 16-18, e Código das Expropriações e Outra 
 Legislação sobre Expropriações por Utilidade Pública — Introdução, Lisboa, 
 Aequitas/Diário de Notícias, 1992, pp. 20-25), já o mesmo não sucede com a 
 indemnização por nacionalização: para esta não é exigida uma full composition, 
 basta apenas uma indemnização razoável ou aceitável (não meramente irrisória ou 
 simbólica), que cumpra as exigências mínimas de justiça que vão implicadas na 
 ideia de Estado de Direito.
 De igual modo, se a expressão «mediante o pagamento» de justa indemnização por 
 expropriação, inserta no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, exige uma paridade 
 temporal entre a aquisição pelo expropriante do bem e o pagamento da 
 indemnização ao expropriado, impedindo que entre estes dois momentos se 
 intercale um lapso temporal de certa duração — o que levará a que o pagamento da 
 indemnização seja, pelo menos, contemporâneo à expropriação — [cfr., sobre este 
 tema, F. Alves Correia, Formas de Pagamento, cit., pp. 41 e segs., e Código das 
 Expropriações, cit., pp. 14, 26 e 27, e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 
 
 108/92 (publicado no Diário de República, II Série, de 15 de Julho de 1992)], já 
 na indemnização por nacionalização não vale princípio tão exigente, sendo o 
 princípio da justiça, que deve reger o dever de indemnizar, perfeitamente 
 compatível com formas de pagamento diferido, como, por exemplo, a entrega de 
 títulos de dívida pública livremente negociáveis e amortizáveis em prazos 
 razoáveis.
 c)  São inconstitucionais, por violação dos artigos 82.º e 29.º, n.os 1 e 3, da 
 Constituição (versão de 1982), as normas do artigo 3.º, n.os 1, alíneas a) e b), 
 e 2, da Lei n.º 80/77, na medida em que exceptuam do direito a indemnização os 
 ex-sócios ou ex-accionistas de empresas nacionalizadas, os ex-proprietários e 
 outros titulares de direitos sobre bens nacionalizados ou expropriados que se 
 encontrem nalguma das situações nelas descritas, isto é, que tenham praticado 
 actos dolosos ou gravemente culposos no exercício de funções empresariais ou que 
 tenham beneficiado daqueles actos, de modo directo ou indirecto, em termos que 
 permitam indiciar co-autoria material ou moral, cumplicidade ou encobrimento.
 d)  Não são inconstitucionais as normas [constantes dos artigos 2.º, n.º 3, 3.º 
 e 4.º do Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho, do artigo 14.º da Lei n.º 80/77 
 
 (com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro) e das 
 Portarias n.os 786-A/77, de 23 de Dezembro, e 610/78, de 7 de Outubro] que 
 versam sobre o modo de determinar o valor de cada acção ou parte de capital das 
 empresas nacionalizadas, para o efeito de indemnização definitiva — valor esse 
 que é fixado por despacho do Ministro das Finanças em relação a cada empresa — 
 que toma por base o valor contabilístico da empresa (a que cabe a ponderação de 
 
 0,85) — um valor «real» determinado por exame à escrita da empresa nacionalizada 
 
 — e o valor de cotação (a que corresponde a ponderação de 0,15) — um valor que é 
 o resultante da média ponderada das cotações máximas e mínimas durante cada um 
 dos anos de um período de dez imediatamente anteriores a 24 de Abril de 1974 (se 
 as acções não tiverem sido cotadas durante todo este período, a média apurada é 
 objecto de ajustamentos segundo critérios a fixar com base no índice de cotação 
 e, tratando-se de empresas sem acções cotadas, o valor de cotação é substituído 
 pelo valor de rendibilidade) —, porque os valores resultantes de aplicação dos 
 critérios nela referidos não resultam em valores irrisórios, nem manifestamente 
 desproporcionados ao valor dos bens nacionalizados.
 e)  As normas constantes do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 528/76 e dos artigos 
 
 19.º e 20.º da Lei n.º 80/77, que disciplinam o modo de pagamento das 
 indemnizações por nacionalização — o qual é feito mediante a entrega ao 
 respectivo titular, pelo Estado, de títulos de dívida pública, distribuídos por 
 doze classes (I a XII), consoante o menor ou maior valor global da indemnização 
 a pagar, e correspondendo a cada uma dessas classes prazo de amortização e de 
 diferimento progressivamante mais longo e taxa de juro decrescente — não são 
 inconstitucionais, porque o artigo 82.º (hoje artigo 83.º) da Constituição não 
 impõe que a lei fixe um critério único, válido para todo o tipo de casos em que 
 são devidas indemnizações por nacionalizações de bens, antes permite ao 
 legislador o estabelecimento de critérios diferentes que, inclusive, dêem relevo 
 ao tipo e ao montante dos bens nacionalizados.  Elas não infringem também o 
 princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da Constituição).
 
 É, por isso, constitucionalmente legítimo ao legislador fixar prazos de 
 amortização e de diferimento diferentes e taxas de juro também diferentes em 
 função do montante global a pagar (prazos maiores e taxas de juro mais baixas, 
 para as indemnizações de valor global mais elevado; e prazos mais curtos e taxas 
 de juro mais elevadas, para as indemnizações de menor montante).  Do mesmo modo, 
 no plano constitucional, nada obsta a que os pequenos accionistas sejam 
 indemnizados em dinheiro e os restantes recebam títulos de dívida pública.
 f)   As taxas de juros dos títulos da dívida pública — que vão de 13% para a 
 classe I a 2,5% para a classe XI —, apesar de se situarem abaixo (nalguns casos, 
 mesmo bastante abaixo) das que são praticadas no mercado monetário e financeiro, 
 não conduzem a uma indemnização manifestamente desproporcionada ou irrisória, 
 pelo que não enfermam de inconstitucionalidade as normas que determinam tais 
 taxas.
 Essas taxas de juro — inferiores às praticadas no mercado monetário e financeiro 
 
 — originam uma progressiva desvalorização dos montantes indemnizatórios 
 calculados.  Mas não se pode olvidar que um tal efeito é minorado pela 
 possibilidade que têm os titulares do direito de indemnização proveniente de 
 nacionalização de transaccionarem os títulos e de os mobilizarem antecipadamente 
 
 — mobilização que só é, no entanto, permitida ao titular originário ou aos seus 
 herdeiros.  E minorado ainda no caso de mobilização antecipada, porque, 
 conquanto a «mobilização» se faça, em regra, pelo valor de «actualização», e não 
 pelo valor nominal, aquela actualização é feita à taxa de juro correspondente à 
 da classe I: 13%.
 g)  Não colidem com o princípio constitucional da igualdade as normas 
 
 [constantes dos artigos 22.º e 39.º da Lei n.º 80/77 (o primeiro na redacção do 
 Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, e da Lei n.º 36/81, de 31 de Agosto), 
 dos artigos 1.º a 4.º do Decreto-Lei n.º 31/80, de 6 de Março, e do artigo único 
 do Decreto-Lei n.º 195/79, de 29 de Junho] que estabelecem um regime de 
 indemnização por nacionalização mais favorável para as misericórdias e outras 
 instituições privadas de solidariedade social, as fundações, as cooperativas e 
 as congregações e associações religiosas — a quem são atribuídas sempre títulos 
 de classe I — e para as pessoas singulares ou colectivas de nacionalidade 
 estrangeira — a quem, em certos casos, poderão ser entregues títulos 
 pertencentes a classe diferente da que lhes caberia em função do montante global 
 a receber —, porque elas não são arbitrárias, nem irrazoáveis, antes têm um 
 fundamento material bastante.  O fundamento da discriminação das entidades do 
 primeiro grupo encontra-se na «natureza dos fins» por elas prosseguidas; o 
 fundamento do tratamento de favor das pessoas singulares e colectivas de 
 nacionalidade estrangeira reside no empenho do Estado na captação dos 
 investimentos estrangeiros que contribuam para o desenvolvimento do País (artigo 
 
 86.º da Constituição, na versão de 1982, hoje artigo 88.º), no estatuto pessoal 
 diferenciado dos estrangeiros e no princípio da solução pacífica dos conflitos 
 internacionais (artigo 7.º, n.º 1, da Constituição).
 h)  O artigo 16.º da Lei n.º 80/77 (redacção do Decreto-Lei n.º 343/80) — que 
 prevê a possibilidade de os litígios relativos à titularidade do direito à 
 indemnização, à sua fixação, liquidação e efectivação serem resolvidos por 
 comissões arbitrais (uma por cada empresa ou bem nacionalizado ou expropriado), 
 cujas decisões carecem de homologação do Ministro das Finanças, havendo recurso 
 para o Supremo Tribunal Administrativo dos despachos ministeriais que recaiam 
 sobre elas — não viola o princípio da garantia do recurso contencioso [artigo 
 
 269.º, n.º 2, da Constituição (versão de 1976); 268.º, n.º 3 (versão de 1982); e 
 
 268.º, n.º 4 (versão de 1989)].
 
  
 Escreveu-se, a propósito, no aresto cujas traves mestras vêm sendo indicadas:
 
  
 O Ministro das Finanças só haverá de decidir-se pela não homologação da decisão 
 de uma comissão arbitral quando esta não respeitar os critérios legais.  E, ao 
 fazê-lo, fundamentará a sua decisão, tal como quando o despacho for 
 homologatório (cfr. artigo 268.º, n.º 2, da Constituição e artigo 1.º do 
 Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho).
 A ser assim, como parece, não se vê como o recurso a interpor do despacho 
 ministerial deva restringir-se à invocação de desvio de poder.  Haja o Ministro 
 homologado ou não a decisão da comissão arbitral, sempre o recurso haverá de 
 poder fundamentar-se em outros vícios de que o acto administrativo acaso padeça.
 
 É certo que, sendo o recurso em causa um recurso de mera legalidade, as 
 possibilidades que o Supremo Tribunal Administrativo tem de avaliar a correcta 
 ou incorrecta aplicação dos critérios legais de determinação dos valores das 
 indemnizações — e, assim, de anular o despacho impugnado — são, naturalmente, 
 mais limitadas do que se se tratasse de um recurso de plena jurisdição: só 
 quando se prove a ilegalidade dos métodos adoptados ou dos critérios utilizados 
 na avaliação é que a anulação é possível.
 Nada disto, porém, afecta a garantia do recurso contencioso, consagrada no 
 artigo 268.º, n.º 3, da Constituição, quando preceitua:
 
  
 Artigo 268.º
 
 […]
 
  
 
 .......................................................................................... 
 
 
 
 É garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, 
 contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios, 
 independentemente da sua forma, bem como para obter o reconhecimento de um 
 direito ou interesse legalmente protegido.
 
  
 Na verdade, como este Tribunal já decidiu por mais de uma vez, seguindo a 
 Jurisprudência da Comissão Constitucional, «a garantia de recurso contencioso 
 tem por conteúdo a possibilidade de acesso aos tribunais para defesa dos 
 direitos.  O que se quer é «fazer valer de forma expressa para os actos 
 administrativos definitivos e executórios […] a doutrina geral consignada pela 
 parte primeira do artigo 20.º, quando dispõe que ‘a todos é assegurado o acesso 
 aos tribunais para defesa dos seus direitos […]’.  Garante-se aí aos 
 interessados a possibilidade de impugnação dos actos administrativos viciados» 
 
 (cfr. Acórdão n.º 86/84, in Diário da República, II Série, de 2 de Fevereiro de 
 
 1985, e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 354, pp. 229 e segs.).
 Ora, seja qual for o fundamento que, para impugnação do despacho ministerial, os 
 particulares possam invocar, e bem assim as possibilidades de que disponha a 
 jurisdição administrativa para sindicar o acto impugnado, uma coisa é certa: o 
 acesso à via judicial para atacar um acto administrativo eventualmente viciado 
 aí está.  Mas, mais de que isso: os particulares podem, como já se mostrou, 
 lançar mão da via judicial, não já para atacar o despacho do Ministro que 
 homologou ou não a decisão da comissão arbitral, a que decidiram recorrer, mas 
 sim para, nessa sede, serem decididas as questões suscitadas pela titularidade 
 do direito à indemnização, pela sua fixação, liquidação e efectivação.
 
  
 
 6.4 — O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 39/88, que teve um voto de 
 vencido do então Juiz e hoje Presidente do Tribunal Constitucional J. M. Cardoso 
 da Costa, foi depois fustigado por várias críticas.  Nesse voto de vencido, 
 foram tidas por inconstitucionais as normas que mandam atender a um período de 
 dez anos no cálculo do valor de cotação ou do valor de rendibilidade das acções 
 ou partes de capital nacionalizadas, e que constam dos n.os 1 dos artigos 3.º e 
 
 4.º do Decreto-Lei n.º 528/76, e por remissão para estes, do artigo 14.º da Lei 
 n.º 80/77, e às quais a Portaria n.º 786-A/77 veio dar execução, no tocante às 
 acções cotadas, por ser manifestamente excessivo, e, bem assim, a norma do 
 artigo 19.º da Lei n.º 80/77, relativa ao sistema de pagamento das 
 indemnizações, que escalona os títulos de indemnização em função de prazos de 
 amortização e de diferimento e de taxas de juro diversos, a qual estabelece 
 
 «excessivas» desigualdades de tratamento e conduz, em alguns escalões, a 
 indemnizações desrazoáveis e desproporcionadas.
 Estas críticas foram sobretudo lançadas por José Oliveira Ascensão, Diogo 
 Freitas do Amaral e Marcelo Rebelo de Sousa.
 Contestou-se, em primeiro lugar, que a indemnização prevista no artigo 82.º da 
 Constituição (hoje artigo 83.º) possa ser diferente da justa indemnização do 
 artigo 62.º, n.º 2, afirmando-se que «toda a indemnização tem por sua natureza 
 compensar  o valor substancial que foi subtraído ao particular», princípio que 
 tanto é aplicável à indemnização por expropriação, como à indemnização por 
 nacionalização [cfr. J. Oliveira Ascensão, «Nacionalizações e 
 Inconstitucionalidade — Anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 
 
 39/88», in Estudos sobre Expropriações e Nacionalizações, Lisboa, INCM, 1989, 
 pp. 236 e segs., e D. Freitas do Amaral, «Indemnizações por Nacionalização em 
 Portugal», in Revista da Ordem dos Advogados, n.º 49 (1989), pp. 54-55, e 
 
 «Indemnização Justa ou Irrisória?», in Direito e Justiça, vol. V (1991), pp. 
 
 64-65].  Considerou-se, em segundo lugar, excessivo o período de 10 anos (de 1 
 de Janeiro de 1964 a 24 de Abril de 1974) utilizado para o cálculo do valor de 
 cotação ou do valor de rendibilidade das acções ou partes de capital 
 nacionalizadas e chamou-se a atenção para a circunstância de o Conselho 
 Constitucional francês ter qualificado de demasiado longo o período de três anos 
 
 (1 de Janeiro de 1978 e 31 de Dezembro de 1980) anteriores à nacionalização para 
 apuramento da média das cotações na bolsa das acções nacionalizadas, tendo o 
 legislador, após a revisão da lei, aproximado mais esse período da data da 
 nacionalização (o período passou a ser de 1 de Outubro de 1980 a 31 de Março de 
 
 1981). Cfr. Franck Moderne, «L’Exemple des Nationalisations Françaises de 1982», 
 in Direito e Justiça, vol. v (1991), pp. 17-21; e D. Freitas do Amaral, 
 Indemnizações por Nacionalização, cit., pp. 63-64, e Indemnização Justa ou 
 Irrisória?, cit., pp. 63-65.  Em terceiro lugar, reputaram-se de infundadas as 
 discriminações entre as várias situações dos ex-proprietários a indemnizar e 
 entre cidadãos nacionais e estrangeiros (cfr. D. Freitas do Amaral, Indemnização 
 Justa ou Irrisória?, cit., pp. 65-67).  Em quarto lugar, profligou-se a solução 
 legal de atribuir a um órgão de Administração — o Ministro das Finanças — o 
 poder de fixar os valores definitivos das indemnizações por nacionalização, 
 dizendo-se que esta é uma matéria que entra no domínio da reserva da função do 
 juiz (é um acto materialmente jurisdicional), sendo, por isso, inconstitucionais 
 as normas dos artigos 14.º, 15.º e 16.º, n.º 6, da Lei n.º 80/77, de 26 de 
 Outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro.  Cfr. M. 
 Rebelo de Sousa, «As Indemnizações por Nacionalização e as Comissões Arbitrais 
 em Portugal», in Revista da Ordem dos Advogados, n.º 49 (1989), pp. 371 segs., e 
 
 «Comissões Arbitrais, Indemnizações e Privatizações», in Direito e Justiça, vol. 
 v (1991), pp. 93-97.  Por fim, sustentou-se que o recurso contencioso de 
 anulação do despacho do Ministro das Finanças que fixa o valor definitivo das 
 indemnizações por nacionalizações não constitui uma garantia suficiente de 
 protecção dos direitos dos indemnizandos, já que o Supremo Tribunal 
 Administrativo não tem poderes de plena jurisdição (cfr. D. Freitas do Amaral, 
 Indemnização Justa ou Irrisória, cit., pp. 68-69, e M. Rebelo de Sousa, As 
 Comissões Arbitrais, cit., p. 93).
 
  
 
 6.5 — A respeito das normas constantes dos artigos 14.º e 15.º da Lei n.º 80/77, 
 na sua versão originária, dos artigos 14.º, 15.º e 16.º, n.º 6, da mesma lei, na 
 redacção decorrente do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, e do artigo 
 
 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março, que conferem ao Ministro das 
 Finanças competência para fixar por despacho o montante definitivo da 
 indemnização por nacionalização, elaborou o Supremo Tribunal Administrativo uma 
 jurisprudência largamente predominante (embora não uniforme), que vai no sentido 
 de aquele acervo normativo enfermar de inconstitucionalidade, por violação do 
 princípio da reserva do juiz, condensado nos artigos 205.º e 206.º da 
 Constituição (na versão de 1982) e no artigo 205.º, n.os 1 e 2, do mesmo Diploma 
 Básico (versão de 1989).  Na decorrência de um tal juízo de 
 inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Administrativo declarou nulos, em 
 múltiplos arestos, por vício de usurpação de poder, vários despachos do Ministro 
 das Finanças que fixaram o valor de cada acção ou parte de capital, 
 relativamente a cada empresa, para efeitos de indemnização definitiva.
 O Acórdão da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Setembro de 
 
 1990 [publicado em O Direito, 123 (1991), pp. 443 e segs.)] sintetizou, em 
 termos claros, a jurisprudência daquele órgão jurisdicional sobre a referida 
 problemática.
 No referido aresto, historiou-se a jurisprudência do Supremo Tribunal 
 Administrativo nos seguintes termos:
 
  
 Nos Acórdãos da Secção de 4 de Dezembro de 1980 (proferido no recurso n.º 14 
 
 716) e de 4 de Novembro de 1982 (Apêndice ao Diário da República, p. 3881), 
 decidiu-se que os artigos 15.º e 16.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, ao 
 conferirem à Administração a fixação do valor da indemnização devida pela 
 nacionalização e expropriação de prédios ao abrigo da legislação sobre reforma 
 agrária, são materialmente inconstitucionais, por contrariarem o disposto nos 
 artigos 20.º, n.º 2, 205.º e 206.º da Constituição da República Portuguesa: 
 estes acórdãos foram confirmados pelos Acórdãos do tribunal pleno de 15 de 
 Dezembro de 1987 (Acórdãos Doutrinais, n.º 319, p. 946) e de 23 de Fevereiro de 
 
 1988 (Apêndice ao Diário de República, p. 90, onde está incorrectamente indicada 
 a data do Acórdão como sendo de 29 de Janeiro de 1987).
 Esta orientação foi reafirmada no recente Acórdão deste Tribunal de 3 de Julho 
 do corrente ano, proferido no recurso n.º 26 288, relativamente ao mencionado 
 artigo 16.º da Lei n.º 80/77 (na redacção do artigo único do Decreto-Lei n.º 
 
 343/80, de 2 de Setembro) e ao artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de 
 Março, sendo, no entanto, de sinal contrário o Acórdão de 26 de Junho do 
 corrente ano, proferido no recurso n.º 25 553, que considerou não serem 
 inconstitucionais as normas dos artigos 15.º e 16.º da Lei n.º 80/77 e do artigo 
 
 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86.
 
  
 Quanto à distinção entre a função jurisdicional e a função administrativa, 
 depois de se referir ser muito difícil uma tal tarefa, considerou-se, no citado 
 acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, «não ser bastante recorrer, para o 
 entendimento da função jurisdicional, ao substrato de ordem material relacionado 
 com a composição de conflitos de interesses ou pretensões, uma vez que a 
 Administração, na prossecução de interesses públicos, também procede a tal 
 composição, carecendo, pois, o mencionado substrato de ser completado com 
 elementos de outra ordem», e acentuou-se que «esses elementos seriam, no que 
 respeita à função jurisdicional, o fim específico inerente à realização do 
 direito ou da justiça, ou a actuação de um órgão imparcial na resolução do 
 conflito de interesses, podendo mesmo haver uma certa conjugação entre estas 
 duas ideias, nenhuma das quais se verifica na função administrativa», 
 concluindo-se do seguinte modo:
 
  
 Na realidade, estando consumada a nacionalização da instituição de crédito em 
 causa — e cumprido desse modo o interesse público inerente a tal nacionalização 
 
 —, e tratando-se agora, portanto, apenas da determinação do valor da 
 indemnização devida aos ex-titulares de acções ou outras partes do capital da 
 citada empresa, estão nesse ponto a Administração e esses ex-titulares colocados 
 no mesmo plano, a primeira como devedora e os últimos como credores de tal 
 indemnização.
 Nessas circunstâncias, a composição do conflito de interesses daí resultante tem 
 necessariamente de ser atribuída a um órgão integrado na função jurisdicional, 
 ou seja, um órgão imparcial, cujo fim específico seja a realização do direito ou 
 da justiça.
 E, com toda a evidência, não está nessas condições a Administração, como parte 
 interessada na resolução de tal conflito.
 Deste modo, o artigo 14.º da Lei n.º 80/77 (na redacção do Decreto-Lei n.º 
 
 343/80), ao atribuir ao Ministro das Finanças e do Plano o poder de, por acto 
 autoritário, determinar o valor de cada acção ou parte de capital de empresa 
 nacionalizada, é materialmente inconstitucional por contrariar o disposto nos 
 n.os 1 e 2 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa (versão 
 resultante da revisão constitucional de 1989, pois anteriormente àqueles números 
 correspondiam, respectivamente, os artigos 205.º e 206.º da Constituição).
 Tem, assim, o tribunal de recusar a aplicação do mencionado artigo 14.º, em 
 obediência ao disposto no artigo 207.º da Constituição, do que resulta que o 
 acto contenciosamente impugnado fica sem suporte legal: e como esse acto invadiu 
 a esfera das atribuições dos tribunais, está o mesmo inquinado pelo vício de 
 usurpação de poder, que, conforme já atrás se disse, conduz à sua nulidade e 
 prejudica o conhecimento das outras questões suscitadas pelos recorrentes.
 
  
 
 6.6 — A orientação adoptada pelo Supremo Tribunal Administrativo quanto à 
 questão da constitucionalidade das normas acima identificadas não mereceu, 
 contudo, o aval do Tribunal Constitucional.  De facto, no Acórdão n.º 280/89 
 
 (publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Junho de 1989), tirado na 
 
 1.ª Secção deste Tribunal, considerou-se que, intervindo os Ministros das 
 Finanças e da Agricultura e Pescas, ao abrigo dos artigos 15.º e 16.º da Lei n.º 
 
 80/77, no texto primitivo, «numa etapa do processo de nacionalização e 
 expropriação dos prédios situados na zona de intervenção da reforma agrária em 
 que, ao menos em termos decisivos, não existia ainda uma co-implicação efectiva 
 do interesse público e do interesse privado, numa ocasião, em última análise, em 
 que não emergira ainda um real conflito de interesses na determinação da 
 compensação indemnizatória, em que o que sobrelevava era a realização do 
 interesse público à nacionalização e expropriação daqueles prédios em todas as 
 fases desse complexo processo, necessariamente se haverá de concluir que, desta 
 sorte, se não tinha cometido então àqueles Ministros o exercício da função 
 jurisdicional».  Após referir que os artigos 15.º e 16.º da Lei n.º 80/77, na 
 sua redacção originária, não autorizavam a Administração, através dos Ministros 
 das Finanças e da Agricultura e Pescas, a introduzir-se por entre a função 
 jurisdicional, acentuou-se naquele aresto que «a determinação indemnizatória, 
 contemplada naqueles preceitos, situava-se antes num plano pré-jurisdicional».
 Por sua vez, no Acórdão n.º 317/89 (publicado no Diário de República, II Série, 
 de 16 de Junho de 1989), da 2.ª Secção do Tribunal Constitucional, vincou-se que 
 a fixação do valor da indemnização definitiva devida pela nacionalização e 
 expropriação de prédios ao abrigo da legislação sobre reforma agrária pode ser 
 objecto do despacho dos ministros das Finanças e da Agricultura e Pescas, 
 previsto no artigo 15.º da Lei n.º 80/77, uma vez que, «ao fixar-se esse valor, 
 ainda se está a prosseguir o interesse público subjacente ao acto de 
 nacionalização ou expropriação ou, por outras palavras, ainda se está no domínio 
 da função administrativa.  Ponto é que a lei não exclua o recurso aos 
 tribunais».
 
  
 
 7 — Caracterização geral do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro.
 
  
 Como já foi acentuado, a legislação específica em matéria de indemnizações por 
 nacionalização surgiu inicialmente com o Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho, 
 que veio estabelecer os critérios para o cálculo e pagamento das referidas 
 indemnizações, em cumprimento do disposto nos diplomas legais que procederam à 
 nacionalização de diversas empresas.  No entanto, só posteriormente foram 
 consagrados os direitos de indemnização a atribuir aos ex-titulares de bens 
 nacionalizados, através da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro (alterada pelo 
 Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, ratificado com alterações pela Lei n.º 
 
 36/81, de 31 de Agosto), regulamentados em diplomas subsequentes quanto a 
 metodologias e parâmetros a ter em conta no cálculo do valor a indemnizar.  
 Enquadraram-se neste âmbito as especificações técnicas constantes dos cadernos 
 de encargos a que teriam de obedecer as entidades adjudicatárias da avaliação da 
 situação patrimonial das empresas nacionalizadas — instituições de crédito, 
 seguradoras e outras —, tarefa preparatória da determinação dos valores 
 definitivos das acções ou partes de capital daquelas empresas.
 A resolução de quaisquer litígios relativos à titularidade do direito à 
 indemnização e à sua fixação, liquidação e efectivação podia ser feita com 
 recurso a comissões arbitrais, conforme a Lei n.º 80/77 (na redacção introduzida 
 pelo Decreto-Lei n.º 343/80, ratificado pela Lei n.º 36/81).  Todavia, entendeu 
 o legislador, no exórdio do Decreto-Lei n.º 332/91, que «as interpretações dos 
 
 órgãos jurisdicionais quanto à natureza deste regime e os elementos constantes 
 da fundamentação de algumas decisões apresentadas por comissões arbitrais, que 
 têm vindo a ser constituídas ao abrigo do normativo citado e segundo as regras 
 de funcionamento dispostas no Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março, alertam 
 para a necessidade de serem clarificadas, formalmente rectificadas e mesmo 
 alteradas algumas disposições regulamentadoras desta matéria».
 De harmonia com a nota preambular do Decreto-Lei n.º 332/91        — aprovado ao 
 abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 40/91, de 27 de Julho 
 
 —, são objectivos fundamentais daquele diploma, de um lado, a alteração do 
 
 «regime jurídico do processo calculatório das indemnizações conferidas aos 
 ex-titulares de direitos sobre os bens nacionalizados, consignando, 
 nomeadamente, o ajustamento de alguns critérios económicos», e, do outro lado, a 
 extinção da figura das comissões arbitrais, criando-se em sua substituição 
 
 «outro tipo de órgãos com uma natureza jurídica mais consentânea com as funções 
 consultivas que as comissões arbitrais têm vindo de facto a desempenhar».
 O Decreto-Lei n.º 332/91 compõe-se de doze artigos, repartidos por quatro 
 capítulos: o Capítulo i é integrado pelos artigos 1.º a 7.º, nos quais são 
 definidos os novos critérios do cálculo do valor da indemnização por 
 nacionalização — critérios esses mais favoráveis para os titulares do direito à 
 indemnização, como se infere não apenas do seu cotejo com os consagrados na 
 legislação anterior, mas ainda da cláusula de garantia constante do artigo 8.º, 
 n.º 3, nos termos da qual a alteração do valor da indemnização já fixado em 
 consequência da aplicação dos novos critérios «não poderá conduzir a um valor 
 inferior ao anteriormente atribuído, pelo que nesse caso será este o fixado»; o 
 Capítulo ii, epigrafado «fixação do valor definitivo» (da indemnização), engloba 
 o artigo 8.º; o Capítulo iii, concernente às comissões mistas, abrange os 
 artigos 9.º a 11.º; finalmente, o Capítulo iv, intitulado «disposições 
 revogatórias», inclui o artigo 12.º
 A problemática da constitucionalidade das normas do Decreto-Lei n.º 332/91, tal 
 como vem posta pelo requerente, pode reconduzir-se às seguintes três questões 
 jurídicas fundamentais: a primeira é a de saber se as normas respeitantes aos 
 critérios do cálculo do valor da indemnização por nacionalização infringem ou 
 não a garantia constitucional do direito de propriedade (artigo 62.º, n.º 1, da 
 Constituição) e o princípio constitucional da justa indemnização por 
 nacionalização, que, na tese do requerente, está condensado no artigo 62.º, n.º 
 
 2, da Lei Fundamental; a segunda consiste em averiguar se as normas relativas ao 
 processo de fixação do montante da indemnização, designadamente as que consagram 
 a competência do Ministro das Finanças para fixar por despacho o valor da 
 indemnização, bem como as que definem a composição, competências e funcionamento 
 das comissões mistas violam ou não o princípio da reserva da função 
 jurisdicional aos tribunais, plasmado no artigo 205.º, n.os 1 e 2, da 
 Constituição; e a terceira é a de apurar se os instrumentos de protecção 
 jurisdicional previstos (implicitamente) no Decreto-Lei n.º 332/91 são adequados 
 para garantir uma tutela jurisdicional eficaz dos direitos dos indemnizandos.
 São estas três questões que de seguida vão ser analisadas pelo Tribunal.  A 
 abordagem da problemática da conformidade com a Constituição das normas 
 revogadas pelo Decreto-Lei n.º 332/91 ficará dependente, como foi referido, do 
 destino que as normas daquele diploma legal tiverem quanto à sua 
 constitucionalidade.
 
  
 
 8 — A questão da conformidade com a sua Constituição das normas respeitantes ao 
 cálculo de valor de indemnização por nacionalização (artigos 1.º a 7.º do 
 Decreto-Lei n.º 332/91).
 
  
 
 É o seguinte o conteúdo das normas respeitantes ao cálculo do valor da 
 indemnização a atribuir aos titulares de acções ou partes de capital de empresas 
 nacionalizadas:
 
  
 Artigo 1.º
 
  
 O cálculo das indemnizações a atribuir aos titulares de acções ou partes de 
 capital de empresas nacionalizadas será apurado com base no valor do património 
 líquido da respectiva empresa, no valor das cotações a que as respectivas acções 
 hajam sido efectivamente transaccionadas na Bolsa de Valores de Lisboa, bem como 
 no valor da efectiva rendibilidade da empresa.
 
  
 Artigo 2.º
 
  
 O valor do património líquido de cada empresa será determinado a partir do 
 balanço de gestão, na data da nacionalização, ou, na sua falta, em 31 de 
 Dezembro de 1974, e, em ambos os casos, de acordo com as especificações técnicas 
 aprovadas pelas Resoluções do Conselho de Ministros n.os 243/80, de 11 de Julho, 
 e 40/82, de 10 de Março, e pela Resolução do Conselho de Ministros de 23 de Maio 
 de 1985, publicada no Diário da República, II Série, de 22 de Agosto, quanto à 
 avaliação patrimonial de empresas nacionalizadas, em tudo o que não contrarie o 
 disposto no presente diploma.
 
  
 Artigo 3.º
 
  
 
 1 — O valor a atribuir às participações financeiras detidas pelas empresas 
 nacionalizadas será o valor médio entre os resultados do balanço da participante 
 e do balanço da participada, reconduzido este último à situação líquida da 
 empresa.
 
 2 — No caso de não ser possível obter os elementos necessários ao cálculo 
 referido no número anterior, manter-se-á o valor já fixado.
 
  
 Artigo 4.º
 
  
 Tratando-se de empresas que, à data da nacionalização, fossem detentoras de 
 concessões, serão consideradas, para efeito de valorização desses activos 
 incorpóreos, as disposições legais ou contratuais respectivas, ao tempo em 
 vigência, que previssem a entrega por parte do Estado de quaisquer compensações 
 pecuniárias por denúncia da situação contratual.
 
  
 Artigo 5.º
 
  
 
 1 — O valor de cotação de cada sociedade anónima será o que resultar da média 
 aritmética simples das cotações máximas e mínimas desses títulos ao portador em 
 cada ano civil e para os últimos cinco anos anteriores a 1975.
 
 2 — Quando as acções não hajam sido cotadas para cada um dos cinco anos 
 referidos no número anterior, o valor de cotação não será considerado.
 
 3 — Quando se trate de acções oferecidas à subscrição pública com pagamento de 
 prémio de emissão e que não hajam sido admitidas à cotação na bolsa, poderá ser 
 tomado em consideração, para efeito da determinação da componente C2, referida 
 na fórmula constante da norma contida no artigo 7.º, o valor da emissão.
 
 4 — Sempre que, no período referido no n.º 1, o valor nominal das acções haja 
 sofrido alteração, serão introduzidas no cálculo adequadas ponderações, em ordem 
 a que todos os termos da sucessão cronológica das cotações fiquem referidas a 
 uma acção do valor nominal vigente à data da nacionalização.
 
 5 — Quanto às empresas que hajam resultado de fusão operada nos últimos cinco 
 anos anteriores a 1975, a falta de valores de cotação das respectivas acções 
 para cada um dos anos anteriores àquele em que se operou a fusão será suprida 
 pela média aritmética ponderada das cotações das empresas envolvidas, usando 
 como pesos as percentagens dos respectivos capitais sociais na data da fusão, no 
 capital total.
 
  
 Artigo 6.º
 
  
 
 1 — O valor da efectiva rendibilidade será aferido pela média aritmética simples 
 dos resultados do exercício verificados nos últimos cinco anos anteriores a 
 
 1975, acrescidos da correspondente cotação anual para amortizações e 
 monetariamente corrigidos por aplicação dos coeficientes fixados na Portaria n.º 
 
 506/75, de 20 de Agosto, sendo que o mesmo período poderá ser reduzido até três 
 anos no caso de indisponibilidade de elementos.
 
 2 — A taxa calculatória a aplicar à média encontrada, nos termos do número 
 anterior, para obtenção do valor de rendibilidade, será de 5%.
 
 3 — Sempre que as empresas tenham tido duração inferior ao período de tempo 
 considerado no n.º 1, será ainda aplicado o disposto nos números anteriores, 
 recorrendo-se quer à anualização da aludida média quer à redução do período de 
 referência da mesma, que no caso limite poderá corresponder a um único ano.
 
 4 — Caso tenham sido verificadas fusões de empresas, aplicar-se-á, com as 
 necessárias adaptações, o critério contemplado no n.º 5 do artigo 5.º
 
  
 Artigo 7.º
 
  
 
 1 — Para o cálculo do valor da indemnização a atribuir por cada acção ou parte 
 de capital adoptar-se-á a fórmula geral:
 
  
 V=a1 Cl+a2 C2+a3 C3
 
  
 
 2 — Aos símbolos mencionados no número precedente são atribuídos os seguintes 
 significados:
 
  
 V = valor da indemnização por acção, ou parte de capital quando se trate de 
 empresas que não tenham revestido a forma de sociedade anónima;
 Cl = valor que, para cada acção ou parte de capital, resulte do balanço especial 
 nos termos do artigo 2.º;
 C2 = valor de cotação determinado de acordo com o artigo 5.º;
 C3 = valor de rendibilidade determinado nos termos do artigo 6.º;
 a1, a2 e a3 = coeficientes de ponderação fixados, respectivamente, em 60%, 20% e 
 
 20%.
 
  
 
 3 — Sempre que não seja possível calcular C2 ou C3 o valor do coeficiente 
 respectivo será repartido em partes iguais pelos restantes; caso se verifique, 
 em simultâneo, a impossibilidade de cálculo dessas parcelas, a1 igualará a 
 unidade.
 
  
 Segundo o Provedor de Justiça, «a Constituição não estabelece uma diferenciação 
 dogmática entre o instituto expropriativo e o instituto da nacionalização», pelo 
 que os critérios de fixação da indemnização correspondente à nacionalização 
 terão «que conduzir à atribuição de uma ‘justa indemnização’, em homenagem ao 
 direito de propriedade privada consagrado no artigo 62.º, n.º 1, da Lei 
 Fundamental».  Na óptica da mesma entidade, ainda que se entenda que a garantia 
 constitucional da indemnização por nacionalização está prevista no artigo 83.º e 
 não no artigo 62.º, n.º 2, da Lei Básica, é seguro que aquele preceito 
 constitucional «não pode dissentir do critério nuclear da garantia da 
 propriedade privada que se exprime, além do mais, na hipótese de transferência 
 forçada de um bem privado para o Estado, numa conversão de valores patrimoniais, 
 através de justa indemnização», a qual «terá de conduzir à reposição actual no 
 património daquele que foi objecto de uma apropriação estatal dos seus bens do 
 respectivo valor integral».
 Serão censuráveis, sob o ponto de vista constitucional, como defende o 
 requerente, as normas constantes dos artigos 1.º a 7.º do Decreto-Lei n.º 
 
 332/91, que estabelecem os critérios de determinação do montante da indemnização 
 por nacionalização?  A resposta é negativa.  Vejamos porquê.
 
  
 
 8.1 — Não é pacífica na doutrina a distinção entre nacionalização e expropriação 
 
 — os dois actos ablativos mais importantes do direito de propriedade privada.  
 Assim, enquanto alguns autores consideram que existe uma distinção material 
 entre aqueles dois institutos, outros entendem que não é possível encontrar um 
 critério substancial de separação entre eles (cfr., sobre este ponto, o Acórdão 
 n.º 39/88 e a bibliografia aí citada).
 
 É possível, no entanto, indicar algumas notas características da nacionalização, 
 que demarcam, em termos globais, este acto ablativo da expropriação.  Assim, em 
 primeiro lugar, enquanto a expropriação tem, em regra, como objecto um bem 
 singular (um bem imóvel ou um direito a ele inerente, como sucede na 
 expropriação em sentido clássico — artigo 1.º do Código das Expropriações, 
 aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro), a nacionalização incide 
 sobre empresas ou estabelecimentos, entendidos como uma universitas (constituída 
 por bens imóveis, móveis, direitos incorpóreos, etc.).  Cfr., por todos, K. 
 Katzarov, The Theory of Nationalisation, The Hague, 1964, pp. 142-143; e A. 
 Carlos Santos-M. Eduarda Gonçalves-M. M. Leitão Marques, ob. cit., p. 162.  Em 
 segundo lugar, sob o ponto de vista teológico, enquanto a expropriação tem como 
 finalidade afectar um bem a um fim específico de utilidade pública, de utilidade 
 geral ou de interesse público (v. g. a expropriação de um terreno para a 
 construção de uma obra pública), produzindo apenas uma alteração no domínio das 
 situações jurídicas singulares, a nacionalização tem como objectivo transferir 
 para o sector público uma ou várias empresas, de modo a que estas continuem a 
 exercer as suas actividades comerciais ou industriais, não já ao serviço do 
 interesse privado dos seus antigos proprietários, mas ao serviço do interesse 
 geral da colectividade, dando, assim, aos poderes públicos um instrumento de 
 direcção e de coordenação da economia [cfr. Pierre Bon, «Les Nationalisations 
 dans la Jurisprudence Constitutionelle de l’Europe de l’Ouest», Separata da 
 Revue Française de Droit Constitutionelle, n.º 17 (1994), p. 22].  As 
 nacionalizações são, deste modo, actos políticos que emanam de uma concepção 
 ideológica sobre o lugar e o papel das propriedades pública e privada dos bens 
 de produção na organização económica e que têm como objectivo um alargamento do 
 sector público dos meios de produção.  Com a nacionalização, verifica-se, como 
 acentuam H. Wolff/O. Bachof a propósito da «socialização» (Vergesellschaftung ou 
 Sozialisierung), prevista no artigo 15.º da Lei Fundamental Alemã, uma mudança 
 estrutural na constituição económica (eine strukturelle Änderung der 
 
 wirtschaftsverfassung), ao passo que com a expropriação é apenas alterada a 
 
 «determinação do fim» dos bens subtraídos ao particular (cfr. Verwaltungsrecht 
 I, 9.  Auflage, München, Beck, 1974, p. 554.  Cfr. também P. Badura, 
 
 «Wirtschaftsverwaltungsrecht», in Besonderes Verwaltungsrecht, org. Ingo Von 
 Münch, 7.  Auflage, Berlin.  New Iork, W. de Gruyter, 1985, pp. 261-262).
 Em terceiro lugar, costuma a doutrina referir que os procedimentos da 
 expropriação e da nacionalização são, por via de regra, diferentes.  Assim, o 
 procedimento expropriatório é de carácter geral e está tipificado numa lei geral 
 ou mesmo num Código (o Código das Expropriações).  A nacionalização obedecerá a 
 procedimentos definidos especificamente para cada caso [cfr., porém, os artigos 
 
 80.º, alínea c), 83.º e 168.º, n.º 1, alínea l), da Constituição].  Por fim, a 
 nacionalização é um acto político, juridicamente expresso, quase sempre, num 
 diploma formalmente legislativo, ao passo que a expropriação é, em si mesma, um 
 acto administrativo, ainda que a declaração de utilidade pública, contendo a 
 indicação do fim concreto da expropriação e a individualização dos bens a 
 expropriar, conste de um acto legislativo ou de um regulamento (cfr. C. A. da 
 Mota Pinto, Direito Público da Economia, Coimbra, Lições de 1982/1983, p. 170; 
 M. Afonso Vaz, ob. cit., pp. 193-194; e J. L. Cabral de Moncada, Direito 
 Económico, Coimbra, Coimbra Editora, 1986, p. 199).
 
  
 
 8.2 — Um traço comum entre e nacionalização e a expropriação é o de que ambas 
 são acompanhadas de indemnização aos proprietários dos bens afectados por 
 aqueles actos.  Na verdade, garantindo a nossa Constituição o direito de 
 propriedade privada (artigo 62.º, n.º 1) e a iniciativa económica privada 
 
 (artigo 61.º, n.º 1), forçoso é que aqueles dois actos ablativos de bens de 
 conteúdo patrimonial dos particulares sejam acompanhados da obrigação de 
 indemnização.
 O dever de indemnização não sofre, actualmente, no texto constitucional 
 decorrente da revisão de 1989, qualquer excepção.  Isso resulta, de um lado, da 
 circunstância de, no que respeita à obrigação de indemnização por expropriação, 
 ter sido eliminado, na revisão de 1989, no artigo 62.º, n.º 2, o inciso «fora 
 dos casos previstos na Constituição», passando a «justa indemnização» a 
 constituir um pressuposto de legitimidade de todo o acto expropriativo (cfr. F. 
 Alves Correia, As Garantias, cit., pp. 120-122, 156-162, O Plano Urbanístico, 
 cit., pp. 528 e segs., e Formas de Pagamento, cit., p. 15).  Do outro lado, da 
 eliminação, na revisão constitucional de 1982, da possibilidade de expropriação 
 sem indemnização «de latifundiários e de grandes proprietários e empresários ou 
 accionistas», prevista no n.º 2 do artigo 82.º da Constituição, na sua versão 
 originária, e, bem assim, do desaparecimento, na revisão de 1989, da 
 possibilidade de serem expropriados sem indemnização os meios de produção em 
 abandono (cfr. o artigo 87.º, n.º 2, na versão de 1982, e o artigo 89.º, n.º 2, 
 na versão de 1989).
 Mas se tanto a nacionalização, como a expropriação devem ser acompanhadas de 
 indemnização, já as características desta última não têm que ser necessariamente 
 as mesmas nos dois casos.  A indemnização por expropriação e a indemnização por 
 nacionalização podem, se tal for consentido pela Constituição, ser diferentes no 
 que respeita à sua extensão, ao seu valor ou ao seu quantum, ao momento em que 
 uma e outra devem ser postas à disposição do sujeito que delas beneficia e ainda 
 
 à forma ou formas do seu pagamento.  Existem, é certo, ordenamentos 
 constitucionais que impõem que a indemnização por expropriação e por 
 nacionalização obedeçam aos mesmos requisitos.  É o que sucede com a Grundgesetz 
 da República Federal da Alemanha, em cujo artigo 15.º se prevê a «socialização», 
 estatuindo-se que «a terra e o solo, riquezas naturais e meios de produção 
 podem, com a finalidade de socialização, ser transferidos para a propriedade 
 colectiva ou para outras formas de economia colectiva» (in Gemeineigentum oder 
 in andere Formen der Gemeinwirtschaft), acrescentando-se, nesse mesmo preceito, 
 que «quanto à indemnização, aplica-se por analogia o artigo 14.º, alíneas 3 e 4» 
 
 (respeitantes à expropriação).  Cfr. F. Alves Correia, As Garantias, cit., p. 
 
 51, e E. Forsthoff, Traité de Droit Administratif Allemand, trad. franc., 
 Bruxelles, E. Bruylant, 1969, p. 46.  Também no ordenamento constitucional 
 francês, o artigo 17.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 
 dispõe que ninguém pode ser privado da sua propriedade sem «justa … 
 indemnização», isto é, sem uma indemnização que cubra e integralidade do 
 prejuízo directo, material e certo causado pelo acto ablativo, e o Conselho 
 Constitucional entendeu, na sua Decisão n.º 81-132, de 16 de Janeiro de 1982, 
 que aquele preceito se aplica tanto às expropriações como às nacionalizações, 
 acentuando, quanto a estas, que «os accionistas das sociedades visadas pela lei 
 de nacionalização têm direito à compensação do prejuízo suportado por eles, 
 avaliado no dia da transferência da propriedade, abstraindo da influência que a 
 perspectiva da nacionalização exerceu sobre o valor dos títulos» (cfr. 
 Nationalisations et Constitution, dir. L. Favoreu, Paris, Economica, 1982, pp. 
 
 339-352; e L. Favoreu/L. Philip, Les Grands Décisions du Conseil 
 Constitutionnel, 7.ª ed., Paris, Sirey, 1993, pp. 460 e segs.).
 Uma exigência idêntica à prevista nos ordenamentos constitucionais alemão e 
 francês  de similitude de regime jurídico da indemnização por expropriação e por 
 nacionalização não se encontra, porém, na Constituição portuguesa.  Com efeito, 
 como se vincou no Acórdão deste Tribunal n.º 39/88 e agora se reitera, «no plano 
 constitucional e no tocante ao direito à indemnização […], existem […] sensíveis 
 diferenças de regime entre o instituto da nacionalização e o da expropriação».  
 Essas diferenças começam, desde logo, pela existência de fundamentos 
 constitucionais distintos para a indemnização por expropriação e por 
 nacionalização.  Enquanto o fundamento da indemnização por expropriação se 
 encontra no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, que estabelece que esta só pode 
 ser efectuada «mediante o pagamento de justa indemnização», o alicerce 
 constitucional da indemnização por nacionalização situa-se no artigo 83.º 
 
 (artigo 82.º, antes da revisão de 1989), o qual remete para a lei a determinação 
 dos critérios de fixação da indemnização correspondente à intervenção e 
 apropriação colectiva dos meios de produção e solos.
 Quanto ao montante da indemnização — e só desta vertente há aqui que tratar e 
 não das do momento e da forma ou formas do seu pagamento, uma vez que as normas 
 relacionadas com a indemnização por nacionalização questionadas pelo requerente 
 não incluem as respeitantes a estas matérias —, são também significativas as 
 diferenças entre os institutos da expropriação e da nacionalização.  Por «justa 
 indemnização», para efeitos de expropriação, deve entender-se, de acordo com a 
 doutrina, uma indemnização total ou integral do sacrifício patrimonial infligido 
 ao expropriado ou uma compensação plena da perda patrimonial suportada, que 
 respeite o princípio da igualdade, na sua manifestação de igualdade dos cidadãos 
 perante os encargos públicos, não apenas dos expropriados entre si, mas também 
 destes com os não expropriados.  Uma indemnização justa (na perspectiva do 
 expropriado) será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade 
 violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado 
 pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja 
 equitativamente repartida entre todos os cidadãos [cfr. F. Alves Correia, As 
 Garantias, cit., pp. 127 e segs., O Plano Urbanístico, cit., pp. 528 e segs., 
 Formas de Pagamento, cit., pp. 16-20, Código das Expropriações (Introdução), 
 cit., pp. 20-25, e As Grandes Linhas da Recente Reforma do Direito do Urbanismo 
 Português, Coimbra, Almedina, 1993, pp. 68-70; J. J. Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, Constituição Anotada, cit., p. 336; J. Osvaldo Gomes, «Anotação ao 
 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 341/86», in Revista da Ordem dos 
 Advogados, n.º 47 (1987), pp. 121 e segs.; e J. Oliveira Ascensão, «A Caducidade 
 da Expropriação no Âmbito da Reforma Agrária», in Estudos sobre Expropriações e 
 Nacionalizações, cit., pp. 70 e segs., e «O Urbanismo e o Direito de 
 Propriedade», in Direito do Urbanismo, coord. D. Freitas do Amaral, Lisboa, INA, 
 
 1989, pp. 333 e segs.].  Na mesma linha do exposto tem caminhado a 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional, que, em vários arestos, vem 
 densificando o conceito de «justa indemnização» do artigo 62.º, n.º 2, da 
 Constituição.
 Assim, no Acórdão n.º 131/88 (publicado no Diário da República, I Série, de 29 
 de Junho de 1988) — no qual foi declarada, com força obrigatória geral, a 
 inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 30.º do Código das 
 Expropriações de 1976, depois de esta mesma norma ter sido julgada 
 inconstitucional, em quatro casos concretos, pelos Acórdãos n.os 341/86, 442/87, 
 
 3/88 e 5/88 —, escreveu-se que «a Constituição …, embora estabelecendo que a 
 indemnização há-de ser justa, não define um concreto critério indemnizatório, 
 mas é evidente que os critérios definidos por lei têm de respeitar os princípios 
 materiais da Constituição (igualdade, proporcionalidade), não podendo conduzir a 
 indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem 
 requisitado ou expropriado (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição 
 da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., revista e ampliada, 1.º vol., p. 
 
 331)».
 Por sua vez, no Acórdão n.º 52/90 (publicado no Diário da República, I Série, de 
 
 30 de Março de 1990) — aresto que declarou inconstitucional, com força 
 obrigatória geral, a norma do n.º 2 do artigo 30.º do Código das Expropriações 
 de 1976, em processo de repetição do julgado, após a mesma norma ter sido 
 julgada inconstitucional, em três casos concretos, através dos Acórdãos n.os 
 
 109/88, 381/89 e 420/89 —, ponderou o Tribunal:
 
  
 Em termos gerais, deve entender-se que a justa indemnização há-de corresponder 
 ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a 
 transferência do bem que lhe pertencia para outra esfera dominial lhe acarreta, 
 devendo ter-se em atenção a necessidade de respeitar o princípio da equivalência 
 de valores: nem a indemnização pode ser tão reduzida que o seu montante a torne 
 irrisória ou meramente simbólica, nem, por outro lado, nela deve atender-se a 
 quaisquer valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer (positiva 
 ou negativamente) a necessária proporção que deve existir entre as consequências 
 da expropriação e a sua reparação.
 
  
 E um pouco mais adiante:
 
  
 O pagamento da justa indemnização, para além de ser uma exigência constitucional 
 da expropriação, é também a concretização do princípio do Estado de direito 
 democrático, nos termos do qual se torna obrigatório indemnizar os actos lesivos 
 de direitos ou causadores de danos.
 Tal indemnização tem como medida o prejuízo que para o expropriado resulta da 
 expropriação.  E, se esta indemnização «não pode estar sujeita ou condicionada 
 por factores especulativos, por, muitas vezes, artificialmente criados, sempre 
 deverá representar e traduzir uma adequada restauração da lesão patrimonial 
 sofrida pelo expropriado» (v. o Acórdão n.º 381/89).  Cfr. ainda, entre outros, 
 os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 108/92, 184/92 e 210/93, publicados 
 no Diário da República, II Série, de 15 de Julho de 1992, 18 de Setembro de 1992 
 e 28 de Maio de 1993, respectivamente.
 
  
 Menos exigente é, no entanto, a Constituição no que respeita à indemnização por 
 nacionalização dos meios de produção e solos, a que se reporta o artigo 83.º 
 
 (artigo 82.º, na versão saída da 1.ª revisão constitucional), pois é o próprio 
 preceito constitucional a remeter para a lei a definição dos «critérios de 
 fixação da correspondente indemnização», não definindo ele mesmo um conceito 
 constitucionalmente adequado de indemnização.
 Aquele artigo da Constituição consente ao legislador uma certa liberdade na 
 definição dos critérios de indemnização, podendo inclusivamente estabelecer 
 critérios diferentes, de acordo com o tipo e o montante dos bens objecto de 
 nacionalização (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição 
 Anotada, pp. 409-410).  Questão é que esses critérios, embora diferentes, 
 respeitem, como acentuou o Acórdão deste Tribunal n.º 39/88, o princípio da 
 justiça que vai implicado na ideia de Estado de direito (e os princípios da 
 igualdade e da proporcionalidade, como exigências que são do princípio da 
 justiça).  Os referidos critérios de determinação do quantum da indemnização por 
 nacionalização não conflituarão com o princípio da justiça se não forem 
 
 «susceptíveis de conduzir ao pagamento de indemnizações irrisórias ou 
 manifestamente desproporcionadas à perda dos bens nacionalizados, nem a 
 pagamentos tão diferidos no tempo que equivalham a indemnizações irrisórias ou 
 absolutamente desproporcionadas», e derem origem a «uma indemnização razoável ou 
 aceitável, que cumpra as mínimas que vão implicadas na ideia de Estado de 
 direito» (cfr. o citado Acórdão n.º 39/88).
 Com o que vem de ser exposto não pretende o Tribunal Constitucional significar 
 que a indemnização por nacionalização, prevista no artigo 83.º da Lei 
 Fundamental, não tem de ser justa, ao contrário do que sucede com a indemnização 
 por expropriação, condensada no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição.  O que o 
 Tribunal afirma, na linha da doutrina que emana do seu Acórdão n.º 39/88, é que 
 há dois critérios constitucionais de justiça da indemnização: um, para efeitos 
 de expropriação, mais exigente, no sentido de que impõe uma indemnização total 
 ou integral do dano suportado pelo particular; outro para efeitos de 
 nacionalização, menos exigente, que se basta com uma indemnização razoável ou 
 aceitável dos prejuízos infligidos ao proprietário dos bens nacionalizados.
 
  
 
 8.3 — Definidos os parâmetros constitucionais da indemnização por 
 nacionalização, vejamos, então, se eles são observados pelas normas constantes 
 dos artigos 1.º a 7.º do Decreto-Lei n.º 332/91.
 As normas acima transcritas estabelecem três critérios para o cálculo do 
 montante das indemnizações a atribuir aos titulares de acções ou partes de 
 capital de empresas nacionalizadas: o valor do património líquido da empresa; o 
 valor das cotações a que as respectivas acções hajam sido efectivamente 
 transaccionadas na Bolsa de Valores de Lisboa; e o valor da efectiva 
 rendibilidade da empresa (artigo 1.º).  O valor do património líquido de cada 
 empresa é determinado a partir do balanço de gestão, na data da nacionalização, 
 ou, na sua falta, em 31 de Dezembro de 1974, e, em ambos os casos, de acordo com 
 as especificações técnicas aprovadas pelas Resoluções do Conselho de Ministros 
 n.os 243/80, de 11 de Julho, e 40/82, de 10 de Março, e pela Resolução do 
 Conselho de Ministros de 23 de Maio de 1985, publicada no Diário da República, 
 II Série, de 22 de Agosto, quanto à avaliação patrimonial de empresas 
 nacionalisadas, em tudo o que não contrarie o Decreto-Lei n.º 332/91 (artigo 
 
 2.º).  Por sua vez, o valor de cotação das acções de cada sociedade anónima é o 
 que resultar da média aritmética simples das cotações máximas e mínimas desses 
 títulos ao portador em cada ano civil e para os últimos cinco anos anteriores a 
 
 1975, não sendo, porém, considerado o valor de cotação, quando as acções não 
 hajam sido cotadas para cada dos referidos cinco anos (artigo 5.º, n.os 1 e 2).  
 Finalmente, o valor da efectiva rendibilidade é aferido pela média aritmética 
 simples dos resultados do exercício verificados nos últimos cinco anos 
 anteriores a 1975, acrescidos da correspondente dotação anual para amortizações 
 e monetariamente corrigidos por aplicação dos coeficientes fixados na Portaria 
 n.º 506/75, de 20 de Agosto, podendo o mesmo período ser reduzido até três anos 
 no caso de indisponibilidade de elementos, e sendo a taxa calculatória a aplicar 
 
 àquela média de 5% (artigo 6.º, n.os 1 e 2).  Os coeficientes de ponderação são 
 fixados em 60%, 20% e 20%, respectivamente, para o valor do património líquido 
 da empresa, o valor de cotação das acções e o valor da efectiva rendibilidade 
 
 (artigo 7.º, n.º 2).
 Os critérios de determinação do quantum indemnizatório a atribuir aos titulares 
 de acções ou partes de capital de empresas nacionalizadas, cujos traços gerais 
 vêm de ser apontados — tendo sido, por isso, omitidas algumas particularidades 
 do seu regime — não violam o direito à indemnização, previsto, para a 
 nacionalização de empresas e solos, no artigo 83.º da Lei Fundamental, não 
 sendo, por conseguinte, inconstitucionais as normas que os consagram.  Duas 
 razões fundamentais legitimam esta asserção.  Em primeiro lugar, o critério do 
 valor do património líquido da empresa, apurado com base no balanço de gestão — 
 cujo coeficiente de ponderação é, como se viu, de 60% —, é um critério 
 habitualmente utilizado em situações em que seja necessário determinar o valor 
 de quotas de sociedades, quer nos casos de liquidação de quotas, por morte, 
 exoneração ou exclusão de um sócio, em que o valor da quota deste é fixado «com 
 base no estado de sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto 
 determinante da liquidação» (cfr. o artigo 1021.º, n.º 1, do Código Civil), quer 
 nos casos de determinação da contrapartida da aquisição de quota de um sócio que 
 tenha votado contra a fusão de sociedades e que, por esse facto, tenha o direito 
 de se exonerar (artigo 105.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais), quer 
 ainda nas hipóteses de amortização de quotas [artigo 235.º, n.º 1, alínea a), do 
 Código das Sociedades Comerciais].  Em segundo lugar, os critérios apontados não 
 são critérios arbitrários, totalmente desligados do valor económico dos bens 
 nacionalizados, nem conduzem, no plano abstracto em que, neste processo de 
 fiscalização da constitucionalidade, tem de situar-se a análise deste Tribunal, 
 a uma indemnização meramente nominal (blösse Nominalentschädigung), puramente 
 irrisória ou simbólica ou a uma indemnização simplesmente aparente, antes têm 
 virtualidades de levarem, na normalidade das situações — e só destas pode aqui o 
 Tribunal curar — a uma indemnização razoável ou a uma compensação adequada.
 
 É certo que o valor de cotação das acções das sociedades anónimas tem um 
 coeficiente de ponderação de apenas 20% e apura-se tomando por base um período 
 de tempo relativamente longo (últimos cinco anos anteriores a 1975) e que no 
 valor da efectiva rendibilidade não entra o valor do avviamento das empresas.  
 Só que — sem curar agora de saber se o avviamento releva ou não na determinação 
 do valor do património líquido da empresa nacionalizada —, por um lado, não se 
 pode olvidar que a norma do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 332/91 traduz 
 um acentuado progresso em relação ao estatuído na legislação anterior, que 
 mandava atender a um período de dez anos no cálculo do valor de cotação ou do 
 valor de rendibilidade das acções ou partes de capital nacionalizadas e, bem 
 assim, que, como referiu o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 39/88, na 
 parte final do referido período (de cinco anos) as cotações na Bolsa subiram em 
 termos bastantes superiores ao das taxas de inflação.  Por outro lado, como foi 
 acentuado anteriormente, não vale, na indemnização por nacionalização, o 
 princípio da indemnização total ou integral (full composition), que rege a 
 indemnização por expropriação, apurado, em regra, com base no valor de mercado 
 
 (Verkehrswert), também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e 
 venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim 
 em sentido normativo, isto é, um valor de mercado despido de elementos de 
 valorização puramente especulativos (cfr. F. Alves Correia, O Plano Urbanístico, 
 cit., pp. 550 segs., e o mencionado Acórdão deste Tribunal n.º 210/93). No 
 domínio da indemnização por nacionalização, o artigo 83.º da Constituição 
 
 (artigo 82.º, antes da revisão constitucional de 1989) basta-se, como foi 
 afirmado um pouco mais acima, com uma indemnização razoável ou aceitável, isto 
 
 é, com uma indemnização ainda proporcionada à perda dos bens nacionalizados, que 
 cumpra as exigências de justiça, na sua refracção na matéria em causa.
 Eis as razões — e sem deixar de ter em conta o elevado número de nacionalizações 
 realizadas no nosso país e o facto de elas terem ocorrido, na quase totalidade, 
 antes da entrada em vigor da Constituição de 1976, num contexto revolucionário, 
 e não num período de um Estado de direito devidamente consolidado — pelas quais 
 as normas constantes dos artigos 1.º a 7.º do Decreto-Lei n.º 332/91 não 
 infringem a Constituição.
 
  
 
 9 — As normas respeitantes à fixação do valor definitivo da indemnização e à 
 composição, competências e funcionamento das comissões mistas (artigos 8.º a 
 
 11.º do Decreto-Lei n.º 332/91) e o princípio da reserva do juiz (artigo 205.º, 
 n.os 1 e 2, da Constituição).
 
  
 As normas indicadas em epígrafe dispõem como segue:
 
  
 Artigo 8.º
 
  
 
 1 — Os valores da indemnização que se encontrem fixados à data de publicação do 
 presente diploma serão desde logo alterados pela Direcção-Geral da Junta de 
 Crédito Público (DGJCP), à luz dos critérios enunciados no Capítulo I, 
 independentemente de qualquer outra formalidade, mas sem prejuízo de solicitação 
 aos titulares do direito à indemnização de qualquer elemento tido por 
 necessário.
 
 2 — O Ministro das Finanças fixará, por despacho, o novo valor de indemnização 
 resultante do estipulado no n.º 1, o qual substituirá o anteriormente atribuído.
 
 3 — Nos termos dos números anteriores, a alteração ao valor de indemnização não 
 poderá conduzir a um valor inferior ao anteriormente atribuído, pelo que nesse 
 caso será este o fixado.
 
  
 Artigo 9.º
 
  
 
 1 — Com vista à reapreciação da aplicação casuística dos critérios legais 
 estipulados no capítulo i, ou junção superveniente de elementos atinentes ao 
 processo calculatório, os titulares do direito a indemnização poderão requerer, 
 dentro do prazo de 60 dias a contar da data de publicação do despacho mencionado 
 no n.º 2 do artigo 8.º, a revisão do cálculo desse mesmo valor e a constituição 
 de uma comissão mista para a correspondente apreciação.
 
 2 — As comissões mistas, uma só por cada empresa nacionalizada, serão 
 constituídas por três peritos, a saber:
 
  
 
              a)   Um, designado pelos titulares do direito a indemnização, a 
 identificar, junto com declaração pessoal de aceitação do cargo, no requerimento 
 referido no n.º 1;
 
              b)   Outro, designado pelo Governo e nomeado por despacho do 
 Ministro das Finanças;
 
              c)   Um terceiro, que presidirá, escolhido por mútuo acordo entre 
 os dois primeiros.
 
  
 
 3 — Para a constituição das comissões mistas definidas nos termos dos números 
 anteriores, será adoptado o seguinte procedimento:
 
  
 
              a)   A DGJCP informará a entidade que apresentar o primeiro 
 requerimento, ou, no caso de simultaneidade, o titular de maior indemnização, 
 para, dentro do prazo de 15 dias, promover, com as despesas a seu cargo, a 
 publicação de anúncio no Diário da República, III Série, e em dois jornais de 
 grande circulação, um de Lisboa e outro do Porto, conforme modelo anexo a este 
 diploma;
 
              b)   Qualquer titular de direito a indemnização respeitante à 
 empresa referida no anúncio poderá indicar outro perito, por carta registada 
 remetida à DGJCP no prazo de 15 dias a contar da publicação do anúncio no Diário 
 da República, nos termos da alínea a) do número anterior;
 
              c)   No caso de serem designados diferentes peritos por diversos 
 interessados, a escolha do que integrará a comissão será feita por sorteio 
 público, a realizar pela DGJCP no 1.º dia útil, cinco dias após a data limite 
 derivada do anúncio do Diário da República;
 
              d)   No caso de sociedades por quotas, o anúncio será dispensado se 
 os interessados juntarem declaração de todos os restantes sócios aceitando o 
 perito designado.
 
  
 
 4 — O perito designado pelo Governo tomará a iniciativa de se reunir com o 
 perito designado pelos requerentes a fim de procederem à escolha do presidente 
 da comissão mista, lavrando-se acta final da qual conste o resultado das 
 diligências.
 
 5 — A constituição das comissões mistas efectivar-se-á no prazo de 30 dias a 
 contar da data da designação do perito referido na alínea a) do n.º 2.
 
 6 — Os membros da comissão mista tomarão posse perante o director-geral da Junta 
 do Crédito Público, devendo emitir parecer no prazo máximo de 60 dias;
 
 7 — O apoio administrativo às comissões mistas é cometido à DGJCP.
 
 8 — Com base no parecer elaborado pelas comissões mistas constituídas nos termos 
 dos números anteriores, o Ministro das Finanças emitirá despacho definitivo 
 quanto à fixação do valor da indemnização.
 
  
 Artigo 10.º
 
  
 
 1 — Os emolumentos devidos ao perito designado pelos requerentes, bem como os 
 devidos ao perito presidente, serão satisfeitos pelos requerentes.
 
 2 — Para garantia do pagamento dos emolumentos devidos ao perito presidente, os 
 interessados deverão prestar caução no prazo de 15 dias a contar da data de 
 entrega do requerimento referido no n.º 1 do artigo 9.º, sob pena de se 
 suspender o processo de constituição da comissão.
 
 3 — A caução referida no número anterior será prestada por depósito na Caixa 
 Geral de Depósitos a favor do director-geral da Junta do Crédito Público, por 
 garantia bancária ou seguro-caução, pelo montante de 500 000$00, a qual apenas 
 será utilizada pela DGJCP na falta de pagamento no prazo de 30 dias após a 
 entrega do parecer da comissão mista.
 
  
 Artigo 11.º
 
  
 
 1 — São extintas à data da entrada em vigor deste decreto-lei as comissões 
 arbitrais constituídas ao abrigo do regime legal revogado pelo presente diploma.
 
 2 — Os árbitros das comissões ora extintas serão empossados enquanto membros das 
 correspondentes, e agora instituídas, comissões mistas, salvo oposição expressa 
 dos titulares do direito a indemnização que indiquem novo representante no prazo 
 de 15 dias a contar da data de publicação do presente diploma.
 
  
 De acordo com as normas transcritas, a Direcção-Geral da Junta de Crédito 
 
 (DGJCP) procede oficiosamente à alteração dos valores de indemnização que se 
 encontrem fixados à data de publicação do Decreto-Lei n.º 332/91, à luz dos 
 critérios constantes dos artigos 1.º a 7.º deste diploma (artigo 8.º, n.º 1) — 
 alteração essa que não pode, como já foi salientado, conduzir a um montante de 
 indemnização inferior ao fixado de harmonia com a legislação anterior (artigo 
 
 8.º, n.º 3) —, competindo ao Ministro das Finanças fixar, por despacho, esse 
 novo valor de indemnização, o qual substitui o anteriormente atribuído (artigo 
 
 8.º, n.º 2).  Após a fixação (ou reajustamento) do valor da indemnização, podem 
 os interessados requerer, no prazo de 60 dias, a revisão do cálculo desse valor 
 e, para a correspondente repreciação, a constituição de uma comissão mista 
 
 (artigo 9.º, n.º 1), de natureza administrativa, composta por três peritos (um 
 designado pelos requerentes, outro pelo Governo — por despacho do Ministro das 
 Finanças — e um terceiro, que preside, por acordo entre os dois primeiros — 
 artigo 9.º, n.º 2).  As comissões mistas, uma só por cada empresa nacionalizada, 
 tomarão posse perante o director-geral da Junta de Crédito Público e deverão 
 emitir parecer no prazo de 60 dias (artigo 9.º, n.º 6).  Com base nesse parecer, 
 o Ministro das Finanças emite então despacho definitivo fixando o valor da 
 indemnização (artigo 9.º, n.º 8).
 Nos termos do requerimento do Provedor de Justiça, o Decreto-Lei n.º 332/91 
 atribui ao Ministério das Finanças, apoiado no parecer de uma comissão mista 
 
 (que tem um significado meramente processual de arbitramento não vinculante), 
 competência para fixar, por despacho definitivo, o valor da indemnização, o que 
 contraria o disposto no n.º 2 do artigo 205.º da Lei Fundamental, na medida em 
 que se comete ao Governo uma função caracterizadamente jurisdicional.  De 
 harmonia com o requerimento corporizador do presente pedido de fiscalização 
 abstracta da constitucionalidade, o princípio da reserva de jurisdição de que 
 apenas os tribunais são detentores imporá, tal como acontece com a expropriação, 
 que sejam os tribunais a fixar o quantum da indemnização por nacionalização.
 Violarão as normas acima identificadas o princípio da reserva da função 
 jurisdicional aos juízes e aos tribunais, condensado no artigo 205.º, n.os 1 e 
 
 2, da Constituição, e, consequentemente, o princípio da separação de poderes, 
 consagrado no artigo 114.º da Lei Fundamental, como defende o requerente?
 
  
 
 9.1 — Para uma adequada compreensão do sentido e alcance das normas do 
 Decreto-Lei n.º 332/91 relativas à definição das entidades competentes para 
 determinar o montante das indemnizações por nacionalização, é útil descrever, em 
 traços gerais, os regimes legais que precederam aquele diploma legal.
 A Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, instituiu, nos seus artigos 14.º a 16.º, um 
 regime cujos aspectos fundamentais eram os seguintes:
 
  
 
 —  competia ao Ministro das Finanças (artigo 14.º, n.º 1) determinar o valor de 
 cada acção ou parte do capital socia1 de cada empresa      — ou o valor da 
 indemnização global, no caso da reforma agrária (neste caso, era necessário um 
 despacho conjunto do Ministro das Finanças e do Ministro da Agricultura: artigo 
 
 15.º, n.º 1) — por despacho precedido de parecer de uma comissão (artigo 14.º, 
 n.º 2) composta por um representante do Ministério das Finanças (que presidia), 
 um do Ministério da tutela da empresa nacionalizada (Ministério da Agricultura, 
 no caso da Reforma Agrária) e um dos ex-accionistas (titular do direito à 
 indemnização, no caso da Reforma Agrária: artigo 15.º, n.º 2);
 
 —  desse despacho cabia recurso — de plena jurisdição (artigo 16.º, n.º 4) — 
 para uma comissão arbitral composta por um juiz do Supremo Tribunal de Justiça, 
 que presidia, e dois magistrados judiciais (vice-presidentes), todos nomeados 
 pelo Conselho Superior da Magistratura, e ainda por dois árbitros nomeados pelo 
 Governo, um árbitro pelos ex-accionistas e ex-proprietários, em geral, e outro 
 pelo accionista ou proprietário em causa no caso concreto — artigo 16.º, n.º 1;
 
 —  esse recurso não prejudicava, porém, a possibilidade de recurso «para outras 
 instâncias competentes» (artigo 16.º, n.º 1): ou seja, estava aberto o recurso 
 
 (de mera legalidade) do despacho ministerial directamente para o Supremo 
 Tribunal Administrativo — a lei previa expressamente esta possibilidade: artigo 
 
 16.º, n.º 8; e estaria ainda aberta a possibilidade de acesso aos tribunais 
 comuns;
 
 —  de qualquer forma, das decisões da comissão arbitral também cabia recurso 
 para o Supremo Tribunal Administrativo (artigo 16.º, n.º 8), a interpor pelos 
 interessados ou pelo Ministério Público — sendo, aliás, obrigatório para este, 
 no caso de decisões da comissão arbitral desfavoráveis para o Estado;
 
 —  às decisões da comissão arbitral aplicava-se o regime da inexecução legítima 
 das sentenças dos tribunais administrativos (artigo 16.º, n.º 11).
 
  
 Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, para além de 
 eliminar a necessidade do parecer prévio de uma comissão funcionando junto do 
 Ministro, alterou profundamente o artigo 16.º da Lei n.º 80/77, os seguintes 
 termos:
 
  
 
 —  as comissões arbitrais passaram a ser compostas por um representante do 
 Governo, outro da «parte litigante» e um terceiro, que presidia, escolhido pelos 
 dois primeiros;
 
 —  a validade das suas decisões (que já não é claro que fossem de plena 
 jurisdição) passou a depender da homologação do Ministro das Finanças, cabendo 
 recurso para o Supremo Tribunal Administrativo dos despachos ministeriais de 
 homologação ou não homologação.
 
  
 Por fim, o Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março, veio regulamentar o regime das 
 comissões arbitrais, nomeadamente quanto à sua composição, estatuto, processo e 
 funcionamento.  É de destacar o disposto nos artigos 8.º, n.º 2, que dispunha 
 que, na falta de acordo, a designação do terceiro árbitro caberia ao Ministro da 
 Justiça, e 14.º, segundo o qual as comissões arbitrais julgariam «face ao 
 direito vigente aplicável ao processo indemnizatório».
 O Decreto-Lei n.º 332/91 pretendeu ultrapassar o regime jurídico das comissões 
 arbitrais, criando em sua substituição «outro tipo de órgãos com uma natureza 
 mais consentânea com as funções consultivas que as comissões arbitrais têm vindo 
 de facto a desempenhar» (cfr. os prolegómenos justificativos daquele diploma), 
 mantendo a competência do Ministro das Finanças para decidir definitivamente do 
 montante das indemnizações, agora com base no parecer da comissão mista.
 
  
 
 9.2 — A norma do artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 332/91 que atribui ao 
 Ministro das Finanças competência para proceder ao reajustamento do valor das 
 indemnizações por nacionalização já fixadas, em conformidade com os novos 
 critérios enunciados nos artigos 1.º a 7.º daquele diploma legal, e, bem assim, 
 a norma do artigo 9.º, n.º 8, que consagra a competência do mesmo Ministro para 
 fixar por despacho o montante definitivo da indemnização, com base em parecer 
 elaborado pelas comissões mistas, vêm sendo consideradas inconstitucionais, por 
 violação do princípio da reserva do juiz, por um sector importante do doutrina 
 
 [cfr., por exemplo, M. Rebelo de Sousa, Comissões Arbitrais, cit., pp. 98-99, o 
 qual afirma que o Decreto-Lei n.º 332/91 pretendeu «resolver dúvidas que se 
 colocavam à constitucionalidade da Lei n.º 80/77, e que tinham eco jurisdicional 
 
 (no Supremo Tribunal Administrativo de forma claríssima), com uma imposição do 
 mais puro positivismo normativista, ao serviço da administrativização de uma 
 realidade que deveria ser do foro jurisdicional, assim cometendo 
 premeditadamente inconstitucionalidade e agravando o regime vigente duplamente 
 ao esvaziar a própria via jurisdicional comum paralela, assim tornando ainda 
 mais graves as consequências da administrativização das anteriores comissões 
 arbitrais, passadas à denominação de comissões consultivas»] e pela 
 jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Administrativo.  De facto, 
 debruçando-se sobre o Decreto-Lei n.º 332/91, este órgão jurisdicional vem 
 considerando, em múltiplos arestos, que as normas dos artigos 8.º, n.º 2, e 9.º, 
 n.º 8, daquele diploma legal infringem o disposto no artigo 205.º da 
 Constituição, porque atribuem poderes materialmente jurisdicionais a um órgão da 
 Administração, uma vez que «a fixação da indemnização, em caso de 
 nacionalização, como na expropriação por utilidade pública, já não representa a 
 satisfação de qualquer interesse público que a Administração deva realizar, 
 correspondendo antes à prossecução do interesse público da composição do 
 conflito de interesses, que é missão específica da função jurisdicional» (cfr., 
 por todos, o acórdão da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de 
 Outubro de 1994, tirado no Recurso n.º 31 111).
 
  
 
 9.3 — A nossa Constituição deu guarida ao princípio segundo o qual «só aos 
 tribunais compete administrar a justiça (reserva do juiz), não podendo ser 
 atribuídas funções jurisdicionais a outros órgãos, designadamente a 
 Administração Pública» (cfr., neste sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, Constituição Anotada, cit., p. 792, e os Acórdãos deste Tribunal n.os 
 
 178/86 e 419/87, publicados no Diário da República, I Série, de 23 de Junho de 
 
 1986, e II Série, de 5 de Maio de 1988, respectivamente).  Fê-lo no artigo 
 
 205.º, n.os 1 e 2, na actual versão decorrente da revisão de 1989, que 
 corresponde aos artigos 205.º e 206.º, na redacção original e na saída da 
 revisão de 1982.  Prescreve-se, com efeito, no artigo 205.º, n.os 1 e 2, da Lei 
 Fundamental:
 
  
 Artigo 205.º
 
 (Função Jurisdicional)
 
  
 
 1 — Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a 
 justiça em nome do povo.
 
 2 — Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos 
 direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da 
 legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
 
 3 — […].
 
 4 — […].
 
  
 
 É conhecida, porém, a dificuldade em definir rigorosamente o conceito de «função 
 jurisdicional», em confronto com as restantes funções do Estado, em especial com 
 a «função administrativa».
 Na doutrina, A. Rodrigues Queiró elaborou um critério — teleológico — de 
 distinção material dos funções jurisdicional e administrativa, que tem sido 
 adoptado uniformemente pela restante doutrina e pela jurisprudência.  Este 
 juspublicista, depois de acentuar que «essencial, para que se fale de um acto 
 jurisdicional, parece-nos ser, para já, que um agente estadual tenha que 
 resolver de acordo com o direito ‘uma questão jurídica’ entendendo-se por tal um 
 conflito de pretensões entre duas ou mais pessoas, ou uma controvérsia sobre a 
 verificação em concreto de uma ofensa ou violação da ordem jurídica», escreve:
 
  
 Ao cabo e ao resto, o quid specificum do acto jurisdicional reside em que ele 
 não apenas pressupõe, mas é necessariamente praticado para resolver uma «questão 
 de direito».  Se, ao tomar-se uma decisão, a partir de uma situação de facto 
 traduzida numa «questão de direito» (na violação do direito objectivo ou na 
 ofensa de um direito subjectivo), se actua, por força de lei, para se conseguir 
 a produção de um resultado prático diferente da paz jurídica decorrente da 
 resolução dessa «questão de direito», então não estaremos perante um acto 
 jurisdicional: estaremos, sim, perante um acto administrativo [cfr. Lições de 
 Direito Administrativo, vol. I, Coimbra, 1976, pp. 43, 44 e 51, e «A Função 
 Administrativa», Separata da Revista de Direito e de Estudos Sociais, XXIV (n.os 
 
 1, 2 e 3), Coimbra, 1977, pp. 30-31].
 Na mesma linha, R. Ehrhardt Soares salienta que, na actividade administrativa, a 
 resolução do conflito de interesses (da «questão de direito») é orientada por 
 uma perspectiva de interesse público — justamente, do interesse público 
 específico ou particular que a norma acolhe e incorpora (cfr. Interesse Público, 
 legalidade e Mérito, Coimbra, Atlântida, 1955, pp. 101, 102 e 120).
 Na jurisprudência, múltiplos têm sido os arestos do Tribunal Constitucional que 
 se ocupam da distinção entre as duas funções estaduais acima referidas.  Assim, 
 no Acórdão n.º 104/85 (publicado no Diário da República, II Série, de 2 de 
 Agosto), acentuou-se:
 
  
 
 É certo que existe algum paralelismo, alguma analogia, entre a função 
 jurisdicional e função administrativa: ambas, como funções do Estado, são 
 expressão do imperium emanado da soberania popular, ambas são executivas e ambas 
 agem sobre o caso concreto.  Mas apesar de ligadas entre si por estes pontos 
 comuns, mantêm-se no fundo irredutivelmente diferenciadas.
 A separação real entre a função jurisdicional e a função administrativa passa 
 pelo campo dos interesses em jogo: enquanto a jurisdição resolve litígios em que 
 os interesses em confronto são apenas os das partes, a Administração, embora na 
 presença de interesses alheios, realiza o interesse público.  Na primeira 
 hipótese, a decisão situa-se num plano distinto do dos interesses em conflito; 
 na segunda hipótese, verifica-se uma osmose entre o caso resolvido e o interesse 
 público.
 Todavia, ainda por outra vertente se distinguem as funções consideradas: ao 
 passo que o medium da jurisdição é a vontade da lei (concretizada no apuramento 
 da conclusão decisória a partir das premissas previamente enunciadas do 
 silogismo judiciário), o medium da Administração é a vontade própria (o que 
 pressupõe a possibilidade de agir sobre as várias alternativas propostas pela 
 lei).
 
  
 Mais recentemente, no Acórdão n.º 443/91 (publicado no Diário da República, II 
 Série, de 2 de Abril de 1992), no intuito de caracterizar a função judicial, 
 vincou-se, a dado passo, o seguinte:
 
  
 Será, pois, na chamada resolução de um conflito relativo a um caso concreto, 
 resolução essa cujo atingir decorre dos critérios constantes de normas jurídicas 
 já existentes (e, desta arte, tendo como fim específico a realização do direito 
 e da justiça), que residira o punctum   saliens caracterizador da função 
 jurisdicional que, assim, não almeja a prossecução e realização de um interesse 
 público diferente do da composição dos conflitos.
 A função jurisdicional consubstancia-se, assim, numa «composição de conflitos de 
 interesses», levada a cabo por um órgão independente e imparcial, de harmonia 
 com a lei ou com critérios por ela definidos, tendo como fim específico a 
 realização do direito ou da justiça (cfr. o Acórdão deste Tribunal n.º 182/90, 
 publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Setembro de 1990).  Aquela 
 função estadual diz respeito a matérias em relação às quais os tribunais têm de 
 ter não apenas a última, mas logo a primeira palavra (cfr. os Acórdãos deste 
 Tribunal n.os 98/88 e 211/90, o primeiro publicado no Diário da República, II 
 Série, de 22 de Agosto de 1988, e o segundo nos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 16.º Vol., pp. 575 e segs.).  A função administrativa é, ao 
 invés, uma actividade que, partindo de uma situação de facto traduzida numa 
 
 «questão de direito», visa a prossecução do interesse público que a lei põe a 
 cargo da Administração e não a paz jurídica que decorre da resolução dessa 
 questão.  Daí que, na actividade administrativa, a primeira palavra deva caber à 
 administração, cabendo aos tribunais a última e definitiva palavra, de acordo 
 com a garantia constitucional do recurso contencioso, condensada no artigo 
 
 268.º, n.º 4, da Lei Fundamental.
 
  
 
 9.4 — Aqui chegados, é altura de o Tribunal afirmar que a determinação do 
 montante da indemnização por nacionalização não é uma actividade que esteja 
 constitucionalmente reservada aos juízes e aos tribunais.  É esta, desde logo, 
 conclusão a que chegam aqueles que entendem poder afirmar-se que, ao fixar-se o 
 valor da indemnização por nacionalização, ainda se está, como referiu este 
 Tribunal nos Acórdãos n.os 317/89 e 226/95 (este último inédito), a prosseguir o 
 interesse público subjacente ao acto de nacionalização — interesse público esse 
 que consiste na transferência de uma empresa do sector privado para o sector 
 público dos meios de produção —, ou, por outras palavras, ainda se está no 
 domínio da função administrativa.  A isto acrescenta-se que a especificidade do 
 acto de nacionalização, traduzida sobretudo na particularidade do seu objecto e 
 na sua índole essencialmente político-ideológica, especificidade essa que vai ao 
 ponto de aquele acto ablativo ter a sua legitimação constitucional num preceito 
 próprio (o artigo 83.º), e, bem assim, razões pragmáticas, relacionadas com a 
 complexidade da determinação do quantum da indemnização por nacionalização, 
 através da aplicação dos critérios definidos nos artigos 1.º a 7.º do 
 Decreto-Lei n.º 332/91, poderão ainda justificar que a primeira decisão sobre 
 aquela matéria seja da competência da Administração, com base num parecer 
 elaborado por um órgão composto por técnicos especializados.  Questão é que, 
 para não haver inconstitucionalidade, como se acentuou nos citados Acórdãos n.os 
 
 317/89 e 226/95, a lei não exclua o recurso aos tribunais, em termos de a estes 
 caber a última palavra no domínio da indemnização por nacionalização.  Ora, isso 
 
 é garantido (implicitamente) pelo Decreto-Lei n.º 332/91.
 Outros entendem que não há inconstitucionalidade nas normas do Decreto-Lei n.º 
 
 332/91 — e também dos diplomas anteriores — que atribuem competência ao Ministro 
 das Finanças para fixar o montante da indemnização por nacionalização, por 
 considerarem que a actividade de fixação das indemnizações por nacionalização se 
 situa numa zona de fronteira ou numa zona cinzenta entre a função jurisdicional 
 e a função administrativa.  Na doutrina, parece ser esta a tese defendida por J. 
 C. Vieira de Andrade, em Parecer de Dezembro de 1990 (inédito), e por J. Pedro 
 Cardoso da Costa, que adopta a opinião sustentada por aquele primeiro autor, num 
 estudo recente, intitulado «A Fixação das Indemnizações por Nacionalização e o 
 Princípio da Reserva do Juiz», in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (171), 
 Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 1995, pp. 133 e segs.  Pode, com efeito, 
 ler-se, nesta última obra, pp. 164-165:
 
 «[…] Apurada a natureza jurisdicional da actividade de fixação das indemnizações 
 
 […], seguir-se-ia a conclusão da inconstitucionalidade de todos os regimes 
 analisados, pois em todos pertence ao Ministro das Finanças a competência para 
 as fixar, e não existe aqui nenhuma excepção constitucional expressa àquele 
 princípio.
 Mas a verdade, como apontou Vieira de Andrade, é que, reconhecido à 
 Administração, no nosso sistema continental, um poder de autotutela declarativa, 
 
 áreas há da actividade administrativa que também envolvem uma composição 
 jurídica de conflitos, ou seja, através da aplicação do Direito.  Nomeadamente, 
 conflitos em que a própria Administração é parte.  Ora, se no presente caso se 
 pode ainda identificar qual a natureza substancial — jurisdicional ou 
 administrativa — dessa actividade através da identificação do interesse público 
 preponderante (o que nem sempre será possível em todas as situações), o certo é 
 que o facto de assim concluirmos pela jurisdicionalidade substancial da 
 determinação das indemnizações não faz precludir a sua íntima relação com um 
 sector típico da actividade administrativa: ninguém pode negar que o momento da 
 fixação da indemnização é apenas um momento     — provavelmente o final — dentro 
 de um processo administrativo expropriatório (ou de nacionalização) mais vasto, 
 e portanto dele indissociável.
 Estamos assim perante uma actividade que está longe de se integrar no núcleo 
 duro ou essencial da função jurisdicional, encontrando-se antes, e 
 manifestamente, numa zona de fronteira, numa zona cinzenta, entre aquela função 
 e a função administrativa, tais são as atinências que com esta tem.  Na verdade, 
 não se tratando da composição de conflitos entre cidadãos, mas sim entre a 
 Administração e particulares, seria abusivo pretender que o núcleo essencial da 
 função jurisdicional se situe nesta área quando é certo que a Administração a 
 todo o passo está a definir situações jurídicas que envolvem posições jurídicas 
 dos cidadãos, incluindo muitas vezes a própria composição de conflitos».
 Ora, quer se entenda que a actividade de fixação do montante da indemnização por 
 nacionalização ainda cabe no domínio da função administrativa e não no âmbito da 
 função jurisdicional, quer se entenda que aquela actividade não integra o núcleo 
 duro ou essencial da função jurisdicional, antes se encontra numa zona de 
 fronteira ou numa zona cinzenta entre as funções administrativa e jurisdicional, 
 uma coisa é certa: não vale aí o princípio da reserva do juiz, em termos de ser 
 constitucionalmente proibida à Administração a determinação, em primeira 
 
 «instância», do valor da indemnização por nacionalização.
 Há, assim, que concluir que as normas constantes dos artigos 8.º a 11.º do 
 Decreto-Lei n.º 332/91 não infringem o princípio da reserva da função 
 jurisdicional aos juízes e aos tribunais, plasmado no artigo 205.º, n.os 1 e 2, 
 da Constituição, nem, consequentemente, o princípio da separação de poderes, 
 consagrado no artigo 114.º da Lei Fundamental.
 
  
 
 10 — As normas constantes dos artigos 8.º, n.º 2, e 9.º, n.º 8, do Decreto-Lei 
 n.º 332/91 e o direito ao acesso aos tribunais (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, 
 n.os 4 e 5, da Constituição).
 
  
 As normas do Decreto-Lei n.º 332/91, especialmente as constantes dos seus 
 artigos 8.º, n.º 2, e 9.º, n.º 8, são contestadas pelo requerente da presente 
 fiscalização abstracta da constitucionalidade pelo facto de o despacho do 
 Ministro das Finanças que fixa o montante da indemnização estar sujeito apenas a 
 recurso contencioso de anulação, da competência do Supremo Tribunal 
 Administrativo, e não a um recurso de plena jurisdição, que possibilite àquele 
 
 órgão jurisdicional a fixação do quantum indemnizatur.  Postura idêntica têm, 
 como se viu, D. Freitas do Amaral e M. Rebelo de Sousa, os quais sustentam que o 
 recurso contencioso de anulação do despacho do Ministro das Finanças que fixa o 
 valor definitivo da indemnização por nacionalização não constitui uma garantia 
 suficiente de protecção dos direitos dos proprietários dos bens nacionalizados.
 Também J. Pedro Cardoso da Costa, seguindo de igual modo neste ponto a solução 
 preconizada por J. C. Vieira de Andrade, aceita a tese da não 
 inconstitucionalidade, por pretensa violação da reserva do juiz, das normas que 
 atribuem ao Ministro das Finanças para fixar, em primeira mão, o valor da 
 indemnização, mas apenas se estiver assegurada a possibilidade de uma revisão 
 jurisdicional plena desse acto.  Com efeito, segundo aquele autor, «deve 
 admitir-se a possibilidade de a Administração intervir na matéria das 
 indemnizações desde que se assegure que os cidadãos possam legitimamente obter 
 uma solução (globalmente) justa.  E esta pode passar por vários factores: desde 
 a própria participação dos interessados na formação da decisão, até à 
 intervenção de organismos tecnicamente qualificados de peritos; mas 
 decisivamente passará pela atribuição de poderes plenos aos órgãos 
 jurisdicionais competentes para a decisão final» (cfr. ob. cit., p. 166).
 Serão as normas de Decreto-Lei n.º 332/91 acima referenciadas inconstitucionais, 
 por não garantirem aos proprietários dos bens nacionalizados uma protecção 
 jurisdicional adequada, suficiente ou efectiva dos seus direitos?  O Tribunal 
 entende que não, porque considera que as garantias de protecção jurisdicional 
 colocadas pelo ordenamento jurídico português à disposição dos titulares de 
 acções ou partes de capital de empresas nacionalizadas são suficientes para lhes 
 proporcionar uma defesa efectiva dos seus direitos e interesses legítimos.  
 Vejamos então.
 
  
 
 10.1 — O despacho do Ministro das Finanças, emitido ao abrigo do artigo 8.º, n.º 
 
 2, ou do artigo 9.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 332/91, está sujeito a recurso 
 contencioso de anulação a interpor perante o Supremo Tribunal Administrativo.  A 
 possibilidade da impugnação contenciosa daquele acto administrativo não está 
 expressamente contemplada no articulado daquele diploma legal, mas é algo que 
 resulta da garantia constitucional de recurso contencioso, com fundamento em 
 ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua 
 forma, que lesem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, 
 consagrada no artigo 268.º, n.º 4, da Lei Fundamental.
 No recurso contencioso, o tribunal administrativo não detém poderes de plena 
 jurisdição, isto é, não pode reformar total ou parcialmente o acto 
 administrativo impugnado, está-lhe cometida apenas a possibilidade de declarar a 
 nulidade ou anular total ou parcialmente o acto administrativo [cfr. o artigo 
 
 6.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pelo 
 Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril].  Mas tendo em conta a evolução 
 expansiva verificada nas últimas décadas dos «casos de abertura» do recurso 
 contencioso de anulação, os tribunais administrativos controlam hoje todo e 
 qualquer vício de ilegalidade de que o acto administrativo eventualmente padeça, 
 quer se trate de vícios de legalidade externa, quer de vícios de legalidade 
 interna do acto administrativo.  Cabem nos primeiros, segundo a doutrina e a 
 jurisprudência francesas, o vício de incompetência, o vício de forma e o vício 
 de procedimento, isto é, todas as manifestações de ilegalidade que têm a ver com 
 os aspectos exteriores do acto administrativo.  Nos segundos, incluem-se os 
 tipos de ilegalidade relacionados com o fundo do acto, ou seja, os vícios de 
 violação de lei e de desvio de poder (cfr., por todos, Charles 
 Debbasch/J.-Claude Ricci, Contentieux Administratif, 6.ª ed., Paris, Dalloz, 
 
 1994, pp. 586 e segs.; G. Vedel/P. Delvolvé, Droit Administratif, vol. ii, 
 Paris, PUF, 1992, pp. 298 e segs.; e Charles Debbasch, Institutions et Droit 
 Administratifs, vol. ii, Paris, PUF, 1992, pp. 493 e segs.).  O vício de 
 violação de lei verifica-se quando o dispositivo ou conteúdo do acto está em 
 contradição com a lei e abrange a violação directa das regras jurídicas, o erro 
 de direito (aplicação de uma norma jurídica diferente da que é normalmente 
 aplicável e interpretação errónea de uma norma jurídica) e o erro de facto ou 
 erro relativo aos pressupostos de facto do acto administrativo (inexactidão 
 material dos factos e errónea qualificação jurídica dos factos).  Cfr. 
 Debbasch/Ricci, ob. cit., pp. 607-613; Vedel/Delvolvé, ob. cit., pp. 312-331; 
 Charles Debbasch, ob. cit., pp. 500-504; M. Esteves de Oliveira, Direito 
 Administrativo, vol. i, Coimbra, Almedina, 1980, pp. 559-569; e J. M. Sérvulo 
 Correia, Noções de Direito Administrativo, i, Lisboa, Danúbio, 1982, pp. 
 
 454-456.  Por sua vez, o vício de desvio de poder engloba o desvio de poder 
 propriamente dito ou desvio de poder em sentido subjectivo, que consiste na 
 divergência entre o fim subjectivamente proposto pelo agente e o fim legalmente 
 fixado para a respectiva decisão, e o desvio de poder em sentido objectivo, que 
 se caracteriza por ser um vício do acto, traduzido na violação dos princípios da 
 justiça, da igualdade, da proporcionalidade e da imparcialidade [cfr. A. Barbosa 
 de Melo, Direito Administrativo II (A protecção jurisdicional dos cidadãos 
 perante a Administração Pública), Sumários das lições proferidas na Faculdade de 
 Direito de Coimbra, no ano lectivo de 1986/87, Coimbra, 1987, pp. 86-87, e Notas 
 de Contencioso Comunitário, Coimbra, 1986, pp. 70-76; e F. Alves Correia, «O 
 Contencioso dos Planos Municipais de Ordenamento do Território», in Revista 
 Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 1 (1994), pp. 32-33].  O recurso 
 contencioso de anulação possibilita, assim, aos tribunais administrativos o 
 controlo da observância, em todos os «momentos estruturais» do acto 
 administrativo (sujeito, objecto, procedimento, conteúdo, forma e fim), das 
 disposições legais e dos princípios gerais de direito administrativo (cfr. R. 
 Ehrhardt Soares, Direito Administrativo, Coimbra, 1978, pp. 237 e segs.).
 No caso específico do acto administrativo que determina o valor da indemnização 
 por nacionalização, pode o Supremo Tribunal Administrativo apreciar todos os 
 vícios que foram apontados de que aquele eventualmente enferme, destacando-se, 
 no domínio do acto, o erro na interpretação da lei (v. g., a errónea 
 interpretação dos conceitos de património líquido da empresa, valor de cotação 
 das acções e valor da efectiva rendibilidade da empresa) e o erro nos 
 respectivos pressupostos de facto (v. g. não consideração de determinados 
 elementos valorativos das acções ou partes de capital referidos na lei e erros e 
 omissões no cálculo do montante da indemnização), bem como a possível violação 
 pelo acto administrativo, atenta a existência de alguns espaços de 
 discricionaridade (cfr. os artigos 2.º, 5.º, n.os 3 e 4, e 6.º, n.º 1, do 
 Decreto-Lei n.º 332/91), dos princípios referidos no n.º 2 do artigo 266.º da 
 Constituição: os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da 
 imparcialidade.
 Importante é ainda referir que, para a detecção daqueles vícios de legalidade do 
 despacho do Ministro das Finanças que fixa o montante da indemnização, não está 
 o Supremo Tribunal Administrativo limitado à prova      documental, podendo 
 ainda, se o considerar necessário, recorrer à prova pericial [cfr. o artigo 
 
 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho: Lei de Processo nos 
 Tribunais Administrativos — LPTA].
 Na hipótese de o Supremo Tribunal Administrativo anular ou declarar a nulidade 
 do despacho do Ministro das Finanças — e aqui interessa sobretudo considerar as 
 situações em que o fundamento da sentença anulatória é a violação de lei, isto 
 
 é, um vício respeitante à substância do acto (cfr. D. Freitas do Amaral, Direito 
 Administrativo, vol. iii, Lições aos alunos do Curso de Direito, em 1988/89, 
 Lisboa, 1989, pp. 303-304) — deve o Ministro das Finanças, nos termos do artigo 
 
 208.º, n.os 2 e 3, da Constituição, dos artigos 95.º e 96.º da LPTA e dos 
 artigos 5.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, executar a 
 sentença, pondo a situação de facto de acordo com a situação de direito 
 constituída pela decisão judicial de anulação.  Na verdade, a sentença 
 anulatória ou declarativa de nulidade de um acto administrativo tem um efeito 
 reconstitutivo ou reconstrutivo, que impõe, na medida em que tal for necessário 
 e possível, a reconstituição da situação que teria existido (deveria ter 
 existido ou poderia ter existido) se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou 
 se o acto tivesse sido praticado sem ilegalidade    — a reconstituição da 
 situação hipotética actual — e, bem assim, um efeito conformativo (preclusivo ou 
 inibitório), que se traduz no dever, para a Administração, de respeitar o 
 julgado, conformando-se com o conteúdo da sentença e com as eventuais limitações 
 que daí derivam para o eventual exercício futuro dos seus poderes, que 
 consistem, no mínimo, na impossibilidade de a Administração reproduzir o acto 
 com os mesmos vícios individualizados e condenados pelo juiz (cfr. J. C. Vieira 
 de Andrade, Direito Administrativo e Fiscal, Lições ao 3.º Ano do Curso de 
 
 1994-1995, Faculdade de Direito de Coimbra, pp. 179-180; e D. Freitas do Amaral, 
 A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, Lisboa, 1967, pp. 67-68, 
 e Direito Administrativo, vol. iv, Lições dos alunos do curso de Direito, em 
 
 1987/88, Lisboa, 1988, pp. 236-242).
 Na análise dos efeitos das sentenças de anulação dos actos administrativos, não 
 pode deixar de tomar-se em consideração o regime de execução de julgados, 
 constante dos artigos 95.º e 96.º da LPTA e dos artigos 5.º e seguintes do 
 Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, no qual são reconhecidos aos tribunais 
 administrativos poderes de plena jurisdição.  De facto, no caso de não 
 cumprimento espontâneo do conteúdo da decisão ou de cumprimento defeituoso, pode 
 o particular exigir do tribunal, nos termos do artigo 9.º, n.º 2, do Decreto-Lei 
 n.º 256-A/77, a especificação dos actos e operações em que a execução deverá 
 consistir e o prazo em que deverão ter lugar, a declaração de nulidade dos actos 
 praticados em desconformidade com a sentença e a anulação dos actos que tenham 
 sido praticados com invocação ou ao abrigo de causa legítima de inexecução não 
 reconhecida — devendo salientar-se que, quando a execução da sentença consistir 
 no pagamento de uma quantia pecuniária, como sucede no caso do montante da 
 indemnização por nacionalização, não é invocável causa legítima de inexecução, 
 de harmonia com o n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77 [cfr. D. 
 Freitas do Amaral, «Régimen Jurídico de la Ejecución de las Sentencias de los 
 Tribunales Administrativos em Portugal», Separata da Revista Española de Derecho 
 Administrativo, n.º 70 (1991), pp. 164-167].
 
 É assim, de capital importância, para ajuizar se o recurso contencioso de 
 anulação constitui um instrumento adequado e eficaz de tutela judicial dos 
 direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, relacioná-lo com o 
 processo de execução de julgados, no qual o tribunal não se limita a reafirmar o 
 que já tinha decidido no processo de recurso, antes redefine a situação jurídica 
 em função da situação, em grande medida nova, que resulta da intervenção 
 administrativa intermédia.  Daí que, como acentua J. C. Vieira de Andrade, o 
 processo de execução de julgados constitua uma espécie de «mini-acção de 
 reconhecimento de direitos», em que, numa tramitação expedita, se declara o 
 
 «direito da situação» que, em maior ou menor medida, decorre dos fundamentos que 
 estiveram na base da invalidação judicial do acto (cfr. ob. cit., p. 183).  Na 
 
 óptica do mencionado autor, o processo de execução das sentenças dos tribunais 
 administrativos é «um processo que tem na sua base uma pretensão executiva, mas 
 que se revela, afinal, como sendo ou uma acção especial de indemnização (que 
 pode vir a seguir os trâmites normais dessas acções, em caso de complexidade da 
 matéria de facto — artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 256-A/77) ou também 
 uma acção declarativa complementar (sobretudo da acção anulatória), no âmbito do 
 qual se proferem sentenças que produzem efeitos meramente declaratórios ou de 
 simples apreciação (verificação da existência ou da inexistência de causa 
 legítima de inexecução, declaração de nulidade de actos), constitutivos 
 
 (anulação de actos) e condenatórios (especificação de actos devidos, 
 indemnizações por responsabilidade civil)» [cfr. ob. cit., pp. 108-109].
 
 É, deste modo, legítimo concluir que o recurso contencioso de anulação do 
 despacho do Ministro das Finanças que fixa o montante da indemnização por 
 nacionalização, devidamente conjugado com os instrumentos processuais de 
 execução das sentenças dos tribunais administrativos, assegura, na generalidade 
 das situações, uma adequada e efectiva tutela jurisdicional dos direitos dos 
 titulares das acções ou partes de capital de empresas nacionalizadas — 
 refira-se, por exemplo, a hipótese de o Supremo Tribunal Administrativo anular o 
 despacho que determina o valor de indemnização, com fundamento num vício 
 respeitante ao conteúdo daquele acto, em que, perante o não cumprimento rigoroso 
 do acórdão anulatório pelo Ministro, pode o mesmo Tribunal, em processo de 
 execução daquele aresto, especificar o montante que deve ser pago ao titular dos 
 bens nacionalizados, para integral execução do acórdão anulatório.
 
  
 
 10.2 — A acrescer ao exposto no número anterior, é de realçar que as garantias 
 constitucionais de protecção jurisdicional em face da actividade da 
 Administração não se restringem ao recurso contencioso de anulação, com 
 fundamento em ilegalidade contra os actos administrativos lesivos dos seus 
 direitos ou interesses legalmente protegidos, condensado no artigo 268.º, n.º 4, 
 da Constituição, abarcam também a possibilidade de os administrados acederem «à 
 justiça administrativa para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente 
 protegidos», consagrada no n.º 5 do artigo 268.º da Lei Fundamental.  Este 
 
 último preceito constitucional, introduzido pela Lei Constitucional n.º 1/89, 
 traduziu-se, como salientam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, no 
 reconhecimento ao cidadão de uma protecção jurisdicional administrativa sem 
 lacunas — princípio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa —, 
 permitindo-lhe o acesso à justiça para defesa de direitos e interesses 
 legalmente protegidos, sem se condicionar essa acção à adopção de meios 
 específicos de impugnação («recurso contencioso») ou à existência de um «acto 
 administrativo» (cfr. ob. cit., pp. 942-943).
 No ordenamento jurídico positivo, existe um instrumento de protecção 
 jurisdicional dos cidadãos, que, apesar de ter surgido ainda no domínio da 
 vigência do artigo 268.º, n.º 3, da Constituição, na versão de 1982, constitui 
 uma concretização da garantia consagrada no n.º 5 do artigo 268.º da Lei 
 Fundamental: é a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legalmente 
 protegido, prevista nos artigos 69.º e 70.º da LPTA.  Mas a força irradiante e 
 conformadora deste preceito constitucional exige que o n.º 2 do artigo 69.º da 
 LPTA — norma que estabelece o âmbito de aplicação daquelas acções, estatuindo 
 que elas «só podem ser propostas quando os restantes meios contenciosos, 
 incluindo os relativos à execução de sentenças, não assegurem a efectiva tutela 
 jurisdicional do direito ou interesse em causa» — seja interpretado, em termos 
 de consentir ao particular, mesmo na hipótese de existir um acto administrativo, 
 a propositura de uma acção de reconhecimento de um direito ou de um interesse 
 legítimo, desde que demonstre que o recurso contencioso não é susceptível de 
 assegurar, num determinado caso concreto, uma adequada e efectiva tutela 
 jurisdicional dos direitos ou interesses legítimos afectados.  De facto, a 
 doutrina administrativa mais representativa vem defendendo que a acção para 
 reconhecimento de um direito ou interesse legítimo pode ser utilizada não apenas 
 nos casos em que não exista ou não tenha de existir um acto administrativo (por 
 exemplo, situações de incumprimento de deveres relativos a certos direitos 
 subjectivos dos particulares — direitos ao pagamento de uma quantia em dinheiro, 
 
 à entrega de uma quantia certa ou a uma prestação de facto determinada —, de 
 prática ou omissão de actos materiais lesivos de direitos, ou de dúvidas, de 
 incerteza ou de receio fundado de mau entendimento pela Administração 
 relativamente à existência ou ao alcance de um direito ou interesse legítimo), 
 mas também nos casos em que, embora existindo ou havendo lugar à prática de um 
 acto administrativo, o recurso contencioso se revele manifestamente inadequado 
 para assegurar uma tutela efectiva dos direitos do particular [cfr., sobre este 
 ponto, embora nem sempre com posições idênticas às expostas, Rui Machete, «A 
 Garantia Contenciosa para Obter o Reconhecimento de um Direito ou Interesse 
 Legalmente Protegido», in Estudos de Direito Público e Ciência Política, Lisboa, 
 Fundação Oliveira Martins, 1991, pp. 423 e segs.; Rui Medeiros, «Estrutura e 
 
 Âmbito da Acção para o Reconhecimento de um Direito ou Interesse Legalmente 
 Protegido», in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano xxxi (1989), n.os 1 
 e 2, pp. 60 e segs.; L. M. Sousa Fábrica, «A Acção para o Reconhecimento de 
 Direitos e Interesses Legalmente Protegidos», in Boletim do Ministério da 
 Justiça, n.º 365 (1987), pp. 21 e segs.; e D. Freitas do Amaral, Direito 
 Administrativo, vol. iv, cit., pp. 288-297.  Cfr. também A. Barbosa de Melo, 
 Direito Administrativo, ii, cit., p. 94].
 A interpretação que vem de ser exposta do artigo 69.º, n.º 2, da LPTA 
 corresponde à denominada teoria do alcance médio da acção para o reconhecimento 
 de um direito ou de um interesse legítimo, nos termos da qual este meio 
 processual assume um carácter complementar dos outros meios processuais — e não 
 um carácter puramente residual, como pretende a teoria do alcance mínimo, 
 utilizável apenas quando não existisse, em abstracto, no ordenamento processual 
 outro meio à disposição do particular para obter uma tutela eficaz da sua 
 posição jurídica, nem um carácter funcional, como defende a teoria do alcance 
 máximo, que admite a utilização do referido instrumento processual sempre que o 
 contencioso de anulação ou os outros meios não fornecessem em concreto ao 
 particular uma protecção máxima.  J. C. Vieira de Andrade, depois de referir que 
 uma interpretação do artigo 69.º, n.º 2, da LPTA em conformidade com o princípio 
 da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 268.º, n.º 5, da 
 Constituição, apontará, pelo menos, para a teoria do alcance médio e de 
 considerar excessivas as soluções dos acórdãos da 1.ª Secção do Supremo Tribunal 
 Administrativo de 4 de Maio de 1993, 13 de Julho de 1993 e 19 de Abril de 1994, 
 proferidos nos Recursos n.os 31 976, 31 754 e 33 191, nos quais aquele Tribunal 
 entendeu que, após a revisão constitucional de 1989, o n.º 2 do artigo 69.º da 
 LPTA deve ter-se por revogado, com a consequência de o direito de acção 
 jurisdicional perante os tribunais administrativos para reconhecimento de 
 direito e interesse legítimo perante (contra) a Administração não encontrar hoje 
 obstáculos de natureza processual, fundados em erro na forma de processo, 
 ilegitimidade ou excepção dilatória inominada que se pretendiam consagradas 
 naquele preceito, justifica do seguinte modo a interpretação acima avançada do 
 
 âmbito de aplicação da «acção de reconhecimento de um direito ou interesse 
 legítimo»:
 
 «A posição a adoptar deve, quanto a nós, ser uma de equilíbrio, aproveitando 
 todas as potencialidades do recurso contencioso e respeitando a estrutura do 
 sistema de administração executiva, quando exista ou haja lugar à prática de um 
 verdadeiro acto administrativo (tese estrutural), mas não hesitando em 
 preconizar o uso de outros meios, quando se prove que eles sejam necessários a 
 uma protecção judicial efectiva do particular (tese funcional) — em suma, 
 destruído o dogma da impossibilidade de os tribunais condenarem a Administração, 
 devem alargar-se ao máximo os poderes de fiscalização jurisdicional, mas, em 
 contrapartida, tem de respeitar-se o núcleo essencial da autonomia do poder 
 administrativo, isto é, a estabilidade do caso decidido e a discricionaridade 
 quanto ao mérito das decisões» (cfr. ob. cit., pp. 99-100).
 Ora, revertendo novamente ao despacho do Ministro das Finanças que fixa o 
 montante da indemnização por nacionalização, poderá entender-se, de harmonia com 
 a interpretação avançada pela doutrina para o artigo 69.º, n.º 2, da LPTA, em 
 conjugação com o disposto no n.º 5 do artigo 268.º da Constituição, que ao 
 titular do direito à indemnização não estará também vedada a possibilidade de 
 propor no tribunal administrativo competente uma acção de reconhecimento do 
 direito a um determinado quantitativo indemnizatório, desde que invoque e 
 demonstre que, naquele caso concreto, a utilização do recurso contencioso de 
 anulação contra o despacho do Ministro das Finanças não é suficiente, nem eficaz 
 para garantir uma tutela jurisdicional efectiva do seu direito à indemnização — 
 acção essa que, segundo alguma doutrina, deverá ser proposta dentro do prazo 
 estabelecido na lei para o recurso contencioso do acto administrativo, devido à 
 necessidade de respeito pelo caso decidido (cfr. J. C. Vieira de Andrade, ob. 
 cit., p. 100.  Em sentido contrário, os citados acórdãos do Supremo Tribunal 
 Administrativo entenderam que, mesmo que tenha decorrido o prazo para interpor o 
 recurso contencioso de anulação de um acto administrativo, acto esse que se 
 firmou, com força de caso decidido ou de caso resolvido, por ausência de 
 oportuna impugnação contenciosa, continua a ser admissível a propositura de uma 
 acção para reconhecimento de um direito ou de um interesse legítimo).
 Tudo isto serve para concluir, repetindo o que, a título antecipativo, foi 
 afirmado anteriormente, que as garantias de protecção jurisdicional colocadas 
 pelo sistema jurídico português à disposição dos titulares de acções ou partes 
 de capital de empresas nacionalizadas são suficientes para lhes proporcionar uma 
 defesa efectiva dos seus direitos e interesses legítimos.  Não são, por 
 conseguinte, inconstitucionais as normas constantes dos artigos 8.º, n.º 2, e 
 
 9.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 332/91, na medida em que não prevêem um recurso 
 de plena jurisdição para o Supremo Tribunal Administrativo do despacho do 
 Ministro das Finanças que determina o montante da indemnização por 
 nacionalização.
 
  
 
 11 — Concluindo o Tribunal Constitucional pela não declaração de 
 inconstitucionalidade de nenhuma das normas do Decreto-Lei n.º 332/91, não há 
 lugar, como é óbvio, à repristinação de qualquer das normas revogadas pelo 
 artigo 12.º daquele diploma legal.  Consequentemente, não deve o Tribunal tomar 
 conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade das normas 
 revogadas pelo artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 332/91.
 
  
 III — Decisão
 
  
 
 12 — Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
 
  
 
        a)   Não declarar a inconstitucionalidade das normas constantes dos 
 artigos 1.º a 7.º do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro, respeitantes ao 
 cálculo do valor da indemnização a atribuir aos titulares de acções ou partes de 
 capital de empresas nacionalizadas;
 
        b)   Não declarar a inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 
 
 8.º do mencionado Decreto-Lei, relativas à fixação do valor definitivo da 
 indemnização;
 
        c)   Não declarar a inconstitucionalidade das normas constantes dos 
 artigos 9.º a 11.º do citado Decreto-Lei n.º 332/91, concernentes às comissões 
 mistas;
 
        d)   Consequentemente, não tomar conhecimento do pedido de declaração de 
 inconstitucionalidade das normas revogadas pelo artigo 12.º do mesmo Decreto-Lei 
 n.º 332/91.
 
  
 Lisboa, 6 de Julho de 1995. — Fernando Alves Correia — Maria da Assunção Esteves 
 
 — Alberto Tavares da Costa — Guilherme da Fonseca — Vítor Nunes de Almeida — 
 Messias Bento — Bravo Serra — Antero Alves Monteiro Diniz [vencido quanto à 
 parte da decisão que se contém nas alíneas b), c) e e), nos termos da declaração 
 junta]. — Maria Fernanda dos Santos Martins da Palma Pereira [vencida quanto à 
 parte da decisão relativa às normas constantes das alíneas b) e c), nos termos 
 de declaração de voto junta, e, consequencialmente quanto à decisão da alínea 
 d)] — Armindo Ribeiro Mendes [vencido, em parte, no que toca às alíneas b) e c), 
 nos termos de declaração de voto junta e, consequencialmente quanto à alínea 
 d))] — Luís Nunes de Almeida [vencido, em parte, quanto à alínea c) da decisão, 
 conforme declaração de voto junta] — José de Sousa e Brito [vencido, em parte, 
 quanto à alínea c) da decisão, conforme declaração de voto junta] — José Manuel 
 Cardoso da Costa [com declaração de voto, relativamente à alínea a), e de 
 vencido em parte, quanto à alínea c) da decisão].
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 
 1 — Na qualidade de primitivo relator do presente processo procedi à elaboração 
 de um memorando no qual se propunha a declaração de inconstitucionalidade, com 
 força obrigatória geral, das normas dos artigos 8.º a 11.º do Decreto-Lei n.º 
 
 332/91, de 6 de Setembro.
 Foi então aduzida a fundamentação seguinte:
 
  
 
 1 — O Decreto-Lei n.º 332/91, além de alterar o processo de cálculo das 
 indemnizações, veio substituir as comissões arbitrais previstas na Lei n.º 80/77 
 
 (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 343/80, ratificado pela Lei n.º 
 
 36/81), por «outro tipo de órgãos com uma natureza jurídica mais consentânea com 
 as funções consultivas que as comissões arbitrais têm vindo de facto a 
 desempenhar».
 Ne génese desta orientação legislativa encontram-se, em conformidade com o 
 preâmbulo daquele diploma, «as interpretações dos órgãos jurisdicionais quanto à 
 natureza deste regime e os elementos constantes da fundamentação de algumas 
 decisões apresentadas por comissões arbitrais, que têm vindo a ser constituídas 
 ao abrigo do normativo citado e segundo as regras de funcionamento dispostas no 
 Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março» os quais alertaram para a «necessidade de 
 serem clarificadas, formalmente rectificadas e mesmo alteradas algumas 
 disposições regulamentadoras desta matéria».
 Deste modo, as antigas comissões arbitrais foram substituídas por comissões 
 mistas que intervêm apenas «com vista à reapreciação da aplicação casuística dos 
 critérios legais estipulados no capítulo i [cálculo do valor da indemnização], 
 ou junção superveniente de elementos ao processo calculatório» (artigo 9.º, n.º 
 
 1).
 Os valores de indemnização que se encontrem já fixados à data da publicação do 
 diploma serão desde logo alterados pela Direcção-Geral da Junta do Crédito 
 Público à luz dos novos critérios, pertencendo ao Ministro das Finanças fixar, 
 por despacho, o novo valor, que substituirá o anteriormente atribuído e não 
 podendo a ele ser inferior (artigo 8.º).
 As comissões mistas passaram a ser compostas por peritos e não por árbitros, 
 proferindo pareceres e não decisões (artigo 9.º, n.os 2 e 8).
 Com base no parecer elaborado pelas comissões mistas o Ministro das Finanças 
 emitirá um despacho definitivo quanto à fixação do valor da indemnização, 
 cabendo deste despacho recurso contencioso nos termos gerais de direito (artigo 
 
 9.º, n.º 8).
 No entendimento de Marcelo Rebelo de Sousa (cfr. Direito e Justiça, vol. v, 
 
 1991, p. 98), o Decreto-Lei n.º 332/91, neste particular, «quis resolver dúvidas 
 que se colocavam à constitucionalidade da Lei n.º 80/77, e que tinham eco 
 jurisprudencial (no Supremo Tribunal Administrativo de forma claríssima), com 
 uma imposição do mais puro positivismo normativista, ao serviço da 
 administrativação de uma realidade que deveria ser do foro jurisdicional, assim 
 cometendo premeditadamente inconstitucionalidade e agravando o regime vigente 
 duplamente ao esvaziar a própria via jurisdicional comum paralela, assim 
 tornando ainda mais graves as consequências da administrativização das 
 anteriores comissões arbitrais, passadas à denominação de comissões 
 consultivas».
 E na decorrência deste discurso, fazendo caber no âmbito da função jurisdicional 
 a fixação das indemnizações por nacionalização ou expropriação verificadas entre 
 
 1974 e 1976, tiverem-se ali por inconstitucionais as normas constantes dos 
 artigos 8.º, n.º 2, 9.º, 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 332/91.
 
  
 
 2 — Em conformidade com o disposto no artigo 205.º, n.º 2, da Constituição, «na 
 administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e 
 interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade 
 democrática e dirimir os conceitos de interesses públicos e privados».
 Ensaia-se neste preceito uma definição de função jurisdicional, que na doutrina 
 
 é deveras controvertida.  São três as áreas especialmente mencionadas: a) a 
 defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos (o que aponta 
 directamente para a justiça administrativa); b) a repressão das infracções da 
 legalidade democrática (o que aponta especialmente para a justiça criminal; c) a 
 resolução dos conflitos de interesses públicos e privados (o que abrange 
 principalmente a justiça cível).
 Reveste-se de alta complexidade a delimitação da reserva da competência 
 judicial, constituindo a distinção entre administração e jurisdição uma das 
 questões salientes das disputas doutrinais e da jurisprudência.  A linha de 
 fronteira terá de atender não apenas à densificação doutrinal adquirida da 
 função jurisdicional, aos casos constitucionais de reserva judicial — artigos 
 
 27.º, n.º 2, 28.º, n.º 1, 33.º, n.º 4, 34.º, n.º 2, 36.º, n.º 6, 46.º, n.º 2, e 
 
 116.º, n.º 7 — mas também ao apuramento neste campo de um entendimento exigente 
 do princípio do Estado de direito democrático (cfr. Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., pp. 792-793).
 No plano da jurisprudência administrativa (cfr. por todos o acórdão do Supremo 
 Tribunal Administrativo de 13 de Novembro de 1980, Acórdãos Doutrinais, n.º 231, 
 pp. 286 e segs.), tem-se entendido que existe um acto jurisdicional quando a sua 
 prática se destina a realizar o próprio interesse público da composição de 
 conflitos de interesses, tendo como fim específico, portanto, a realização do 
 direito e da justiça; e existe um acto administrativo quando a composição de 
 interesses em causa tem em vista a prossecução de qualquer outro dos interesses 
 públicos, que ao Estado incumbe realizar, representando aquela composição um 
 simples meio ou instrumento para a sua satisfação, — sendo certo que a distinção 
 entre as duas funções «reside no carácter de parcialidade ou imparcialidade que 
 assume a actividade do órgão que procede à composição do conflito de interesses, 
 aferida em função de uma situação de indiferença ou desinteresse perante o 
 conflito, pelo que há acto administrativo se esse órgão, ou, melhor dizendo, se 
 a pessoa a que o mesmo pertence é interessada ou ‘parte’ no conflito, e há acto 
 jurisdicional na hipótese contrária».
 Também o Tribunal de Conflitos, tem distinguido a função jurisdicional da função 
 administrativa, a partir de critérios ou índices similares aos que se deixaram 
 enunciados (cfr. acórdão de 23 de Maio de 1974, Acórdãos Doutrinais, n.º 154, 
 pp. 278 e segs.).
 Do mesmo modo, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a adoptar 
 um idêntico entendimento.  «A separação real entre a função jurisdicional e a 
 função administrativa passa pelo campo dos interesses em jogo: enquanto a 
 jurisdição resolve litígios em que os interesses em confronto são apenas os das 
 partes, a Administração, embora na presença de interesses alheios, realiza o 
 interesse público.  Na primeira hipótese a decisão situa-se num plano distinto 
 do dos interesse em conflito.  Na segunda hipótese verifica-se uma osmose entre 
 o caso resolvido e o interesse público» (cfr. por todos o Acórdão n.º 104/85, 
 Diário da República, II Série, de 2 de Agosto de 1985).
 No campo doutrinal, esta vexata questio tem merecido da parte dos Autores 
 nacionais e estrangeiros um tratamento exaustivo, bastando acompanhar aqui o 
 pensamento de Afonso Queiró, Lições de Direito Administrativo, Coimbra, 1976, 
 pp. 13 e segs., que terá sido quem, entre nós, mais longa e aprofundadamente 
 debateu esta questão.
 E este Mestre, procurando alcançar o núcleo essencial que distingue as funções 
 jurisdicional e administrativa, escreveu assim:
 
  
 Ao cabo e ao resto, o quid specificum do acto jurisdicional reside em que ele 
 não apenas pressupõe mas é necessariamente praticado para resolver uma «questão 
 de direito».  Se, ao tomar-se uma decisão, a partir de uma situação de facto 
 traduzida numa «questão de direito» (na violação do direito objectivo ou na 
 ofensa de um direito subjectivo), se actua, por força da lei, para se conseguir 
 a produção de um resultado prático diferente da paz jurídica decorrente da 
 resolução dessa «questão de direito», então não estaremos perante um acto 
 jurisdicional; estaremos, sim, perante um acto administrativo.
 Não é, pois, como muito bem o acentua Duguit, pelo lado dos efeitos que 
 substancialmente se distinguem as duas espécies de actos jurídicos externos que 
 no seu conjunto respectivamente constituem o exercício da função jurisdicional e 
 da função administrativa.  Pelo lado dos efeitos (declarativos, condenatórios, 
 constitutivos ou executivos), as duas funções equivalem-se ou identificam-se.  A 
 distinção entre elas é de ordem teleológico-objectiva.  Em cada caso, há que 
 proceder à interpretação da lei, para se concluir qual é a finalidade objectiva 
 que, com o exercício de determinada competência legal, necessariamente se 
 realiza.
 
  
 No quadro desta caracterização conceitual, atingiu-se uma definição teleológica 
 da função jurisdicional que atende ao desígnio da intervenção dos órgãos do 
 poder político do Estado, desígnio que é, na função jurisdicional e não já na 
 função administrativa, estritamente jurídico, visando a realização do direito 
 objectivo pela composição de interesses conflituantes e não o da sua aplicação 
 ou concretização em função de outros interesses públicos, ainda que para o 
 efeito usando como meio a dirimição de conflitos ou litígios jurídicos.
 
  
 
 3 — Na vigência do artigo 16.º da Lei n.º 80/77 (em qualquer das suas versões), 
 as comissões arbitrais só intervinham quando os titulares do direito à 
 indemnização o requeressem, consignando-se expressamente que essa possibilidade 
 de intervenção existia sem prejuízo do recurso para outras instâncias 
 competentes.
 Deste modo, garantia-se o acesso à via judiciária não só na impugnação do acto 
 administrativo homologatório ou não homologatório da decisão da comissão 
 arbitral, mas também, sempre que fosse essa a opção perfilhada, o recurso aos 
 tribunais a fim de por estes serem decididas as questões suscitadas pela 
 titularidade do direito à indemnização, pela sua fixação, liquidação e 
 efectivação.
 Ora, nada disto é consentido pela estatuição do Decreto-Lei n.º 332/91.
 Em conformidade com as normas pertinentes deste diploma, o Ministro das Finanças 
 fixará o novo valor de indemnização resultante dos critérios ali definidos, 
 sendo concedida aos titulares do direito à indemnização a faculdade de 
 requererem a revisão do cálculo desse valor e a constituição de uma comissão 
 mista para a correspondente apreciação.
 A partir do parecer elaborado em tal comissão, de natureza estritamente 
 administrativa, o Ministro das Finanças emitirá despacho definitivo quanto à 
 fixação do valor da indemnização.
 Assim, com a supressão do acesso à via jurisdicional comum (anteriormente 
 prevista na Lei n.º 80/77) aquele despacho, ao fixar a compensação 
 indemnizatória a atribuir ao titular dos bens nacionalizados, sem opção 
 contrária, apresenta-se manifestamente como «decisor» de uma questão de direito, 
 compondo interesses conflituantes da Administração e dos particulares, gerados 
 pelo dissentimento sobre a expressão material do valor da indemnização.
 E não pode afirmar-se que na composição do conflito de interesses entre o 
 titular dos bens nacionalizados e a Administração, o fim específico da 
 actividade administrativa não se traduza na realização do direito e da justiça, 
 mas antes na prossecução de interesses públicos que a lei comete aos órgãos 
 administrativos.
 
 É que o interesse público directamente prosseguido pela Administração ao 
 nacionalizar determinados meios de produção, não pode identificar-se com a 
 determinação do conteúdo do direito à indemnização e com a fixação do respectivo 
 valor, que correspondem, manifestamente, à prossecução do interesse público da 
 composição de conflitos de interesses, que é específica da função jurisdicional.
 Por outro lado, também é seguro que o mero domínio da recorribilidade 
 contenciosa do acto administrativo fixador do valor da indemnização não assegura 
 a garantia da plena jurisdicionalização da questão substancial, circunscrito 
 como está o recurso contencioso de anulação à legalidade do acto impugnado.
 Propõe-se assim, na sequência do exposto, que o Tribunal declare a 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do disposto nos 
 artigos 114.º, n.º 1, e 205.º, n.º 2, da Constituição, das normas dos artigos 
 
 8.º, 9.º, 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 332/91.
 
  
 
 2 — O acórdão a que a presente declaração de voto se reporta não adoptou o 
 entendimento que assim havia sido proposto, decidindo, contrariamente, no 
 sentido de aquelas normas não infringirem o princípio da reserva da função 
 jurisdicional aos juízes e aos tribunais, plasmado no artigo 205.º, n.os 1 e 2, 
 da Constituição, nem consequentemente, o princípio da separação de poderes, 
 consagrado no artigo 114.º da Lei Fundamental.
 Ateve-se para tanto, no essencial, à consideração de que a determinação do 
 montante da indemnização por nacionalização não é uma actividade 
 constitucionalmente reservada aos juízes e aos tribunais, pois que, através dela 
 prossegue-se ainda o interesse público subjacente ao acto de nacionalização     
 
 — interesse público esse que consiste na transferência de uma empresa do sector 
 privado para o sector público dos meios de produção —, ou, por outras palavras, 
 ainda se está no domínio da função administrativa.
 E, ajuntou-se no acórdão, mesmo que assim não se entenda, sempre deverá dizer-se 
 que a actividade de fixação das indemnizações por nacionalização não integra o 
 núcleo duro ou essencial da função jurisdicional, situando-se numa zona de 
 fronteira ou numa zona cinzenta entre as funções administrativa e jurisdicional, 
 não reclamando por isso a sua integração no âmbito material da função reservada 
 aos juízes e aos tribunais.
 Porque as razões assim invocadas se apresentam como insubsistentes, dissenti da 
 decisão na parte que a esta questão respeita mantendo o entendimento já 
 propugnado no memorando inicial.
 E, na decorrência da dialéctica argumentativa que atravessou a discussão e 
 julgamento do presente processo, apontar-se-ão agora algumas referências 
 complementares.
 
  
 
 3 — Pese embora a particular complexidade de que se reveste a definição das 
 chamadas funções do Estado e as dificuldades advenientes de uma estrita 
 vinculação às classificações clássicas que para tanto são geralmente propostas 
 
 (cfr. Nuno Piçarra, A separação dos poderes como doutrina e princípio 
 constitucional, Coimbra, 1989, pp. 229 e segs.), ainda assim é possível definir, 
 com objectividade bastante, as caracterizações distintivas da função 
 jurisdicional e da função administrativa.
 
 À luz de um critério teleológico-objectivo de distinção dessas funções, através 
 do qual se logra surpreender a respectiva diferença específica, não pode 
 afirmar-se que a fixação do quantum indemnizatório a atribuir aos ex-titulares 
 de direitos sobre bens nacionalizados haja de se compreender na esfera de 
 prossecução do interesse público subjacente ao acto de nacionalização, isto é, 
 ainda corresponda ela ao exercício da função administrativa.
 Como bem acentua Marcelo Rebelo de Sousa (cfr. ob. cit., p. 93), no acto de 
 fixação do valor da indemnização o que está em causa é só a definição de 
 titularidade e de conteúdo de direito subjectivo dos particulares, e não outro 
 interesse público a cargo da Administração, sendo certo que aquela definição «é 
 inequivocamente uma mera questão de Direito objectivo, reconduzível à composição 
 de conflitos de interesses; o interesse da Administração Pública, prosseguido 
 através de nacionalização ou expropriação, fica satisfeito com a translação da 
 propriedade e demais direitos correlativos, não subsistindo na apreciação do 
 valor da indemnização».
 Por outro lado, a mera recorribilidade contenciosa do acto administrativo que 
 fixa o valor da indemnização — pese embora o esforço argumentativo que, 
 intentando afirmar um entendimento contrário, se ensaiou no acórdão — não 
 assegura a plena jurisdicionalização da questão substancial, «pois o recurso 
 contencioso de anulação está circunscrito à legalidade do acto e não pode 
 apreciar a titularidade e conteúdo do direito que integra a relação material 
 controvertida senão na exacta medida em que tal releva para o apuramento da 
 legalidade do acto administrativo em causa».
 Não é legítimo sustentar a existência de uma qualquer indissociabilidade entre o 
 acto de nacionalização (e o interesse político-social que o haja determinado) e 
 a forma de determinação do valor indemnizatório atribuído às empresas ou bens 
 nacionalizados.
 O Estado, depois de proceder à apropriação pública desses bens constitui-se na 
 situação de devedor perante os seus ex-titulares, sendo certo que o acto de 
 nacionalização se consumou com a transferência daquela titularidade.
 Já não existindo então qualquer «interesse público administrativo relevante» 
 tudo se circunscreve a um mero conflito de interesses entre o Estado e os 
 particulares, conflito esse centrado de pleno no âmbito da função jurisdicional 
 e cuja decisão, por isso, não pode deixar de pertencer aos tribunais.
 A radical administrativização que o Decreto-Lei n.º 332/91, veio trazer à 
 fixação do valor das indemnizações conferidas aos ex-titulares de direitos sobre 
 bens nacionalizados, implica assim a inconstitucionalidade das normas em que 
 aquela disciplina se contém.
 A declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas 
 dos artigos 8.º a 11.º do Decreto-Lei n.º 332/91, implicaria consequencialmente 
 
 — e nesse sentido votei — o conhecimento da legitimidade constitucional das 
 normas revogadas pelo artigo 12.º deste mesmo diploma, também abrangidas no 
 pedido do Provedor de Justiça, em termos de se evitar a sua repristinação. — 
 Antero Alves Monteiro Diniz.
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 
 1 — Votei vencida a solução que prevaleceu no Tribunal (por maioria) quanto à 
 questão de constitucionalidade suscitada pelo confronto com o artigo 205.º, n.os 
 
 1 e 2, da Constituição das normas relativas ao processo de fixação do montante 
 da indemnização, designadamente as que atribuem competência ao Ministro das 
 Finanças para fixar por despacho o valor da indemnização e as que definem a 
 composição, competência e funcionamento das comissões mistas (artigos 8.º a 11.º 
 do Decreto-Lei n.º 332/91).
 Conforme já sustentei em anterior declaração de voto (Acórdão n.º 226/95, ainda 
 inédito), qualquer critério teleológico de diferença entre função jurisdicional 
 e administrativa que parta da distinção entre a prossecução do interesse na 
 realização do direito em si mesmo e a prossecução de um interesse público 
 autónomo daquele só adquirirá materialidade se não for mera decorrência das 
 opções do legislador.  Onde existir um conflito indiscutível de interesses — 
 particulares, públicos e particulares, ou até mesmo públicos entre si —, que 
 exija uma definição da protecção jurídica concedida a esses interesses com 
 fundamento no direito aplicável, estar-se-á no domínio da função jurisdicional.
 Também a possibilidade de invocar o argumento de que na resolução de um conflito 
 de interesses ainda se poderá estar prosseguindo a realização de um interesse 
 público que a lei põe a cargo da Administração não dilui, por passo de magia, a 
 necessidade de preservar a distinção entre função administrativa e 
 jurisdicional.  A legitimidade constitucional de tal argumento depende da 
 natureza do conflito e não do reconhecimento legal de um determinado interesse 
 público subjacente à actividade de aplicação da lei.  Com efeito, onde o 
 conflito de interesses for suscitado pela concretização de critérios jurídicos, 
 nomeadamente por força das dificuldades de interpretação normativa na situação 
 concreta, estaremos sempre no âmbito da função jurisdicional, mesmo que a defesa 
 de uma determinada orientação na concretização daqueles critérios seja mais 
 adequada ou conveniente ao interesse público.
 Esta perspectiva é sugerida por Zippelius, quando, com limpidez e em síntese, 
 afirma:
 
  
 A função judicativa ou função judicial é a averiguação vinculante de uma 
 particular situação jurídica, da qual decorre, na maior parte das vezes, ou a 
 condenação de uma das partes, ou a definição da situação jurídica em que estas 
 se encontram.  Esta última diferença entre judicatura e administração pode ser 
 ilustrada com a imagem segundo a qual a primeira toma mais em atenção uma 
 situação jurídica já definida anteriormente e a segunda, ao invés, toma em 
 atenção o futuro, planeia e configura comportamentos jurídicos e fácticos 
 segundo a sua adequação efectiva.  (Reinhold Zippelius, Teoria Geral do Estado, 
 trad. port. da 3.ª ed., 1974, p. 149).
 
  
 Um tal parâmetro de diferenciação entre função administrativa e judicial 
 resulta, aliás, no Estado de direito democrático, de uma lógica de maximização 
 das garantias jurídicas dos cidadãos.  Não é, assim, uma pura distinção 
 conceptual a que a Constituição integra e consagra, mas uma emanação da função 
 de tutela de direitos, manifestada na divisão de poderes e na consequente 
 diferenciação de funções do Estado (a uma perspectiva da divisão de poderes como 
 protecção de direitos se refere Hugo J. Hahn, «Gewaltenteilung in der Wertwelt 
 des Grundgesetzes», in Zur Heutigen Problemattik dez Gewalten Trennung, coord. 
 de Heins Rausch, 1969, pp. 438 e segs.).
 A funcionalização da separação de poderes à protecção de direitos fundamentais 
 impede uma administrativização de áreas em que a actividade de definição de 
 situações jurídicas possa servir a realização de metas ou interesses do 
 Estado-Administração e obsta à consequente diminuição da tutela dos direitos 
 conflituantes dos cidadãos.
 Perante situações de difícil enquadramento em qualquer conceito formal das 
 funções administrativa e judicial é a materialidade subjacente (nomeadamente a 
 profundidade dos valores ameaçados) que há-de constituir critério de opção entre 
 função administrativa e jurisdicional, (cfr. Hugo J. Hahn, text. cit., pp. 460 e 
 segs.).  Ainda se poderá justificar que sejam subtraídas à função jurisdicional, 
 numa primeira fase, actividades que materialmente nela caberiam, como a 
 aplicação de coimas do direito de mera ordenação social, em nome do carácter 
 menos grave do ilícito e da sanção.  Porém, essa subtracção não é admissível sem 
 que se consagre um mecanismo de recurso que garanta a protecção plena dos 
 direitos afectados.
 O reconhecimento pela doutrina do direito administrativo da existência de áreas 
 da actividade administrativa que também envolvem a composição jurídica de 
 conflitos, através da mera aplicação do direito, e que constituem uma zona 
 cinzenta entre a função administrativa e a função jurisdicional, não constitui 
 argumento a favor da administrativização de tal zona cinzenta.  Nessa área, o 
 critério de distinção de funções há-de ser o da intensidade dos efeitos da 
 actividade em causa nos direitos dos cidadãos, dada a indiscutível fundamentação 
 valorativa da divisão de poderes numa meta de maximização garantística de 
 direitos.
 A solução constante do Acórdão não revela, na minha opinião, a verdadeira função 
 valorativa da divisão de poderes e diferenciação de funções do Estado, da qual 
 depende o princípio da reserva de juiz.
 Não é correcto o primeiro fundamento alternativo, segundo o qual a natureza 
 administrativa da fixação do valor da indemnização decorreria da prossecução, 
 nessa fase, do interesse público subjacente ao acto de nacionalização.  Na 
 verdade, na fixação da indemnização segundo critérios não discricionários, 
 embora comportando alguma indeterminação normativa, não é relevante a 
 prossecução do interesse público como critério de concretização do direito.
 Nem é igualmente aceitável erigir como argumento a favor da inclusão na função 
 administrativa o facto de a fixação da indemnização se situar numa zona 
 cinzenta.  Este último argumento faz passar a mera constatação da natureza 
 híbrida de uma certa actividade pelo próprio critério jurídico de legitimação da 
 sua inclusão numa ou noutra das funções do Estado.  A admissão excepcional de 
 que certas actividades integrem uma função que conceptualmente as não abrangeria 
 
 (no caso, a função administrativa), depende de uma justificação valorativa que 
 apela ao fundamento constitucional da separação de poderes.
 
  
 
 2 — Por outro lado, dada a justificação valorativa da divisão de poderes e 
 atendendo ao seu alcance funcional, ainda que a integração da actividade de 
 fixação da indemnização na zona fronteiriça pudesse justificar, por razões 
 técnicas, a sua inclusão na função administrativa, sempre se deveria exigir um 
 sistema garantístico adequado a assegurar a plena revisibilidade do montante 
 fixado, em via de recurso.  Assim, o problema colocar-se-ia, nessa hipótese, 
 apenas em face do artigo 20.º da Constituição.
 Nesta perspectiva, impedir-se-ia a formulação de um juízo de 
 inconstitucionalidade, com base numa interpretação das normas sub judicio 
 segundo a qual elas não violariam Constituição desde que fosse assegurado um 
 recurso de jurisdição plena (ainda que para os tribunais administrativos), com 
 fundamento nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição.
 Todavia, uma tal perspectiva, que surge no limite das possibilidades de 
 compatibilizar tais normas com o fundamento valorativo da divisão de poderes — a 
 maximização da protecção de direitos e o controlo dos poderes pelo direito — 
 requer uma efectiva concretização no direito vigente.  Se a referida 
 concretização não for reconhecida, esta lógica argumentativa levará a concluir 
 pela inconstitucionalidade das normas sub judicio.
 A solução seguida pelo Acórdão é, todavia, totalmente distinta.  No núcleo de 
 argumentação expendida, o recurso administrativo de mera anulação é concebido 
 como garantia suficiente dos direitos dos titulares dos bens nacionalizados, na 
 medida em que a sentença anulatória ou declarativa da nulidade de um acto 
 administrativo tem um efeito reconstitutivo da situação que existiria se não 
 tivesse sido praticado o acto ilegal ou se o acto tivesse sido praticado sem 
 ilegalidade.  Por outro lado, sublinha-se que a anulação se pode fundamentar em 
 vícios como o erro na interpretação da lei ou nos pressupostos de facto do acto, 
 permitindo-se a intervenção de peritos, o que aproximaria o recurso de anulação 
 de uma revisibilidade plena e do recurso de plena jurisdição.
 Todavia, se uma tal doutrina sobre o recurso de anulação é pacífica, já a ilação 
 de que esta sua natureza o torna equiparável a um recurso de plena jurisdição 
 constitui tese inédita na doutrina portuguesa.  O recurso de anulação não impõe 
 a plena revisibilidade ou reapreciação em sede de recurso, mas apenas admite 
 alguma possibilidade de reapreciação do pressuposto de facto da fixação da 
 indemnização, dependente da iniciativa do julgador, nomeadamente quanto à 
 intervenção de peritos.  É ainda, como refere Freitas do Amaral «processo 
 objectivo feito a um acto» e não processo subjectivo de partes (Freitas do 
 Amaral, Direito Administrativo, iv, 1988, pp. 126 e 129).
 Por outro lado, a própria qualificação como actividade administrativa (ou de 
 natureza híbrida, mas nela incluída) da fixação da indemnização — pressuposto da 
 argumentação que se considera neste momento — implica a admissibilidade de uma 
 certa discricionaridade na concretização dos critérios jurídicos da 
 Administração, ainda que eminentemente técnicos.  Ora, tal concretização só 
 poderia ser controlada através de um recurso de plena jurisdição, que, com 
 autonomia da actividade administrativa anterior, revisse o acto praticado e 
 dissesse definitivamente o direito.  Assim, apesar das virtualidades apontadas 
 pelo Acórdão ao recurso de anulação, nunca ele garantiria a verdadeira separação 
 de poderes de que aqui se trata (cfr., sobre esta questão, Vieira de Andrade, 
 apud «A fixação das indemnizações por nacionalização e o princípio da reserva do 
 juiz», Joaquim Pedro Formigal Cardoso da Costa, Cadernos de Ciência e Técnica 
 Fiscal, n.º 171, 1995, p. 166).
 E, por fim, desenvolvendo esta lógica argumentativa, é claro que o recurso de 
 anulação não concede ao particular qualquer título para a prática do acto 
 substitutivo do anulado (a sentença final anula ou confirma o acto recorrido, 
 não declara quaisquer direitos ou obrigações do recorrente ou da Administração; 
 o Tribunal não pode condenar a Administração à prática de qualquer acto, ainda 
 que vinculado — cfr. Freitas do Amaral, ob. cit., p. 129.  Tudo depende, ainda, 
 do comportamento da Administração no cumprimento da sentença.  O não cumprimento 
 da sentença condenatória é, aliás, um ilícito que, de alguma forma, pode ser 
 
 «comprado» pela Administração, nos termos do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 
 
 256-A/77, de 17 de Julho.
 Assim, também não é o regime de execução de sentenças que o Acórdão invoca 
 
 (artigos 208.º, n.os 2 e 3, da Constituição, 95.º e 96.º da LPTA e 5.º e 
 seguintes do Decreto-Lei n.º 256-A/77), no seu desiderato de pôr a situação de 
 facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão judicial de 
 anulação e de assegurar o respeito pelo julgado, que pode satisfazer a garantia 
 constitucional de controlo da função administrativa pelos órgãos jurisdicionais 
 
 — emanação da separação de poderes.
 Um tal regime de execução de sentenças, a par do efeito reconstitutivo da 
 sentença anulatória e com fundamento na própria sentença, apenas exprime um 
 sistema garantístico intra-funcional, isto é, no interior da actividade 
 administrativa, controlando a sua legalidade, em situação em que o fim último do 
 acto praticado for a prossecução de um interesse público diverso do «dizer o 
 direito» no caso concreto.  O tribunal nunca se substitui à Administração, 
 conformando directamente através de sentença a situação jurídica controvertida.  
 Poderá, tão-só, chegar à condenação da Administração, através da especificação 
 de actos devidos e da condenação em indemnizações por responsabilidade civil 
 
 (cfr. Paulo Otero, «A execução do acto administrativo no Código do Procedimento 
 Administrativo», Scientia Iuridica, Julho-Dezembro 1992, p. 226).
 Em suma, o Acórdão percorre um caminho em que se tornam visíveis duas 
 alternativas: uma configuração jurídica em que são já atribuídas aos tribunais 
 administrativos, em sede de recurso de anulação, as competências de uma 
 verdadeira jurisdição plena, ficcionando-se, assim, um sistema que não existe no 
 nosso direito; ou uma concepção incorrecta de jurisdição plena, que não comporta 
 uma esgotante regulação da situação jurídica controvertida pela sentença em sede 
 de recurso de anulação do acto administrativo.
 Ambas as alternativas são, salvo o devido respeito pela tese vencedora, 
 insustentáveis.
 
  
 
 3 — Por fim, a invocação feita pelo Acórdão do artigo 268.º, n.º 5, da 
 Constituição como argumento decisivo a favor de uma jurisdição administrativa 
 plena (princípio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa) não pode 
 proceder no contexto da fundamentação do Acórdão.
 Com efeito, se se entender que o princípio consagrado no artigo 268.º, n.º 5, em 
 conjugação com uma certa interpretação do artigo 69.º, n.º 2, da LPTA, tem 
 também o papel de complementar ou até substituir os outros meios processuais de 
 impugnação do acto administrativo (teorias do alcance médio e máximo), será 
 inaceitável ter antes admitido a plena jurisdição no recurso contencioso de 
 anulação.  Aquela natureza da acção para reconhecimento de um direito ou 
 interesse legítimo só é compreensível num sistema em que o recurso de anulação é 
 apenas um recurso de legalidade (assim, Freitas do Amaral, ob. cit., p. 128).  
 Por conseguinte, ela constitui uma prova de que a natureza do recurso de 
 anulação não foi substancialmente transfigurada.
 Por outro lado, ainda mesmo que se prescindisse de atribuir ao recurso de 
 anulação a natureza de plena jurisdição não poderia sustentar-se que a protecção 
 jurisdicional, no caso sub judicio, se bastaria com a interpretação do artigo 
 
 69.º, n.º 2, da LPTA, no sentido de uma teoria do alcance médio.  O Tribunal só 
 poderia não declarar a inconstitucionalidade das normas em causa adoptando uma 
 teoria do alcance máximo, considerando inconstitucional o artigo 69.º, n.º 2, da 
 LPTA, e tomando partido na controvérsia doutrinária que o Acórdão retrata com 
 precisão.
 Ora, é muito duvidoso que o Tribunal deva alicerçar uma decisão de não 
 inconstitucionalidade na enumeração de perspectivas doutrinais controvertidas.  
 No entanto, só tomando partido o Tribunal poderia não declarar a 
 inconstitucionalidade.  Como, na realidade, o Tribunal se limita a dar conta da 
 polémica sem optar por uma doutrina do alcance máximo, ter-se-á de concluir que 
 a decisão de não inconstitucionalidade não corresponde, com total rigor, à sua 
 premissa necessária — a de que bastaria uma interpretação do artigo 69.º, n.º 2, 
 de acordo com a Constituição, segundo uma teoria do alcance médio.
 Perante tal premissa, a que eu admitiria aderir para a formação de uma decisão 
 consensual (e a título de argumentação subsidiária relativamente à que expendi 
 em face do artigo 205.º, n.os 1 e 2, da Constituição), só poderia, em 
 consciência, concluir pela inconstitucionalidade das normas referidas.  Uma 
 decisão de não inconstitucionalidade teria de ser fundamentada, 
 obrigatoriamente, na tese da revogação do artigo 69.º, n.º 2, da LPTA, após a 
 revisão constitucional de 1989. — Maria Fernanda Palma.
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 
 1 — Desde o início acompanhei a posição constante do memorando do primitivo 
 relator, Conselheiro Monteiro Diniz, entendendo que sofriam de 
 inconstitucionalidade material, por violação do princípio da reserva 
 jurisdicional dos tribunais, inscrito no artigo 205.º da Constituição, os 
 artigos 8.º a 11.º do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro, do mesmo passo 
 que entendi não sofrerem de inconstitucionalidade os artigos 1.º a 7.º do mesmo 
 diploma.
 A posição do primitivo relator não logrou integral vencimento, tendo a maioria 
 do Tribunal perfilhado o entendimento de que os referidos artigos 8.º a 11.º 
 daquele diploma não estavam afectados do vício de inconstitucionalidade.
 Daí que viesse a ficar vencido em parte, especificamente no que tocava às 
 alíneas b) (referente ao artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 332/91), c) (referente 
 aos artigos 9.º a 11.º do mesmo diploma) e d) (referente à não tomada de 
 conhecimento do pedido de inconstitucionalidade formulado quanto às normas 
 revogadas pelo artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 332/91, e que seriam repristinadas 
 pela eventual declaração de inconstitucionalidade dos artigos 8.º a 11.º do 
 mesmo diploma).
 Direi, brevemente, as razões por que votei vencido.
 
  
 
 2 — Sustentei durante o debate — manifestando concordância com a posição do 
 primitivo relator, como referi — que a fixação das indemnizações por 
 nacionalização deveria caber aos tribunais, os quais teriam a primeira e última 
 palavra na matéria.
 As razões deste entendimento constam do meu voto de vencido junto ao Acórdão n.º 
 
 226/95, ainda inédito, acórdão que não julgou inconstitucionais os artigos 16.º, 
 n.º 6, da Lei n.º 8/77, de 26 de Outubro (na redacção introduzida pelo 
 Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 Setembro), e 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 
 de Março.  Estes preceitos disciplinavam a competência das antigas comissões 
 arbitrais, as quais vieram a ser substituídas pelas comissões mistas reguladas 
 nos artigos 9.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 332/91. Escrevi então:
 
  
 Tal como sustenta Rebelo de Sousa (in Comissões Arbitrais, Indemnizações e 
 Privatizações, estudo também publicado no vol. v, de 1991, da revista Direito e 
 Justiça, pp. 92 e segs.) entendo que a fixação do valor das indemnizações 
 previstas em matéria de nacionalizações ou expropriações cabe no âmbito material 
 da função jurisdicional, à face da Constituição portuguesa.  Essa é, de resto, a 
 orientação tradicional do direito francês desde a revolução de 1789, vendo no 
 juge judiciaire o «guardião natural da propriedade privada e das liberdades 
 essenciais» (cfr. Franck Moderne, «L’Exemple des Nationalisations Fracasses», in 
 Direito e Justiça, vol. v, p. 24, nota 25; quanto à situação espanhola, note-se 
 que, a propósito da nacionalização do Grupo Rumasa, os ex-titulares das empresas 
 nacionalizadas suscitaram a questão de inconstitucionalidade da lei de 
 nacionalização perante o tribunal judicial — cfr. Pierre Bon, «Les 
 Nationalisations dans la Jurisprudence Constitutionnelle de l’Europe de 
 l’Ouest», in Revue Française de Droit Constitutionnel, n.º 17, 1994, pp. 30 e 
 segs.).  
 Tal como Rebelo de Sousa, creio que, na matéria de indemnização por 
 nacionalização ou por expropriação por utilidade pública, «não existe legalmente 
 interesse público administrativo autónomo relevante».  A decisão de 
 nacionalização é de natureza política ou, pelo menos, de direito público; a 
 decisão de expropriar por utilidade pública é de natureza administrativa.  Os 
 critérios das respectivas indemnizações — que não têm de ser constitucionalmente 
 idênticos, como afirmou, e bem, o Tribunal Constitucional no citado Acórdão n.º 
 
 39/88 — hão-de constar da lei.  Mas há-de caber ao juiz ordinário a primeira e a 
 
 última palavra na resolução do conflito entre o particular, ex-titular do bem 
 nacionalizado ou expropriado, e a Administração, e tal «primeira palavra» há-de 
 caber ao tribunal judicial e não ao tribunal administrativo.  Como nota ainda 
 Rebelo de Sousa, «se, em tese, existisse caso em que, por absurdo, seria 
 defensável a existência de um interesse administrativo autónomo a ponderar na 
 fixação das indemnizações seria no previsto [no] Código das Expropriações, que, 
 no entanto, precisamente o afasta», do mesmo passo que «falar num interesse 
 político-legislativo autónomo do interesse essencial de dirimir conflitos de 
 interesses seria admitir que um direito como o é a indemnização mereceria menos 
 protecção em face de actos legislativos» (artigo citado, revista citada p. 96; 
 do mesmo autor, mais desenvolvidamente, «As Indemnizações por Nacionalização e 
 as Comissões Arbitrais», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 49.º, ii, 1989, 
 pp. 378 e segs.; e ainda Oliveira Ascensão, «A Reserva Constitucional de 
 Jurisdição», in O Direito, ano 123.º, ii/iii, 1991, pp. 465 e segs.).
 Admitindo o critério de distinção da actividade administrativa e da actividade 
 judicial que o Tribunal Constitucional vem adoptando, na esteira do ensino de 
 Afonso Rodrigues Queiró, e considerando que a função jurisdicional se 
 caracteriza por ter como objecto e como fim específico a resolução de uma 
 questão de direito (cfr. Acórdãos n.os 104/85, 443/91, 52/92 e 179/92, publicado 
 o primeiro nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º Vol., pp. 633 a segs., e 
 os restantes no Diário da República, II Série, n.º 78-S, de 2 de Abril de 1992, 
 I Série-A, n.º 62, de 14 de Março de 1992, e II Série, n.º 216, de 18 de 
 Setembro de 1992, respectivamente), creio que a primeira e a última palavra na 
 fixação do quantum indemnizatório hão-de caber aos tribunais, visto aí se 
 encontrar, indiscutivelmente, a realização do interesse público de composição de 
 conflitos, uma vez que importa definir autoritariamente a resolução de uma 
 questão de direito, ou seja, a aplicação dos critérios indemnizatórios legais ao 
 caso concreto controvertido.
 Sem desconhecer as dificuldades de aplicação (bastará citar Gomes Canotilho e 
 Canelas de Castro, «Constitucionalidade do Sistema de Liquidação Coactiva 
 Administrativa de Estabelecimentos Bancários», in Revista da Banca, n.º 23, 
 
 1992, pp. 59 e segs.; e ainda Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, pp. 792-793) e sem 
 contrariar frontalmente mesmo o entendimento de que a fixação do «núcleo duro» 
 da função jurisdicional possa ser temporalmente contingente em diferentes ordens 
 jurídicas do nosso «círculo cultural» (por exemplo, no caso de despejos, 
 execuções, falências, divórcios, fixação de indemnização em expropriações e 
 nacionalizações), reverterei em todo o caso à ideia atrás referida de que, desde 
 a Revolução Francesa e no círculo de direitos de família romano-germânica, em 
 especial dos direitos influenciados pelo direito francês, é o juiz dos tribunais 
 comuns «o guardião natural da propriedade privada e das liberdades essenciais» 
 
 (Franck Moderne), aquele que assegura cabalmente o respeito pelo princípio da 
 igualdade perante os encargos públicos e evita que a Administração queira 
 prejudicar os titulares dos bens nacionalizados ou dos bens expropriados, 
 invocando obscuras razões de ordem financeira ou domínios de discricionaridade 
 técnica insusceptíveis de ser sindicadas num recurso administrativo de mera 
 anulação (cfr. Freitas do Amaral e Robin de Andrade, «As Indemnizações por 
 Nacionalizações em Portugal», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 49.º, vol. 
 i, 1989, pp. 73-74, e ainda, a «Adenda», pp. 79 a 81; Sousa Franco, As 
 Indemnizações e as Privatizações como Institutos Jurídico-Financeiros, pp. 125 e 
 segs., nota 4).
 Concluo, assim, que a resolução dos litígios do tipo do dos autos deve caber aos 
 tribunais comuns, não estando excluído a priori que o legislador possa optar por 
 um tribunal arbitral necessário, desde que aí se verifiquem as necessárias 
 condições de imparcialidade (cfr. citado Acórdão n.º 52/92 deste Tribunal).
 Por isso, entendo que a sujeição da decisão desse «tribunal arbitral» a 
 homologação ministerial inutiliza a solução arbitral, tornando inconstitucional 
 o n.º 6 do artigo 16.º da Lei n.º 80/77, na redacção vigente a partir da 
 alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 343/80, por violação dos artigos 
 
 205.º, n.os 1 e 2, e 206.º da Lei Fundamental.
 Acrescentarei uma última palavra a este propósito.
 Como é evidente, a minha discordância é radical quanto à tese daqueles que não 
 votam a inconstitucionalidade do preceito em causa porque entendem que a 
 actividade calculatória e de fixação da indemnização definitiva é essencialmente 
 administrativa, cabendo, nos termos gerais, recurso de anulação do respectivo 
 acto administrativo final.  Mesmo assim, neste campo houve vozes que sustentaram 
 ser necessário sempre um recurso de plena jurisdição, dados os interesses dos 
 particulares em jogo.
 A minha discordância é menor relativamente à tese daqueles que, pensando como eu 
 que a fixação de indemnização é uma actividade materialmente jurisdicional, 
 admitem que a Administração possa ter a primeira palavra na matéria, desde que 
 aos tribunais administrativos caiba a última palavra, havendo, por isso, nesse 
 caso de se assegurar uma via processual que garanta a plena revisibilidade desse 
 acto administrativo (recurso administrativo de plena jurisdição; eventualmente, 
 recurso à acção administrativa a que se refere o n.º 5 do artigo 268.º da 
 Constituição — cfr. artigos 69.º e seguintes da Lei de Processo nos Tribunais 
 Administrativos e Fiscais).  Entre a minha posição e a daqueles que perfilham a 
 indicada tese, há, apesar de tudo, uma concordância substancial quanto à 
 conclusão de que se está perante uma actividade materialmente jurisdicional.  
 Para esta última posição, o n.º 6 do artigo 16.º da Lei n.º 80/77 não seria 
 inconstitucional, antes o sendo o n.º 7 do mesmo artigo 16.º, enquanto não prevê 
 que o recurso aí contemplado seja um recurso de plena jurisdição, que garanta a 
 plena revisibilidade do acto e uma decisão judicial eventualmente substitutiva 
 do acto administrativo.
 Relativamente aos que perfilham a tese acolhida no várias vezes citado Acórdão 
 n.º 280/89, a concordância entre a minha posição e aqueles é praticamente total. 
 
  Deles me afasto apenas no ponto em que admitem que o acto administrativo possa 
 ter uma valência limitada (no fundo, esse acto estaria sujeito a condição 
 resolutiva) e que seja cumulável com a impugnação administrativa do acto o 
 recurso ilimitado aos tribunais judiciais.  As razões de tal afastamento radicam 
 não só na interpretação que reputo mais correcta do n.º 1 do artigo 16.º da Lei 
 n.º 80/77, como também no entendimento que faço do disposto no artigo 214.º, n.º 
 
 3, da Constituição, considerando que as vias administrativa e judicial não são 
 cumuláveis, mas exclusivas uma da outra, quanto a um certo litígio concreto».
 
  
 As razões que me levaram a votar vencido relativamente ao Acórdão n.º 226/95 
 valem inteiramente para considerar inconstitucional o bloco normativo 
 constituído pelos artigos 8.º a 11.º do Decreto-Lei n.º 332/91.
 De facto, no diploma de 1991, o propósito do legislador foi confessadamente o de 
 clarificar as ambiguidades do sistema anterior das comissões arbitrais, as quais 
 tinham natureza jurisdicional segundo a jurisprudência largamente dominante do 
 Supremo Tribunal Administrativo (veja-se, em sentido oposto, o acórdão da 1.ª 
 Secção deste Alto Tribunal, de 5 de Dezembro de 1991, in O Direito, ano 126.º, 
 
 1994, i-ii, pp. 287 e segs., com anotação desfavorável de João Paulo Cancella de 
 Abreu), pelo que a homologação das respectivas decisões seria inadmissível em 
 termos constitucionais (orientação diversa foi firmada pelo Tribunal 
 Constitucional, em especial no Acórdão n.º 39/88, in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 11.º Vol., pp. 233 e segs., reafirmada recentemente pelo citado 
 Acórdão n.º 226/95, ainda inédito).  Isso levou um Deputado da oposição, no 
 debate parlamentar da lei da autorização legislativa, a acusar a maioria de 
 querer passar definitivamente «uma certidão de óbito» às comissões arbitrais, 
 violando o princípio da confiança inerente ao Estado de direito democrático 
 
 (intervenção do Deputado Nogueira de Brito, transcrita em Joaquim Pedro F. 
 Cardoso da Costa, «A Fixação das Indemnizações por Nacionalização e o Princípio 
 da Reserva do Juiz», in Estudos em Homenagem à Dr.ª Maria de Lourdes Órfão de 
 Matos Correia e Vale, Cadernos da Ciência e Técnica, Lisboa, 1995, p. 138, nota 
 
 5).
 Continuo a pensar que, em ordenamentos jurídicos como o nosso, as figuras da 
 nacionalização e de expropriação não têm natureza substancialmente diversa, pelo 
 que se afigura incompreensível que não se exija a garantia da via judicial para 
 a fixação de indemnizações a que têm direito os titulares dos bens 
 nacionalizados, quando tal via está garantida para os titulares de bens 
 expropriados e é mesmo uma exigência constitucional a reserva do juiz neste 
 
 último caso, segundo alguns dos juízes que formaram a maioria vencedora.  De 
 facto, parece-me inteiramente correcta a posição de Alves Correia, ao afirmar o 
 seguinte:
 
  
 A distinção entre os conceitos de «expropriação», «socialização» e 
 
 «nacionalização» é, na nossa opinião, apenas de carácter teleológico.  Com a 
 
 «expropriação» pretende-se que determinado bem seja afecto a um fim específico 
 de utilidade geral ou de interesse público (v. g. a expropriação de um terreno 
 para abrir uma auto-estrada), facto que se traduz numa modificação de situações 
 jurídicas singulares, sem que seja modificado o sistema de direito privado 
 relativo ao domínio dos bens.  Com a «socialização» pretende-se criar novas 
 formas de propriedade (propriedade social, colectiva) no que respeita a 
 determinados bens ou empresas, facto que origina uma transformação do próprio 
 instituto da propriedade.  O termo nacionalização significa algo muito próximo 
 do conceito de «socialização», pretendendo-se que determinados bens passem a 
 constituir propriedade de toda a nação, de todo o povo […]  («As Garantias do 
 Particular na Expropriação por Utilidade Pública», separata do Boletim da 
 Faculdade de Direito, Coimbra, 1982, p. 55).
 
  
 Estando-se em todos estes casos perante um acto de ablação de propriedade 
 privada pelo Estado, embora com finalidades diversas (segundo ainda o mesmo 
 administrativista, perfilhando a opinião de Gomes Canotilho e de Vital Moreira, 
 a socialização e a nacionalização «não são mais do que especiais modos de ser do 
 instituto de expropriação» — p. 58 da mesma obra), deve garantir-se em todos os 
 casos que os tribunais tenham a primeira e a última palavra na matéria de 
 indemnizações (em sentido diverso, na linha de orientação de Vieira de Andrade, 
 veja-se Joaquim Pedro F. Cardoso da Costa, estudo citado, pp. 151 e segs., 
 maxime 164 e segs., o qual exige apenas que haja «atribuição de poderes plenos 
 aos órgãos jurisdicionais competentes para a decisão final»).
 
  
 
 4 — Face ao que deixo dito, não posso deixar de censurar vivamente a tese que 
 fez maioria, visto que se contentou, em termos de exigência constitucional, com 
 a garantia do recurso contencioso de anulação relativamente ao despacho do 
 Ministro das Finanças de fixação do valor definitivo da indemnização (artigos 
 
 8.º, n.º 2, e 9.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 332/91), afirmando que «a 
 determinação do montante da indemnização por nacionalização não [era] uma 
 actividade que esteja constitucionalmente reservada aos juízes e aos tribunais» 
 
 (ponto 9.4 do acórdão), chegando ao ponto de invocar misteriosas «razões 
 pragmáticas, relacionados com a complexidade da determinação do quantum da 
 indemnização por nacionalização».
 Trata-se de um grave precedente, que permitirá no futuro a administrativização 
 do processo de expropriação por utilidade pública, ao arrepio da tradição 
 nacional e da dos direitos do nosso círculo cultural.
 
  
 
 5 — Por último, a tese maioritária, ao dispensar, ao menos, um recurso de plena 
 jurisdição para tutela dos interesses dos titulares de bens nacionalizados, 
 revela a sua despreocupação com a garantia de pleno acesso aos tribunais, 
 consagrada pelo artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, ao contrário da tese 
 daqueles que sustentam que, seja como for, há-de estar sempre garantido um 
 contencioso de plena jurisdição na matéria.
 Parece, de facto, estranho que se procure demonstrar no acórdão que tal via está 
 plenamente assegurada com os meios fornecidos pelas leis do processo 
 administrativo quando, logo de seguida, se dá detalhada conta das incertezas 
 jurisprudenciais sobre o âmbito de aplicação da acção para reconhecimento de um 
 direito ou interesse legalmente protegido, da diversidade de entendimentos das 
 diferentes correntes jurisprudenciais e doutrinais sobre o mesmo instituto, e se 
 valorizam, de forma em minha opinião excessiva, as virtualidades do regime de 
 execução dos julgados em matérias de contencioso administrativo.
 Em vez de o Tribunal Constitucional definir um regime constitucionalmente 
 adequado de tutela dos particulares, a tese maioritária achou que o direito 
 ordinário existente já tutelava suficientemente os interesses desses 
 particulares em matéria indemnizatória ao assegurar, pelo menos, o recurso 
 contencioso de anulação…
 Retomando o meu voto de vencido atrás transcrito, limito-me a reafirmar a minha 
 radical discordância com a tese «minimalista» que acabou por obter vencimento.
 
  
 
 6 — Tendo concluído pela inconstitucionalidade dos artigos 8.º a 11.º do 
 Decreto-Lei n.º 332/91, por violação do princípio constitucional da reserva do 
 juiz, votei consequentemente vencido quanto à alínea d) da conclusão.  De facto, 
 entendo que também são inconstitucionais as normas revogadas pelo artigo 12.º 
 daquele diploma, no que toca às comissões arbitrais anteriormente existentes 
 
 (artigo 16.º, n.º 6, da Lei n.º 80/77, na redacção introduzida em 1980; artigo 
 
 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86).  As razões desse meu juízo constam do voto de 
 vencido já várias vezes citado, junto ao Acórdão n.º 226/95 deste Tribunal.
 Por isso, não poderia votar a tese do não conhecimento da questão de 
 constitucionalidade dessas normas revogadas que, no meu entendimento, deveriam 
 ser repristinadas por força do juízo da inconstitucionalidade preconizado. — 
 Armindo Ribeiro Mendes.
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 Votei vencido, em parte, por entender que se deveria ter declarado a 
 inconstitucionalidade do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 332/91 — por violação do 
 disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição —, na medida em que nele se não 
 prevê um recurso de plena jurisdição do acto do Ministro das Finanças.
 Na motivação deste voto, sigo, na generalidade, a linha argumentativa referida 
 nas declarações de voto do Ex.mo Conselheiro Presidente Cardoso da Costa e da 
 Ex.ma Conselheira Maria Fernanda Palma (esta, no que se refere à sua 
 argumentação subsidiária, a que adiro integralmente, por reflectir exactamente o 
 meu entendimento sobre a matéria).
 Apenas duas breves notas complementares.
 A primeira, para assinalar que terá sido precisamente esta necessidade, em 
 certos casos, de um recurso contencioso de plena jurisdição, que terá conduzido, 
 na revisão constitucional de 1982, à adopção do texto do então n.º 3 do artigo 
 
 268.º: É garantido aos interessados «recurso contencioso», com fundamento em 
 ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios, 
 independentemente da sua forma, bem como «para obter o reconhecimento de um 
 direito ou interesse legalmente protegido».  Esta necessidade, aliás, já fora 
 notada, ainda em plena vigência do Estado Novo, no Parecer da Câmara Corporativa 
 atinente à proposta de lei n.º 14/X (revisão constitucional de 1971), onde se 
 referira a conveniência em englobar no proposto novo n.º 21 do artigo 8.º da 
 Constituição de 1933 «não apenas os recursos contenciosos de anulação de actos 
 administrativos, os únicos considerados, mas também os recursos de «mérito» e os 
 recursos de plena jurisdição (acções, na técnica das nossas leis), referidos a 
 actos administrativos, em que se não trata apenas de averiguar em que medida 
 esses actos são juridicamente incorrectos ou não foram praticados de acordo com 
 uma norma, mas também de decidir se e em que medida ofenderam os direitos 
 subjectivos de um administrado, terminando o tribunal eventualmente por condenar 
 a Administração a uma prestação ou mesmo por se substituir a ela, rectificando 
 ou reformando esses actos», pelo que se aventava que naquele preceito se 
 consignasse como direito: Haver recurso contencioso em caso de lesão de direitos 
 ou interesses legítimos por actos da administração pública («Revisão 
 Constitucional», 1971, Textos e Documentos, pp. 94 a 97).
 A segunda nota tem por fim sublinhar que, mesmo para quem — como é o meu caso — 
 entenda que a garantia constitucional do recurso contencioso, tal como se 
 encontra consagrada, há-de ter como efeito restringir ao mínimo a denominada 
 discricionariedade técnica da Administração, enquanto área subtraída ao controlo 
 jurisdicional, se afigura útil, em casos como o ora em apreço, a possibilidade 
 de lançar mão a um recurso de plena jurisdição.  É que, como bem se sublinha na 
 declaração de voto da Ex.ma Conselheira Fernanda Palma, o recurso de anulação 
 não tem como efeito a obtenção automática pelo administrado do acto 
 substitutivo, sendo certo que só em casos contados o teor deste pode ser 
 efectivamente deduzido do conteúdo da sentença anulatória.
 Por estes motivos, entendi que se deveria declarar, com força obrigatória geral, 
 a inconstitucionalidade parcial, nos termos atrás apontados, do dispositivo 
 legal em causa. — Luís Nunes de Almeida.
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 Votei vencido na medida em que o acórdão não julgou inconstitucional o artigo 
 
 9.º do Decreto-Lei n.º 332/91, por violação do direito de acesso aos tribunais 
 
 (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição), enquanto nele não se prevê a 
 possibilidade de impugnação e revisão do acto do Ministro das Finanças, de 
 fixação definitiva do valor da indemnização, através de um meio contencioso de 
 plena jurisdição.  As razões do meu voto coincidem no essencial com as que em 
 defesa da mesma tese são invocadas pelo Conselheiro Cardoso da Costa, na parte 
 correspondente da sua declaração de voto. — José de Sousa e Brito.
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 I
 
  
 
 1 — Na declaração de voto que juntei ao Acórdão n.º 39/88 não questionei a ideia 
 matriz de que então (como agora) partiu o Tribunal, segundo a qual a fixação das 
 indemnizações devidas aos titulares de bens nacionalizados não tem de pautar-se 
 pelos mesmos «critérios de justiça» a que há-de (constitucionalmente) obedecer a 
 fixação das indemnizações em caso de expropriação por utilidade pública.  Mesmo 
 partindo dessa premissa, pronunciei-me nesse ensejo, todavia, ao arrepio do que 
 foi o entendimento do Tribunal, no sentido da inconstitucionalidade de duas das 
 soluções consagradas, em matéria de indemnização dos titulares daqueles bens, 
 pela Lei n.º 80/87, de 26 de Outubro, e pelo Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de 
 Julho — por considerar que nem esses menos exigentes critérios de justiça, a 
 que, em tal domínio, sempre há-de obedecer a indemnização, eram por elas 
 respeitados.  Tais soluções legislativas, cuja inconstitucionalidade votei, 
 foram as seguintes: — a que mandava atender a um período de dez anos no cálculo 
 do valor de cotação das acções ou do valor de rendibilidade das empresas 
 nacionalizadas (n.º 1 dos artigos 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 528/76, para o 
 qual remetia o artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 80/77); — e a que estabelecia (e 
 estabelece) nos termos constantes do «Anexo» à Lei n.º 80/77 as diferentes 
 classes (segundo as respectivas taxas de juro, anos de amortização e período de 
 diferimento) dos títulos de dívida pública entregues para pagamento das 
 indemnizações aos respectivos titulares (artigo 19.º, n.º 2, da mesma Lei).
 Nada tenho a alterar agora ao que escrevi nessa declaração — cujos termos 
 integralmente mantenho, e com não menor força de convicção.
 Acontece, porém, que a norma do artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 80/77 (classes 
 dos títulos de indemnização), embora se mantivesse e mantenha em vigor, não foi 
 de novo questionada no presente processo e não integra, consequentemente, o 
 respectivo objecto — pelo que, tal como o Tribunal, não tenho de, nem mesmo 
 posso, voltar a ajuizá-la neste momento; e acontece, por outro lado, que o 
 regime resultante da combinação do artigo 14.º, n.º 1, daquela Lei com os n.os 1 
 dos artigos 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 528/76 (período de tempo a considerar 
 na determinação do valor de cotação das acções ou de rendibilidade das empresas) 
 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro, e substituído por um 
 outro, aí definido, que, tal como o Tribunal considerou, tão pouco já se me 
 afigura dever ser censurado, sob o ponto de vista da sua constitucionalidade.
 Daí que haja podido, desta feita, acompanhar o acórdão do Tribunal, na parte em 
 que nele se apreciaram as novas regras para o cálculo das indemnizações dos 
 titulares de empresas nacionalizadas, estabelecidas pelo dito Decreto-Lei n.º 
 
 332/91.  Ou seja: que tenha podido, tanto subscrever na íntegra a alínea a) da 
 decisão do precedente acórdão, como o essencial da correspondente fundamentação.
 Assim, apenas sublinharei, quanto a essa parte do aresto, e ainda com referência 
 ao período de tempo a levar em conta para determinar os valores de cotação das 
 acções ou de rendibilidade das empresas, não ignorar que tal período fixado 
 agora em cinco anos — é, ainda assim, bastante longo e está inteiramente fora, 
 por exemplo, do que o Conselho Constitucional francês considerou admissível, no 
 tocante à fixação das indemnizações devidas pelas   nacionalizações operadas em 
 França, a partir de 1981.  Simplesmente, e desde logo, o caso francês não pode 
 aqui servir (ou, pelo menos, servir facilmente) de termo comparativo, já que os 
 correspondentes princípios constitucionais, em matéria de indemnização por 
 nacionalizações, não são idênticos (como se recorda no Acórdão) aos da 
 Constituição portuguesa; e depois — tendo particular e justamente em conta os 
 específicos e menos exigentes critérios de justiça consentidos por esta última 
 nessa matéria — pode aceitar-se (como já aceitara em princípio, de resto, na 
 declaração de voto junta ao Acórdão n.º 39/88) que o legislador português haja 
 entendido razoável não adoptar um período muito curto para o estabelecimento (em 
 ordem a esse efeito indemnizatório) do valor das acções ou da rendibilidade das 
 empresas nacionalizadas.
 Eis por que, representando o novo prazo para o cálculo desse valor, reduzido a 
 metade do anterior, um acentuado progresso (como igualmente se fez notar no 
 precedente acórdão) e mesmo uma alteração qualitativa relativamente a esse 
 outro, já não encontrei fundamento claro e inequívoco para julgá-lo em absoluto 
 excessivo e, consequentemente, inconstitucional.
 
  
 II
 
  
 
 2 — Diversamente do que sucede com a parte dele em que se apreciam normas de 
 carácter «material» relativas ao cálculo das indemnizações, já não pude, ao 
 invés, acompanhar inteiramente o presente aresto, no que tange ao juízo que no 
 mesmo se faz acerca das normas do Decreto-Lei n.º 332/91 relativas ao 
 
 «procedimento» de fixação do valor das indemnizações e respectiva garantia 
 contenciosa.
 Essa parcial mas significativa divergência — que adiante explicitarei — resulta 
 do que penso deverem ser as respostas a dar às duas interrogações fundamentais — 
 a relativa à admissibilidade da atribuição à Administração da competência para 
 determinar originária ou inicialmente o valor das indemnizações compensatórias 
 da nacionalização de empresas; e, no caso de tal ser realmente admissível, a 
 relativa, depois, à natureza e extensão das garantias contenciosas que hão-de, 
 nesse caso, ser concedidas aos interessados — que a regulamentação daquele 
 procedimento suscita sub specie constitutionis.  Efectivamente, entendo hoje — 
 como já deixei dito em declaração de voto que juntei ao Acórdão n.º 226/95 — que 
 tais respostas hão-de ser as seguintes:
 
  
 
 1.º   é lícito ao legislador atribuir à Administração a competência para fixar, 
 em primeira linha, o valor de indemnização de uma empresa nacionalizada.  Ou 
 seja: essa fixação inicial da indemnização pode operar-se através de um acto 
 administrativo, sem que isso envolva violação do princípio constitucional da 
 
 «reserva do juiz» (artigo 205.º da Constituição);
 
 2.º   no caso de o legislador adoptar tal solução — da determinação do valor da 
 indemnização por acto administrativo — há-de, porém, assegurar a revisibilidade 
 jurisdicional plena e integral desse acto.  Ou seja: há-de prever um meio ou 
 mecanismo processual que dê aos interessados a possibilidade de fazerem intervir 
 um «tribunal» (isto é, uma instância imparcial e independente, deles e da 
 Administração) na fixação directa e definitiva do valor da indemnização.  Só 
 assim, de facto, se satisfará, na hipótese, o princípio constitucional do 
 
 «direito de acesso aos tribunais» (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.os 4 e 5, da 
 Constituição).
 
  
 Devo entretanto sublinhar que, ao perfilhar este ponto de vista, estou 
 evidentemente a afastar-me agora do entendimento a que, acompanhando nessa 
 altura o Tribunal sem qualquer reserva expressa sob o ponto em apreço, aderi no 
 Acórdão n.º 39/88.  A tanto, porém, fui conduzido por uma nova reflexão sobre a 
 problemática em causa, suscitada pelo largo debate doutrinal e forense a que a 
 mesma deu azo desde então, e se acha recenseado e comentado, por último, em J. 
 Pedro Cardoso da Costa, «A fixação das indemnizações por nacionalização e o 
 princípio da reserva do juiz» (nos Estudos em homenagem à Dr.ª Maria de Lourdes 
 
 Órfão de Matos Correia e Vale, vol. 171 de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, 
 
 1995).
 Pois bem: sendo os que ficam referidos os postulados fundamentais sobre essa 
 problemática, de que parto, é bom de ver que não poderei divergir, e de facto 
 não divirjo, do precedente acórdão quando nele se conclui pela não 
 inconstitucionalidade: a) — das normas do artigo 8.º (interessam agora 
 verdadeiramente os n.os 1 e 2) do Decreto-Lei n.º 332/91, que atribuem ao 
 Ministro das Finanças a competência para fixar o (novo) valor da indemnização, 
 determinado previamente pela Direcção-Geral da Junta de Crédito Público;    b) — 
 das normas do artigo 9.º (bem como, naturalmente, dos artigos 10.º e 11.º, que o 
 complementam) do mesmo Decreto-Lei, enquanto aí se prevê a possibilidade de 
 reapreciação do valor indemnizatório por uma comissão mista de peritos, com base 
 em cujo «parecer» ainda o Ministro das Finanças «emitirá despacho definitivo 
 quanto à fixação» desse valor.
 Mas também se tornará claro que, em razão desses mesmos postulados, já não pude 
 acompanhar, e de facto não acompanhei, a decisão do Tribunal, quando este se 
 ficou por um julgamento de não inconstitucionalidade simpliciter do mencionado 
 artigo 9.º, em lugar de julgar esse preceito inconstitucional enquanto nele se 
 não prevê (e não garante aos interessados) a possibilidade de impugnação e 
 revisão do acto do Ministro das Finanças, de fixação definitiva do valor da 
 indemnização, através de um meio contencioso de «plena jurisdição» (ou então — 
 seria uma eventual alternativa — em lugar de julgá-lo não inconstitucional mas 
 só enquanto interpretado como implicitamente prevendo e garantindo essa 
 possibilidade).
 Eis a medida e os termos em que, consequentemente, votei vencido a alínea c) da 
 decisão.  Resta-me agora dizer das razões que estão na base dos «postulados» de 
 que acima parti para chegar a este voto — assim, do mesmo passo, completando a 
 respectiva fundamentação.
 
  
 
 3 —  O ponto crucial está, evidentemente, na natureza do acto em que se fixa o 
 valor da indemnização devida pela nacionalização, bem como do interesse ou 
 interesses que com ele são prosseguidos.
 Ora, a meu ver, o que aí está em causa já não é, directa ou imediatamente, o 
 interesse «administrativo» ou «político» da nacionalização, mas antes o de 
 estabelecer a equação, que a lei reputa adequada, entre duas pretensões acerca 
 de determinado valor — o da indemnização compensatória do sacrifício patrimonial 
 em que a nacionalização se traduziu — que tendem, inevitavelmente, a ser 
 
 «maximizadas», em termos recíprocos e inversos, pelos respectivos titulares: no 
 sentido da «alta», já se vê, por quem sofreu aquele sacrifício; e no sentido da 
 
 «baixa», naturalmente, por quem terá de suportar o encargo da correspondente 
 compensação (ou seja, o Estado, enquanto «Administração»).  A prossecução 
 daquele primeiro ou primitivo interesse, essa «esgotou-se», por assim dizer, no 
 próprio acto de nacionalizar — que tem de supor-se haver sido praticado após uma 
 ponderação prévia dos respectivos prós e contras —, e já em nada tem que 
 interferir na fixação em concreto da indemnização; agora     — ao fixar-se o 
 valor desta — do que se trata é antes de realizar ou estabelecer o equilíbrio, 
 segundo o correspondente módulo legal, entre aquelas duas «opostas» pretensões, 
 
 «resolvendo o conflito de interesses» que, pelo menos virtual ou potencialmente, 
 nelas sempre se exprime.
 Afigura-se-me assim que, considerado isoladamente na sua estrutura interna e na 
 sua finalidade imediata, o acto de fixação da indemnização apresenta, ao fim e 
 ao cabo, características idênticas, ou em extremo semelhantes, às de um acto 
 
 «jurisdicional» — tomando como padrão de referência o critério destes últimos 
 hoje acolhido uniformemente, pode dizer-se, pela doutrina e pela jurisprudência 
 portuguesas, na esteira de Afonso Queiró (e cujos termos, além do mais porque 
 recordados no precedente acórdão, se torna ocioso enunciar de novo aqui).
 Simplesmente, o facto é também que esse acto — o acto que fixa o valor da 
 indemnização devida pela nacionalização — se liga intrínseca e funcionalmente a 
 esta última, como uma sua decorrência necessária, que se traduz mesmo, em bom 
 rigor, numa sua condição ou num seu requisito constitucional de validade.  E daí 
 que, a meu ver, e pese o que antes ficou referido, deva ter-se como 
 constitucionalmente admissível — isto é, como não violador do denominado 
 princípio constitucional da «reserva do juiz» — o seu «arrastamento» ou a sua 
 
 «atracção» para o domínio orgânico da «função administrativa», com a atribuição 
 legal da competência para a respectiva prática, em primeira linha, à 
 
 «Administração» (ao Governo, como no caso acontece, ou a um órgão ou entidade 
 dele dependente ou sujeito, de alguma forma, à sua tutela).
 Ao pensar assim as coisas, não estou nada longe, claro é, da segunda ordem de 
 considerações invocada, em alternativa, no acórdão precedente, para nele se 
 chegar, quanto ao aspecto ora em apreço, a idêntica conclusão.  Só que — e aí 
 começa a minha divergência com o aresto do Tribunal — desse mesmo tipo de 
 considerações (e tal como justamente fazem os autores a propósito delas 
 invocados), ou das considerações paralelas que antecedem, retiro igualmente como 
 conclusão necessária a de que o acto administrativo de fixação do valor da 
 indemnização há-de ser plena e integralmente revisível, sem nenhum resto, em 
 sede contenciosa.
 
 É que, se pode aceitar-se, em razão da sua aludida ligação funcional, a 
 
 «administrativização» desse acto, não pode perder-se de vista a sua natureza 
 intrínseca, atrás posta em destaque — e esta impõe, no mínimo, que a composição 
 de interesses, efectuada através dele, possa ser devolvida, por inteiro, e em 
 definitivo, a uma instância «jurisdicional».  Doutro modo — e esse é justamente, 
 afinal, o «pecado grave» em que incorre o regime delineado no artigo 9.º do 
 Decreto-Lei n.º 332/91 — uma tal composição de interesses, se não na sua 
 totalidade (admitido que sempre seja um recurso de anulação), pelo menos em 
 larga medida (não raro decisiva), acaba por ficar confiada, em último termo, a 
 um dos respectivos titulares, a uma das «partes» (o Estado-Administração, no 
 caso), com manifesta violação do princípio da «garantia judiciária», consagrado 
 no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.
 Recorrendo a um símile: se a fixação da indemnização devida pela «expropriação» 
 por utilidade pública se acha de antemão «jurisdicionalizada» (e se seria 
 inquestionavelmente inaceitável «administrativizá-la», concedendo ao interessado 
 um simples recurso contencioso de «anulação» do correspondente acto), do mesmo 
 modo há-de a fixação da indemnização por «nacionalização» dispor de uma 
 garantia, ainda que «estruturalmente» diversa, substancialmente idêntica ou 
 equivalente.  Não há nenhuma razão para, neste aspecto, tratar as duas situações 
 diferentemente sendo que, em especial, será tão ilegítimo invocar o interesse 
 público («político») da «nacionalização» para, afinal, reduzir a extensão da 
 garantia judiciária no caso desta, como seria ilegítimo invocar o respectivo 
 fundamento de «utilidade pública» para fazer o mesmo (alterando, nos termos 
 acabados de hipotizar, o regime aí em vigor) no caso da «expropriação».
 Ora, a possibilidade de devolver em definitivo a uma instância jurisdicional a 
 fixação do valor da indemnização devida por «nacionalização» só será real e 
 efectiva, na verdade, se o correspondente acto administrativo (o acto que fixa, 
 em primeira linha, esse valor) for susceptível de revisão contenciosa plena, e 
 em tais termos que uma instância jurisdicional possa «substituir-se» inteira e 
 integralmente ao autor dele (desse acto) no estabelecimento do valor 
 indemnizatório, refazendo inclusive os juízos de índole mais ou menos 
 
 «discricionária» que tal operação eventualmente comporte e, assim, numa palavra, 
 fixando ela própria o dito valor.  Eis por que entendo que a 
 
 «administrativização» do acto de fixação da indemnização só será 
 constitucionalmente admissível se for acompanhada — e como que «compensada» — 
 pela garantia da possibilidade de um seu controlo jurisdicional completo, 
 mormente através de um «recurso contencioso de plena jurisdição».
 
  
 
 4 — Objectar-se-á — e assim, justamente, no precedente aresto — que, tendo em 
 conta a «evolução expansiva» modernamente verificada quanto às «aberturas» do 
 recurso contencioso de anulação e à extensão dos «poderes de cognição» dos 
 correspondentes tribunais (os quais, abrangendo o controlo da legalidade interna 
 do acto administrativo, incluem mesmo a apreciação, nomeadamente, do «erro de 
 facto» e do «desvio de poder» em sentido objectivo), tendo em conta os meios de 
 prova admissíveis, e tendo ainda em conta os poderes daqueles tribunais em sede 
 de execução de uma sua sentença anulatória ou declaratória da nulidade do acto — 
 objectar-se-á que, assim sendo, esse recurso já permite afinal um controlo 
 intrínseco e extenso do acto de fixação da indemnização, e em termos que 
 
 «assegura, na generalidade das situações, uma adequada e efectiva tutela 
 jurisdicional dos direitos dos titulares das acções ou partes de capital das 
 empresas nacionalizadas».
 Não contesto, evidentemente, o entendimento que hoje deve ter-se da extensão 
 garantística do recurso contencioso de anulação; e reconheço, decerto, que em 
 variadas e, porventura, não poucas situações ele já possa conferir aos 
 interessados uma adequada tutela jurisdicional contra o acto administrativo de 
 fixação da indemnização, ora em causa.
 Subsiste, porém, que, sob pena de desvirtuado na sua mesma natureza, um tal 
 recurso há-de sempre deixar intocado um certo espaço, maior ou menor, de 
 
 «autonomia» da Administração — o espaço da «discricionaridade», lato sensu, 
 desta última; e subsiste também, por consequência, que, mesmo na fase eventual 
 de execução da sentença, nunca esse meio processual há-de permitir ao juiz 
 
 «substituir-se» por inteiro àquela, na definição do contéudo do acto sujeito a 
 controlo.  Daí que — revertendo à situação em apreço — um mero recurso 
 contencioso de anulação seja sempre, em meu modo de ver, insuficiente para 
 garantir aos interessados a plena revisibilidade do quantum indemnizatório que 
 lhes foi arbitrado pelo acto do Ministro das Finanças, e para permitir que seja 
 um tribunal, ele próprio, a fixar em definitivo esse quantum.  Ora, uma tal 
 garantia é o que, quanto a mim, a Constituição exige.
 
  
 
 5 — As considerações que acabam de fazer-se já não serão aplicáveis à acção para 
 reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, prevista nos artigos 69.º e 
 
 70.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, e a qual — como bem se 
 reconhece no acórdão — deve ser encarada como concretização da garantia 
 consagrada, desde a revisão de 1989, no artigo 268.º, n.º 5, da Constituição.
 Simplesmente, é desde logo duvidoso que semelhante meio processual seja 
 utilizável quando haja um acto administrativo, e para atacá-lo contenciosamente: 
 a esse respeito, a doutrina, para além de não ser unânime, não dá senão os seus 
 primeiros e muito hesitantes passos na aproximação ao tema, não fornecendo, em 
 meu juízo, qualquer arrimo sólido para uma conclusão.  Mas a isso acresce que 
 mesmo admitindo, com alguns autores, que os interessados possam socorrer-se da 
 
 «acção para reconhecimento de um direito» ainda quando haja um acto 
 administrativo, nos casos em que o recurso de anulação se revele um meio de 
 tutela manifestamente inadequado, e se prove ser essa acção necessária para 
 assegurar uma tutela judicial efectiva —, mesmo então sempre restaria mostrar 
 que uma das situações a incluir em tais casos ou hipóteses será justamente a do 
 controlo do acto de fixação da indemnização, ora em causa.  Ou seja, e 
 generalizando: sempre restaria mostrar que em tais casos se hão-de incluir 
 aqueles em que a insuficiência do recurso contencioso não deriva de qualquer 
 circunstância que lhe seja extrínseca, mas da sua mesma natureza, e em que o 
 problema é já (para usar as palavras de um desses autores, citadas no acórdão) 
 precisamente o de não poder nem dever «respeitar-se o núcleo essencial da 
 autonomia do poder administrativo, isto é, a estabilidade do caso decidido e a 
 discricionaridade quanto ao mérito das decisões».
 Seja como for, se o Tribunal tivesse decidido avançar por aí — impondo uma 
 interpretação «em conformidade com a Constituição» do artigo 9.º do Decreto-Lei 
 n.º 332/91, embora doutrinariamente arriscada e controversa, segundo a qual o 
 acto de fixação do valor de indemnização, previsto no n.º 8 desse preceito, 
 seria contenciosamente atacável através da acção prevista no artigo 69.º da 
 citada Lei de Processo — poderia ter acompanhado uma tal decisão (uma tal 
 decisão «qualificada» de não inconstitucionalidade daquele preceito).  
 Semelhante passo, contudo, não chegou o Tribunal a dá-lo agora, seja mesmo ao 
 nível da fundamentação, seja, em particular, ao nível do teor decisório do 
 precedente acórdão. — José Manuel Cardoso da Costa.
 
  
 
  
 
  
 
  
 
 (1) Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Novembro de 
 
 1995.