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Processo nº 518/94
 
 2ª Secção
 Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
 
  
 
  
 
  
 
                                        Acordam na 2ª Secção do Tribunal 
 Constitucional:
 
  
 
  
 
  
 
                                        1. O Ministério Público veio nos termos 
 do disposto no artigo 669º alínea a) do Código de Processo Civil requerer a 
 aclaração do Acórdão nº 474/95 que concedeu provimento a um recurso interposto 
 por A. invocando a necessidade de «precisar e clarificar um conceito de crucial 
 importância no âmbito da cooperação judiciária internacional em matéria penal».
 
  
 
                                        Diz o Ministério Público:
 
  
 
 1º
 
  
 
             Afirma-se naquela douta decisão que a norma cuja constitucionalidade 
 importava apreciar no presente recurso não seria inconstitucional enquanto 
 permite a extradição se for certa a não aplicação da pena de morte ou de prisão 
 perpétua 'não obstante elas serem em princípio aplicáveis ao caso por tal já não 
 ser juridicamente possível'.
 
  
 
  
 
 2º
 
  
 
             Ora não nos parece suficientemente clarificado e concretizado o 
 conceito de 'impossibilidade jurídica' de aplicação de certa pena na douta 
 decisão cuja aclaração   quanto a este ponto respeitosamente se vem requerer.
 
  
 
 3º
 
  
 
             Cumpre desde logo salientar que o uso de tal conceito no douto 
 acórdão nº 417/95 junto aos autos nenhuma dúvida suscitou atenta a substancial 
 diversidade das situações em causa neste e naquele processo: enquanto naquele 
 caso estamos confrontados com uma mera 'garantia administrativa' de que certa 
 pena não será aplicada ao arguido pelo órgão jurisdicional competente para o 
 julgamento no caso dos autos estamos perante uma 'garantia judiciária' de não 
 aplicação de pena superior a certo limite prestada oficialmente no processo 
 pelo próprio juiz competente para o julgamento da causa.
 
  
 
 4º
 
  
 
             Ora supomos que a referida 'impossibilidade jurídica' de aplicação 
 de certa pena não deverá salvo melhor opinião entender-se como importando a 
 impossibilidade 'lógica e absoluta' de o juiz do julgamento poder dissentir do 
 conteúdo do decreto ou ordem que ele próprio previamente emitiu nos autos - 
 sob pena de particularmente em sistemas jurídicos baseados na regra do 
 precedente e assentando em larga medida em normas jurisprudencialmente 
 formadas ser pura e simplesmente impossível a demonstração da pretendida 
 
 'impossibilidade lógica e absoluta'.
 
  
 
 5º
 
  
 
             Sendo pertinente notar que mesmo no nosso sistema jurídico de raiz 
 continental não é 'absolutamente impossível' que o juiz do julgamento possa 
 violar regras atinentes ao caso julgado formal ou à definição do objecto de 
 processo das matérias ou factos de que lhe é lícito conhecer - e sendo certo 
 que se tal decisão não for oportunamente impugnada transitará irremediavelmente 
 um julgado e tornar-se-á tão obrigatória como qualquer outra legítima e 
 regularmente tomada...
 
  
 
 6º
 
  
 
             Pensávamos que a impossibilidade 'processual' de prolacção de 
 certa decisão de mérito deveria bastar-se com:
 
  
 
 -           a vinculatividade da ordem ou decisão previamente assumida no 
 próprio processo pelo próprio juiz da causa a requerimento de uma das partes;
 
  
 
 -           a altíssima improbabilidade de ela não ser acatada no momento do 
 julgamento face às regras de direito escrito em vigor e aos precedentes ou 
 práticas jurisprudenciais correntes;
 
  
 
 -           e muito em especial com a possibilidade de a parte prejudicada pela 
 decisão do juiz que de forma insólita e inesperada viesse a afastar-se da 
 
 'auto-limitação' previamente assumida impugnar a decisão gozando de razoáveis 
 probabilidades de êxito a recurso interposto.
 
  
 
 7º
 
  
 
             Ora supunha-se que tais condições concorreriam no caso dos autos 
 face aos elementos documentais nele incorporados.
 
             Senão vejamos:
 
  
 
 8º
 
  
 
             'Na qualidade de Juiz do tribunal Distrital competente para julgar 
 este processo a ordem do Juiz B. de 27 de Abril de 1994 não é revogável por 
 qualquer outro Juiz do tribunal Distrital dos Estados Unidos no Distrito Leste 
 de Nova Iorque' (ponto 8 fls. 731).
 
  
 
             A ordem emitida pelo juiz da causa não é pois um mero compromisso ou 
 declaração informal de intenções do juiz mas uma decisão proferida nos próprios 
 autos e que vincula o juiz do julgamento limitando o possível objecto de uma 
 eventual decisão condenatória. É certo que como se refere no douto acórdão se 
 afirma que 'dentro do contexto da Constituição dos Estados Unidos os juízes 
 devem ser imparciais em relação aos processos que lhes são atribuídos. Assim não 
 
 é possível aos juízes assinar declarações sobre processos pendentes' 
 
  
 
             Supõe-se porém ser claro que tal expressão não retirará qualquer 
 vinculatividade à ordem de julgamento emitida limitando-se a explicitar que 
 não seria lícito ao juiz assinar qualquer outra declaração de compromisso além 
 da que emitiu oficialmente nos próprios autos a requerimento de uma das partes - 
 e que 'continua em vigor'. Ou seja: não seria possível 'confirmar' o depoimento 
 do Procurador Federal através da audição do magistrado sobre o exacto sentido e 
 consequências da ordem emitida.
 
  
 
             Em suma: a ordem ou decreto judicial de 27 de Abril de 1994 está em 
 vigor e é claramente vinculativa para o juiz do julgamento não se tratando de 
 compromisso informal ou de simples declaração de improbabilidade de certa pena 
 vier a ser aplicada.
 
  
 
 9º
 
  
 
             Na hipótese - altissimamente improvável - de tal decisão não vir a 
 ser respeitada (e no caso dos autos tal improbabilidade é ainda acentuada pelo 
 facto de os demais co-arguidos já estarem julgados e condenados sempre 
 assistiria à parte prejudicada o direito de reagir contra a decisão tomada 
 impugnando-a como se refere no documento de fls. 478:
 
  
 
             'A lei dos Estados Unidos permite estabelecer acordos antes de 
 pronunciada a sentença. O artigo 11 (1) da Lei Federal dos Processos Criminais 
 diz em parte o seguinte:
 
  
 
 (1) Em geral. O procurador e o advogado representando o réu... podem encetar 
 conversações com vista à satisfação de um acordo depois de acordado pelo réu a 
 admissão da culpa em relação a uma determinada violação da lei.
 
  
 
             O Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América acordou há mais de 
 
 20 anos que uma vez que o Governo faça uma promessa ao réu sobre a pena a 
 imputar o réu pode recorrer se o Governo não mantiver a promessa. Em suma o 
 Governo compromete-se perante o réu. Esta é uma lei bem definida. Aplica-se em 
 qualquer processo criminal nos Estados Unidos'.
 
  
 
             Sempre beneficiaria pois o arguido do direito de impugnar a 
 sentença que de forma inesperada e imprevisível viesse porventura a desrespeitar 
 a ordem ou decreto judicial previamente emitido e as expectativas legitimamente 
 formadas pela defesa ao longo do processo com base naquela emissão.
 
  
 
 10º
 
  
 
             Finalmente havíamos tomado a declaração do Gabinete do Procurador 
 Federal de que 'não tenciona interpor recurso da  decisão proferida na ordem' 
 emitida pelo juiz não como simples indicação informal da estratégia processual 
 que a acusação pretenderá seguir mas como verdadeira renúncia ao recurso 
 efectivamente preclusiva da possibilidade de com um mínimo de probabilidades 
 de êxito este vir a ser intentado.
 Conjugando na verdade o teor da declaração de fls. 730 com o passo atrás 
 transcrito constante de fls. 478 parece evidente que não teria qualquer 
 viabilidade o improvável recurso em que a acusação vindo contra facto próprio 
 pretendesse ela própria recorrer da decisão que havia provocado e com a qual 
 se conformara ao longo do processo.
 
  
 
  
 
  
 
                                        2. Notificado para o efeito o recorrente 
 não respondeu.
 
  
 
                                        3. Apesar de antes de terminar o 
 requerimento de aclaração ter o cuidado de esclarecer que com ele «se não 
 pretende obviamente [...] alterar substancialmente o decidido e modificar o 
 julgado» a verdade é que no fundo o que o Ministério Público contesta é o 
 próprio conteúdo da decisão aclaranda quer por interpretar de forma diversa o 
 teor de documentos juntos aos autos quer por discordar da doutrina nela 
 expendida.
 
  
 
                                        Senão vejamos.
 
  
 
  
 
                                        4. Invoca o Ministério Público a 
 insuficiente clarificação e concretização do conceito de «impossibilidade 
 jurídica» reportado à eventual aplicação da pena de prisão perpétua.
 
  
 
                                        Sem razão contudo.
 
  
 
                                        Na verdade no aresto de que se pretende 
 aclaração remete-se expressamente para o teor do Acórdão nº 417/95 
 designadamente para a parte em que nele se afirma que o que importa é que a 
 pena em causa «não será devida no caso concreto porque nunca poderá ser 
 aplicada». Quer isto dizer sem margem para quaisquer dúvidas que para existir 
 impossibilidade jurídica é necessário que ao juiz do julgamento seja já 
 inteiramente vedado condenar em prisão perpétua porque tal resulta de imposição 
 da lei ou do costume ou ainda da necessidade de respeitar um precedente 
 jurisprudencial obrigatório.
 
  
 
  
 
                                        Não interessa assim para o efeito 
 distinguir entre garantias administrativas e garantias judiciárias. O que 
 importa como já se havia assinalado no Acórdão nº 417/95 é que a proibição de 
 aplicação da pena - de morte ou de prisão perpétua - seja juridicamente 
 vinculante para o juiz interno competente para o julgamento.
 
  
 
                                        Assim sendo a garantia judiciária só 
 poderá ser relevante se traduzir uma decisão judicial irrevogável a que o juiz 
 do julgamento não possa legitimamente desobedecer (sob pena de violar a lei ou o 
 costume ou de desrespeitar um precedente obrigatório).
 
  
 
                                        Ora in casu tal não ficou demonstrado nos 
 autos como se assinala com clareza no acórdão.
 
  
 
                                        Efectivamente as autoridades 
 norte-americanas asseguraram que a ordem do Juiz B. «não é revogável por 
 qualquer outro Juiz do Tribunal Distrital dos Estados Unidos no Distrito Leste 
 de Nova Iorque» o que se afigura evidente por razões de competência. Mas o que 
 se apresentaria como decisivo era confirmar que aquela ordem por um lado não 
 podia ser revogada por via de recurso e por outro lado se impunha como limite ao 
 próprio Juiz B. - ou ao juiz que eventualmente o substituísse - como juiz do 
 julgamento quando da determinação da medida concreta da pena.
 
  
 
                                        Ora essa confirmação não foi efectuada. 
 Em primeiro lugar porque dos documentos juntos resulta que a decisão é 
 recorrível sendo certo que se não provou nem sequer invocou ou afirmou que o 
 facto de o Gabinete do Procurador Federal não tencionar interpor recurso dessa 
 mesma decisão correspondia a uma renúncia ao recurso como ora se pretende no 
 requerimento de aclaração; em segundo lugar porque em parte alguma se afirma a 
 obrigação jurídica para o juiz do julgamento de respeitar os limites fixados na 
 ordem anteriormente emitida quando da jurisprudência fixada no Acórdão nº 
 
 417/95 e expressamente seguida na decisão aclaranda decorre a insuficiência de 
 uma mera «altíssima improbabilidade de ela [a dita ordem] não ser acatada no 
 momento do julgamento».
 
  
 
                                        Acrescente-se finalmente que o artigo 11 
 
 (1) da Lei Federal dos Processos Criminais se reporta a hipóteses não 
 coincidentes com a dos presentes autos uma vez que pressupõe um acordo entre 
 Procurador e advogado do réu após este ter efectuado admissão de culpa o que 
 aqui não ocorreu: como é patente nem existe acordo nem qualquer admissão de 
 culpa.
 
  
 
  
 
                                        5. Nesta conformidade não se lobriga 
 qualquer ambiguidade ou obscuridade que cumpra esclarecer pelo que se indefere o 
 requerido.
 
  
 
  
 
                                                 Lisboa 7 de Setembro de 1995  
 
  
 Luís Nunes de Almeida
 Guilherme da Fonseca
 Messias Bento
 José de Sousa e Brito
 José Manuel Cardoso da Costa