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Processo: n.º 363/95.
 Requerente: Presidente da República.
 Relator: Conselheiro Vítor Nunes de Almeida.
 
 
 
  
 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I — Relatório
 
  
 
 1 — O Presidente da República veio requerer ao Tribunal Constitucional, 
 invocando o preceituado no artigo 278.º, n.os 1 e 3, da Constituição da 
 República e nos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, a apreciação preventiva da constitucionalidade do artigo 1.º, 
 conjugado com o disposto nas alíneas a), f) e g) do artigo 2.º, do Decreto da 
 Assembleia da República n.º 266/VI que «autoriza o Governo a legislar sobre o 
 Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais», recebido em 21 de Julho de 
 
 1995 na Presidência da República.
 Para fundamentar o pedido formulado aduzem-se as seguintes razões:
 
  
 
 —  o artigo 1.º do Decreto em apreço concede autorização ao Governo para 
 legislar sobre os «estatutos dos tribunais administrativos e fiscais»  e o 
 
 «estatuto dos respectivos magistrados judiciais»;
 
 —  o artigo 2.º, clarificando o respectivo sentido e extensão, prevê a  criação 
 de um Tribunal Central Administrativo, situado num escalão intermédio entre o 
 Supremo Tribunal Administrativo e os Tribunais Administrativos de Círculo 
 
 [alínea a)];
 
 —  prevê igualmente o aperfeiçoamento das regras relativas à composição e 
 competências do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais 
 
 [alínea f)];
 
 —  bem como a introdução de aperfeiçoamentos no Estatuto dos Juízes do 
 contencioso administrativo e fiscal, com o alargamento das áreas de recrutamento 
 
 [alínea g)];
 
 —  a criação do «Tribunal Central Administrativo»  que recebe na sua Secção de 
 Contencioso Administrativo parte significativa das actuais competências do 
 Supremo Tribunal Administrativo e dos Tribunais Administrativos de Círculo, 
 representa a criação de um tribunal totalmente novo, sem paralelo na nossa 
 tradição e história judiciárias, que virá a alterar profundamente as regras de 
 controlo dos actos praticados por titulares dos órgãos de poder público;
 
 —  o ordenamento constitucional reconhece os Conselhos Superiores de Justiça, 
 onde se inclui o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, como 
 
 órgãos de defesa da «independência externa» dos magistrados relativamente a 
 outros poderes estranhos à organização judiciária, não podendo, por outro lado, 
 as regras relativas à sua composição e competência perturbar a sua 
 
 «independência interna»;
 
 —  a definição das formas de recrutamento dos Juízes dos Tribunais 
 Administrativos e Fiscais constitui uma das questões centrais do respectivo 
 estatuto, com reflexo nas garantias da sua independência e autonomia face ao 
 poder político;
 
 —  a melhor doutrina considera que estas matérias, pelo seu relevo 
 político-constitucional — que decorre, desde logo, da consideração de que os 
 Tribunais têm uma posição idêntica à dos outros órgãos constitucionais de 
 soberania — devem ser incluídas no âmbito da reserva absoluta de competência 
 legislativa da Assembleia da República, pelo que se requer a apreciação da 
 constitucionalidade das normas identificadas face ao disposto no artigo 167.º, 
 alínea l), da Constituição da República.
 
  
 Com o pedido, junta-se fotocópia do Decreto n.º 266/VI, da Assembleia da 
 República.
 
  
 
 2 — Admitido o pedido, foi notificada a Assembleia da República para sobre ele 
 se pronunciar (artigo 54.º da Lei n.º 28/82), tendo-se o respectivo Presidente 
 limitado a oferecer o merecimento dos autos.
 O que tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 II — Fundamentos
 
  
 
 3 — A questão que vem suscitada com o presente pedido de apreciação preventiva 
 de constitucionalidade é a de saber se a autorização legislativa solicitada pelo 
 Governo, à Assembleia da República para legislar sobre o Estatuto dos Tribunais 
 Administrativos e Fiscais, designadamente, para criar o Tribunal Central 
 Administrativo como segunda instância daquela ordem de tribunais, para 
 estabelecer regras relativas à composição e competência do Conselho Superior dos 
 Tribunais Administrativos e Fiscais e para modificar o estatuto dos juízes 
 daquele contencioso, com o alargamento da área de recrutamento, afronta a norma 
 constitucional que determina a reserva absoluta da competência legislativa da 
 Assembleia da República para legislar sobre «estatuto dos titulares de órgãos de 
 soberania (…) bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por 
 sufrágio directo e universal».
 Antes de iniciar a apreciação do pedido, proceder-se-á a uma curta análise sobre 
 o conceito constitucional de «órgãos de soberania» e de entre estes, dos 
 
 «Tribunais», passando à matéria relativa ao estatuto dos juízes com referência 
 ao conselho superior respectivo e ao pertinente âmbito da reserva de competência 
 legislativa da Assembleia da República, para, de seguida, se equacionarem os 
 diversos aspectos do pedido formulado, que serão apreciados separadamente.
 
  
 
 3.1 — Órgãos de Soberania
 
  
 Nos termos do preceituado no artigo 113.º da Constituição, «são órgãos de 
 soberania o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os 
 Tribunais» (n.º 1), estabelecendo o n.º 2 do preceito que «a formação, a 
 composição, a competência e o funcionamento dos órgãos de soberania são os 
 definidos na Constituição».
 A individualização pela Constituição dos «órgãos de soberania» significa que só 
 o são os que nela forem referenciados como tais (princípio da tipicidade), sendo 
 o conceito designativo de sujeitos constitucionais com competências 
 institucionais adequadas à finalidade de realização das tarefas e funções 
 definidas na Lei Fundamental (o exercício de um certo número de «poderes 
 soberanos», v. g., legislativo, executivo, judicial, etc.).
 Numa perspectiva de caracterização material dos «órgãos de soberania», eles 
 correspondem, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, 3.ª ed. revista, 1993, p. 493) àquilo que a 
 moderna doutrina designa por órgãos constitucionais em sentido restrito.  Em 
 sentido amplo, são órgãos constitucionais todos os mencionados ou referidos pela 
 Constituição, mas em sentido restrito consideram-se órgãos constitucionais 
 apenas aqueles que revestem cumulativamente as seguintes características: a) 
 existência, posição institucional e competências essenciais imediatamente 
 constituídas pela Constituição (são órgãos imediatos, na terminologia 
 tradicional); b) faculdade de auto-organização interna; c) posição de 
 equiordenação relativamente aos outros órgãos de soberania, independentemente 
 das relações extra e intraorgânicas estabelecidas pela própria Constituição».
 Analiticamente, a doutrina vem considerando que no conceito de órgão se podem 
 detectar quatro elementos incindíveis, mas que importa distinguir: a instituição 
 correspondendo de certo modo à realidade que perdura na sociedade, a 
 competência, correspondendo ao conjunto de poderes atribuído ao órgão; o 
 titular, a pessoa ou pessoas físicas que encarnam a instituição e formam a 
 vontade do órgão e o cargo ou mandato, correspondendo à função do titular do 
 
 órgão (veja-se, Jorge Miranda, Funções, órgãos e actos do Estado, 1990, pp. 
 
 59-60).
 De qualquer modo, sempre a formação, a composição, a competência e o 
 funcionamento dos órgãos de soberania hão-de ser os definidos pela Constituição 
 
 (v. artigo 113.º), o que implica necessariamente a reserva de Constituição 
 quanto ao preenchimento dos elementos essenciais daqueles vectores 
 organizacionais, salvo quando a Constituição remete expressamente para a lei.
 
  
 
 3.2 — Se a formação, composição e o funcionamento dos órgãos de soberania 
 parecem não suscitar dificuldades, a questão da competência necessita de um 
 maior aprofundamento.
 Por competência de um órgão de soberania terá de entender-se o conjunto de 
 poderes e funções que lhe é atribuído para que possa realizar as actividades ou 
 tarefas que lhe são constitucional ou legalmente incumbidas.
 Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (ibidem, p. 495), «a densificação do 
 conceito constitucional de competência tem de fazer-se a partir das próprias 
 normas constitucionais — conceito positivo de competência — e deve ter em conta 
 a sua multidimensionalidade.  Em primeiro lugar resulta claramente de vários 
 preceitos relativos à competência dos órgãos de soberania que competência é, 
 antes de mais, um padrão jurídico organizatório que conforma e caracteriza a 
 organização do aparelho do Estado.  Em segundo lugar, a competência adquire a 
 natureza modal-instrumental, quando se configura, no caso concreto, como o modo 
 e a forma de prossecução das tarefas e funções atribuídas a um órgão do Estado.  
 Em terceiro lugar, a enumeração de competências tem um efeito legitimante, pois 
 identifica o sujeito a quem é confiado um determinado núcleo competencial, bem 
 como os poderes jurídicos à sua disposição para prosseguir as tarefas 
 enquadradas nesse núcleo (competência legitimante).  Em quarto lugar, a 
 definição de competências significa também, em termos jurídico-constitucionais, 
 a individualização de direitos e deveres subjectivos públicos dos órgãos 
 constitucionais (competência — fonte de direitos e deveres).  Finalmente, da 
 competência e do exercício dos poderes e funções a ela inerentes resulta que a 
 competência exprime o poder de decisão confiado normativo-constitucionalmente 
 aos órgãos de soberania».
 Importa notar que no caso dos Tribunais se trata de um complexo de órgãos de 
 soberania, na medida em que tal qualificação abrange todos os tribunais pelo que 
 cada um desses tribunais tem de ser considerado como um órgão de soberania.  
 Mas, pese embora esta natureza, a Constituição — apesar de se reservar a 
 definição da sua formação, da sua composição, da sua competência e funcionamento 
 
 — acaba por remeter para a lei grande parte destas atribuições.
 Vejamos.
 
  
 
 4 — Os Tribunais
 
  
 Feita uma perfunctória análise do conceito de «órgão de soberania», importa 
 fazer uma referência mais próxima aos Tribunais enquanto complexo de órgãos de 
 soberania, cuja modificação estatutária (no caso, dos Tribunais administrativos 
 e fiscais) constitui o objecto do pedido de autorização legislativa e suscita as 
 dúvidas de constitucionalidade do Presidente da República.
 
  
 
 4.1 — De acordo com o preceituado no artigo 205.º da Constituição, «os tribunais 
 são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do 
 povo»  (n.º 1), sendo a função jurisdicional descrita no n.º 2 do preceito.  No 
 artigo 206.º, estabelece-se que «os tribunais são independentes e apenas estão 
 sujeitos à lei».  Da conjugação destas normas retira-se uma definição de 
 
 «Tribunais» enquanto órgãos do Estado revestidos de independência funcional e 
 orgânica e nos quais um ou vários juízes administram a justiça em nome do povo.  
 O órgão de soberania é aqui cada um dos Tribunais, sendo titular de cada um 
 deles o juiz ou juízes que aí exercerem funções jurisdicionais.
 Nos termos do artigo 211.º da Constituição, existem várias categorias ou ordens 
 de tribunais, para além do Tribunal Constitucional: os tribunais judiciais e os 
 tribunais administrativos, sendo estas categorias integradas por vários 
 tribunais, hierarquicamente organizados, com um Supremo Tribunal no topo da 
 hierarquia, e ainda os tribunais militares e o Tribunal de Contas, podendo 
 existir tribunais marítimos e arbitrais.
 Enquanto órgãos de soberania caberá à Constituição definir — como se observou — 
 a sua formação, composição, competência e funcionamento (artigo 113.º, n.º 2, da 
 Constituição), mas percorrendo as normas pertinentes verifica-se que no 
 respeitante à organização dos tribunais, a Constituição apenas inclui algumas 
 regras quanto ao Tribunal Constitucional, aos tribunais judiciais (artigo 212.º) 
 e aos tribunais administrativos e fiscais (artigo 214.º); quanto à competência, 
 incluem-se regras relativamente ao Tribunal Constitucional (artigo 225.º), aos 
 tribunais judiciais (artigo 213.º), aos tribunais administrativos e fiscais 
 
 (artigo 214.º), aos tribunais militares (artigo 215.º) e ao Tribunal de Contas 
 
 (artigo 216.º); quanto ao funcionamento existe apenas uma referência ao Tribunal 
 Constitucional (artigo 226.º) e aos tribunais judiciais (artigo 213.º, n.º 2).
 No que se refere à constituição e criação — seguindo de perto Gomes Canotilho e 
 Vital Moreira (ibidem, p. 806) — «depende em boa parte da lei (…) não apenas de 
 cada tribunal nas categorias complexas (tribunais judiciais, etc.) mas também 
 quanto a certas categorias de tribunais, cuja existência é constitucionalmente 
 facultativa, como sucede com os tribunais marítimos e os tribunais arbitrais 
 
 (n.º 2).  A própria competência para a criação de cada tribunal em concreto não 
 
 é definida pela Constituição — certo é que não consta da competência política ou 
 legislativa reservada à AR (artigos 164.º, 167.º e 168.º), e o mesmo se verifica 
 quanto à forma de tais actos (embora não seja admissível outra que não a de 
 lei)».
 Directamente no que respeita aos Tribunais Administrativos e Fiscais, o artigo 
 
 214.º da Constituição estabelece que o Supremo Tribunal Administrativo é o órgão 
 superior da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais, sendo o seu 
 Presidente eleito de entre e pelos respectivos juízes, competindo a esta 
 categoria de tribunais o julgamento das acções e recursos contenciosos que 
 tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas 
 administrativas e fiscais».
 
  
 
 4.2 — O Tribunal Constitucional teve já várias oportunidades de se pronunciar 
 sobre esta matéria, designadamente a respeito da competência do Supremo Tribunal 
 Militar e do Tribunal de Contas, importando referir o que se escreveu nos 
 Acórdãos n.º 81/86 (in Diário da República, I Série, de 22 de Abril de 1986; 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 7.º Vol., Tomo I, p. 103) e n.º 461/87 (in 
 Diário da República, I Série, de 15 de Janeiro de 1988; Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 10.º Vol., p. 181).
 A respeito dos Tribunais enquanto órgãos de soberania, escreveu-se no Acórdão 
 n.º 81/86, o seguinte:
 
  
 Esta disposição [artigo 113.º da Constituição] da Lei Fundamental só tem uma 
 leitura, no que aqui importa: os tribunais, como órgãos de soberania que são 
 
 (todos e cada um deles), têm a competência que lhes seja fixada pela própria 
 Constituição (expressa ou implicitamente) e a que a lei lhes defina mas, neste 
 caso, apenas quando a mesma Constituição directa ou indirectamente autorizar que 
 a lei o faça ou quando ela remeter para a lei tal tarefa.
 E mais adiante escreve-se:
 
  
 Os tribunais não constituem um órgão de soberania «colectivo ou múltiplo».  Não 
 existe um órgão de soberania integrado por todos os tribunais; todos e cada um 
 dos tribunais são órgãos de soberania.  É o artigo 205.º da Constituição que o 
 diz de forma inequívoca, quando dispõe que «os tribunais são os órgãos de 
 soberania para administrar a justiça em nome do povo». Sublinhe-se: os órgãos de 
 soberania, e não o órgão de soberania.
 Por isso não colhe o invocado paralelismo entre os tribunais e o Governo.  Este 
 
 é um órgão de soberania complexo; os tribunais são um complexo de órgãos de 
 soberania». […]  Assim a regra do artigo 113.º, n.º 2, da Constituição diz 
 respeito a cada tribunal — e, desde logo, a cada espécie de tribunais.  E de 
 duas uma: ou a Constituição, ela mesma define a competência de cada espécie de 
 tribunais, e então não pode a lei vir ampliá-la (nem restringi-la), ou a 
 Constituição não o faz, remetendo (expressa ou implicitamente) para a lei, 
 devendo esta respeitar as esferas de competência constitucionalmente definidas 
 para os demais tribunais.
 
  
 Este entendimento do Tribunal veio a ser reafirmado no Acórdão n.º 461/87, não 
 deixando porém aí de se afirmar «que o princípio ‘exclusividade constitucional’ 
 da competência dos órgãos de soberania não é absoluto e que mesmo a competência 
 deles definida ou estabelecida pela Constituição não deixa de ver o seu 
 
 ‘conteúdo’ concretizado e explicitado pela lei ordinária».
 No caso que vem suscitado dos tribunais administrativos e fiscais, a 
 Constituição estabelece, como se referiu, a respectiva competência material no 
 n.º 3 do artigo 214.º (julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham 
 por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas, 
 administrativas e fiscais); dentro deste âmbito, poderá a lei intervir para 
 concretizar ou explicitar o respectivo conteúdo, ou para definir os pressupostos 
 e condições do seu exercício, sem que todavia possa ultrapassar, ampliando-a, a 
 competência materialmente definida.
 
  
 
 5 — O Estatuto dos Juízes
 
  
 Feita a análise sumária das normas e princípios constitucionais relativos ao 
 complexo de órgãos de soberania que são os tribunais, importa agora fazer uma 
 referência também sucinta ao estatuto dos respectivos titulares, os juízes.
 
  
 
 5.1 — A Constituição referindo esta matéria primacialmente aos juízes dos 
 tribunais judiciais, todavia inclui normas que se reportam a todos os juízes 
 
 (artigo 218.º) e normas que especificamente visam os juízes dos restantes 
 tribunais (artigo 219.º, n.os 2 e 3).
 De acordo com o que se dispõe no artigo 217.º da Constituição, «os juízes dos 
 tribunais judiciais formam um corpo único e regem-se por um só estatuto»  (n.º 
 
 1), remetendo-se para a lei o estabelecimento dos requisitos e das regras de 
 recrutamento dos juízes de tribunais judiciais de primeira instância (n.º 2).
 O n.º 3 do artigo 217.º regula a forma de recrutamento dos juízes para as 
 tribunais judiciais de segunda instância e o n.º 4 regula a forma de acesso ao 
 Supremo Tribunal de Justiça.  No artigo 218.º estabelecem-se as garantias 
 
 (inamovibilidade e irresponsabilidade) e as incompatibilidades.
 Pelo artigo 219.º atribui-se ao Conselho Superior da Magistratura (cuja 
 constituição consta do artigo 220.º), nos termos da lei, a competência para 
 nomear, colocar, transferir, promover e sancionar disciplinarmente os 
 magistrados judiciais (n.º 1), cometendo o n.º 2 do preceito idêntica 
 competência relativamente aos juízes dos tribunais administrativos e fiscais ao 
 respectivo conselho superior, também nos termos da lei (única referência da 
 Constituição a este Conselho).  Quanto aos juízes dos outros tribunais, o n.º 3 
 remete para a lei a definição das regras e a determinação da competência para 
 colocação, transferência e promoção dos juízes e, bem assim, para o exercício da 
 acção disciplinar, «com salvaguarda das garantias previstas na Constituição».
 Assim delimitado constitucionalmente o estatuto dos magistrados judiciais e dos 
 outros tribunais, importa analisar o enquadramento competencial de tal matéria, 
 desde a versão originária da Constituição até à versão actual.
 
  
 
 5.2 — Na versão originária (VO) da Constituição, reserva da competência 
 legislativa da Assembleia da República (AR) constava das diversas alíneas do 
 artigo 167.º, prevendo o artigo 168.º a possibilidade de a Assembleia autorizar 
 o Governo a fazer decretos-leis sobre matérias da sua exclusiva competência.
 Na alínea j) do artigo 167.º (VO), estabelecia-se a competência exclusiva da 
 Assembleia para legislar sobre «organização e competência dos tribunais e do 
 Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, salvo quanto aos 
 tribunais militares, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 208.º».
 Com a primeira Revisão Constitucional (Lei n.º 1/82, de 30 de Setembro), a norma 
 do artigo 167.º da VO foi desdobrada em dois preceitos: o artigo 167.º contendo 
 a matéria incluída na reserva absoluta da Assembleia, e o artigo 168.º, contendo 
 a matéria da reserva relativa da mesma Assembleia, isto é, os assuntos em que a 
 Assembleia pode legislar ou conceder autorização ao Governo para o fazer.
 No artigo 167.º tal como resultou da 1.ª Revisão Constitucional, a alínea g) 
 estabelece como matéria em que só a Assembleia da República pode legislar o 
 
 «estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, do Conselho de 
 Estado e do Provedor de Justiça, incluindo o regime das respectivas 
 remunerações».
 Pelo seu lado, o artigo 168.º, relativo à reserva relativa de competência 
 legislativa da AR, insere no seu n.º 1, a alínea q) sobre «organização e 
 competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos 
 magistrados».
 Na Revisão Constitucional de 1989 (Lei n.º 1/89, de 8 de Julho), manteve-se a 
 existência de dois preceitos, um com a matéria de reserva absoluta de 
 competência legislativa (o artigo 167.º) e o outro com a matéria incluída na 
 reserva relativa de competência da Assembleia (artigo 168.º).  Dentro da reserva 
 absoluta surge agora a alínea l) relativa ao «estatuto dos titulares dos órgãos 
 de soberania e do poder local, bem como dos restantes órgãos constitucionais ou 
 eleitos por sufrágio directo e universal».
 O artigo 168.º, n.º 1, alínea q), manteve a primeira parte com a mesma redacção 
 da anterior versão, tendo apenas acrescentado à reserva relativa da AR a 
 organização e competência das «entidades não jurisdicionais de composição de 
 conflitos».
 Verifica-se assim que, desde que foi instituída a separação entre reserva 
 absoluta e reserva relativa, sempre se manteve na primeira a matéria do estatuto 
 dos titulares dos órgãos de soberania, ali se vindo a inserir mais recentemente 
 os estatutos dos titulares dos restantes órgãos constitucionais, ao mesmo tempo 
 que se eliminou a referência expressa às remunerações, atento o disposto no 
 artigo 120.º, n.º 2, da Constituição.  Com efeito, nesta norma, cuja epígrafe é 
 
 «estatuto dos titulares de cargos políticos», estabelece-se que «a lei dispõe 
 sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos 
 políticos, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades».
 Por outro lado, no regime da reserva relativa sempre se incluiu a matéria da 
 organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e o estatuto dos 
 respectivos magistrados, tendo-se acrescentado a matéria das entidades não 
 jurisdicionais de composição de conflitos.
 
  
 
 6 — A reserva de competência da Assembleia da República
 
  
 
 6.1 — Da análise descritiva efectuada com vista à resolução das questões 
 suscitadas no pedido, ressalta que no domínio reservado de modo absoluto à 
 competência legislativa da AR só ela pode elaborar as leis, seguindo um processo 
 público de discussão das respectivas propostas e projectos com intervenção dos 
 deputados e aprovação final do órgão legislativo por excelência em sistemas 
 democráticos parlamentares.
 Neste âmbito de competência fica expressamente afastada a intervenção do 
 Governo, salvo no que se refere à apresentação de propostas de lei ao 
 parlamento, não sendo também possível verificarem-se concessões de autorizações 
 legislativas àquele órgão sobre matérias que caiam dentro do âmbito material da 
 reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República.
 
  
 
 6.2 — O âmbito material da reserva relativa de competência legislativa da AR é, 
 essencialmente, um domínio em que a Assembleia, tendo o predomínio do poder 
 legislativo, todavia pode reparti-lo, se assim o entender, com o próprio 
 Governo, através da concessão a este de autorizações legislativas, pelo que, se 
 o Governo vier a legislar sobre qualquer matéria incluída nesta reserva 
 relativa, sem estar devidamente credenciado com uma autorização parlamentar, tal 
 diploma é organicamente inconstitucional.
 Assim e sob a perspectiva da distribuição do poder legislativo que interessa 
 directamente para a resolução da questão que vem suscitada no pedido, a reserva 
 absoluta de lei parlamentar — isto é, a reserva absoluta de competência 
 legislativa da Assembleia da República — significa essencialmente que o Governo 
 não pode produzir, em tal domínio, qualquer legislação, sequer alterar ou 
 revogar a que exista.  Pelo seu lado, a Assembleia não pode limitar-se a regular 
 as bases gerais das referidas matérias (a não ser nos casos em que o artigo 
 
 167.º expressamente refere que a reserva de competência legislativa pode ter 
 esse limite) devolvendo ao Governo o seu desenvolvimento.  Por último e na 
 sequência da impossibilidade de a Assembleia conceder autorizações legislativas 
 nesta matéria, os diplomas que o parlamento produzir [salvo as hipóteses da 
 alínea i) e da parte final da alínea d) do artigo 167.º] devem esgotar toda a 
 normação legislativa.
 
  
 
 7 — O pedido de autorização legislativa
 
  
 Voltando agora ao caso dos autos, importa referir que o diploma cuja 
 conformidade constitucional se pretende que o Tribunal aprecie é um Decreto da 
 Assembleia da República pelo qual se concede autorização ao Governo para 
 legislar sobre o «estatuto dos Tribunais administrativos e fiscais» bem como 
 sobre o «estatuto dos respectivos magistrados judiciais».
 O problema que vem suscitado é o da conformidade à Lei Fundamental das normas do 
 artigo 1.º, em conjugação com o artigo 2.º, alíneas a), f) e g), cujo teor é o 
 seguinte:
 
  
 Artigo 1.º
 
  
 
 É concedida autorização ao Governo para legislar sobre o estatuto dos tribunais 
 administrativos e fiscais, incluindo a sua organização, competência, 
 funcionamento e alguns aspectos referentes aos seus meios processuais 
 específicos, bem como sobre o estatuto dos respectivos magistrados judiciais e 
 do Ministério Público.
 
  
 Artigo 2.º
 
  
 O sentido e a extensão da legislação a aprovar são os seguintes:
 
  
 a)  Criar um Tribunal Central Administrativo, situado em escalão intermédio 
 entre o Supremo Tribunal Administrativo e os Tribunais Administrativos de 
 Círculo, o qual receberá na respectiva Secção do Contencioso Administrativo 
 parte significativa das competências actuais daquele e destes e incorporará na 
 sua Secção do Contencioso Tributário o actual Tribunal Tributário de 2.º 
 Instância, mantendo-se o princípio do duplo grau de jurisdição;
 
 .........................................................       
 f)  Aperfeiçoar as regras relativas à composição e competência do Conselho 
 Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais;
 g)  Introduzir aperfeiçoamentos no Estatuto dos juízes do contencioso 
 administrativo e fiscal, alargando o recrutamento para a respectiva magistratura 
 a licenciados em direito com cursos específicos e a docentes universitários de 
 direito administrativo ou de direito fiscal que preencham determinados 
 requisitos.
 
  
 Com o pedido, questiona-se afinal a possibilidade de ser concedida ao Governo 
 autorização legislativa para emanar normação que crie o Tribunal Central 
 Administrativo, que altere a composição e competências do Conselho Superior dos 
 Tribunais Administrativos e Fiscais e que modifique o estatuto dos juízes do 
 contencioso administrativo e fiscal, designadamente no respeitante ao 
 alargamento das áreas de recrutamento.
 De acordo com o fundamento invocado — tratar-se de matérias que «a melhor 
 doutrina considera deverem ser incluídas no âmbito da reserva absoluta de 
 competência legislativa da Assembleia da República», dado o seu «relevo 
 político-constitucional», decorrente «da consideração de que os Tribunais têm 
 uma posição idêntica à dos outros órgãos constitucionais de soberania e de que 
 os juízes são titulares de órgãos de soberania» — e a forma final do pedido — 
 invocando como norma violada o artigo 167.º, alínea l), da Constituição da 
 República — tem de se concluir que vem questionada a possível violação das 
 normas sobre competência legislativa.
 Sendo uma e única a questão posta — é legítima a concessão de autorização 
 legislativa em tais matérias? — ela acaba por ter de ser apreciada na tripla 
 vertente que a seguir se enuncia:
 
  
 
 —  pode a Assembleia da República conceder ao Governo autorização para legislar 
 sobre a criação do Tribunal Central Administrativo, com a configuração 
 desenhada?
 
 —  e para modificação, no sentido do aperfeiçoamento, da composição e 
 competências do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais?
 
 —  e para modificação, também no sentido do aperfeiçoamento, do estatuto dos 
 Juízes do contencioso administrativo e fiscal, com o alargamento das áreas de 
 recrutamento?
 
  
 São estas as questões que importa resolver.
 
  
 
 8 — A criação do Tribunal Central Administrativo
 
  
 A autorização legislativa pedida e concedida ao Governo visava, em primeira 
 linha, a alteração do estatuto dos tribunais administrativos e fiscais por forma 
 a criar, situando-o hierarquicamente entre os Tribunais Administrativos de 
 Círculo (TAC’s) e o Supremo Tribunal Administrativo (STA), o Tribunal Central 
 Administrativo (TCA), com uma secção de contencioso administrativo e uma secção 
 de contencioso tributário, recebendo, a primeira, parte das competências da 
 secção do contencioso administrativo do STA e dos TAC’s e a segunda, a 
 competência do Tribunal Tributário de 2.ª instância, tal como actualmente 
 existe.
 Decorre do texto da autorização que o tribunal a criar não seria inteiramente 
 novo no que respeita à competência tributária, pois nesta matéria desde há muito 
 que existe um tribunal intermédio (cfr. o Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de 
 Abril, que transformou o antigo Tribunal de 2.ª Instância das Contribuições e 
 Impostos em Tribunal Tributário de 2.ª Instância).
 A inovação — como bem se salienta no pedido — respeita essencialmente à matéria  
 do contencioso administrativo, sendo indiscutível que com a criação deste 
 tribunal intermédio se modificam de forma profunda as regras até agora 
 estabelecidas para efectuar o controlo jurisdicional dos actos praticados por 
 
 «titulares dos órgãos de poder público».
 Vejamos.
 
  
 
 8.1 — Até 31 de Dezembro de 1984, no domínio do Código Administrativo e da Lei 
 Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo (LOSTA), a jurisdição administrativa 
 era constituída, na primeira instância, pelas Auditorias de Lisboa e Porto e 
 pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), funcionando em secções ou em 
 Plenário, competindo à secção do contencioso administrativo do STA «conhecer dos 
 recursos interpostos das decisões definitivas e executórias dos Ministros e 
 Subsecretários de Estado, ou tomadas por delegação sua, e dos órgãos dirigentes 
 dos serviços personalizados do Estado dotados de autonomia administrativa, 
 quando arguidas de incompetência, usurpação ou desvio de poder, vício de forma 
 ou violação de lei, regulamento ou contrato administrativo (artigo 15.º, n.º 1, 
 da LOSTA).  Destas decisões da 1.º Secção do STA cabia recurso para o Tribunal 
 Pleno, salvo em matéria disciplinar, em que só seria admissível quando a pena 
 aplicada alcançasse um certo nível de gravidade (artigo 25.º, § 1.º, n.º 1, da 
 LOSTA).
 O Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, que aprovou o Estatuto dos Tribunais 
 Administrativos e Fiscais (ETAF), ao entrar em vigor em 1 de Janeiro de 1985, 
 veio estabelecer uma orgânica nova para os tais tribunais.  De facto, as 
 auditorias foram substituídas pelos tribunais administrativos de círculo 
 
 (TAC’s), tendo-se procedido a uma nova repartição de competências entre estes 
 tribunais e o STA.
 Assim, dos actos administrativos praticados por órgãos da administração local, 
 bem como por órgãos da administração central que não sejam órgãos governativos, 
 ainda que praticados por delegação de membros do Governo, cabe recurso para os 
 TAC’s e das decisões destes tribunais existe recurso para a 1.ª Secção do STA.
 Dos actos administrativos praticados pelo Governo da República e dos praticados 
 pelos governos regionais dos Açores e Madeira cabe recurso directo para as 
 subsecções da 1.ª Secção do Contencioso Administrativo do STA (de acordo com o 
 disposto no artigo 26.º).  Destas decisões da Secção pelas subsecções há recurso 
 para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo [artigo 24.º, alínea a), do 
 ETAF]. 
 No que se refere às acções sobre contratos administrativos, responsabilidade da 
 Administração por actos de gestão pública e sobre reconhecimento de direitos ou 
 interesses legalmente protegidos, a competência para conhecer dessas acções 
 cabe, em primeira instância, aos tribunais administrativos, com recurso para a 
 
 1.ª Secção do Contencioso Administrativo do STA.
 
  
 
 8.2 — Analisada sinteticamente a estrutura da jurisdição administrativa em 
 vigor, importa referir, antes de entrar na apreciação do pedido, os motivos 
 constantes da exposição que antecedem a proposta de lei apresentada ao 
 Parlamento e que está na base do pedido formulado.
 Com efeito, não é possível face ao mero teor da alínea a) do artigo 2.º do 
 Decreto da Assembleia da República em apreciação, o Tribunal determinar com 
 rigor qual a parte da competência que virá a caber ao Tribunal Central 
 Administrativo, nesta redistribuição de competência, sendo todavia certo que 
 quaisquer que sejam as competências que, oriundas do STA ou dos TAC’s, lhe 
 venham a ser conferidas, sempre se manterá o princípio do duplo grau de 
 jurisdição conforme resulta da parte final da alínea a) do artigo 2.º em causa.
 Escreve-se na «Exposição de motivos»:
 
  
 Acontece, no entanto, que, passados 10 anos, todos os tribunais administrativos 
 portugueses — e de modo muito particular o Supremo Tribunal Administrativo — 
 estão de novo com uma sobrecarga de trabalho que se revela em absoluto 
 incomportável.
 Esta sobrecarga, aliada ao facto de um mesmo tribunal julgar em primeira e 
 segunda instância, não permite, por outro lado, que o Supremo Tribunal possa 
 contribuir, de uma maneira mais completa, para o avanço e apuro da ciência do 
 direito.
 
   
 Destinando-se o novo tribunal, na parte relativa ao contencioso administrativo, 
 a aliviar simultaneamente a sobrecarga de trabalho do Supremo Tribunal 
 Administrativo e dos tribunais administrativos de círculo, lógico é que as 
 respectivas competências venham a resultar de uma dupla transferência: uma 
 transferência descendente, que desloca competências actuais do Supremo para o 
 tribunal central, e uma transferência ascendente, que passa para este mesmo 
 tribunal competências actuais dos tribunais administrativos de círculo.
 
 3 — Destas transferências de competência resultará que a competência principal 
 dos três tribunais seja a seguinte:
 
  
 
              a)   Supremo Tribunal Administrativo: competir-lhe-á 
 essencialmente conhecer dos recursos das decisões do Tribunal Central 
 Administrativo proferidas em recursos directos para ele interpostos e, bem 
 assim, dos  recursos directos de actos praticados em matéria administrativa 
 pelos vários poderes do Estado, salvo, quanto aos actos administrativos do 
 Governo, se versarem matéria da função pública;
 
              b)   Tribunal Central Administrativo: competir-lhe-á 
 fundamentalmente conhecer dos recursos das decisões dos tribunais 
 administrativos de círculo, dos recursos dos actos do Governo em matéria de 
 função pública, dos recursos dos actos da alta administração pública e dos 
 
 órgãos independentes do Estado, dos órgãos dos Regiões Autónomas, dos órgãos 
 superiores da administração central, dos institutos públicos e das associações 
 públicas de âmbito nacional e regional, bem como dos pedidos de declaração de 
 ilegalidade de regulamentos de âmbito nacional;
 
              c)   Tribunais Administrativos de Círculo: competir-lhes-á 
 basicamente conhecer dos recursos dos actos dos órgãos não políticos do Estado 
 e das Regiões Autónomas, dos actos dos governadores civis e assembleias 
 distritais, dos institutos públicos e das associações públicas de âmbito 
 municipal ou inter-municipal, das autarquias locais e das suas associações e 
 serviços autónomos, das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e 
 dos concessionários, bem como dos pedidos de declaração de ilegalidade de 
 regulamentos de âmbito local, e ainda de todas as acções administrativas.
 
  
 Significa isto que, com o Tribunal que se pretende criar através da autorização 
 legislativa pedida, se visa desbloquear a acumulação processual existente nos 
 tribunais que serão amputados das respectivas competências, sem que, por esse 
 facto, venham a diminuir as garantias dos cidadãos administrados, uma vez que 
 sempre se mantém o direito de recurso num duplo grau de jurisdição.
 
  
 
 8.3 — Já atrás se referiu que a criação de um concreto tribunal — produzindo 
 embora um novo órgão de soberania —  não está todavia sujeita a uma reserva 
 absoluta de competência legislativa da Assembleia da República (artigo 167.º).
 Na verdade, não consta também da reserva de competência política a necessidade e 
 exclusividade da intervenção da Assembleia da República (artigo 164.º) para tal 
 efeito, devendo enquadrar-se tal competência no âmbito da alínea q) do n.º 1 do 
 artigo 168.º da Constituição, ou seja, dentro do domínio de competência relativa 
 da Assembleia da República, na medida em que afinal se trata, em derradeira 
 análise, de matéria que tem a ver com a organização e competência dos tribunais.
 Por outro lado, como resulta com nitidez da exposição de motivos atrás 
 transcrita, do que se trata afinal é de uma redistribuição de competências entre 
 os actuais TAC’s e a 1.ª Secção do STA, sem que ao tribunal central 
 administrativo agora criado sejam atribuídas competências inovadoras ou que 
 alarguem ou ampliem as que actualmente já existem, embora conferidas a tribunais 
 diferentes.
 
 É certo que a criação de um novo tribunal intermédio, em matéria de jurisdição 
 administrativa que se pretende que lhe seja atribuída, se interfere com as 
 competências específicas dos tribunais existentes — uma vez que se vem 
 posicionar hierarquicamente no meio deles —, todavia, tal como está concebido, 
 não afecta a competência constitucionalmente definida para os tribunais 
 administrativos e fiscais.
 Seja como for, porque nesta matéria relativa à criação de um concreto tribunal, 
 como já se referiu atrás, é legítimo o pedido pelo Governo e a concessão pela 
 Assembleia da República de uma autorização legislativa para sobre ela legislar, 
 não ocorre, por isso, no caso em apreço, qualquer vício de inconstitucionalidade 
 quanto à criação do Tribunal Central Administrativo.
 
  
 
 9 — Indicação de sequência
 
  
 A segunda questão que vem suscitada pelo Presidente da República reporta-se à 
 legitimidade da autorização legislativa para modificar a composição e 
 competências do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais 
 
 (CSTAF).
 Cumpria tratar agora desta questão.  Porém, a autorização legislativa concedida 
 ao Governo para modificar a composição e competências do Conselho Superior dos 
 Tribunais Administrativos e Fiscais, pelo Decreto em apreço, dada a forma 
 utilizada («aperfeiçoar as regras») consente que nela possam vir a ser 
 abrangidas matérias que, no respeitante à alteração da composição do CSTAF, 
 podem afectar a «independência interna» do Conselho, com repercussão na própria 
 independência dos juízes, o que desde logo afectaria as garantias estatutárias.
 No que se refere à modificação das competências do CSTAF, uma vez que o núcleo 
 essencial desta competência e que está constitucionalmente definido, se reporta 
 
 à nomeação, colocação, transferência e promoção dos juízes e ao exercício da 
 acção disciplinar, aspectos estes todos eles integradores do conteúdo essencial 
 do estatuto dos juízes, enquanto titulares de órgãos de soberania, a autorização 
 concedida pelo Decreto pode também afectar matéria nuclear do referido estatuto.
 Assim, e, independentemente de saber se o CSTAF é ou não um órgão 
 constitucional, para efeitos da 2.ª parte da alínea l) do artigo 167.º da 
 Constituição — questão que não se torna necessário agora resolver —, havendo que 
 decidir se o estatuto dos juízes é ou não matéria de reserva absoluta de 
 competência legislativa da Assembleia da República (última questão suscitada 
 pelo Presidente da República), parece aconselhável que se aprecie a questão da 
 modificação da composição e competências do CSTAF, na parte aqui relevante, 
 apenas depois de se resolver a questão relativa ao estatuto dos juízes.
 Assim, passa-se de imediato à apreciação desta questão para voltar, depois dela 
 resolvida, a tratar da questão do Conselho Superior.
 
 10 — Estatuto dos Juízes
 
  
 O Presidente da República questiona, relativamente a esta matéria, a 
 legitimidade da modificação do Estatuto dos Juízes dos Tribunais Administrativos 
 e Fiscais, no sentido de proceder ao alargamento das áreas de recrutamento 
 desses juízes.
 
  
 
 10.1 — Nesta matéria, o pedido de autorização legislativa vem assim 
 fundamentado:
 
  
 
 7 — Num plano bem diverso introduzem-se ainda duas importantes inovações no que 
 toca ao estatuto dos juízes do contencioso administrativo e fiscal.
 Por um lado, atendendo à necessidade imperiosa de acentuar a formação 
 profissional especializada, quer inicial quer em exercício, dos juízes do 
 contencioso administrativo e fiscal, e enquanto o Centro de Estudos Judiciários 
 a não puder assegurar, alarga-se o acesso à respectiva magistratura a 
 licenciados em Direito habilitados com cursos equivalentes ad hoc, a realizar 
 mediante acordo prévio entre o Ministério da Justiça, o Conselho Superior dos 
 Tribunais Administrativos e Fiscais e as Faculdades de Direito ou o Instituto 
 Nacional de Administração.
 Por outro lado, podem ainda candidatar-se ao concurso de provimento nos 
 tribunais administrativos de círculo e nos tribunais tributários e aduaneiros os 
 docentes universitários de Direito Administrativo ou de Direito Fiscal com, pelo 
 menos, dois anos de serviço, e os doutores e mestres nas mesmas especialidades 
 sem esta última exigência.
 
  
 Está portanto, em causa, o alargamento das áreas de recrutamento dos juízes dos 
 tribunais administrativos e fiscais, ou seja, matéria que integra o estatuto 
 destes juízes.
 Importa, por isso, traçar aqui uma síntese do que estabelece a este respeito tal 
 estatuto.
 
  
 
 10.2 — De acordo com o preceituado no artigo 77.º do ETAF, o regime estatutário 
 dos magistrados do contencioso administrativo e fiscal é complexo: «os juízes 
 dos tribunais administrativos e fiscais formam um corpo único e regem-se pelo 
 disposto na Constituição da República Portuguesa sobre a independência, a 
 inamovibilidade, a irresponsabilidade e as incompatibilidades dos juízes, por 
 este estatuto e, com as necessárias adaptações, pelo Estatuto dos Magistrados 
 Judiciais».
 No que respeita ao seu recrutamento, o artigo 85.º do ETAF estabelece que «os 
 juízes dos tribunais administrativos de círculo, dos tribunais tributários de 
 
 1.ª instância e dos tribunais fiscais aduaneiros são recrutados de entre juízes 
 de direito com classificação não inferior a Bom, seleccionados e graduados 
 mediante apreciação curricular e discussão de, pelo menos, um trabalho do 
 candidato sobre matéria de direito administrativo ou tributário, com relevância 
 para o respectivo contencioso a) e de entre licenciados que tenham frequentado 
 com aproveitamento cursos e estágios de formação para juízes dos tribunais 
 administrativos e fiscais no âmbito do Centro de Estudos Judiciários b).
 São assim óbvias as modificações que se pretende introduzir: por um lado, a 
 criação de cursos realizados ad hoc para habilitar licenciados em Direito ao 
 acesso à magistratura do contencioso administrativo e fiscal e, por outro lado, 
 a admissibilidade ao concurso de provimento nos tribunais em causa de docentes 
 universitários nos ramos de direito administrativo ou fiscal que tenham dois 
 anos de serviço e de doutores e mestres das mesmas especialidades, sem exigência 
 de tempo de serviço.
 
  
 
 10.3 — A questão que vem suscitada no pedido é de saber se esta matéria, 
 respeitando, directa e inequivocamente, ao estatuto dos juízes do contencioso 
 administrativo e fiscal, pode constituir objecto de uma autorização legislativa.
 A este respeito — estatuto dos Juízes —, escrevem Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 667) em 
 comentário ao artigo 167.º, alínea l), da Constituição, que «quanto aos juízes, 
 não é seguro se estão incluídos aqui, enquanto ‘titulares de órgãos de 
 soberania’ (os tribunais), ou se estão abrangidos no artigo 168.º, n.º 1, alínea 
 q), sobre a competência legislativa reservada apenas relativamente em matéria de 
 organização dos tribunais».
 Esta dúvida tem vindo a manter-se porquanto o próprio Estatuto dos Magistrados 
 Judiciais, aprovado por lei da Assembleia da República (Lei n.º 21/85, de 30 de 
 Julho) invoca como normas fundantes o artigo 164.º, alínea d), artigo 168.º, n.º 
 
 1, alínea q), e o artigo 169.º, n.º 2, da Constituição com total omissão do 
 artigo 167.º, alínea l), todos da Constituição.  Acresce também que o próprio 
 diploma criador do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos Fiscais e que 
 contém disposições sobre o estatuto daqueles    juízes foi aprovado por simples 
 decreto-lei do Governo, editado, como se referiu, no uso de autorização 
 legislativa em 1984, embora depois ratificado, com alterações, pela Lei n.º 
 
 4/86, de 21 de Março.
 Importa por isso analisar mais detidamente as normas em causa, por forma a que o 
 Tribunal decida a questão acima equacionada.
 
 10.4 — Como se referiu atrás nos pontos 5 e 6, aquando da 1.ª revisão 
 constitucional, em que se desdobrou o artigo 167.º da Constituição de 1976 em 
 dois preceitos, um contendo matéria da reserva absoluta de competência 
 legislativa da Assembleia (artigo 167.º) e outro integrando matéria da reserva 
 relativa dessa competência (artigo 168.º), o critério decisivo para tal 
 separação de competências foi o de que na reserva absoluta se haveriam de 
 incluir as matérias de maior relevo jurídico-constitucional, para cuja aprovação 
 em forma de lei se deveria sempre exigir uma discussão pública na qual 
 interviessem todos os representantes das diversas opções políticas presentes na 
 Assembleia da República, sujeitando-se assim tais matérias à passagem pelo crivo 
 democraticamente relevante da discussão política parlamentar.
 Estas matérias ficariam excluídas da possibilidade de sobre elas o Governo 
 legislar mesmo através de uma autorização legislativa, pois o sentido da reserva 
 absoluta aponta para o reforço da componente parlamentar com exclusão de 
 qualquer intervenção do executivo, não sendo por isso tais matérias susceptíveis 
 de autorização legislativa.
 Entre estas matérias incluídas no artigo 167.º consta na alínea l) o «Estatuto 
 dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local».  Ora, como também já se 
 referiu supra, os tribunais são órgãos de soberania expressamente previstos na 
 Constituição (artigo 113.º, n.º 1), e os seus titulares são os juízes.
 Assim, enquanto titulares de um órgão de soberania — os Tribunais —parece que 
 deveria concluir-se sem mais que o estatuto dos juízes deveria ser matéria da 
 reserva absoluta da Assembleia da República.
 
  
 
 10.5 — Porém, a Constituição ao elencar as matérias que integram a reserva 
 relativa de competência da Assembleia da República (1.ª revisão constitucional), 
 manteve, na alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º, a matéria respeitante à 
 
 «organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos 
 respectivos magistrados», podendo ver-se prima facie na letra do preceito também 
 incluída a matéria do «estatuto dos juízes».
 Há, por isso, necessidade de compatibilizar as duas normas constitucionais por 
 forma a delimitar o âmbito de competência de cada uma delas, uma vez que não é 
 admissível a existência no mesmo diploma fundamental de duas normas sobre 
 competência legislativa cujo recorte material se sobreponha, mas postulando 
 exigências profundamente diversas quanto à forma de exercício dessa competência.
 O Tribunal entende que o modo razoável de efectuar a compatibilização das duas 
 referidas normas é o de considerar que o estatuto dos juízes, enquanto titulares 
 do órgão de soberania «Tribunais» pertence à competência legislativa reservada 
 da Assembleia da República, achando-se incluída na alínea l) do artigo 167.º da 
 Constituição, reportando-se a alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º quando refere a 
 
 «organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos 
 respectivos magistrados»  na parte respeitante ao inciso «estatuto»  apenas ao 
 estatuto dos magistrados do Ministério Público.
 Vejamos as razões que podem ser aduzidas em defesa de um tal entendimento.
 
  
 
 10.6 — Como se referiu atrás (ponto 3, deste acórdão), a Constituição depois de, 
 no artigo 113.º, n.º 1, estabelecer que os Tribunais são órgãos de soberania, 
 desenvolve na sua Parte iii sob a epígrafe «Organização do Poder Político», 
 Título v «Os Tribunais», os princípios gerais desta matéria, começando por 
 afirmar no artigo 205.º que «os tribunais são os órgãos de soberania com 
 competência para administrar a justiça em nome do povo».
 
 É desde logo inequívoco que aos juízes cabe a qualificação de titulares dos 
 
 órgãos de soberania que são os Tribunais.
 Ora, a matéria relativa ao estatuto dos juízes é, sem dúvida, uma daquelas que, 
 pela importância que os Tribunais e a função jurisdicional assumem no sistema 
 global da Constituição, se repercute, por via das alterações que lhe forem 
 introduzidas em toda a vida comunitária, uma vez que constitui o cerne de uma 
 das funções mais relevantes do Estado de direito democrático; por essa razão, 
 merece ver os diplomas que a tenham por objecto sujeitos a uma discussão pública 
 e pluralista, retirando-a do âmbito das autorizações legislativas.
 Por outro lado, na ausência de elementos decorrentes da discussão parlamentar 
 sobre a revisão constitucional que veio a aprovar a Lei Constitucional n.º 1/82, 
 de 30 de Setembro, e de outros elementos sistemáticos que permitam ao intérprete 
 tomar uma posição que aponte decisivamente para um entendimento restritivo do 
 conteúdo da alínea l) do artigo 167.º [v. g., no sentido de que a mesma alínea, 
 tendo resultado da eliminação da alínea u) da versão originária do artigo 167.º, 
 que estabelecia a reserva de competência legislativa quanto à remuneração do 
 Presidente da República, dos Deputados, dos membros do Governo e dos juízes dos 
 tribunais superiores, apenas contemplaria relativamente aos juízes o aspecto 
 remuneratório, já que se manteve a alínea j) da versão originária como alínea q) 
 da versão de 1982], tem de se concluir no sentido de que não é legítimo ao 
 intérprete fazer distinções onde a própria lei não distingue.
 Acresce que uma interpretação sistemática da Lei Fundamental impõe que os 
 conceitos jurídicos utilizados na Constituição devam ser lidos com a dimensão e 
 alcance que ela própria lhes outorga.  Assim, se no artigo 167.º, alínea l), a 
 Constituição refere o «estatuto dos titulares dos órgãos de soberania» como da 
 reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia e se os juízes dos 
 Tribunais são eles próprios titulares de órgãos de soberania enquanto exercem 
 tais funções, apenas a demonstração da existência de um fundamento material 
 bastante, extraído de modo nítido e inequívoco de quaisquer elementos 
 interpretativos disponíveis, poderá levar o intérprete e aplicador da norma a 
 
 «ler» na referida alínea constitucional todos os outros titulares de órgãos de 
 soberania, excluindo os juízes dos tribunais, ou restringindo o âmbito do seu 
 estatuto a algumas normas directamente respeitantes a tal titularidade.
 Sem dúvida que seria possível tentar realizar a compatibilização das duas normas 
 através da descoberta de um critério material que permitisse manter dentro da 
 competência legislativa absoluta da Assembleia apenas as normas relativas ao 
 estatuto dos juízes que directamente respeitassem à sua qualidade de titulares 
 de um órgão de soberania remetendo para a competência relativa as que 
 respeitassem essencialmente ao aspecto profissional do juiz com referência à 
 organização e competências dos próprios tribunais.
 
 É certo que é possível encontrar no estatuto dos juízes normas que, por se 
 mostrarem directamente relacionadas com a própria e específica organização dos 
 tribunais, não repugnaria ver retiradas do âmbito desse estatuto e inseridas no 
 particular domínio organizacional desses órgãos de soberania.
 Tratar-se-ia primordialmente de normas relacionadas com a afectação de juízes 
 aos diferentes tribunais e com a própria movimentação dos magistrados dentro das 
 diferentes categorias de tribunais na mesma ordem jurisdicional.  Estas normas, 
 em princípio, não poriam em causa a relação de titularidade do órgão de 
 soberania — este, enquanto tal, tem de se caracterizar pela permanência e 
 continuidade, enquanto que a titularidade é, em regra, temporária — mas apenas 
 se reportariam aos aspectos organizacionais do próprio órgão.
 Esta possibilidade, todavia, não só estaria votada ao insucesso pela extrema 
 dificuldade em definir um critério material que pudesse permitir separar, com 
 segurança, normas estatutárias para as submeter a diferente regime de garantia 
 de formação como também, e desde logo, tal hipótese não conseguiria encontrar um 
 mínimo de apoio quer nos trabalhos preparatórios quer no próprio elemento 
 sistemático.
 Por outro lado, mesmo que se pudesse discernir um tal critério separador, o 
 certo é que, no caso em apreço, a matéria, relativamente à qual se suscitam 
 dúvidas de constitucionalidade, nunca poderia ser considerada como matéria que 
 pudesse integrar-se nos aspectos meramente organizacionais do estatuto dos 
 juízes para poder ser retirada do âmbito do núcleo essencial desse estatuto, 
 enquanto titulares de cada um dos órgãos de soberania que são os Tribunais.
 Com efeito, o que vem verdadeiramente questionado é o alargamento da área de 
 recrutamento dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais.  Ora, esta 
 matéria nada tem a ver quer com aspectos organizacionais, quer com aspectos de 
 afectação individual de juízes: do que se trata é de abrir o âmbito pessoal de 
 recrutamento de juízes para todo e qualquer tribunal administrativo e fiscal, 
 isto é, dos futuros titulares de órgãos de soberania.
 Ora, esta matéria insere-se inequivocamente no âmbito pessoal do estatuto dos 
 juízes e vem a afectar decisivamente a situação estatutária de titularidade de 
 
 órgão de soberania de todos quantos se encontram já a desempenhar tais funções 
 dentro dos tribunais administrativos e fiscais.  Sendo, por isso, uma matéria 
 característica do estatuto dos juízes e sendo estes titulares de cada um dos 
 
 órgãos de soberania que são os Tribunais, tal matéria não pode deixar de se 
 considerar incluída na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia 
 da República, nos termos do que se dispõe na alínea l) do artigo 167.º da 
 Constituição da República (versão actual).
 Neste sentido aponta inegavelmente o facto de a Constituição no seu Título v, 
 sob a epígrafe «Tribunais», conter o Capítulo i, sobre os «Princípios Gerais» 
 
 (artigos 205.º a 210.º), o Capítulo ii relativo à «Organização dos Tribunais» 
 
 (artigos 211.º a 216.º) e o Capítulo iii, sob a epígrafe «Estatuto dos Juízes» 
 onde se referem os  princípios constitucionais que definem este estatuto, 
 designadamente a unidade do mesmo, a forma de recrutamento dos magistrados 
 judiciais da 1.ª e 2.ª instâncias, o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça 
 
 (artigo 217.º); as garantias e incompatibilidades dos juízes (artigo 218.º); a 
 nomeação, colocação, transferência, promoção dos juízes e o exercício da acção 
 disciplinar (artigo 219.º), e finalmente (artigo 220.º) se estabelece a 
 composição do Conselho Superior da Magistratura e se aplica aos seus vogais as 
 regras sobre garantias dos juízes.
 Considera-se assim que dos preceitos atrás referidos resulta um conceito 
 constitucionalmente adequado do estatuto dos juízes enquanto titulares de órgãos 
 de soberania, e que pela própria relevância sistemática derivada do atrás 
 referido enquadramento constitucional, é matéria que tem necessariamente de se 
 considerar integrada na reserva absoluta da competência da Assembleia.
 Acresce ainda que não faria sentido não considerar o estatuto dos juízes dos 
 tribunais administrativos e fiscais incluído em tal reserva, quando é certo que 
 o estatuto dos titulares do próprio Conselho Superior do Ministério Público 
 
 (entre outros órgãos constitucionais que se podiam citar) aí há-de ser incluído, 
 pois se trata de um órgão constitucional (artigo 222.º, n.º 2), sendo certo que 
 o Ministério Público, nos termos do n.º 2 do artigo 221.º da Constituição, goza 
 de estatuto próprio e de autonomia, enquanto que os tribunais são independentes 
 e apenas estão sujeitos à lei (artigo 206.º), independência esta que se 
 transmite aos próprios juízes enquanto titulares daqueles órgãos de soberania.
 No sentido de que a matéria do estatuto dos juízes se integra decididamente no 
 
 âmbito da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da 
 República, pronuncia-se Cardoso da Costa (in A Jurisdição Constitucional em 
 Portugal, 2.ª ed., revista e actualizada, Coimbra, 1992, p. 20, nota 18), onde 
 escreve:
 
  
 Diversamente, a reserva do artigo 168.º, n.º 1, alínea q), CR, respeitante à 
 
 «organização e competência dos tribunais», em geral, assume um carácter 
 meramente «relativo» (quer dizer, permite a delegação no Governo).  Já, porém, 
 há-de entender-se que o «estatuto» dos juízes em geral, volta a integrar — como 
 o dos juízes do Tribunal Constitucional e o dos titulares dos restantes órgãos 
 de soberania — a matéria de reserva parlamentar «absoluta», agora por força do 
 artigo 167.º, alínea l), CR (e que a referência daquele outro preceito ao 
 
 «estatuto dos respectivos magistrados» se reporta, assim, apenas ao do 
 Ministério Público).
 
  
 Assim, o estatuto dos juízes, enquanto titulares de cada um dos órgãos de 
 soberania que são os Tribunais, não pode deixar de se considerar como estando 
 incluído no âmbito da norma do artigo 167.º, alínea l), da Constituição.
 O que vale por dizer que quanto a tal matéria — modificação do estatuto dos 
 juízes — não é legítima a concessão de uma autorização legislativa ao Governo 
 para legislar sobre ela, pelo que, nesta parte, a norma constante do artigo 1.º 
 do Decreto n.º 266/vi da Assembleia da República, conjugada com o disposto na 
 alínea g) do artigo 2.º do mesmo Decreto, quando concede autorização ao Governo 
 para legislar sobre a introdução de aperfeiçoamentos no estatuto dos Juízes do 
 contencioso administrativo e fiscal, com o alargamento das áreas de 
 recrutamento, viola o preceituado na alínea l) do artigo 167.º da Constituição.
 
  
 
 11 — O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais
 
  
 Alcançada uma conclusão quanto à matéria do estatuto dos juízes, importa voltar 
 
 à questão deixada em aberto relativa à introdução de aperfeiçoamentos sobre a 
 composição e competências do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e 
 Fiscais.
 
  
 
 11.1 — Este Conselho foi criado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril 
 
 (ETAF), ratificado com alterações pela Lei n.º 4/86, de 21 de Março.  Com 
 efeito, foi pelo artigo 98.º, n.º 1, deste diploma que se deu vida ao CSTAF, ali 
 configurado como «órgão de gestão e disciplina da jurisdição administrativa e 
 fiscal».
 Este Conselho tinha as competências constantes das diversas alíneas do n.º 2 do 
 referido preceito e a composição que constava do artigo 99.º, na redacção da Lei 
 n.º 4/86.
 Importa referir quanto à competência deste Conselho que lhe cabia 
 designadamente, «nomear, colocar, transferir, promover, exonerar e apreciar o 
 mérito profissional dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais e exercer 
 a acção disciplinar relativamente a eles» [alínea a) do n.º 2 do artigo 98.º]; 
 
 «proceder à selecção e graduação a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 
 
 85.º» [alínea b)]; «conhecer de reclamações das decisões em matéria 
 administrativa e disciplinar dos presidentes e juízes dos tribunais 
 administrativos» [alínea c)]; «aprovar o regulamento interno do Conselho» 
 
 [alínea f) do artigo 98.º].
 No que respeita à composição, o CSTAF é presidido pelo Presidente do STA e 
 integra a sua composição um juiz eleito de entre e pelos juízes da Secção de 
 Contencioso Administrativo do STA, um juiz eleito de entre e pelos juízes da 
 Secção do Contencioso Tributário do STA, um juiz dos TAC’s eleitos pelos seus 
 pares, um juiz dos Tribunais Tributários de 1.ª instância ou dos tribunais 
 fiscais aduaneiros eleitos pelos seus pares, um jurista de reconhecida 
 competência em matérias administrativas e com experiência na administração 
 activa, designado pela Assembleia da República, um jurista de reconhecida 
 competência em matérias fiscais e com experiência na administração activa, 
 também designado pela Assembleia da República, um docente da Faculdade de 
 Direito que tenha regido disciplinas de direito administrativo e outro que tenha 
 regido disciplinas de direito fiscal, ambos designados pela Assembleia da 
 República e finalmente, um jurista de reconhecido mérito designado pela 
 Assembleia da República.
 
  
 
 11.2 — Importa referir que, à data da criação deste Conselho, pelo diploma 
 referido que foi emitido ao abrigo da Lei de Autorização Legislativa n.º 29/83, 
 de 8 de Setembro, a Constituição da República, em matéria de tribunais 
 administrativos e fiscais, apenas previa como possível a sua existência (artigo 
 
 212.º, n.º 2, 1.ª parte, da Constituição, na versão da Lei Constitucional n.º 
 
 1/82), estabelecendo no n.º 3 desta referida disposição que «a lei determina os 
 casos e as formas em que os tribunais previstos nos números anteriores se podem 
 constituir, separada ou conjuntamente, em tribunais de conflitos».
 E, na mesma versão da Lei Fundamental — artigo 222.º, n.º 2 —, estabelece-se que 
 
 «a lei define as regras e determina a competência para a colocação, 
 transferência e promoção, bem como para o exercício da acção disciplinar em 
 relação aos juízes dos restantes tribunais, com salvaguarda das garantias 
 previstas na Constituição».
 Nenhuma referência existia, na Constituição, ao CSTAF, que não tinha, assim, 
 existência constitucional.
 
  
 
 11.3 — Mas, uma vez criado pelo referido diploma o Conselho como órgão de gestão 
 e disciplina dos juízes da jurisdição administrativa e fiscal, a revisão 
 constitucional de 1989 resolveu que os tribunais administrativos e fiscais 
 deixassem de ser tribunais meramente facultativos, como eram até ali, para 
 passarem a ser considerados como uma categoria de tribunais com um estatuto 
 próprio e, embora separado, de alguma forma paralelo ao dos tribunais judiciais, 
 com uma competência específica para o julgamento das questões expressamente 
 referidas no n.º 3 do artigo 214.º da Constituição (v. g., o julgamento das 
 acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios 
 emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais).
 Simultaneamente com esta «constitucionalização positiva» da jurisdição 
 administrativa e fiscal, o legislador constituinte de 1989 também alterou a 
 matéria do Estatuto dos Juízes e, no artigo 219.º, sob a epígrafe «Nomeação, 
 colocação, transferência e promoção de juízes»  (correspondente ao anterior 
 artigo 222.º — versão de 1982), introduziu um novo n.º 2 em que atribuiu a 
 competência para proceder à nomeação, colocação, transferência e promoção dos 
 juízes dos tribunais administrativos e fiscais, bem como para exercer a acção 
 disciplinar «ao respectivo conselho superior, nos termos da lei».
 E é esta a única referência que o texto constitucional faz ao CSTAF: confere 
 dignidade constitucional às funções que o ETAF já atribuía na alínea a) do n.º 2 
 do artigo 98.º ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
 Há assim um reconhecimento constitucional deste Conselho, sendo porém inegável 
 que, diferentemente do que acontece com o Conselho Superior da Magistratura o 
 qual tem a sua composição expressamente estabelecida na Constituição que por sua 
 vez define por forma rigorosa os estatutos dos seus membros (artigo 220.º), no 
 que se refere ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, para 
 além da referida atribuição de funções, a Constituição é totalmente omissa, 
 remetendo a totalidade do seu regime, incluindo a própria composição, para a 
 lei.
 Todavia, não pode deixar de se reconhecer que embora vendo remetida para a lei 
 parte do seu regime, o CSTAF, como órgão de gestão e disciplina dos juízes da 
 jurisdição administrativa e fiscal, deverá concretizar o modelo 
 jurídico-constitucional definido para o Conselho Superior da Magistratura, 
 designadamente como meio de garantir a autonomia dos respectivos juízes e sendo 
 também uma forma de garantia institucional da independência dos magistrados que 
 lhe estão sujeitos relativamente aos aspectos constitucionalmente mencionados no 
 n.º 2 do artigo 219.º da Constituição.
 Assim, a composição do CSTAF não pode deixar de se reflectir no próprio estatuto 
 dos juízes.  Com efeito, a estes não é necessariamente indiferente que a 
 composição dos membros do Conselho Superior, nomeadamente a qualidade destes 
 
 (ser ou não juiz), a sua origem (qual a entidade que os designa), a respectiva 
 relação intra-profissional (maioria de membros do Conselho     oriundos da 
 própria magistratura e eleitos pelos juízes ou maioria de membros exteriores à 
 magistratura), tudo elementos em que radica a componente essencial da 
 imparcialidade e isenção do tratamento dos magistrados da jurisdição 
 administrativa e fiscal e como tais repercutindo-se no núcleo essencial das 
 matérias que integram o estatuto dos juízes de quaisquer tribunais.
 No que respeita às competências do CSTAF, a ligação com o estatuto dos 
 respectivos juízes é ainda mais flagrante.  De facto, compete ao Conselho 
 Superior a nomeação, colocação, transferência e promoção dos juízes dos 
 tribunais administrativos e fiscais e bem assim, o exercício da respectiva acção 
 disciplinar, tudo matérias integradoras, sem margem para quaisquer dúvidas, do 
 estatuto dos respectivos juízes.  Acresce que tais competências estão 
 constitucionalmente reservadas àquele Conselho.
 Para além destas competências, importa referir que ao CSTAF compete ainda nos 
 termos do ETAF, «proceder à selecção e graduação a que se refere a alínea a) do 
 n.º 1 do artigo 85.º», ou seja, à selecção e graduação dos juízes dos tribunais 
 administrativos de círculo, dos tribunais tributários de 1.ª instância e dos 
 tribunais fiscais aduaneiros.
 Esta competência integra-se claramente no domínio do recrutamento e selecção dos 
 juízes dos tribunais administrativos e fiscais, ou seja, matéria que se inclui 
 dentro do âmbito do estatuto dos juízes, que no ponto anterior se concluiu 
 inserir-se no domínio da reserva absoluta da competência da Assembleia da 
 República.
 Nestes termos, e tratando-se de matérias que directa ou indirectamente respeitam 
 ao estatuto dos juízes enquanto titulares de órgãos de soberania, não pode 
 deixar de se concluir que a composição e as competências do Conselho Superior 
 dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nessa parte, pertence também à reserva 
 absoluta da Assembleia da República, não sendo admissível que quanto a ela se 
 peça e conceda autorização legislativa.
 Nesta parte, há que reconhecer que o Decreto da Assembleia da República em 
 análise, ao conceder autorização legislativa ao Governo para «aperfeiçoar as 
 regras relativas à composição e competências do Conselho Superior dos Tribunais 
 Administrativos e Fiscais, viola o preceituado no artigo 167.º, alínea l), da 
 Constituição da República Portuguesa.
 III — Decisão
 
  
 Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide:
 
  
 
       A)   Não se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma constante do 
 artigo 1.º do Decreto n.º 266/vi da Assembleia da República, conjugada com o 
 disposto na alínea a) do artigo 2.º do mesmo Decreto;
 
       B)   Pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes do 
 artigo 1.º do mencionado Decreto, quando conjugado com o disposto nas alíneas f) 
 e g) do seu artigo 2.º, por violação do preceituado no artigo 167.º, alínea l), 
 da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 Lisboa, 10 de Agosto de 1995. — Vítor Nunes de Almeida — Armindo Ribeiro Mendes 
 
 — Antero Alves Monteiro Diniz — Maria da Assunção Esteves — António Tavares da 
 Costa — Luís Nunes de Almeida — José Manuel Cardoso da Costa.
 
  
 
  
 
 (1) Acórdão publicado no Diário da República, I Série-A, de 6 de Setembro de 
 
 1995.