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Processo nº 153/95
 Plenário
 Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
 
  
 
  
 
  
 Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
                       1. O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal 
 como representante do Ministério Público veio requerer 'ao abrigo dos artigos 
 
 281º nº 3 da Constituição da República Portuguesa e 82º da Lei nº 28/82 de 15 
 de Novembro que o Tribunal Constitucional aprecie e declare com força 
 obrigatória geral a inconstitucionalidade da primeira parte do nº 1 do artigo 
 
 300º do Código de Processo Tributário no segmento em que estabelece o regime de 
 impenhorabilidade total dos bens anteriormente penhorados pelas repartições de 
 finanças em execuções fiscais'.
 
  
 
                       Para fundamentar o seu pedido o recorrente invoca que 'tal 
 norma foi explicitamente julgada inconstitucional por violação da garantia da 
 propriedade privada e do princípio constitucional da proporcionalidade ou da 
 proibição do excesso constantes dos artigos 62º e 18º nº 2 da Lei Fundamental 
 através dos acórdãos nºs 494/94 de 12 de Julho (publicado no Diário da 
 República II Série nº 290 de 17 de Dezembro de 1994 pág. 12792) 516/94 de 27 de 
 Setembro (publicado no Diário da República II Série nº 288 de 15 de Dezembro de 
 
 1994 pág. 12693) e 128/95 de 14 de Março' tendo juntado fotocópia desses 
 acórdãos.
 
  
 
                       2. Notificado para se pronunciar querendo sobre o pedido 
 ao abrigo do disposto nos artigos 54º e 55º da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro o 
 Primeiro-Ministro não apresentou resposta.
 
  
 
                       Cumpre pois decidir.
 
  
 
                       3. O nº 1 do artigo 300º do Código de Processo Tributário 
 dispunha na sua redacção originária como se segue:
 
  
 
 '300º
 
 (Impenhorabilidade de bens penhorados
 
  em execução fiscal)
 
  
 
 1. Penhorados quaisquer bens pela repartição de finanças não poderão os mesmos 
 bens ser apreendidos penhorados ou requisitados por qualquer tribunal salvo se 
 em processo especial de recuperação de empresas e de protecção de credores o 
 administrador judicial requerer o levantamento da penhora e assegurar a sua 
 substituição por uma das garantias previstas no nº 1 do artigo 282º de forma 
 que fiquem assegurados os interesses do exequente.
 
 2. Salvo o disposto no artigo 264º podem ser penhorados pelas repartições de 
 finanças os bens apreendidos por qualquer tribunal não sendo a execução por esse 
 motivo sustada nem suspensa'.
 
  
 
                       Este artigo viu a sua redacção alterada pelo artigo 4º do 
 Decreto-Lei nº 132/93 de 23 de Abril diploma que aprovou o Código dos Processos 
 Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência mas tal alteração não afectou 
 a primeira parte do preceito contido no seu nº 1 e que se transcreve:
 
  
 
 '1. Penhorados quaisquer bens pela repartição de finanças não poderão os mesmos 
 bens ser apreendidos penhorados ou requisitados por qualquer tribunal (...)'
 
  
 
                       4. Esta norma veio com efeito e tal como se alega no 
 requerimento inicial a ser julgada inconstitucional nos acórdãos deste Tribunal 
 Constitucional aí identificados e cujas fotocópias se juntam com o pedido por 
 violação da garantia do direito do credor à satisfação do seu crédito (que se 
 extrai do nº 1 do artigo 62º da Constituição) conjugada com o princípio 
 da proporcionalidade (que se extrai entre outros do artigo 18º nº 2 da 
 Constituição) e na dimensão referida no pedido ou seja no segmento que 
 estabelece o regime de impenhorabilidade total dos bens anteriormente 
 penhorados pelas repartições de finanças em execuções fiscais.
 
  
 
                       Efectivamente no acórdão nº 494/94 (de 12 de Julho de 
 
 1994 da 2ª Secção) escreveu-se:
 
  
 
 'Da garantia constitucional do direito de propriedade privada há-de seguramente 
 extrair-se a garantia (constitucional também) do direito do credor à satisfação 
 do seu crédito. E este direito há-de naturalmente conglobar a possibilidade da 
 sua realização coactiva à custa do património do devedor como de resto se 
 prescreve no artigo 601º do Código Civil que preceitua que 'pelo cumprimento da 
 obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora sem 
 prejuízo dos regimes especiais estabelecidos em consequência da separação de 
 patrimónios'  (cf. neste sentido acórdão nº 349/91 publicado no Diário da 
 República II série de 2 de Dezembro de 1991)'.
 
  
 
                       E mais adiante:
 
  
 
 '[...] há que ter em conta que o facto de o credor comum ter que esperar por que 
 a execução 
 seja julgada extinta para então tentar a penhora do remanescente dos bens que 
 nela estiveram penhorados pode significar a impossibilidade de esse credor 
 conseguir a satisfação do seu crédito: basta para tanto que outros credores 
 
 (cujos créditos vencidos quiçá apenas durante aquele período de espera absorvam 
 totalmente o que sobrou desses bens) instaurem entretanto execuções contra o 
 mesmo devedor e que consigam fazer as penhoras antes que aquele credor o 
 consiga. Num tal caso com efeito o credor - que se não fora a disciplina que se 
 contém no mencionado artigo 300º nº 1 tinha penhorado o bem e sustada a execução 
 tinha podido reclamar o seu crédito na execução fiscal e aí obter satisfação do 
 mesmo - vê o seu direito defraudado. E tudo isso para que o andamento da 
 execução fiscal não seja perturbado com reclamações de créditos comuns e bem 
 assim para que se garanta a cobrança das dívidas através do foro fiscal com 
 prevalência total sobre a de quaisquer créditos comuns.
 
  
 Ora há-de convir-se ser essa uma consequência excessiva pois que faz o credor 
 comum correr o risco (desproporcionado) de ver totalmente frustrada a 
 possibilidade de satisfação do seu crédito - uma consequência que assim acaba 
 por afrontar o artigo 62º nº 1 da Constituição na parte em que neste preceito 
 se contém a garantia do credor à satisfação do seu crédito.
 
  
 O artigo 300º nº 1 do Código de Processo Tributário viola pois o artigo 62º nº 
 
 1 da Constituição lido conjugadamente com o princípio da proporcionalidade que 
 se extrai entre outros do artigo 18º nº 2 da mesma Constituição'.
 
  
 
                       Por seu turno no acórdão nº 516/94 (de 27 de Setembro de 
 
 1994 da 1ª Secção) para o qual remeteu o acórdão nº 128/95 (da mesma 1ª Secção) 
 pode ler-se:
 
  
 
 'Entende-se que o art. 300º nº 1 1ª parte C.P.T. sofre de inconstitucionalidade 
 por violação da garantia de propriedade privada e do princípio constitucional 
 da proporcionalidade ou da proibição do excesso aflorado este último na nossa 
 Constituição em preceitos como o do nº 2 do art. 18º da Lei Fundamental.
 
  
 
 (...)
 
  
 o direito patrimonial do credor exequente em execução não fiscal vê-se anulado 
 na sua consistência prática ficando à mercê da evolução da situação patrimonial 
 do devedor no futuro o qual pode vir a ser declarado falido acarretando a 
 declaração falimentar evidentes prejuízos para tal credor mas não para o Estado 
 ou credor público equiparado (cfr. arts. 264º e 300º C.P.T.). Por outro lado o 
 credor que penhorou um bem do devedor e viu levantada a penhora por já haver 
 penhora fiscal poderá ser ultrapassado por um credor mais recente que logre 
 penhorar o bem logo que seja levantada a penhora fiscal. É evidente a injustiça 
 da solução com violação da regra da preferência resultante da prioridade da 
 penhora ou do seu registo.
 
  
 
                                                                                  
 
                                                                     Além de o 
 art. 300º nº 1 1ª parte C.P.T. violar o nº 1 do art. 62º da Constituição ele 
 viola igualmente o princípio da proporcionalidade afectando ilegitimamente as 
 expectativas fundadas dos outros credores pois impede o funcionamento do sistema 
 concursual previsto na lei processual civil e na lei processual tributária sem 
 que tal solução avantaje decisivamente os créditos do exequente na execução 
 fiscal pois não confere a este quaisquer privilégios ou garantias antes 
 podendo redundar numa situação benéfica para o devedor único que vem a optar por 
 pagar em prestações a sua dívida à entidade pública credora pondo os seus bens 
 ao abrigo de quaisquer agressões patrimoniais impulsionadas por outros credores 
 só restando a estes últimos aguardar longos períodos pela extinção da execução 
 fiscal (cfr. Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão Código de Processo 
 Tributário Comentado e Anotado Coimbra 1991 criticando o acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 1972 no Boletim do Ministério da 
 Justiça nº 222 pág. 360 que procurou interpretar restritivamente a 
 impenhorabilidade prevista no art. 193º do antecedente Código)'.
 
  
 
                       5. Estando pois preenchidos os requisitos constitucionais 
 e legais que permitem requerer a este Tribunal Constitucional à luz dos artigos 
 
 281º nº 3 da Constituição e 82º da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro a apreciação e 
 declaração de inconstitucionalidade de uma norma com força obrigatória geral 
 verifica-se que nas três decisões apontadas a norma da primeira parte do nº 1 do 
 artigo 300º do Código de Processo Tributário veio a ser declarada 
 inconstitucional na mesma e única dimensão considerada isto é quando estabelece 
 a regra seguinte:
 
  
 
 '(...)uma vez penhorados por uma repartição de finanças certos bens do executado 
 enquanto essa penhora se mantiver tornam-se eles absolutamente inapreensíveis 
 em qualquer execução que  corra termos em qualquer outro tribunal (não 
 tributário)'.
 
  
 
  
 
                       Ora nada há que acrescentar ao que se escreveu nos 
 acórdãos citados que acolhem uma orientação jurisprudencial que vem sendo 
 firmemente mantida por este Tribunal Constitucional pelo que continua a 
 entender-se que a norma em apreço e na dimensão assinalada é inconstitucional.
 
  
 
  
 
                       6. Termos em que DECIDINDO declara-se a 
 inconstitucionalidade com força obrigatória geral - por violação da garantia do 
 direito do credor à satisfação do seu crédito (que se extrai do nº1 do artigo 
 
 62º da Constituição) conjugada com o princípio da proporcionalidade (que se 
 extrai entre outros do artigo 18º da Constituição) - da norma constante da 
 primeira parte do nº 1 do artigo 300º do Código de Processo Tributário na parte 
 em que estabelece o regime de impenhorabilidade total dos bens anteriormente 
 penhorados pelas repartições de finanças em execuções fiscais. 
 
  
 Lisboa 6 de Julho de 1995
 
  
 Guilherme da Fonseca
 Bravo Serra
 Armindo Ribeiro Mendes
 Fernando Alves Correia
 Antero Alves Monteiro Dinis
 Messias Bento
 Maria Fernanda Palma
 José Sousa e Brito
 Luís Nunes de Almeida
 Vítor Nunes de Almeida
 Maria da Assunção Esteves (vencida nos termos do
 Acórdão nº 516/94)
 
                       Alberto Tavares da Costa (vencido nos termos da declaração 
 aposta ao Acórdão nº 516/94)
 
                       José Manuel Cardoso da Costa (Tal como referi em 
 declaração junta ao Acórdão nº 494/94 não contesto que o princípio da 
 proporcionalidade represente um limite constitucional à 'liberdade de 
 conformação' do legislador mesmo fora do 'núcleo duro' dos direitos 
 fundamentais; e também não excluo que haverá algum 'excesso' na solução 
 legislativa em apreço. Porque ainda não me convenci todavia de que este aparente 
 
 'excesso' haja de fundamentar uma censura constitucional continuei a propender 
 para decisão diversa do acolhido pelo Tribunal).