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Proc. nº 518/94
 
 2ª Secção
 Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
 
  
 
  
 
  
 
                                         Acordam na 2ª Secção do Tribunal 
 Constitucional:
 
  
 
  
 
  
 
                                         I - RELATÓRIO
 
  
 
  
 
                                         1. O Ministério Público promoveu o 
 cumprimento do pedido de extradição de A. cidadão brasileiro que os Estados 
 Unidos da América através da sua embaixada em Lisboa solicitaram ao Governo 
 português para aí ser julgado sob a acusação de tráfico organizado de cocaína do 
 Brasil para os Estados Unidos e de distribuição do mesmo produto neste país 
 entre 1974 e 1987 crimes previstos e puníveis nos termos do disposto  nos 
 artigos 841 (a) (1) 846 952 e 963 do United States Code e pelos quais havia sido 
 pronunciado por um júri de instrução do Distrito Leste de Nova Iorque.
 
  
 
                                         Como àqueles crimes correspondesse a 
 
 «pena de prisão com limite mínimo de 10 anos e máximo de prisão perpétua» logo 
 com o pedido de extradição foi feito saber que «a pena normal para o tipo de 
 crimes» em causa era «de entre cinco e dez anos» e que «até ao presente ninguém 
 foi condenado à pena de prisão perpétua por este tipo de crime» e que no caso 
 vertente «o governo não pedirá uma pena de prisão perpétua».
 
  
 
                                         Consequentemente na sua promoção o 
 Ministério Público entendeu que apesar de o nº 1 da alínea e) do artigo 6º do 
 Decreto-Lei nº 43/91 de 22 de Janeiro estipular que o pedido tem de ser recusado 
 quando o facto a que respeita for punível com pena de prisão perpétua a 
 extradição deveria ser concedida por o nº 2 alínea c) do mesmo artigo referir 
 que ainda nesse caso se deve manter a cooperação se o auxílio solicitado se 
 fundar na relevância do acto para «presumível não aplicação dessa pena» e 
 existir nos autos a garantia diplomática de que não seria pedida a condenação a 
 prisão perpétua.            
 
                                                                                  
 
                                               
 
                                         Ao deduzir a oposição ao pedido de 
 extradição o extraditando logo referiu que a alínea c) do nº 2 do artigo 6º do 
 Decreto-Lei nº 43/91 seria inconstitucional na interpretação sustentada pelo 
 MºPº (sendo certo que a interpretação correcta daquela disposição consistiria em 
 o auxílio ou cooperação ali previstos não valerem para os casos de extradição). 
 E para além do mais arguiu a extinção penal por já ter sido absolvido dos mesmos 
 crimes no Brasil invocando o princípio do ne bis in idem com consagração 
 constitucional mas não acusando concretamente qualquer norma de sofrer de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
                                         Posteriormente foi junto aos autos um 
 ofício remetido por um Procurador dos Estados Unidos reiterando que não pediria 
 a pena de prisão perpétua e que o juiz a quem havia sido distribuído o caso A. 
 lhe tinha comunicado que em caso de condenação não imporia a pena de prisão 
 perpétua. 
 
  
 
                                         Reagindo à junção deste documento o 
 extraditando reafirmou que a Constituição e a lei consignam «a ideia de que nos 
 ordenamentos jurídicos onde ao crime que sustenta o pedido corresponda a pena de 
 morte ou prisão perpétua não será consentida a extradição haja ou não garantias 
 de não aplicação ao caso concreto daquela moldura penal».
 
  
 
                                         Por acórdão de 10 de Maio de 1994 o 
 Tribunal da Relação de Lisboa deferiu a pretendida extradição argumentando no 
 que ora nos importa quer com a mencionada interpretação já efectuada pelo MºPº 
 do artigo 6º nº 2 alínea c) do Decreto-Lei nº 43/91 quer com o facto de o artigo 
 
 33º da CRP só proibir a extradição por crimes a que corresponda pena de morte o 
 que afastaria qualquer eventual inconstitucionalidade.
 
  
 
  
 
                                         2. Deste acórdão recorreu o extraditando 
 para o Supremo Tribunal de Justiça entre outras coisas insistindo na 
 impossibilidade de extradição quando o país requerente preveja a pena de prisão 
 perpétua para o tipo legal de crime que fundamenta a extradição bem como na 
 inconstitucionalidade da referida norma da alínea c) do nº 2 do artigo 6º do 
 Decreto-Lei nº 43/91 quando interpretado como o fora pelo tribunal a quo.
 
  
 
                                         Nas contra-alegações o MºPº sustentou a 
 confirmação do acórdão recorrido. E igual posição foi assumida quando do visto 
 no STJ aí reforçada com novos documentos provenientes das autoridades dos 
 Estados Unidos. Segundo estes documentos o juiz encarregado do processo 
 naquele país havia proferido em 27 de Abril a seguinte decisão (fls. 479):
 
  
 
              1. Após a extradição o réu A. será julgado pelos crimes de que é 
 acusado no processo número CR 87-146(S-3) por fazer parte de um conluio para 
 importar distribuir e estar de posse com a intenção de distribuir grandes 
 quantidades de cocaína constituindo uma violação aos Títulos 18 Código dos 
 Estados Unidos Secções 841(a)(1) e 846; e 
 
  
 
              2. Se for condenado a sentença a ser imposta será a prevista no 
 Título 18 Código dos Estados Unidos Secção 841(b)(1)(C) o qual dispõe que a 
 pena máxima a aplicar é de 20 anos uma multa de 1 000 000 de dólares ou ambas.
 
             
 
                                         Acrescentavam ainda os mesmos 
 documentos:
 
  
 
              A lei dos Estados Unidos permite estabelecer acordos antes de 
 pronunciada a sentença. O Artigo 11(e) da Lei Federal dos Processos Criminais 
 diz em parte o seguinte:
 
     
 
              (1) Em geral. O Procurador e o advogado representando o réu ... 
 podem encetar conversações com vista à satisfação de um acordo depois de 
 acordada pelo réu a admissão de culpa (plea of guilty) ou 'nolo contendere' em 
 relação a uma determinada violação da lei ...
 
  
 
              O Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América acordou há mais de 
 
 20 anos que uma vez que o Governo faça uma promessa ao réu sobre a pena a 
 imputar o réu pode recorrer se o Governo não mantiver a promessa. Santobello v. 
 New York 92 S.Ct. 495 404 U.S. 257 30 L.Ed. 2d 427 (1971). Em suma o Governo 
 compromete-se  perante o réu. Esta é uma lei bem definida. Aplica-se em qualquer 
 processo criminal nos Estados Unidos.
 
  
 
  
 
                                         Estes documentos já tinham sido 
 apresentados na Relação e aí se ordenara que fossem desentranhados; mas foram 
 novamente apresentados no STJ que os  admitiu muito embora não tenha notificado 
 o extraditando da sua junção aos autos por os considerar «mera confirmação» do 
 que já constava dos autos pelo que o mesmo extraditando antes da decisão não se 
 pôde pronunciar sobre tais documentos e suas implicações .
 
  
 
                                         Mas foi em face destes novos elementos 
 que afinal o Supremo Tribunal avaliou a situação à luz da disposição  do artigo 
 
 6º nº 1 alínea e) do Decreto-Lei nº 43/91 que proíbe a extradição quando «o 
 facto a que respeita for punível com pena de morte ou com pena de prisão 
 perpétua» concluindo que agora o crime já não se podia considerar como sendo 
 punível com prisão perpétua pelo que ficava prejudicada a aplicação da 
 disposição do nº 2 alínea c) do mesmo artigo.
 
  
 
                                         Mas só pôde concluir assim porque 
 interpretou implicitamente aquele nº 1 alínea e) no sentido de que  os factos e 
 a correspondente moldura penal abstracta a ter aí em conta para decidir a 
 extradição não eram os referidos inicialmente no processo em que tal extradição 
 fora pedida mas sim os factos e a moldura penal abstracta pelos quais por 
 decisão do juiz o arguido viria a ser efectivamente submetido a julgamento 
 nesse processo. 
 
  
 
                                         E nesta conformidade o STJ negou 
 provimento ao recurso confirmando o deferimento do pedido de extradição 
 considerando ainda além do mais que não se havia provado a identidade entre os 
 factos a que respeita o presente processo em curso nos Estados Unidos e o 
 processo em que o extraditando foi absolvido no Brasil pelo que se não podia 
 concluir pela extinção do procedimento criminal.
 
  
 
  
 
                                         3. Inconformado o extraditando interpôs 
 recurso para o Tribunal Constitucional invocando a inconstitucionalidade da 
 norma da alínea e) do nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 43/ 91 tal como 
 interpretada pelo Supremo.
 
  
 
                                         Distribuídos os autos neste Tribunal o 
 relator lavrou parecer liminar no sentido de que tal recurso não podia ser 
 admitido uma vez que o recorrente nunca suscitara durante o processo a questão 
 da inconstitucionalidade daquela norma mas sim a do artigo 6º nº 2 alínea c) do 
 mesmo decreto-lei. Todavia veio a ser ordenado o prosseguimento do recurso pelo 
 Acórdão nº 60/95 por se entender que o recorrente não havia tido oportunidade de 
 suscitar no momento adequado a inconstitucionalidade da norma da alínea e) do nº 
 
 1 do artigo 6º e ainda porque no fundo se encontra sempre substancialmente em 
 causa a mesma norma desde o início questionada quanto à sua constitucionalidade 
 pelo recorrente - isto é «a norma que proibindo a extradição no caso de os 
 factos que fundamentam tal extradição serem puníveis com prisão perpétua segundo 
 a moldura penal abstracta que de acordo com a lei é aplicável à partida no 
 processo a permite no entanto quando apesar disso for previsível (ou certa) a 
 sua não aplicação no caso concreto».
 
  
 
  
 
                                        4. Nas suas alegações neste Tribunal o 
 recorrente pede que se decrete a inconstitucionalidade da interpretação feita 
 pelo tribunal a quo acerca da estrutura normativa resultante da relação 
 incindível entre as alíneas e) e f) do nº 1 e as alíneas a) e c) do nº 2 ambos 
 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 43/91 em virtude de essa interpretação ser 
 violadora dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e da 
 igualdade sendo que o contexto concreto da sua relação com caso julgado anterior 
 permite também chamar à colação a violação do artigo 29º nº 5 da Constituição 
 
 (princípio do ne bis in idem).
 
  
 
                                         Por seu turno o Ministério Público 
 contra-alegou sustentando que a questão da violação do ne bis in idem excedia o 
 objecto do processo não merecendo censura o aresto recorrido quanto à questão de 
 inconstitucionalidade que aqui cumpre resolver.
 
  
 
                                        
 
                                         5. Entretanto foi tirado pelo plenário 
 deste Tribunal o Acordão nº 417/95 de que se encontra junta cópia nos autos. 
 
                                        
 
                                         Aí se entendeu que a proibição de 
 extradição quando ao crime corresponda pena de morte segundo o direito do Estado 
 requisitante (artigo 33º nº 3 da CRP) excluía a possibilidade dessa extradição 
 ser concedida havendo apenas garantia da sua substituição. Isto porque a 
 expressão «segundo o direito do Estado requisitante» tem de «entender-se como 
 sendo o direito internamente vinculante desse Estado constituído tão só pelo 
 respectivo corpo de normas penais de que conste a possibilidade abstracta da 
 pena de morte e por quaisquer mecanismos - e só eles - que se inscrevam 
 vinculativamente no direito e processo criminais ainda que decorrentes do 
 direito constitucional ou do direito jurisprudencial do Estado requisitante dos 
 quais resulte que a pena de morte não será devida no caso concreto porque nunca 
 poderá ser aplicada (pense-se como mera hipótese académica em preceitos legais 
 do tipo do artigo 16º nºs 3 e 4 do nosso Código de Processo Penal vigente ...)».
 
  
 
                                         Na sequência deste acórdão e tendo em 
 conta a jurisprudência nele fixada em plenário lavrou o relator despacho 
 mandando notificar o MºPº para «vir fazer prova nos autos de que a decisão do 
 juiz norte-americano transcrita a fls. 478 a 484 e a que se refere o aresto 
 recorrido do STJ fez caso julgado no respectivo processo em termos de ser 
 juridicamente vinculante para o juiz interno competente para o julgamento o qual 
 ficará consequentemente juridicamente impedido - de acordo com o direito e 
 processo criminais ainda que decorrentes do direito constitucional ou do direito 
 jurisprudencial do Estado requisitante - de vir a condenar o ora recorrente no 
 caso concreto às penas de morte ou de prisão perpétua as quais nunca poderão ser 
 aplicadas».
 
  
 
                                         O Ministério Público veio então a juntar 
 aos autos uma declaração de um Procurador Federal Assistente dos Estados Unidos 
 que relativamente à questão de saber se a «ordem» do juiz do processo era ainda 
 recorrível esclareceu que por um lado o gabinete do Procurador «não tenciona 
 interpor recurso da decisão proferida na ordem» até porque ela foi emitida a seu 
 pedido e que por outro lado «a única parte interessada em recorrer» da 
 mencionada ordem o arguido A. só o faria «na hipótese pouco provável de querer 
 enfrentar uma pena de prisão superior» à nela determinada sendo certo que a 
 ordem em causa «não é revogável por qualquer outro Juiz do Tribunal Distrital 
 dos Estados Unidos ou Magistrado dos Estados Unidos do Distrito Leste de Nova 
 Iorque». Quanto à questão de saber se a mesma ordem «é vinculante para outros 
 juízes competentes para o julgamento (...) no sentido de serem impedidos de 
 aplicar a pena de prisão perpétua no caso» de o arguido vir a «ser condenado 
 pelos factos constantes do despacho de pronúncia» e de já não ser o mesmo juiz a 
 aplicar a pena nesse julgamento a mesma declaração referiu que «dentro do 
 contexto da Constituição dos Estados Unidos os juízes devem ser imparciais em 
 relação aos processos que lhes são atribuídos. Assim não é possível aos juízes 
 assinar declarações sobre processos pendentes. Os juízes podem emitir ordens 
 quando solicitados pelas partes interessadas nos processos pendentes» como a 
 ordem emitida neste caso e que continua em vigor; por outra banda como o 
 processo foi distribuído ao Juiz B. será ele que aplicará a pena se o arguido 
 vier a ser condenado sabendo-se que foi ele que «aplicou as penas para cada um 
 dos co-arguidos neste processo muitos dos quais foram considerados culpados ou 
 confessaram-se culpados das acusações que lhes foram deduzidas no despacho de 
 pronúncia» não tendo nenhum deles sido condenado à pena de prisão perpétua.
 
  
 
                                         Pronunciando-se sobre os documentos 
 juntos pelo MºPº o recorrente conclui que não foi feita a prova que havia sido 
 pedida e juntou documentos tendentes a comprovar a identidade entre o processo 
 que corre termos nos Estados Unidos e aquele em que foi absolvido no Brasil.
 
  
 
  
 
                                         Tudo visto cumpre decidir.
 
  
 
  
 
                                         II - FUNDAMENTOS
 
  
 
  
 
                                         6. O objecto do presente recurso 
 circunscreve-se como resulta do teor do Acórdão nº 60/95 à questão da 
 inconstitucionalidade da norma da alínea e) do nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei 
 nº 43/91 enquanto interpretada no sentido de não proibir a extradição nos casos 
 em que embora os factos que a fundamentam sejam puníveis com prisão perpétua de 
 acordo com a moldura penal abstracta prevista na lei for previsível (ou certa) a 
 sua não aplicação no caso concreto.
 
  
 
                                         Exclui-se assim do objecto do recurso a 
 questão da inconstitucionalidade da mesma norma quando interpretada no sentido 
 de não proibir a extradição nos casos em que os factos a que ela respeita tenham 
 já sido objecto de julgamento noutro país (violação do ne bis in idem) por a 
 inconstitucionalidade desse arco normativo nunca ter sido questionada pelo 
 recorrente e por esse mesmo segmento normativo não ter sido verdadeiramente 
 aplicado pelo STJ que não reconheceu a existência de identidade fáctica entre o 
 processo pendente nos Estados Unidos e o processo já julgado no Brasil.
 
  
 
  
 
                    7. É a seguinte a redacção das disposições pertinentes do 
 artigo 6º do Decreto-Lei nº 43/91:
 
  
 Artigo 6º
 
  
 Requisitos gerais negativos da cooperação internacional
 
  
 
  
 
             1 - O pedido de cooperação é recusado quando:
 
                     
 
 [...]
 
  
 
             e) O facto a que respeita for punível com pena de morte ou com pena 
 de prisão perpétua;
 
  
 
             f) Respeitar a infracção a que corresponda medida de segurança com 
 carácter perpétuo.
 
  
 
             2 - O disposto nas alíneas e) e f) do número anterior não obsta à 
 cooperação:
 
  
 
             a) Se o Estado que formula o pedido tiver comutado aquelas penas ou 
 retirado carácter perpétuo à medida;
 
  
 
 [...]
 
  
 
  
 
             c) Se respeitar a auxílio solicitado com fundamento na relevância do 
 acto para presumível não aplicação dessas penas ou medidas.
 
  
 
 [...]
 
  
 
                                        
 
                                         Como vimos é a norma da alínea e) do nº 
 
 1 enquanto interpretada no sentido de não proibir a extradição nos casos em que 
 embora os factos que a fundamentam sejam puníveis com prisão perpétua for 
 previsível (ou certa) a sua não aplicação no caso concreto que constituem 
 objecto do presente recurso de constitucionalidade.
 
  
 
                    Contudo importa determinar de forma ainda mais precisa o 
 exacto segmento normativo que se tem de apreciar.
 
  
 
                    Com efeito da jurisprudência fixada no Acórdão nº 417/95 para 
 o qual se remete resulta que a norma em apreço só será inconstitucional na 
 medida em que permite a extradição por casos em que a aplicação da pena de morte 
 
 (ou de prisão perpétua) é legalmente possível embora não previsível 
 designadamente em função das garantias transmitidas pelo Estado requerente; mas 
 já não será inconstitucional na medida em que permite a extradição se for certa 
 a não aplicação dessas penas não obstante elas serem em princípio aplicáveis ao 
 caso por tal já não ser juridicamente possível. Há pois que averiguar se foi 
 aplicado in casu o primeiro ou o segundo segmento normativo.
 
  
 
  
 
                                        8. Da análise da documentação junta aos 
 autos designadamente na sequência do despacho do relator proferido após a 
 prolação do Acórdão nº 417/95 ressalta com evidência que se encontram prestadas 
 garantias de que no caso não será pedida pela acusação a aplicação da pena de 
 prisão perpétua e bem assim que não é comum em casos idênticos a aplicação dessa 
 mesma pena. Mais: embora a pronúncia efectuada pelo júri de instrução indicie a 
 prática de crime punível com prisão perpétua o juiz emitiu ordem de julgamento 
 por crime punível com multa e prisão até 20 anos. Tudo conduz a que se deva 
 considerar improvável a aplicação da pena de prisão perpétua.
 
  
 
                    No entanto não se pode concluir que o segmento normativo 
 aplicado no caso dos autos seja o referente à não proibição da extradição quando 
 seja certa a não aplicação da pena de prisão perpétua por ser juridicamente 
 impossível essa mesma aplicação.
 
                    
 
                    Com efeito se resulta dos autos que o gabinete do Procurador 
 
 «não tenciona interpor recurso da decisão proferida na ordem» que manda julgar o 
 extraditando por crime punível apenas com multa e prisão até 20 anos a verdade é 
 que já não resulta dos autos que um tal recurso não seja juridicamente possível 
 e admissível. Bem pelo contrário deles resulta a possibilidade legal - embora de 
 facto improvável - da impugnação judicial dessa ordem e portanto a sua não 
 definitividade.
 
                    
 
                    Por outro lado se resulta igualmente dos autos que não é 
 habitual a aplicação da pena de prisão perpétua em circunstâncias idênticas à do 
 presente processo não tendo aliás a mesma pena sido aplicada a co-arguidos do 
 ora recorrente já dos mesmos não resulta que uma tal aplicação seja 
 juridicamente vedada apesar da ordem de julgamento entretanto emitida. De facto 
 a entidade requerente não fez prova - como lhe cumpria - que a mencionada ordem 
 do juiz tenha fixado em termos definitivos e irrevogáveis os limites máximos da 
 pena aplicável pelo juiz no julgamento.
 
                    
 
                    Assim sendo não se pode afirmar que ao crime não corresponde 
 a pena de prisão perpétua «segundo o direito do Estado requisitante» 
 atribuindo-se a esta última expressão o sentido que lhe foi fixado no já citado 
 Acórdão nº 417/95.
 
                    
 
                    
 
                    9. É bem verdade que o artigo 33º nº 3 da Constituição apenas 
 refere expressamente a proibição de extradição «por crimes a que corresponda 
 pena de morte segundo o direito do Estado requisitante».
 
                    
 
                    Todavia o artigo 30º nº 1 da mesma Lei Fundamental determina 
 que «não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da 
 liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida».  
 
  
 
                    Ora da conjugação desta norma com «os princípios da 
 universalidade da igualdade e da equiparação dos estrangeiros e apátridas que se 
 encontrem ou residam em Portugal em matéria de direitos» tem-se retirado a 
 conclusão de que também se encontra constitucionalmente vedada a extradição 
 quando ao crime corresponda a pena de prisão perpétua (cfr. Manuel António Lopes 
 Rocha e Teresa Alves Martins Cooperação Judiciária Internacional em Matéria 
 Penal - Comentários pág. 33). Aliás este entendimento é expressamente perfilhado 
 pelo legislador do Decreto-Lei nº 43/91 em cujo preâmbulo se refere a 
 inconstitucionalidade das normas permissivas da extradição para Estado onde o 
 crime seja punível com prisão perpétua; e já seria seguramente esse o 
 entendimento quando Portugal ratificou a Convenção Europeia de Extradição 
 formulando reserva no sentido de manter o direito de negar a extradição em caso 
 de crime punido com prisão perpétua.
 
                    
 
                    Tendo sido a prisão perpétua abolida em Portugal há mais de 
 cem anos pela Lei de 4 de Junho de 1884 encontra-se a mesma proscrita pela 
 Constituição da República em virtude de a sua aplicação repugnar à consciência 
 jurídica que enforma o nosso ordenamento tendo em conta a prevalência da 
 dignidade da pessoa humana e do seu reflexo na ponderação dos fins das penas 
 onde necessariamente avulta a recuperação e a reintegração social do 
 delinquente.
 
  
 
                    Assim sendo do artigo 30º nº 1 da Lei Fundamental tem de se 
 extrair a proibição da extradição quando ao crime corresponda a pena de prisão 
 perpétua segundo o direito do Estado requisitante.
 
  
 
  
 
                    10. A norma em apreço da alínea e) do nº 1 do artigo 6º do 
 Decreto-Lei nº 43/91 é inconstitucional - por violação do preceituado no artigo 
 
 30º nº 1 da Constituição da República Portuguesa - quando interpretada de modo a 
 não proibir a extradição por casos em que seja juridicamente possível a 
 aplicação da pena de prisão perpétua embora não seja previsível a sua aplicação 
 por terem sido dadas garantias nesse sentido pelo Estado requisitante.
 
  
 
  
 
                                         III - DECISÃO
 
  
 
  
 
                                         11. Nestes termos e face ao exposto 
 decide-se conceder provimento ao recurso devendo o acórdão recorrido ser 
 reformado em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade ora formulado.
 
  
 Lisboa 17 de Agosto de 1995
 
  
 Luís Nunes de Almeida
 Guilherme da Fonseca
 Fernando Alves Correia
 Messias Bento
 José de Sousa e Brito
 José Manuel Cardoso da Costa