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Proc.Nº 88/94       
 Sec. 1ª
 Rel. Cons.
 Vítor Nunes de
 Almeida
 
  
 
             Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
                                                I - RELATÓRIO :
 
  
 
                         1. - A., B. e mulher C., D. e mulher E., F. e marido G., 
 interpuseram recurso contencioso de anulação, perante o Supremo Tribunal 
 Administrativo, do acto do Secretário de Estado do Tesouro, publicado no Diário 
 da República, II Série, nº 112, de 15 de Setembro de 1987, de não homologação da 
 decisão proferida pela Comissão Arbitral constituída nos termos do Decreto-Lei 
 nº 51/86, de 14 de Março, para avaliação dos valores da indemnização devida pela 
 nacionalização da sociedade em nome colectivo denominada 'H.', de cujo capital 
 social os recorrentes eram titulares.
 
  
 
                         2. - Inconformados com a decisão da 1ª Secção do Supremo 
 Tribunal Administrativo que julgou o recurso improcedente, dela recorreram para 
 o Pleno da 1ª Secção, que veio a declarar a nulidade do acto impugnado, assim 
 concedendo provimento ao recurso. 
 
  
 
                         Para atingir essa decisão, o Pleno entendeu que 'os 
 artigos 16º da Lei nº 80/77 (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 
 
 343/80 ratificado pela Lei nº 36/81) e 24º do Decreto-Lei nº 51/86, enquanto 
 atribuem ao mencionado membro do Governo poderes de homologar ou não homologar 
 as decisões proferidas pelas comissões arbitrais sobre as indemnizações devidas 
 aos ex-titulares de direitos sobre bens nacionalizados ou expropriados, são 
 materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 205º e 206º da 
 Constituição da República, não devendo, por isso ser aplicados (artigos 207º da 
 Constituição da República e 4º, nº 2, do ETAF).'
 
  
 
                         3. - Desta decisão interpôs o Ministério Público recurso 
 obrigatório, 'restrito à questão de inconstitucionalidade nele apreciada, ou 
 seja, a recusa de aplicação das normas contidas no artº 16º da Lei nº 80/77 (na 
 redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei nº 343/80. ratificado pela Lei nº 36/81) 
 e 24º do Dec.-Lei 51/86.' Também o Secretário de Estado do Tesouro recorreu para 
 o Tribunal Constitucional, identificando como normas cuja inconstitucionalidade 
 fora invocada no aresto recorrido '...as disposições do nº 6 do artigo 16º da 
 Lei nº 80/77, na redacção dada pelo Dec.-Lei nº 343/80, ratificada pela Lei nº 
 
 36/81 e do artigo 24º do Dec.-Lei nº 51/86 de 14 de Março'.
 
  
 
                         O Procurador-Geral Adjunto apresentou alegações neste 
 Tribunal que concluiu pela forma seguinte:
 
    '1º - A função jurisdicional traduz‑se numa actividade de heterocomposição de 
 conflitos de interesses, realizada por um órgão neutro, independente e imparcial 
 relativamente aos interessados que solicitam tal composição, a efectivar através 
 da estrita aplicação do Direito (ou da equidade, quando a lei o permite) aos 
 casos concretos.
 
  
 
    2º - Embora normalmente a função administrativa envolva a prossecução activa 
 de interesses públicos diversos do da realização do Direito e da Justiça, pode a 
 lei atribuir à Administração um poder de autocomposição dos conflitos de 
 interesses subjacentes às relações jurídico‑administrativas, como expressão do 
 privilégio da execução prévia.
 
  
 
    3º - Não representa usurpação da função jurisdicional a possibilidade 
 legalmente conferida aos órgãos da Administração de tomarem unilateral e 
 autoritariamente decisões vinculativas para os particulares, dirimindo 
 liminarmente conflitos de interesses ou aplicando sanções em áreas regidas pelo 
 Direito Administrativo, mesmo quando as decisões da Administração envolvam a 
 aplicação de critérios estritamente jurídicos.
 
  
 
    4º - A questão do arbitramento e liquidação das indemnizações devidas por 
 nacionalizações situa‑se plenamente no campo do Direito público, havendo, 
 consequentemente, interesse público autónomo e relevante na fixação da 
 contrapartida devida pela apropriação colectiva de meios de produção, ditada por 
 razões de natureza político‑económica.
 
  
 
    5º - Regendo‑se as relações emergentes de nacionalizações inteiramente pelos 
 princípios do Direito Público, nada impede que sobre elas possa recair um acto 
 administrativo definitivo e executório, como expressão do atrás aludido poder 
 autotutelar da Administração.
 
  
 
    6º - As comissões arbitrais, na versão decorrente do estatuído nos 
 Decretos‑Leis nºs 343/80, de 2 de Setembro e 51/86, de 14 de Março, não podem 
 ser qualificados como tribunais arbitrais, já que a lei que as institui e 
 regulamenta não confere força vinculativa própria às decisões que proferem sobre 
 a liquidação das indemnizações devidas por nacionalizações.
 
  
 
 ...7º - Exercem, pelo contrário, tais comissões uma função de arbitragem no 
 
 âmbito do procedimento administrativo 'gracioso', que culmina na prática de um 
 acto administrativo definitivo e executório que, controlando a regularidade e 
 legalidade da arbitragem efectuada, confere força vinculativa à decisão dos 
 
 árbitros.
 
  
 
    8º - Não sendo legalmente as comissões arbitrais órgãos jurisdicionais, não 
 representa qualquer intromissão constitucionalmente ilegítima da Administração 
 no exercício da função jurisdicional a necessidade legal de ser homologada por 
 acto administrativo definitivo e executório a decisão proferida pelos árbitros.
 
  
 
    9º - Não ocorre, pois, qualquer violação do disposto nos artigos 205º e 206º 
 da Constituição, pelo que deve, em consequência, conceder‑se provimento ao 
 presente recurso, determinando‑se a reforma da decisão recorrida, na parte 
 impugnada.'
 
  
 
  
 
                         O membro do Governo recorrente, terminou as suas 
 alegações sustentando que 'não deve ser acolhida a tese do ora impugnado Acórdão 
 do S.T.A. de 25 de Novembro de 1993, por infundada a sua invocação do vício de 
 usurpação do poder, não devendo serem declarados materialmente inconstitucionais 
 os artigos 16º nº 6 da Lei nº 80/77 (na redacção dada pelo De.‑Lei nº 343/80, 
 ratificado pela Lei nº 36/81) e 24º do Dec.‑Lei nº 51/86 de 14 de Março, 
 porquanto não violam os artigos 205º e 206º da C.R.P.  Em consequência, uma vez 
 julgadas não inconstitucionais as sobreditas disposições legais deverá o Acórdão 
 do S.T.A., recorrido, ser reformado'.
 
  
 
  
 
                                                II - FUNDAMENTOS :
 
  
 
                         4. - Importa, antes de mais, delimitar o objecto do 
 presente recurso.
 
  
 
                         Parece, de facto, que não restam dúvidas de que o 
 objecto do presente recurso se restringe à norma contida no nº 6 do artigo 16º 
 da Lei nº 80/77 e no artigo 24º do Decreto-Lei nº 51/86. 
 
  
 
                         Na verdade, é o próprio aresto recorrido que, ao iniciar 
 a respectiva fundamentação, considera como 'questão nuclear' do recurso então em 
 julgamento a da inconstitucionalidade daquelas normas, 'que sujeitam as decisões 
 das comissões arbitrais a homologação governamental [...]', com   '[...] 
 violação dos princípios da reserva da função jurisdicional aos Tribunais e da 
 independência destes face à Administração (arts. 114º, 205º e 206º da 
 Constituição da República)'. 
 
  
 
                         É certo que no desenvolvimento do raciocínio o campo da 
 análise parece alargar-se ao disposto no nº 7 da Lei nº 80/77. Todavia, tal não 
 
 é feito de forma autónoma, mas antes e tão somente a título de corroboração 
 argumentativa dos elementos até então obtidos e da orientação que já se 
 desenhara claramente no sentido da inconstitucionalidade do nº 6 do artigo 16º 
 citado. Efectivamente entendeu o acórdão em exame que 'a inconstitucionalidade 
 material das normas dos arts. 16º nº 6 da Lei nº 80/77 e 24º do Dec.-Lei nº 
 
 51/86 persiste não obstante a possibilidade de recurso de anulação justamente 
 porque, como se sabe, este meio processual está confinado a um mero juízo de 
 legalidade, não proporciona a discussão plena do conteúdo da relação jurídica 
 material controvertida, o que apenas seria realizável num contencioso de plena 
 jurisdição. Amputação relevante do acesso aos tribunais em zona não coberta, 
 como se viu, pela função administrativa'. A possibilidade aludida de recurso de 
 anulação, conforme se refere mais atrás nessa peça, é conferida pelo nº 7 do 
 artigo 16º da Lei nº 80/77.
 
  
 
                         Na sequência, acaba por ser formulada a conclusão: 
 
 'Temos, pois, de concluir que os arts. 16º da Lei nº 80/77 (na redacção que lhe 
 foi dada pelo Dec.-Lei nº 343/80 ratificado pela Lei nº 36/81) e 24º do Dec.-Lei 
 nº 51/86, enquanto atribuem ao mencionado membro do Governo poderes de homologar 
 ou não homologar as decisões proferidas pelas comissões arbitrais [...] são 
 materialmente inconstitucionais [...]'. 
 
  
 
                         Como se vê, a formulação do juízo de 
 inconstitucionalidade parece ser mais ampla do que  aquela que inicialmente fora 
 proposta. Terá este facto alguma relevância  para o efeito da fixação do objecto 
 do presente recurso ?
 
  
 
                         A resposta não pode deixar de ser negativa.
 
  
 
                         Com efeito, na dilucidação da questão que agora se 
 coloca, o factor decisivo consiste na determinação da norma, de entre as que 
 integram o referido artigo 16º, que veio a ser efectivamente desaplicada com 
 fundamento em inconstitucionalidade.
 
  
 
                         Ora neste plano, entre uma norma que estabelece que 'As 
 decisões das comissões arbitrais terão validade após homologação, por despacho 
 do Ministro das Finanças e do Plano, publicado na 2ª Série do Diário da 
 República' (nº 6 do artigo 16º) e uma outra segundo a qual 'Dos despachos que 
 recaiam sobre decisões das comissões arbitrais cabe recurso para o Supremo 
 Tribunal Administrativo' (nº 7 do artigo 16º) não há que hesitar em face do 
 conteúdo da decisão recorrida, que é a de 'declarar nulo o despacho impugnado do 
 Senhor Secretário de Estado do Tesouro [...] porque viciado de usurpação de 
 poder', por outras palavras, porque esse acto se assume 'como um juízo de 
 censura por parte de uma autoridade administrativa dirigido a uma decisão 
 jurisdicional'.
 
  
 
                         Nega-se a validade do acto de homologação. Não se nega a 
 recorribilidade dele, até porque se conhece do recurso e se lhe dá provimento.
 
  
 
                         O mesmo é dizer que desaplicado com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade foi apenas  o nº 6 do artigo 16º, sabendo-se que o 
 critério para a definição do objecto do recurso de constitucionalidade reside na 
 estrita dimensão em que a decisão recorrida desaplicar determinada norma, pelo 
 que, no caso dos autos, o objecto do recurso se tem de restringir à norma 
 efectivamente desaplicada.
 
  
 
                         Sendo assim as coisas, há que prosseguir, dentro das 
 coordenadas já definidas.
 
  
 
                         5. -  A questão de constitucionalidade a decidir abrange 
 unicamente a norma do nº 6 do artigo 16º da Lei nº 80/77, de 26 de Outubro, na 
 redacção vigente à data em que foi praticado o acto recorrido e que lhe tinha 
 sido dada pelo Decreto-Lei nº 343/80, de 2 de Setembro, sendo irrelevante para o 
 efeito da presente decisão o facto de entretanto ter sido revogada. 
 
  
 
                         Sobre esta questão se pronunciou já este Tribunal, em 
 plenário, se bem que por maioria, ao abrigo do disposto nos artigos 79‑A, nº 1, 
 da Lei nº 28/82, de modo a estabelecer doutrina orientadora para a sua 
 jurisprudência.
 
  
 
                         Trata‑se do acórdão nº 226/95, de 9 de Maio de 1995, 
 publicado no Diário da República, II série, de 27 de Julho de 1995, para cuja 
 fundamentação se remete.
 
  
 III - DECISÃO:
 
  
 
                         Nestes termos, decide‑se:
 
  
 
                         a) Não julgar inconstitucionais as normas constantes do 
 artigo 16º, nº 6, da Lei nº 80/77, de 26 de Outubro, na redacção do artigo único 
 do Decreto‑Lei nº 343/80, de 2 de Setembro, e do artigo 24º do Decreto‑Lei nº 
 
 51/86, de 14 de Março;
 
  
 
                         b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e 
 ordenar a reforma da decisão recorrida, em harmonia com o ora decidido em 
 matéria de constitucionalidade.
 
  
 
                         Lisboa,1995.09.28
 
                                     Vítor Nunes de Almeida
 Armindo Ribeiro Mendes
 Antero Alves Monteiro Dinis
 Maria Fernanda Palma
 Maria da Assunção Esteves
 Alberto Tavares da Costa
 Luís Nunes de Almeida