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Processo nº 259/94         
 
 1ª Secção
 Rel. Cons. Tavares da Costa
 
  
 
  
 
  
 
                              Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 
  
 
                   1.-       Mediante proposta da Direcção dos Serviços de 
 Educação e Juventude foi autorizada pelo Secretário-Adjunto para a Tutela a 
 contratação além do quadro de A. em situação de licença sem vencimento perante 
 os quadros da República para desempenhar funções no Território atribuindo-lhe o 
 
 índice 525 da tabela em vigor.
 
  
 
                              Submetido o expediente à fiscalização prévia do 
 Tribunal de Contas foi o visto concedido apesar da oposição manifestada pelo 
 Ministério Público que inconformado recorreu para o colectivo do Tribunal de 
 Contas de Macau (TCM) invocando o disposto nos artigos 10º nº 5 da Lei nº 
 
 112/91 de 29 de Agosto e 46º nº 1 47º nº 1 48º 49º nº 1 alínea a) 50º e 51º do 
 Decreto-Lei nº 18/92/M de 2 de Março.
 
  
 
                              Por acórdão de 24 de Maio de 1994 o TCM concedeu 
 provimento ao recurso e decidiu anular a decisão recorrida assim recusando o 
 visto à contratação em referência.
 
  
 
  
 
                   2.-       Para atingir tal desiderato o acórdão  -  mantendo o 
 entendimento já expresso em várias decisões e remetendo para os fundamentos 
 constantes do seu acórdão de 28 de Setembro de 1993 de que junta cópia  -  
 recusou a aplicação do artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M de 8 de Fevereiro 
 com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica e material dado violar o 
 disposto nos artigos 13º nº 2 e 47º nº 2 da Constituição da República (CR) pelo 
 que o respectivo representante do MºPº interpôs recurso para o Tribunal 
 Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70º nº 1 alínea c) da Lei nº 
 
 28/82 de 15 de Novembro e ainda nos artigos 39º alínea a) do Decreto-Lei nº 
 
 17/92/M de 2 de Março e 37º nº 2 alínea b) da Lei nº 112/91 já citada.
 
  
 
                              Recebido o recurso apresentou oportunamente 
 alegações o Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal defendendo a 
 procedência do recurso nos termos assim condensados nas respectivas conclusões:
 
  
 
  
 
             '1º-      O regime estabelecido no artigo único do Decreto-Lei nº 
 
 5/93/M de 8 de Fevereiro não inova no que se refere ao regime jurídico aplicável 
 ao pessoal dos quadros próprios do território de Macau plasmado no Estatuto dos 
 Trabalhadores da Administração Pública de Macau (aprovado pelo Decreto-Lei nº 
 
 87/89/M de 22 de Dezembro no exercício da autorização legislativa constante da 
 Lei nº 9/89/M de 23 de Outubro).
 
  
 
  
 
              2º-      Na verdade a norma constante daquele artigo único incide 
 sobre um aspecto específico da regulamentação do recrutamento de pessoal no 
 exterior revogando parcialmente o nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 60/92/M 
 de 24 de Agosto ao estabelecer que a capacidade profissional dos agentes 
 recrutados no exterior não tem de obedecer aos condicionalismos previstos no 
 artigo 13º nº 1 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de 
 Macau.
 
  
 
  
 
              3º-      O estabelecimento da disciplina jurídica do recrutamento 
 de pessoal no exterior mediante densificação e regulamentação da norma 
 constante do artigo 69º nº 1 do Estatuto Orgânico de Macau não se situa no 
 
 âmbito da competência legislativa reservada da Assembleia Legislativa de Macau 
 tendo aliás o Decreto-Lei nº 60/92/M sido editado pelo Governador de Macau no 
 exercício da sua competência legislativa própria.
 
  
 
  
 
              4º-      Assim sendo o esgotamento e caducidade da autorização 
 legislativa concedida pela Lei nº 9/89/M não pode implicar a 
 inconstitucionalidade orgânica da norma constante do referido artigo único.
 
  
 
  
 
              5º-      A diferenciação de regimes decorrente do artigo único do 
 Decreto-Lei nº 5/93/M não viola os princípios constitucionais da igualdade e da 
 não discriminação do acesso à função pública por na sua base se encontrar um 
 fundamento razoável que constitui suporte material bastante do regime instituído 
 quanto à capacidade profissional dos agentes recrutados no exterior.
 
  
 
  
 
              6º-      Tal diferenciação é consentida pelos artigos 68º a 70º do 
 Estatuto Orgânico de Macau que instituem uma diversidade de regimes e uma 
 tendencial estanquicidade entre os quadros do funcionalismo próprios do 
 território e os quadros dependentes dos órgãos de soberania e das autarquias da 
 República.
 
  
 
  
 
              7º-      O recrutamento de pessoal no exterior nos termos do artigo 
 
 69º nº 1 do Estatuto Orgânico de Macau e do estatuído no Decreto-Lei nº 60/92/M 
 tem carácter excepcional e visa realizar um interesse público da Administração 
 suprindo as carências do território em pessoal dotado das qualificações 
 necessárias ao cargo a prover.
 
  
 
  
 
              8º-      O regime constante do citado artigo único do Decreto-Lei 
 nº 5/93/M não implica tratamento discriminatório arbitrário e desrazoável para 
 os funcionários dos quadros próprios de Macau prevendo a lei as formas e 
 procedimentos adequados para voluntariamente poderem reingressar na função 
 pública.'
 
  
 
  
 
                              Assim para o MºPº deverá proceder o recurso 
 determinando-se 'a reforma da decisão recorrida em conformidade com o juízo de 
 constitucionalidade da norma desaplicada'.
 
  
 
                              Corridos que foram os vistos legais cumpre agora 
 apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 
  
 
  
 
       1.1.-    Coloca-se desde já a questão de saber se o Tribunal 
 Constitucional é competente para em sede de fiscalização concreta apreciar a 
 constitucionalidade de normas no que respeita a decisões proferidas pelo 
 Tribunal de Contas de Macau e relativas ao chamado 'visto prévio'.
 
  
 
                              Num primeiro passo dir-se-á com o apoio da 
 jurisprudência deste Tribunal  -  cfr. v.g. os Acórdãos nºs. 214/90 251/90 e 
 
 253/90 o primeiro deles já publicado no Diário da República II Série de 17 de 
 Setembro de 1990 e o segundo sumariado no Boletim do Ministério da Justiça nº 
 
 399 a págs. 551  -  constituir o visto uma decisão proferida no exercício de 
 competência constitucionalmente atribuída ao Tribunal de Contas.  Este ao 
 fiscalizar previamente a legalidade e a cobertura orçamental dos documentos que 
 implicam despesas para o Estado desempenha uma função própria típica que lhe é 
 constitucionalmente cometida e se assume como verdadeira decisão judicial (cfr. 
 o artigo 216º da CR).  Outra não é a solução a conceder quando como sucede no 
 caso vertente a decisão é do Tribunal de Contas de Macau uma vez que a citada 
 Lei nº 112/91  -  Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau  -  
 prescreve ter esse Tribunal jurisdição e poderes de controlo financeiro no 
 
 âmbito da ordem jurídica de Macau  -  nº 1 do seu artigo 10º  -  competindo-lhe 
 como tribunal singular julgar a respeito da concessão ou da recusa de visto em 
 processos de fiscalização prévia  -  alínea a) do nº 4 do mesmo normativo  -  e 
 como colectivo julgar os recursos das decisões do tribunal singular 
 designadamente quanto à concessão ou recusa de visto  -  alínea a) do nº 5 do 
 preceito em causa.
 
  
 
                              Por sua vez o artigo 8º nº 1 do Decreto-Lei nº 
 
 18/82/M de 2 de Março  -  texto que veio 'regulamentar a organização 
 competência funcionamento e processo' do Tribunal de Contas de Macau  -  dispõe 
 que 'a fiscalização prévia é exercida através da concessão ou da recusa de 
 visto e tem por fim verificar se os actos ou contratos a ela sujeitos estão 
 conformes com as leis em vigor e se os respectivos encargos têm cabimento em 
 verba orçamental própria'.
 
  
 
                              Assim quando o Tribunal de Contas de Macau recusa 
 no visto a contratação de Cristina Maria Pereira Gil está a proferir uma 
 verdadeira decisão jurisdicional pelo que dela cabe nos termos gerais recurso de 
 constitucionalidade se como é o caso desse modo se desaplicou com fundamento em 
 inconstitucionalidade norma de diploma legal do Território (cfr. alínea a) do 
 nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro).
 
  
 
  
 
       1.2.-    Ponto é que seja este o Tribunal competente para conhecer do 
 recurso.
 
  
 
                              Na verdade a Constituição da República não se 
 aplica directamente no território de Macau que em primeira linha se rege por um 
 Estatuto Orgânico  -  hoje constante do anexo à Lei nº 13/90 de 10 de Maio que 
 alterou a Lei nº 1/76 de 17 de Fevereiro já modificada pela Lei nº 53/79 de 14 
 de Setembro  -  observando-se o texto constitucional nesse espaço territorial 
 por devolução ou seja apenas nos casos e nos termos em que o Estatuto explicita 
 ou implicitamente para ele remeter (cfr. os artigos 5º e 292º da CR).
 
  
 
                              Resulta porém das disposições conjugadas dos 
 artigos 2º 11º nº 1 alínea e) 15º nº 2 segunda parte 30º nº 1 alínea a) 40º nº 
 
 3 e 41º todos desse Estatuto Orgânico bem como dos artigos 292º nº 5 da CR 11º 
 e 34º da citada Lei nº 112/91 e 3º do Decreto-Lei nº 17/92/M de 2 de Março ser o 
 Tribunal Constitucional o competente para conhecer dos recursos de 
 constitucionalidade em fiscalização concreta interpostos das decisões dos 
 tribunais pertencentes à organização judiciária desse Território como aliás vem 
 sendo entendido pela jurisprudência deste Tribunal (cfr. inter alia os acórdãos 
 nºs. 284/89 245/90 e 292/91 publicados no Diário da República II Série de 12 de 
 Junho de 1989 22 de Janeiro de 1991 e 30 de Outubro do mesmo ano 
 respectivamente) e referenciado na doutrina (assim J.J. Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira 'A Fiscalização da Constitucionalidade das Normas de Macau' in Revista 
 do Ministério Público nº 48 págs. 9 e segs. e António Vitorino 'Macau na 
 Jurisprudência do Tribunal Constitucional' in Estado & Direito nº 5-6 1990 pág. 
 
 99 e segs.).
 
  
 
                              Acresce que enquanto não ocorrer o momento 'a 
 partir do qual os tribunais de Macau serão investidos na plenitude e 
 exclusividade de jurisdição' (cfr. o artigo 75º da Lei nº 13/90) nada impede que 
 se recorra para o Tribunal Constitucional das decisões tomadas pelos tribunais 
 pertencentes à organização judiciária de Macau e que recusaram com base em 
 inconstitucionalidade a aplicação de normas.
 
  
 
                              Por outro lado tratando-se de uma verdadeira 
 decisão jurisdicional que desaplicou com fundamento em inconstitucionalidade 
 norma de um diploma legal do Território o facto de se prever recurso para o 
 Tribunal de Contas da República não obsta ao recurso directo para o Tribunal 
 Constitucional como sucedeu e se adequa aos recursos de constitucionalidade 
 interpostos e admitidos ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 
 
 28/82.
 
  
 
  
 
       1.3.-    O Tribunal Constitucional é pois competente para conhecer do 
 objecto do recurso recurso de constitucionalidade relativamente ao qual se 
 verificam os respectivos pressupostos.
 
  
 
  
 
                   2.-       A norma desaplicada com fundamento em 
 inconstitucionalidade  -  orgânica e material  -  é recorda-se o artigo único 
 do Decreto-Lei nº 5/93/M de 8 de Fevereiro que dispõe:
 
  
 
 'Artigo único. As situações constituídas nos âmbito dos quadros dependentes dos 
 
 órgãos de soberania ou das autarquias da República Portuguesa nomeadamente de 
 licença de curta ou longa duração licença ilimitada aposentação reforma ou 
 reserva não constituem incapacidade para o exercício de funções públicas no 
 território de Macau em qualquer dos regimes previstos no Estatuto dos 
 Trabalhadores da Administração Pública de Macau aprovado pelo Decreto-Lei nº 
 
 87/89/M de 21 de Dezembro.'
 
                              Com este diploma pretendeu o legislador  -  se se 
 atentar no respectivo preâmbulo  -  'esclarecer o alcance e âmbito de aplicação 
 do disposto no nº 1 do artigo 13º do Estatuto dos Trabalhadores da 
 Administração Pública de Macau aprovado pelo Decreto-Lei nº 87/89/M de 21 de 
 Dezembro' uma vez que teriam 'surgido dúvidas e interpretações divergentes no 
 tocante ao universo pessoal de aplicação das normas atinentes à capacidade para 
 o exercício de funções públicas no território de Macau'.
 
  
 
                              Com a publicação do Decreto-Lei nº 5/93/M o 
 legislador diz ter pretendido esclarecer o disposto no nº 1 do artigo 13º do 
 mencionado Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM) 
 cuja alínea a)  -  única com relevância no presente caso  -  fere de 
 incapacidade para o exercício das funções públicas em Macau 'os funcionários 
 que se encontrem entre outras na situação de licença sem vencimento de curta ou 
 longa duração'.  E fá-lo vindo estatuir que essa incapacidade atinge apenas os 
 funcionários pertencentes aos quadros do território de Macau e não também os 
 funcionários pertencentes aos quadros da República.
 
  
 
  
 
       2.1.-    A decisão recorrida entende ser nítido ter o nº 1 do artigo 13º 
 do ETAPM vocação de aplicação a todos os funcionários públicos 
 independentemente da sua origem devendo pois concluir-se que o artigo único do 
 Decreto-Lei nº 5/93/M procedeu a uma alteração da disciplina contida naquele 
 Estatuto ou seja veio abrir 'aos quadros dependentes da República a 
 possibilidade de exercerem no Território funções públicas em situações que não 
 são permitidas aos quadros locais'.
 
  
 
                              Tratando-se de um diploma inovador  -  acrescenta 
 aquele tribunal  -  editado sem autorização legislativa uma vez que a 
 autorização concedida pela Lei nº 9/89/M de 23 de Outubro se tinha já esgotado e 
 versando matéria que o Governador só poderia tratar legislativamente se 
 estivesse munido de tal autorização haverá que concluir-se que ele é 
 organicamente inconstitucional.
 
  
 
  
 
       2.2.-    Para ajuizar da correcção de um tal juízo de 
 inconstitucionalidade terá que se verificar se o Decreto-Lei nº 5/93/M versa 
 matéria que se inscreva na reserva de competência da Assembleia Legislativa de 
 Macau e bem assim se tal como se afirma no seu preâmbulo é uma lei 
 interpretativa do artigo 13º nº 1 do ETAPM ou ainda se contém disciplina 
 inovadora.  Em qualquer destas hipóteses de facto o Governador só poderia 
 editá-lo munido de autorização legislativa que no caso não tinha.
 
  
 
                              Seguir-se-á de perto a este respeito a 
 fundamentação desenvolvida pela recente jurisprudência deste Tribunal 
 designadamente pelos acórdãos nºs.        
 
  
 
  
 
                   3.-       O Estatuto Orgânico de Macau aprovado pela Lei nº 
 
 1/76 de 17 de Fevereiro prescreve no artigo 31º nº 1 alínea e) e 2 (conjugado 
 com o artigo 13º nº 2) que só a Assembleia Legislativa ( ou o Governador por 
 ela autorizado) pode 'criar novas categorias ou designações funcionais ou 
 alterar as tabelas que definem aquelas categorias e fixar os vencimentos 
 salários e outras formas de remuneração do pessoal dos quadros (cfr. as 
 disposições idênticas após as alterações introduzidas pela Lei nº 13/90 de 10 
 de Maio do artigo 31º nºs. 1 alínea q) e 3 conjugado com o artigo 13º nº 2).  
 Assim o Governador de Macau para legislar sobre o estatuto do pessoal dos 
 quadros próprios dos serviços públicos do território tem de munir-se de 
 autorização legislativa sob pena de invadir inconstitucionalmente a área de 
 reserva legislativa da respectiva Assembleia.
 
  
 
  
 
       3.1.-    Por isso mesmo foi o ETAPM editado através de  diploma emanado 
 do Governador de Macau (o Decreto-Lei nº 87/89/M) no uso da autorização 
 legislativa concedida pela Lei nº 9/89/M de 23 de Outubro.
 
  
 
                              A incapacidade para o exercício de funções públicas 
 prevista na citada alínea a) do nº 1 do artigo 13º deste Estatuto aplica-se 
 directamente apenas ao pessoal dos quadros próprios dos serviços públicos de 
 Macau como desde logo resulta do seu artigo 1º nº 1.
 
  
 
                              De resto só para esses funcionários pode este 
 regime valer directamente:  o Estatuto em causa veio dar execução à alínea e) 
 do nº 1 do artigo 31º do Estatuto Orgânico de Macau (cfr. a Lei nº 9/89/M de 23 
 de Outubro lei de autorização) em consonância com o artigo 68º do mesmo Estatuto 
 Orgânico norma que se refere ao pessoal dos quadros próprios dos serviços 
 públicos do território de Macau.
 
       3.2.-    Diferentemente e para a situação do pessoal dos quadros 
 dependentes dos órgãos de soberania ou das autarquias da República rege o 
 artigo 69º do Estatuto Orgânico de Macau conferindo-lhe uma disciplina base 
 específica.
 
  
 
                              O regime deste 'pessoal recrutado no exterior' 
 
 (cfr. os Decretos-Leis nºs. 53/89/M de 28 de Agosto e 60/92/M de 24 de Agosto) 
 de acordo com o artigo 69º do Estatuto Orgânico citado já não se insere na 
 competência relativa da Assembleia Legislativa de Macau  -  esta como se viu 
 reporta-se ao estatuto do pessoal dos quadros próprios dos serviços públicos do 
 Território  -  cabendo por isso na competência legislativa própria do Governador 
 de Macau.
 
  
 
                              O Decreto-Lei nº 60/92/M de 24 de Agosto editado 
 pelo Governador de Macau no exercício da sua competência legislativa própria 
 
 (cfr. o artigo 13º nº 1 do Estatuto Orgânico) veio estabelecer 'as normas que 
 regem o recrutamento de pessoal ao abrigo do nº 1 do artigo 69º do Estatuto 
 Orgânico de Macau para exercer funções nos serviços e organismos públicos' 
 dispondo no seu artigo 1º nº 3 que a este pessoal 'aplica-se supletivamente o 
 regime da função pública de Macau' ou seja são-lhe aplicáveis supletivamente 
 também as incapacidades previstas no artigo 13º do ETAPM.
 
  
 
                              Todavia cabendo na esfera de competência 
 legislativa do Governador de Macau a matéria respeitante ao regime do pessoal 
 recrutado no exterior pode este sem vício de inconstitucionalidade orgânica 
 editar legislação que modifique ou altere o regime de incapacidades daquele 
 pessoal para o exercício de funções públicas nos serviços e organismos do 
 Território.
 
  
 
       3.3.-    Pode assim afirmar-se que o artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M 
 não é interpretativo do artigo 13º do ETAPM configurando-se antes como alteração 
 
  -  restringindo o domínio de aplicação  -  do regime do Decreto-Lei nº 60/92/M 
 
 (cfr. o regime anteriormente constante do Decreto-Lei nº 53/89/M do nº 4 do 
 artigo 7º do Decreto-Lei nº 86/84/M de 11 de Agosto e a redacção que lhe foi 
 dada pelo Decreto-Lei nº 15/88/M de 29 de Fevereiro que veio a ser revogado pelo 
 actual ETAPM) o que como acima se concluiu não afecta aquela disposição de 
 inconstitucionalidade orgânica uma vez que o Governador de Macau dispunha de 
 competência legislativa própria para efectuar essa alteração.
 
  
 
  
 
       4.1.-    O acórdão recorrido entende ainda que a norma aqui em causa é 
 também materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade em 
 particular a igualdade no acesso à função pública consagrada no nº 2 do artigo 
 
 47º da CR.
 
  
 
                              De acordo com a tese defendida naquela decisão a 
 norma do artigo único do diploma em causa consagra uma discriminação que se 
 estrutura 'apenas na diferença do território de origem dos quadros em presença' 
 pois que permite que 'funcionários dos quadros de Portugal concorram a lugares 
 da Administração de Macau em pé de desigualdade com os do próprio Território 
 beneficiando de facilidades que a estes últimos são negadas'.
 
  
 
  
 
       4.2.-    Ora como este Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar 
 reiteradamente o princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam 
 tratamentos diferenciados;  proíbe tão-só o arbítrio as distinções de 
 tratamento irrazoáveis porque carecidas de fundamento material ou racional.
 
  
 
                              A ideia de igualdade impõe se dê tratamento igual 
 ao que for essencialmente igual e que se trate diferenciadamente o que for 
 diferente.
 
                              Como sublinha o Ministério Público é o próprio 
 Estatuto Orgânico do Território que estabelece uma distinção de regimes entre os 
 funcionários de Macau e aqueles que são recrutados no exterior para aí 
 exercerem funções públicas.  Depois o recrutamento destes últimos tem carácter 
 excepcional é contingentado faz-se para um curto período de tempo e visa suprir 
 carências do próprio território.  Com este regime o que se pretende face a 
 carências do território quanto a pessoal devidamente qualificado é a satisfação 
 das necessidades da Administração a satisfação de interesses públicos que de 
 outro modo ficariam por satisfazer justamente por não haver no território quem 
 tivesse as qualificações necessárias para os cargos a prover.
 
  
 
                              Assentando a diferenciação de tratamento num motivo 
 razoável  -  a posse de melhores qualificações ou habilitações  -  a norma que a 
 consagra não afronta o princípio da igualdade nomeadamente na sua vertente de 
 igualdade de acesso à função pública.
 
  
 
  
 III
 
  
 
                              Nestes termos e pelos fundamentos expostos 
 concede-se provimento ao recurso devendo o acórdão recorrido ser reformado em 
 conformidade com o julgamento em matéria de constitucionalidade.
 
  
 
                              Lisboa 11 de Julho de 1995
 
  
 Alberto Tavares da Costa
 Vítor Nunes de Almeida
 Armindo Ribeiro Mendes
 Antero Alves Monteiro Dinis
 Maria da Assunção Esteves
 Maria Fernanda Palma
 José Manuel Cardoso da Costa