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Procº nº 736/00 
 1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida 
 ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: 
 
  1. - VS foi acusado e condenado, em processo comum colectivo, que correu termos pelo Tribunal de Círculo de Pombal, pela prática, como autor material, de um crime de violação previsto e punido pelo artigo 164º, nº1 do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão. 
  Não se conformando com o assim decidido, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que decidiu não tomar conhecimento do recurso, por ter considerado ser competente o Tribunal da Relação. 
  A Relação de Coimbra, por acórdão de 1 de Março de 2000, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida. 
  2. - Ainda inconformado com o acórdão da Relação, VS interpôs recurso para o STJ suscitando, entre outras questões, a de que 'teriam sido violadas as garantias de defesa do arguido', na medida em que, 'foi o Meritíssimo Juiz Presidente que determinou que a audiência fosse efectuada sem gravação, sem a anuência do arguido', sendo que 'tal decisão impossibilita que o arguido possa sindicar a fundamentação de facto da decisão ora impugnada o que viola as suas garantias de defesa e ofende o disposto no artº 32º, nº1, do C.P.P.' e, 'nessa medida tanto o acórdão da 1ª instância como o acórdão ora impugnado são inconstitucionais e por isso nulos, por ofensa ao disposto nos artigos 363º, 412º do C.P.P. e artº 32º, nº1, da C.R.P.'. 
  O relator no STJ pronunciou-se pela rejeição do recurso, pronúncia esta que veio a ser confirmada pela conferência do STJ, por acórdão de 
 1 de Junho de 2000. 
  Notificado desta decisão, VS veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), pois, 'no entender do recorrente não tendo o mesmo prescindido da documentação da prova, nos termos do artº 363º do C.P.P. e tendo o Tribunal de 1ª Instância determinado a sua não transcrição sem anuência do mesmo arguido e recorrente, foram violadas as garantias de defesa constitucionalmente consignadas no artº 32º, nº1, da Const. da República Portuguesa'. 
  Convidado pelo relator no STJ a indicar 'a norma ou normas cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie (...)', o recorrente veio responder (sem dúvida, por lapso) que 'o princípio constitucional violado foi o das garantias de defesa do arguido - artº 32º nº1 da Constituição da República Portuguesa, por ofensa do disposto no artigo 363º do C.P.P., uma vez que o Tribunal decidiu que o julgamento se fizesse sem a transcrição da prova, e sem que o arguido tivesse sido ouvido nessa matéria.' 
  O relator no STJ proferiu então um despacho não admitindo o recurso interposto, com base no seguinte encadeamento argumentativo: 
 - a norma cuja constitucionalidade vem questionada é a do artigo 363º do CPP, na interpretação adiantada pelo recorrente: o tribunal decidiu que o julgamento se fizesse sem a transcrição da prova, sem que, sobre tal matéria, tivesse ouvido o recorrente; 
 - como o recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70 da LTC, para dele conhecer exige-se que a norma tenha sido aplicada pela decisão recorrida, o que, no caso, não sucedeu, uma vez que o STJ não aplicou tal norma, mas sim a 1ª instância; 
 - Acresce que, na perspectiva do relator, o recurso é manifestamente improcedente, pois a norma em causa não impõe a documentação das declarações orais ( só imposta para o julgamento em tribunal singular e na ausência do arguido - artº 364º CPP); no caso (julgamento em colectivo) só teria lugar se o tribunal dispuser de meios estenográficos ou estenotípicos ou outros meios técnicos idóneos, mas da acta nada consta sobre esta matéria; 
 - Finalmente, a alegação de que o recorrente não foi ouvido sobre esta questão é inverídica: de facto, da acta consta que o Ministério Público e a defensora do arguido prescindiram da gravação da prova, só depois o juiz presidente determinou que a audiência se faria sem tal gravação. Como esta decisão não foi impugnada, transitou em julgado, pelo que também nesta perspectiva, o recurso é manifestamente improcedente. 
  Perante esta decisão de não admissibilidade do recurso de constitucionalidade, VS apresentou a presente reclamação. 
  3. - O representante do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista dos autos, emitindo parece no sentido do indeferimento da reclamação por óbvia falta de fundamento: o tribunal não aplicou a norma com o sentido inconstitucional que o recorrente lhe atribui, como decorre claramente da simples leitura da acta do julgamento de fls.6, dos presentes autos. 
  Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. 
  4. - Após a condenação no Tribunal de Círculo de Pombal, VS recorreu para o STJ e na motivação deste recurso, em parte nenhuma das sete conclusões então formuladas, foi suscitada a questão de constitucionalidade do artigo 363º do CPP. 
  Porém, o STJ entendeu que o recurso não visava estritamente matéria de direito, mas também a impugnação da factualidade apurada, pelo que se julgou incompetente, ordenando a remessa dos autos ao Tribunal da Relação. 
  Na Relação, ao apreciar-se este aspecto do recurso, foi entendido que não se podia sindicar os aspectos factuais que o recorrente questionava, uma vez que não houve documentação dos actos da audiência em primeira instância. 
  Face ao improvimento do recurso, o recorrente interpõe recurso da decisão da Relação para o STJ e aí suscita a questão referenciada no ponto 2, mas imputando-a à decisão, de acordo com as conclusões que formula: 
 '5 - Foi o Meritíssimo juiz Presidente que determinou que a audiência fosse efectuada sem gravação, sem a anuência do arguido. 
 6 - Tal decisão impossibilita que o arguido possa sindicar a fundamentação de facto da decisão ora impugnada, o que viola as suas garantias de defesa, e ofende o disposto no artº32º nº1 do C.P.P.. 
 7 - Nessa medida tanto o acórdão de 1ª instância, como o acórdão ora impugnado são inconstitucionais e por isso nulos, por ofensa ao disposto no artº 363º, 
 412º do C.P.P. e artº 32º nº1 da C.R.P.'. 
  Nesta parte, o recurso foi julgado no STJ manifestamente improcedente por a decisão do Juiz Presidente ter sido tomada após audiência do Ministério Público e da mandatária do arguido e tal decisão não ter sido impugnada e ter transitado. 
  A presente reclamação assenta em que o reclamante não prescindiu expressamente da documentação da prova e em que a referência que consta da acta de julgamento de 1ª instância se reporta a outra questão em que a reclamante e o Ministério Público acordaram. 
  Vejamos. 
  5. - Independentemente do facto de a questão de constitucionalidade não ter sido suscitada de forma processualmente adequada, uma vez que o reclamante a imputa expressamente aos acórdãos tanto da 1ª instância como ao acórdão da Relação, o certo é que a reclamação tal como vem apresentada tem de ser indeferida. 
  Com efeito, o reclamante questiona a constitucionalidade do artigo 363º do CPP, enquanto interpretado como tendo sido determinada a não documentação da prova sem a anuência do arguido, caso em que seria violadas as suas garantias de defesa. 
  Porém, é manifesto que nem a decisão de 1ª instância nem a decisão recorrida fizeram aplicação da norma do artigo 363º do CPP com tal interpretação. Como refere o parecer do Ministério Público junto deste Tribunal 
 'decorre inquestionavelmente da acta da audiência, realizada em 1ª instância, o defensor do arguido prescindiu da gravação dos depoimentos prestados, pelo que naturalmente a dita norma não pode ter sido aplicada pelo STJ com o sentido de o tribunal ter determinado a não transcrição dos ditos depoimentos 'sem anuência do mesmo arguido e recorrente'. 
  O recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70º da LTC, para ser admitido deve preencher os seguintes dois requisitos ou pressupostos: ter sido suscitada durante o processo a constitucionalidade duma norma ou de uma sua interpretação normativa (questão que no caso não interessa desenvolver) e tal norma tem de ser aplicada na decisão recorrida, com a interpretação questionada, sendo um dos fundamentos da sentença ou acórdão recorrido. 
  No caso em apreço, como se referiu, a norma do artigo 
 363º do CPP não foi aplicada na decisão recorrida com o sentido inconstitucional que o reclamante lhe atribui e, por isso, falta um dos requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto. 
  E não estando verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, a reclamação apresentada por VS tem de ser indeferida. 
  Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação. 
  Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 
 15 unidades de conta. 
  Lisboa, 17 de Janeiro de 2001 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida