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Procº nº 246/95.
 
 2ª Secção.
 Relator:- BRAVO SERRA.
 
  
 
  
 I 
 
  
 
  
 
                         1. Tendo a sociedade A. sido notificada em 20 de 
 Dezembro de 1990 para pagar o montante de Esc. 1.652.926$00 resultante da 
 liquidação do Imposto de Turismo do ano de 1985 efectuada pela Repartição de 
 Finanças do 11º Bairro Fiscal de Lisboa deduziu a mesma reclamação que não veio 
 a ser admitida.
 
  
 
                         Invocando então os artigos 5º e 89º e seguintes do 
 Código de Processo das Contribuições e Impostos impugnou tal liquidação perante 
 o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa.
 
  
 
                         Por sentença de 30 de Outubro de 1992 lavrada pelo Juiz 
 do 7º Juízo daquele Tribunal foi julgada improcedente a impugnação.
 
  
 
                         Para assim decidir foi entendido naquela sentença que o 
 que a então impugnante pretendia discutir era 'a revisão da matéria colectável' 
 matéria que se encontrava já ''transitada em julgado administrativamente'' de 
 onde não ter a impugnação judicial no caso por base a preterição de formalidades 
 essenciais preterição essa que nos termos do artº 18º do «Código do Imposto de 
 Transacções» aplicável por via do artº 8º do «Regulamento do Imposto de Turismo» 
 aprovado pelo Decreto-Lei nº 134/83 de 19 de Março era o único suporte para a 
 impugnação contenciosa.
 
  
 
  
 
                         2. Não conformada recorreu a  A. para o Tribunal 
 Tributário de 2ª Instância.
 
  
 
                         Por acórdão de 17 de Maio de 1994 deu esse Tribunal 
 provimento ao recurso nesse aresto podendo ler-se:
 
  
 
 '............................................. 
 
            Cumpre decidir.
 
            O que está em causa nestes autos é a cor- recta interpretação do artº 
 
 8º do Regulamento do Imposto de Turismo aprovado pelo Decreto-Lei nº 134/83 de 
 
 19 de Março. Rezava esta norma o seguinte:
 
            'Dos valores tributáveis fixados em conformidade com o disposto nos 
 artigos 6º e           7º poderão os contribuintes ou a Fazenda Nacional 
 representada pelo Ministério          Público reclamar nos termos  dos artigos 
 
 12º a 15º 18º e 19º do Código de Imposto de Transacções com as necessárias 
 adaptações'.
 
            Para o Mº Juiz a quo a remissão feita ao artº 18º do CIT abrange não 
 só a reclamação (como diz a letra da norma) mas também a impugnação judicial. 
 Por isso se o artº 18º do CIT só permite a impugnação das liquidações de imposto 
 de transacções com fundamento em preterição de formalidades legais também as 
 liquidações de imposto de turismo por força daquela remissão só podem ser 
 impugnadas com base nesse vício.
 
            Não podemos concordar com esta interpretação do artº 8º do RIT. Esta 
 norma só remete para o artº 18º do CIT no que tange à reclamação graciosa para 
 os serviços da Administração Fiscal. Reclamar e impugnar são duas realidades 
 perfeitamente distintas e se a lei se refere apenas à reclamação não pode o 
 intérprete estender essa realidade à impugnação ou recurso contencioso contra o 
 acto de liquidação. Com efeito mandam os bons cânones interpretativos que não se 
 acolha uma interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de 
 correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso.
 
            Por isso se para a reclamação havia uma regra própria (a do artº 8º 
 do RIT) para a impugnação haveria que aplicar a regra geral de impugnação 
 constante do artº 5º do CPCI - a impugnação pode ter por fundamento qualquer 
 ilegalidade do acto tributário uma das quais pode ser a inexistência de facto 
 tributário.
 
            Aliás mesmo que o artº 8º do RIT fosse aplicável à impugnação por 
 analogia ou por interpretação extensiva o artº 18º do CIT interpretado como o 
 fez o Mº Juiz a quo ao restringir de forma inadmissível o acesso aos tribunais 
 tributários por parte dos contribuintes seria materialmente inconstitucional por 
 violação do artº 268º nº 4 da Constituição da 
 República............................................................................ 
 
 
 
            Mas não é o caso de declarar hic et nunc a inconstitucionalidade do 
 artº 8º do RIT pois por via da sua interpretação normal ou da interpretação 
 conforme à Constituição nunca ele pode abranger a impugnação judicial.
 
            Daí que a sentença recorrida não possa manter-se e tenha de ser 
 revogada.
 
            Seguia-se o conhecimento do mérito da impugnação por banda deste 
 Tribunal de 2ª Instância. Mas há um obstáculo a esse conhecimento: a impugnante 
 ofereceu prova testemunhal e o Mº Juiz de 1ª Instância não ouviu as testemunhas 
 arroladas pois ficou-se por um julga- mento de mera forma. Por isso nos termos 
 do artº 753º nº 1 do CPC não pode esta 2ª Instância conhecer do mérito da causa 
 em substituição do tribunal de 1ª Instância.
 
 .............................................' 
 
  
 
  
 
  
 
                         3. Do assim decidido recorreu para o Tribunal 
 Constitucional o Ministério Público aqui tendo produzido alegação o Ex.mo 
 Procurador-Geral Adjunto que a conclui do seguinte jeito:-
 
  
 
            '1º - Tendo a decisão recorrida ao interpretar o direito ordinário 
 vigente concluído pela aplicação à hipótese 'sub juditio' de norma diversa da 
 que padece da apontada inconstitucionalidade constitui verdadeiro 'obiter 
 dictum' a pronúncia do tribunal 'a quo' sobre a inconstitucionalidade de norma 
 que afinal não considera concretamente aplicável ao julgamento do recurso.
 
            2º - Termos em que não deverá conhecer-se do presente recurso por a 
 norma alegadamente inconstitucional não ter sido efectivamente aplicável na 
 decisão recorrida'.
 
  
 
  
 
                         De seu lado a recorrida na alegação que apresentou na 
 qual propugnou por se dever negar provimento ao recurso efectuou as seguintes 
 conclusões:-
 
  
 
 '1º O art. 8º do Regulamento do imposto de Turismo aprovado pelo Decreto Lei nº 
 
 134/83 de 19 de Março apenas manda aplicar o art. 18º do Código do imposto de 
 transações às reclamações e não as impugnações judiciais sendo certo que 
 
 2º O mencionado art. 18º quando interpretado no sentido de que na impugnação 
 judicial do imposto de transações apenas é alegável o vício de preterição de 
 formalidades legais é manifestamente inconstitucional por violação do nº 4 do 
 art. 268º da Constituição da República'.
 
  
 
  
 
                         Tendo sido dispensados os «vistos» cumpre apreciar.
 
  
 
  
 II 
 
  
 
  
 
                         1. Como se viu o recorrente Ministério Público coloca 
 uma questão prévia que no seu entender obstaria a que se devesse tomar 
 conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 
                         Na verdade o recorrente na alegação aqui formulada diz a 
 dado passo:-
 
  
 
 '............................................. 
 
            Como se vê... a decisão recorrida começou por entender que às 
 impugnações judiciais deduzidas em sede de imposto de turismo é aplicável a 
 norma do artigo 5º do CPCI - que permite amplamente a impugnação com fundamento 
 em qualquer ilegalidade do acto tributário - e não a norma limitativa constante 
 do artigo 18º do CIT aparentemente desaplicada naquela decisão.
 
            Ou seja: a decisão recorrida interpreta o direito ordinário em termos 
 de considerar aplicável - e determinar a aplicação pelo tribunal 'a quo' - de 
 norma diversa da que padece da apontada inconstitucionalidade.
 
            Constituirá pois verdadeiro 'obiter dictum' o segmento do acórdão 
 recorrido em que o Tribunal Tributário de 2ª Instância se pronuncia sobre a 
 questão de inconstitucionalidade de norma que afinal bem vistas as coisas não se 
 considera verdadeiramente aplicável à dirimição do litígio (...).
 
            Sendo os recursos de constitucionalidade em sede de fiscalização 
 concreta claramente instrumentais é evidente que não deverá deles conhecer-se 
 quando se verifique que a questão de inconstitucionalidade normativa suscitada 
 na decisão recorrida nenhuma repercussão poderá ter - como sucede nesta hipótese 
 
 - no concretamente decidido no tribunal ' quo'.
 
 .............................................' 
 
  
 
  
 
                         Impõe-se enfrentar desde já a questão prévia suscitada 
 pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto.
 
  
 
  
 
                         2. Efectivamente como resulta da transcrição supra 
 efectuada no acórdão ora impugnado foi levada a efeito uma interpretação - que 
 aí se qualifica de 'normal' - do artº 8º do Regulamento do Imposto de Turismo 
 aprovado pelo D.L. nº 184/83 de 19 de Março interpretação essa de harmonia com a 
 qual tendo em conta a letra do preceito e 'os bons cânones interpretativos' o 
 preceito em causa ao referir a possibilidade de os contribuintes poderem deduzir 
 reclamação nos termos do artº 18º do Código de Imposto de Transacções 
 tocantemente aos valores tributáveis fixados unicamente se poderia reportar 
 
 àquela figura impugnativa graciosa e não já à impugnação judicial pois que 
 quanto a esta regeria o artº 5º do Código de Processo das Contribuições e 
 Impostos sendo pois este o normativo que seria o aplicável na hipótese em 
 análise já que se estava perante uma impugnação contenciosa.
 
  
 
                         Não se alcança do discurso utilizado na decisão em 
 apreço que a mesma equacionasse que o artº 8º do RIT pudesse num prisma de 
 normalidade interpretativa comportar qualquer outra  interpretação que não 
 aquela segundo a qual ao se referir ele a «reclamação» só  esta ter em mente 
 consequentemente não podendo abarcar na remissão feita para o artº 18º do CIT a 
 impugnação judicial. E igualmente não se alcança que se uma tal equação fosse 
 levada a cabo tivesse perante a possibilidade de o normativo poder admitir outra 
 interpretação que não aquela haver que perfilhar a primeira por somente esta ser 
 a compatível com a Constituição.
 
  
 
                         Não foi pois pela necessidade de utilizar uma 
 interpretação conforme à Constituição em detrimento de uma outra que tornaria o 
 preceito incompatível com a Lei Fundamental que o acórdão em recurso entendeu 
 que in casu à impugnação eram aplicáveis as regras constantes do artº 5º do 
 CPCI.
 
  
 
                         Antes entendeu que tal aplicação derivava de uma 
 interpretação «normal» do artº 8º do RIT que expressamente tão só apelava ao 
 artº 18º do CIT para os casos de «reclamação» aproveitando a oportunidade para 
 salientar que a interpretação - essa já não «normal» - acolhida na sentença 
 proferida pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância para além de não ser correcta 
 até inquinaria aquela disposição legal de vício de inconstitucionalidade 
 material.
 
  
 
  
 
                         3. Desta arte haverá que concluir-se que para decidir da 
 forma como o fez (no que aqui releva: entender ser aplicável o artº 5º do CPCI) 
 o acórdão sob censura verdadeiramente nem sequer emitiu qualquer juízo de 
 inconstitucionalidade sobre uma norma que eventualmente de acordo com o nela 
 preceituado seria aquela que havia de reger o caso.
 
  
 
                         Como resulta do respectivo texto o único juízo de 
 inconstitucionalidade que se lobriga no acórdão recorrido foi emitido quanto a 
 uma interpretação seguida na sentença prolatada no tribunal de 1ª instância 
 interpretação essa que o mesmo acórdão entendeu não ser possível defender-se por 
 o não consentirem os melhores cânones interpretativos e a própria  a letra do 
 artº 8º do RIT.
 
  
 
                         Assim sendo em rectas contas não se pode dizer que   
 para alcançar a decisão tomada o acórdão sub specie teve prévia e 
 necessariamente (como antecedente lógico-jurídico dessa decisão) de formular um 
 juízo de incompatibilidade constitucional sobre uma dada norma (ou sobre uma 
 certa forma de interpretação dela) razão pela qual no presente caso falta um dos 
 requisitos do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade a que 
 aludem a alínea a) do nº 1 do artigo 280º do Diploma Básico e a alínea a) do nº 
 
 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro.
 
  
 
  
 IV 
 
  
 
                         Termos em que se decide não tomar conhecimento do 
 objecto do recurso.
 
  
 
                                     Lisboa 27 de Setembro de 1995
 
  
 Bravo Serra
 Messias Bento
 Guilherme da Fonseca
 Fernando Alves Correia
 Luís Nunes de Almeida