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Proc. nº 839/93          
 
 1ª Secção
 Rel: Cons. Ribeiro Mendes
 
  
 
 
 
  
 
  
 
  
 
     Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
          1. Por decisão de 3 de Maio de 1993 o Tribunal de Contas de Macau em 
 secção de fiscalização prévia concedeu o visto ao contrato além do quadro 
 celebrado entre o Governo de Macau e A. para o cargo de técnico superior 
 assessor da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos do Território de Macau 
 contrato que foi autorizado por despacho do Secretário-Adjunto para a Economia e 
 Finanças de 3 de Março de 1993. Anteriormente a essa decisão havia sido 
 suscitada a dúvida pelo Secretário do Tribunal quanto à legalidade do visto dada 
 a situação de aposentada da função pública da República Portuguesa da contratada 
 
   tendo o Ministério Público sustentado ao ser ouvido que devia ser recusado o 
 visto.
 
  
 
          O Procurador da República interpôs recurso daquela decisão para o 
 Tribunal Colectivo nos termos dos arts. 10º nº 5 da Lei nº 112/91 de 29 de 
 Agosto e 46º nº 1 47º nº 1 48º 49º nº 1 alínea a) 50º e 51º do Decreto-Lei nº 
 
 18/92/M de 2 de Março baseando-se na falta de capacidade profissional da 
 contratada para o desempenho de funções na Administração Pública do Território 
 de Macau dado que a mesma se encontrava na situação de aposentada relativamente 
 ao quadro de origem da República Portuguesa. Foi suscitada ainda pela entidade 
 recorrente a inconstitucionalidade orgânica e material do Decreto-Lei nº 5/93/M 
 de 8 de Fevereiro. Nas suas alegações de recurso o mesmo Procurador da República 
 formulou as seguintes conclusões: 
 
  
 
 'I. A norma do artigo único do Dec-Lei nº 5/93/M de 8/2 não tem a natureza 
 interpretativa que lhe é atribuída pelo legislador consagrando antes um comando 
 inteiramente novo idêntico e ainda mais amplo do que o anteriormente introduzido 
 pelo Dec-Lei nº 15/88/M de 29/2 (nova redacção do artº. 7º nº 4 do Dec-Lei nº 
 
 86/84/M de 11/8 diplomas estes revogados pelo Dec-Lei nº 87/89/M de 21/12).
 
  
 
  
 II. Não faz sentido invocar a autonomia do ordenamento jurídico e da 
 Administração do Território para concluir e dispor que é aqui permitido aos 
 funcionários e agentes dos quadros da República aquilo que é vedado aos de 
 Macau.
 
  
 
  
 III. Apesar da total autonomia existente entre os quadros de funcionários das 
 denominadas 'províncias ultramarinas' e o metropolitano sempre se entendeu que o 
 impedimento legal decorrente das situações de licença ilimitada ou registada 
 
 (licença sem vencimento de longa ou curta duração) aposentação reforma ou 
 reserva se aplicava a todos os funcionários ou agentes quer pertencessem aos 
 quadros metropolitanos quer pertencessem aos quadros ultramarinos entendimento 
 esse que com as devidas adaptações mantém plena actualidade sendo irrelevantes 
 para esse efeito as alterações políticas entretanto ocorridas quanto ao estatuto 
 de Macau.
 
  
 
  
 IV. Os instrumentos de mobilidade do pessoal entre os quadros dos órgãos de 
 soberania da República e do Território estabelecidos nos artºs. 69º e 70º do 
 Estatuto Orgânico de Macau aprovado pela Lei nº 1/76 de 17/2 são um exemplo 
 típico do fenómeno de interpenetração ou intercomunicação entre os dois 
 ordenamentos jurídicos e não poderão deixar de ser observados e levados em 
 consideração.
 
  
 
  
 V. De qualquer modo a norma referida em I. enferma de inconstitucionalidade 
 orgânica por estar em causa matéria da competência reservada da Assembleia 
 Legislativa e haver sido esgotado [o prazo] e caducado a autorização legislativa 
 constante do artº 1º nº 1 da Lei nº 9/89/M de 23/X e de inconstitucionalidade 
 material por violação de princípio da igualdade no acesso à função pública 
 consagrado nos artºs 13º e 47º nº 2 da Constituição da República motivos por que 
 os tribunais não podem aplicá-la (artº 41º nº 1 do E.O.M. e 3º do Dec-Lei nº 
 
 17/92/M de 2/3).
 
  
 
  
 VI. A decisão que concedeu o visto infringiu as normas referidas em V. e ainda 
 as do artº 13º nº 1 b) e 268º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração 
 Pública de Macau aprovado pelo Dec-Lei nº 87/89/M de 21/12 devendo 
 consequentemente ser revogada e substituída por outra que recuse o visto.' (fls. 
 
 38 vº a 39 vº dos autos)
 
  
 
  
 
        Com estas alegações juntou certidões de três decisões do Tribunal 
 Administrativo de Macau quando este detinha funções de controlo financeiro no 
 território (cfr. art. 67º do Decreto-Lei nº 18/92/M de 2 de Março).
 
  
 
        O Tribunal de Contas de Macau por acórdão de 28 de Setembro de 1993 com 
 um voto de vencido concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério 
 Público e anulou a decisão recorrida recusando o visto à contratação da 
 interessada.
 
  
 
        Fundamentou o juízo de inconstitucionalidade orgânica e material que o 
 levou à desaplicação da norma constante do artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M 
 que estabelece que a capacidade profissional dos agentes recrutados no exterior 
 não tem de obedecer aos condicionalismos previstos no artigo 13º nº 1 do 
 Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau aprovado pelo 
 Decreto-Lei nº 87/89/M de 21 de Dezembro nos seguintes termos:
 
  
 
 'O Mº.Pº. nas suas alegações de recurso sustenta que o D.L. nº 5/93/M de 8 de 
 Fevereiro ao contrário do que diz o legislador não é um diploma interpretativo 
 mas inovador e sendo tal só a Assembleia Legislativa (ou o Governador com 
 autorização daquela) poderia legislar sobre a matéria consoante impõe o nº 3 do 
 artº 31º do E.O.M.
 
  
 Produzido o diploma sem a necessária autorização legislativa do Parlamento local 
 
 - afirma o recorrente - ficou o mesmo ferido de inconstitucionalidade orgânica.
 
  
 Também aí o Tribunal reconhece razão ao MºPº.
 
  
 Na realidade e como atrás ficou escrito só há lei interpretativa quando o 
 legislador através de novo diploma clarifica esclarece diploma anterior de 
 conteúdo incerto ou controvertido.
 
  
 Ora no caso em apreço tal não se verifica.
 
  
 O artº 13º do E.T.A.P.M. era e é claro quando enumera as situações susceptíveis 
 de travar o ingresso nos serviços da Administração Pública de Macau.
 
  
 O que o legislador do D.L. nº 5/93/M pretendeu foi alterá-lo dando-lhe um 
 conteúdo que ele não comportava.
 
  
 Isto é: quis dizer que o falado artº 13º se restringia ao universo dos quadros 
 de Macau coisa que a disposição em apreço ou o diploma no seu conjunto nem de 
 longe nem de perto ousavam dizer.
 
  
 E veio prescrever isso mesmo porque perante jurisprudência que se vinha firmando 
 no Território sobre a matéria - de resto em consonância com o ordenamento 
 legislativo tradicional nessa área - haveria que descomprimir o mencionado artº 
 
 13º do E.T.A.P.M.
 
  
 Visto que a letra da Lei não favorecia essa descompressão - nem aliás o seu 
 espírito - lançou-se mão de um diploma autónomo que o permitisse.
 
  
 Assim surgiu o D.L. nº 5/93/M [...].
 
  
 Inovador como se apresenta - pois que longe de esclarecer o conteúdo de uma 
 norma do E.T.A.P.M. pura e simplesmente o alterou - é manifesto que nos termos 
 do preceituado no artº 31º nº 3 só com autorização legislativa da Assembleia se 
 poderia produzir o diploma em apreço.
 
  
 O que de resto já tinha sucedido para a versão original do Estatuto indo-se 
 cobrar à Assembleia Legislativa a necessária autorização (cfr. Lei nº 9/89/M de 
 
 23 de Outubro).
 
  
 Ora produzido o Estatuto esgotou-se 'gastou-se' a correspondente autorização 
 legislativa por cumprimento do objectivo a que se destinava.
 
  
 Conclusão a que aliás a lei também chega ao estatuir que as autorizações 
 legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez (cfr. artº 14º nº 2 do 
 E.O.M.).
 
  
 Como assim terá que se julgar como se julga o D.L. nº 5/93/M de 8 de Fevereiro 
 ferido de inconstitucionalidade orgânica tese que o recorrente igualmente 
 sustenta e cujo reconhecimento requer.' (a fls. 102 a 105 dos autos)
 
  
 
             Pode ler-se ainda na decisão recorrida:
 
  
 
 'Na verdade como se noticiou atrás o legislador do D.L. nº 5/93/M veio permitir 
 que os funcionários dos quadros da República na situação de licença de curta ou 
 longa duração licença ilimitada aposentação reforma ou reserva possam exercer 
 funções públicas no Território 'em qualquer dos regimes previstos no Estatuto 
 dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau' o que significa que poderão 
 ascender a cargos no Território seja através de nomeação (nas suas diversas 
 modalidades: provisória ou definitiva em comissão de serviço ou interina - artº 
 
 20º) seja através de contrato (além do quadro ou por assalariamento - artº 21º).
 
  
 Ora dada a latitude conferida pelo citado D.L. nº 5/93/M torna-se claro que os 
 funcionários oriundos da República e que estejam em qualquer das referidas 
 situações podem servir em Macau e chegar mesmo a lugares de direcção e chefia 
 aos quais se ascende apenas como se sabe através de nomeação em comissão de 
 serviço (cfr. artº 1º 2º 3º e 4º todos do D.L. nº 85/89/M de 21 de Dezembro).
 
  
 No que toca porém aos funcionários dos quadros de Macau está-lhes completamente 
 vedado em idênticas situações voltar a servir na Administração local (artº 13º 
 do E.T.A.P.M.) apenas lhes sendo consentido o exercício excepcional de funções 
 na qualidade única de aposentados e tão só mediante assalariamento (cfr. artº 
 
 268º do E.T.A.P.M.) o que como é bom de ver os coloca numa situação duplamente 
 desigual em relação aos seus congéneres da República uma vez que a excepção se 
 limita aos aposentados e nem quanto a esses se permite sequer o acesso a lugares 
 de chefia que é como se sabe incompatível com o assalariamento.
 
  
 A discriminação é pois flagrante e não assenta em nada de sólido estruturando-se 
 apenas na diferença do território de origem dos quadros em presença.
 
  
 Cremos que estará aqui seguramente a razão decisiva para considerar que o D.L. 
 nº 5/93/M potenciou em desfavor dos funcionários locais tratamento inegavelmente 
 discriminatório [...].
 
  
 Permitindo-se assim no processo aqui em recurso que funcionários dos quadros de 
 Portugal concorram a lugares da Administração de Macau em pé de desigualdade com 
 os do próprio Território beneficiando de facilidades que a estes últimos são 
 negadas e sem base justificativa bastante o D.L. nº 5/93/M - lei ordinária - 
 viola frontalmente aquele artº 2º (que se assume como norma materialmente 
 constitucional em Macau) e por remissão os artºs 13º nº 2 e 47º nº 2 da C.R.P. 
 que aquele artº 2º manda respeitar.
 
  
 Enferma pois o referido D.L. nº 5/93/M também de uma inconstitucionalidade 
 material.'(a fls. 107 a 110 dos autos)
 
  
 
  
 
  
 
             2. Notificados deste despacho apenas o Ministério Público interpôs 
 recurso de constitucionalidade desta decisão nos termos do artigo 70º nº 1 
 alínea c) da Lei do Tribunal Constitucional o qual foi admitido por despacho de 
 fls. 130 adiante examinado.
 
  
 
             3. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
 
  
 
             Apenas produziu alegações a entidade recorrente tendo formulado 
 nessa peça processual em que sustenta a não inconstitucionalidade do preceito 
 desaplicado pela decisão recorrida as seguintes conclusões:
 
  
 
 '1º - O regime estabelecido no artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M de 8 de 
 Fevereiro não inova no que se refere ao regime jurídico aplicável ao pessoal dos 
 quadros próprios do território de Macau plasmado no Estatuto dos Trabalhadores 
 da Administração Pública de Macau (aprovado pelo Decreto-lei nº 87/89/M de 21 de 
 Dezembro no exercício da autorização legislativa constante da Lei nº 9/89/M de 
 
 23 de Outubro).
 
  
 
  
 
 2º - Na verdade a norma constante daquele artigo único incide sobre um aspecto 
 específico da regulamentação do recrutamento de pessoal no exterior revogando 
 parcialmente o nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 60/92/M de 24 de Agosto ao 
 estabelecer que a capacidade profissional dos agentes recrutados no exterior não 
 tem de obedecer aos condicionalismos previstos no artigo 13º nº 1 do Estatuto 
 dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
 
  
 
  
 
 3º - O estabelecimento da disciplina jurídica do recrutamento de pessoal no 
 exterior mediante densificação e regulamentação da norma constante do artigo 69º 
 nº 1 do Estatuto Orgânico de Macau não se situa no âmbito da competência 
 legislativa reservada da Assembleia Legislativa de Macau tendo aliás o 
 Decreto-Lei nº 60/92/M sido editado pelo Governador de Macau no exercício da sua 
 competência legislativa própria.
 
  
 
  
 
 4º - Assim sendo o esgotamento e caducidade da autorização legislativa concedida 
 pela Lei nº 9/89/M não pode implicar a inconstitucionalidade orgânica da norma 
 constante do referido artigo único.
 
  
 
  
 
 5º - A diferenciação de regimes decorrente do artigo único do Decreto-Lei nº 
 
 5/93/M não viola os princípios constitucionais da igualdade e da não 
 discriminação do acesso à função pública por na sua base se encontrar um 
 fundamento razoável que constitui suporte material bastante do regime instituído 
 quanto à capacidade profissional dos agentes recrutados no exterior.
 
  
 
  
 
 6º - Tal diferenciação é consentida pelos artigos 68º a 70º do Estatuto Orgânico 
 de Macau que instituem uma diversidade de regimes e uma tendencial 
 estanquicidade entre os quadros do funcionalismo próprios do território e os 
 quadros dependentes dos órgãos de soberania e das autarquias da República.
 
  
 
  
 
 7º - O recrutamento de pessoal no exterior nos termos do artigo 69º nº 1 do 
 Estatuto Orgânico de Macau e do estatuído no Decreto-Lei nº 60/92/M tem carácter 
 excepcional e visa realizar um interesse público da Administração suprindo as 
 carências do território em pessoal dotado das qualificações necessárias ao cargo 
 a prover.
 
  
 
  
 
 8º - O regime constante do citado artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M não 
 implica tratamento discriminatório arbitrário e desrazoável para os funcionários 
 dos quadros próprios de Macau prevendo a lei as formas e procedimentos adequados 
 para voluntariamente poderem reingressar na função pública.'
 
  
 
             4. Foram corridos os vistos legais.
 
  
 
             Por não existir motivo que impeça o conhecimento do objecto do 
 recurso cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 
                         5. Constitui objecto do presente recurso a norma do 
 artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M de 8 de Fevereiro com o seguinte teor:
 
  
 
  
 
 'As situações constituídas no âmbito dos quadros dependentes dos órgãos de 
 soberania ou das autarquias da República Portuguesa nomeadamente as de licença 
 de curta ou longa duração licença ilimitada aposentação reforma ou reserva não 
 constituem incapacidade para o exercício de funções públicas no território de 
 Macau em qualquer dos regimes previstos no estatuto dos trabalhadores da 
 Administração Pública de Macau aprovado pelo Decreto-Lei nº 87/89/M de 21 de 
 Dezembro.'
 
  
 
  
 
        6. Importa averiguar antes de mais o tipo de recurso interposto pelo 
 Ministério Público. Esta entidade fundamentou a interposição do recurso na 
 alínea c) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional bem como ainda 
 no disposto nos arts. 39º alínea a) do Decreto-Lei nº 17/92/M de 2 de Março e 
 
 37º nº 2 alínea b) da Lei nº 112/91 de 29 de Agosto.
 
  
 
  
 
        No despacho de recebimento do recurso o Senhor Juiz relator admitiu o 
 recurso com fundamento no disposto nos arts. 280º nº 1 alínea a) nº 2 alínea a) 
 
 3 e 6 da Constituição 2º e 75º do Estatuto Orgânico de Macau 11º e 34º da Lei nº 
 
 112/91 de 29 de Agosto 70º nº 1 alíneas a) e c) da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 
        Da invocação destas normas parece resultar que o recurso admitido seria 
 simultaneamente um recurso de constitucionalidade e um recurso de legalidade: 
 recurso de constitucionalidade na medida em que se detectava na decisão 
 recorrida a violação do princípio constitucional da igualdade (violação do art. 
 
 13º da Constituição portuguesa norma recebida pelo art. 2º do Estatuto Orgânico 
 de Macau) violação que implicava a recusa de aplicação da norma indicada com 
 fundamento em inconstitucionalidade; recurso de legalidade na medida em que na 
 mesma  decisão se entendia ocorrer uma 'inconstitucionalidade orgânica' 
 decorrente da violação do Estatuto Orgânico de Macau pela norma do decreto-lei 
 em causa. Tal 'inconstitucionalidade 'seria uma ilegalidade por violação de lei 
 de valor reforçado no entendimento presumivelmente adoptado no requerimento de 
 interposição e no despacho recorrido de que o Estatuto Orgânico de Macau não 
 teria valor constitucional mas se revestiria da qualidade de lei de valor 
 reforçado.
 
  
 
  
 
        Para qualificar em definitivo o recurso importa ver em que termos é 
 atribuída competência ao Tribunal Constitucional para conhecer de recursos de 
 decisões proferidas por tribunais sediados em Macau.
 
  
 
  
 
        7. Como se sabe o Território de Macau enquanto se mantiver sob 
 administração portuguesa rege-se por estatuto adequado à sua situação especial 
 
 (art. 292º nº 1 da Constituição). Esse estatuto na sua versão em vigor consta 
 hoje do anexo à Lei nº 13/90 de 10 de Maio que alterou a Lei nº 1/76 de 17 de 
 Fevereiro por seu turno já alterada pela Lei nº 53/79 de 14 de Setembro.
 
  
 
        Nos termos do nº 5 do art. 292º da Constituição o Território de Macau 
 
 'dispõe de organização judiciária própria dotada de autonomia e adaptada às suas 
 especificidades nos termos da lei que deverá salvaguardar o princípio de 
 independência dos juízes'. Essa organização judiciária consta da Lei de Bases da 
 Organização Judiciária de Macau de 1991 (Lei nº 112/91 de 29 de Agosto) 
 desenvolvida por legislação do Território (nomeadamente e no que se refere ao 
 Tribunal de Contas o Decreto-Lei nº 18/92/M de 2 de Março).
 
  
 
        Nos termos do art. 2º do Estatuto Orgânico de Macau este Território 
 constitui uma pessoa colectiva de direito público interno 'e goza com ressalva 
 dos princípios e no respeito dos direitos liberdades e garantias estabelecidos 
 na Constituição da República e no presente Estatuto de autonomia administrativa 
 económica financeira e legislativa'.
 
  
 
  
 
        O Território de Macau não constitui parte do território nacional estando 
 sob administração portuguesa até 20 de Dezembro de 1999 por força do acordo 
 luso-chinês de 1987. A Constituição da República Portuguesa não se aplica 
 directamente no Território de Macau precisamente porque este não integra o 
 território daquela República (arts. 5º e 292º nº 1 do mesma Constituição).
 
  
 
  
 
        Certos preceitos da Constituição aplicam-se todavia neste território sob 
 administração portuguesa por força da remissão do Estatuto Orgânico nomeadamente 
 do seu art. 2º acima transcrito (cfr. Vitalino Canas Relações entre o 
 Ordenamento Constitucional Português e o Ordenamento Jurídico do Território de 
 Macau in Boletim do Ministério da Justiça nº 365 págs. 75 e segs.; Jorge Miranda 
 Manual de Direito Constitucional tomo II 3ª ed. totalmente revista e actualizada 
 Coimbra 1991 págs. 303 e segs.; Tomo III 3ª ed. Coimbra 1994 págs. 249-251; J.J. 
 Gomes Canotilho e Vital Moreira A Fiscalização da Constitucionalidade das Normas 
 de Macau Lisboa 1991 separata da Revista do Ministério Público nº 48 págs. 14 e 
 segs.; dos mesmos autores Constituição da República  Portuguesa Anotada 3ª ed. 
 Coimbra 1993 págs. 1676-1678; acórdão nº 292/91 in Diário da República II Série 
 nº 250 de 30 de Outubro de 1991).
 
  
 
  
 
        8. Não suscita dúvidas a competência do Tribunal Constitucional para 
 conhecer deste recurso.
 
  
 
  
 
        De facto no Estatuto Orgânico de Macau são atribuídas competências ao 
 Tribunal Constitucional (arts. 11º nº 1 alínea e)   30º nº 1 alínea a) e 40º nº 
 
 3) do mesmo passo que o art. 41º nº 1 desse Estatuto dispõe que nos feitos 
 submetidos a julgamento 'não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam as 
 regras constitucionais ou estatutárias ou os princípios nelas consignados'. Por 
 outro lado a Constituição portuguesa  dispõe que a lei ordinária pode  atribuir 
 funções e competências ao Tribunal Constitucional (art. 225º nº 3).
 
  
 
        Nos termos do art. 1º da Lei do Tribunal Constitucional este  'exerce a 
 sua jurisdição no âmbito de toda a ordem jurídica portuguesa'. Ora a ordem 
 jurídica vigente em Macau até 1999 é indiscutivelmente uma ordem portuguesa 
 
 (art. 292º da Constituição). Por outro lado a Lei de Bases da Organização 
 Judiciária de Macau ressalva transitoriamente as competências de diferentes 
 tribunais portugueses entre os quais as do Tribunal Constitucional (cfr. o seu 
 art. 34º; sobre esta matéria veja-se Jorge Noronha e Silveira A Fiscalização da 
 Constitucionalidade na Futura Organização Judiciária de Macau in Administração 
 nº 12 vol. IV 1991-2º págs. 287 e seguintes). É de resto pacífica na 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional a aceitação da sua competência para 
 conhecer de recursos de constitucionalidade em fiscalização concreta interpostos 
 de decisões dos tribunais de Macau bem como de reclamações previstas no art. 76º 
 nº 4 daquela mesma lei (veja-se a análise da jurisprudência mais antiga em 
 António Vitorino Macau na Jurisprudência do Tribunal Constitucional in Estado & 
 Direito nºs 5-6 1990 págs. 99 a 114; na mais recente veja-se por exemplo o 
 acórdão nº 481/94 ainda inédito).
 
  
 
  
 
        Concretamente e no que toca ao Tribunal de Contas o Decreto-Lei nº 
 
 18/92/M de 2 de Março regula a matéria de recursos a partir do seu art. 46º 
 desenvolvendo o que consta dos nºs 4 a 6 do art. 10º da Lei nº 112/91 de 29 de 
 Agosto
 
  
 
  
 
        Assim das decisões do tribunal singular que não sejam de mero expediente 
 cabe recurso ordinário para o tribunal colectivo - foi o que aconteceu no 
 presente processo como atrás se relatou. Por outro lado o nº 2 do art. 46º do 
 mesmo Decreto-Lei nº 18/92/M estatui que compete ao Tribunal de Contas da 
 República decidir por via de recurso as divergências entre o Governo de Macau e 
 o colectivo do Tribunal de Contas em matéria de visto sem prejuízo do disposto 
 no art. 34º da Lei nº 112/91.
 
  
 
  
 
        Ora no caso sub judicio  ainda que  caiba recurso para o Tribunal de 
 Contas da República uma vez que  ocorre uma divergência quanto à legalidade do 
 contrato de provimento com o Governo do Território   a verdade é que o Tribunal 
 de Contas de Macau desaplicou com fundamento em inconstitucionalidade uma norma 
 de um diploma legal do Território. Assim sendo e até que nos termos do art. 75º 
 do Estatuto Orgânico de Macau os tribunais do território venham a ser investidos 
 na plenitude e exclusividade da jurisdição o Tribunal Constitucional é 
 competente para conhecer desse recurso de constitucionalidade nos termos do 
 disposto no art. 1º da sua lei orgânica conjugado com as normas do Estatuto 
 Orgânico de Macau e da Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau já 
 citadas. Considera-se de resto - como também sustenta a entidade recorrente nas 
 suas alegações - que a decisão proferida pelo colectivo do Tribunal de Contas de 
 Macau constitui uma 'verdadeira «decisão jurisdicional» dela cabendo 
 consequentemente recurso de constitucionalidade nos termos gerais (cfr. Acórdãos 
 nºs 214/90 251/90 e 253/90)' (a fls. 155 dos autos).
 
  
 
  
 
        9. O que acaba de dizer-se leva a que se considere que o presente recurso 
 
 é um recurso de constitucionalidade interposto de decisão de desaplicação de uma 
 norma emanada dos órgãos legislativos do Território.
 
  
 
  
 
        Na verdade considera-se que também a questão 'de inconstitucionalidade 
 orgânica' é uma verdadeira questão de inconstitucionalidade e não de ilegalidade 
 por violação de lei com valor reforçado. A única particularidade é a de que o 
 parâmetro de constitucionalidade não é a Constituição da República Portuguesa 
 mas antes o Estatuto Orgânico de Macau muito embora este parâmetro tenha 
 relevância constitucional por força do art. 292º nº 1 da Constituição como atrás 
 se referiu (veja-se neste sentido o que consta do acórdão nº 292/91 do Tribunal 
 Constitucional). Como se afirma neste último acórdão Macau 'tem a sua 
 
 «Constituição» verdadeiramente no respectivo Estatuto'.
 
  
 
  
 
        A competência do Tribunal Constitucional para apreciar eventuais 
 desconformidades entre a Lei Fundamental (Grundnorm) do Território ou seja o seu 
 Estatuto Orgânico e a legislação ordinária no mesmo aplicável isto é casos de 
 inconstitucionalidade decorre do próprio Estatuto Orgânico (arts. 11º nº 1 
 alínea e) 30º nº 1 alínea a) 40º nº 3 e 75º) muito embora nesse Estatuto se 
 preveja a atribuição de competências ao Tribunal Constitucional para 
 fiscalização não só de constitucionalidade nos termos expostos como também para 
 fiscalização de legalidade em casos de valor reforçado de certos diplomas (arts. 
 
 11º nº 1 e) 30º nº 1 a) e 40º nº 3). Tais competências não se limitam à 
 fiscalização abstracta sucessiva mas também à fiscalização concreta de harmonia 
 com as normas já referidas (art. 1º da Lei do Tribunal Constitucional; arts. 11º 
 e 34º da Lei nº 112/91 de 29 de Agosto).
 
  
 
  
 
        10. Em conclusão pois o presente recurso é um recurso de 
 constitucionaldade quanto a todos os seus fundamentos e o Tribunal 
 Constitucional dispõe de competência para o apreciar.
 
  
 
  
 III
 
  
 
        11.  É altura de conhecer do objecto do recurso relativamente aos 
 diferentes fundamentos do mesmo.
 
  
 
  
 
        Preliminarmente importará acentuar os parâmetros da Lei Fundamental de 
 Macau relativamente ao recrutamento dos funcionários e agentes da Administração 
 Pública do Território e à possibilidade de transferência de funcionários da 
 Administração Pública da República para a Administração Pública de Macau ou de 
 transferência no sentido oposto.
 
  
 
  
 
        12. No domínio da Constituição de 1933 Macau era uma província 
 ultramarina portuguesa cujo território (composto pela península onde se situa a 
 cidade do Nome de Deus de Macau e suas 'dependências' ilhas de Taipa e de 
 Coloane) integrava o território de Portugal (arts. 1º 4º 133º a 136º).
 
  
 
  
 
        Como se recorda no acórdão recorrido o regime do funcionalismo público 
 ultramarino na vigência da referida Constituição constava de um diploma 
 nacional. Tal diploma era a partir de 1966 o Estatuto do Funcionalismo 
 Ultramarino abreviadamente EFU (aprovado pelo Decreto nº 46.982 de 27 de Abril 
 de 1965). De acordo com o art. 3º do EFU cada ramo de serviço da administração 
 provincial 'assentava' num quadro geral de funcionalismo próprio que tinha dois 
 escalões: o quadro comum do ultramar e o quadro privativo de cada província 
 ultramarina. Dentro dos quadros gerais previa-se a existência de quadros 
 especiais podendo ainda ser 'criados por lei quadros complementares do quadro 
 comum e dos quadros privativos para completar a acção de determinados serviços 
 em ramos especiais ou transitórios e eventuais da sua actividade' (corpo do 
 artigo). No quadro comum eram abrangidas as categorias de funcionários que 
 pudessem ser colocados de acordo com a lei e as conveniências de serviço nas 
 províncias ultramarinas no Ministério do Ultramar (sediado na então designada 
 Metrópole) e nos organismos dependentes. Igualmente os quadros privativos 
 abrangiam 'categorias de funcionários destinados ao serviço de uma só província 
 ultramarina do Ministério ou de determinado organismo dependente dele' o que 
 assegurava alguma mobilidade no sistema.
 
  
 
  
 
        13. A Revolução de 25 de Abril de 1974 veio provocar uma alteração 
 profunda do estatuto do território de Macau. A aceitação do direito dos povos à 
 autodeterminação e o início do processo de descolonização afectou embora de modo 
 diferente cada uma das antigas províncias ultramarinas.
 
  
 
  
 
        Uma lei constitucional aprovou o novo Estatuto Orgânico de Macau (Lei nº 
 
 1/76 de 17 de Fevereiro) qualificando o Território como 'uma pessoa colectiva de 
 direito público interno'. A Constituição de 1976 manteve em vigor essa lei 
 constitucional operando a recepção das respectivas normas com valor 
 constitucional (art. 306º - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira Constituição da 
 República Portuguesa Anotada 1ª ed. Coimbra 1978 pág. 535).
 
  
 
  
 
        O Estatuto Orgânico de 1976 autonomizou os serviços públicos do 
 Território cortando o respectivo vínculo à antiga Administração Pública 
 
 'metropolitana'. Assim segundo o art. 67º tais serviços públicos eram 
 qualificados expressamente como 'organismos privativos desse território' 
 admitindo-se que pudessem constituir 'entidades autónomas dotadas ou não de 
 personalidade jurídica'. A administração judiciária no Território escapava à 
 
 'localização' continuando a reger-se pela legislação emanada dos órgãos de 
 soberania da República (art. 51º).
 
  
 
  
 
        Os arts. 68º a 70º do estatuto passaram a reger a matéria dos agentes da 
 função pública. O princípio geral foi o da integração do pessoal dos serviços 
 públicos fosse qual fosse a respectiva categoria nos quadros próprios do 
 território 'ficando apenas sujeito à autoridade e fiscalização dos seus órgãos' 
 
 (art. 68º). O art. 69º regulou a possibilidade de o pessoal dos quadros 
 dependentes dos Órgãos de Soberania da República prestar serviço por tempo 
 determinado em Macau. O art. 70º por seu turno previu a possibilidade inversa de 
 os agentes do Território prestaram serviço por tempo determinado nos quadros 
 dependentes da soberania da República Portuguesa ou nos das ex-colónias neste 
 
 último caso nos termos dos acordos internacionais celebrados ou que viessem a 
 ser celebrados.
 
  
 
  
 
        As negociações encetadas entre Portugal e a República Popular da China 
 tiveram como pano de fundo o reconhecimento de que Macau era território chinês 
 em que o exercício da soberania estava temporariamente a cargo do Estado 
 português.
 
  
 
        Estas negociações vieram a ser concluídas com a assinatura de um acordo 
 luso-chinês em 1987 ('Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e 
 do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau' ratificada em 
 Portugal pelo Decreto do Presidente da República nº 38-A/87 de 14 de Dezembro) 
 através do qual foi solenemente reconhecido que o Território de Macau fazia 
 parte do território chinês e que o Governo da República Popular da China 
 voltaria a assumir o exercício de soberania sobre aquele em 20 de Dezembro de 
 
 1999 (Ponto 1). Ficou garantido por esse acordo que 'os nacionais chineses e os 
 portugueses e outros estrangeiros que previamente tenham trabalhado nos serviços 
 públicos (incluindo os de polícia) de Macau' poderiam 'manter os seus vínculos 
 funcionais'. Além disso os nacionais portugueses e os de outros países poderão 
 
 'ser nomeados ou contratados para desempenhar certas funções públicas na 
 
 [futura] Região Administrativa Especial de Macau' [Ponto 2 (3)]. Durante o 
 período de transição - que vai da data da entrada em vigor da 'Declaração 
 Conjunta' até 19 de Dezembro de 1999 - o Governo da República Portuguesa 
 continua a ser responsável pela administração de Macau cabendo-lhe continuar 'a 
 promover o desenvolvimento económico e a preservar a estabilidade social de 
 Macau' devendo o Governo da República Popular da China dar a sua cooperação 
 nesse sentido [ponto 3].
 
  
 
        Importa por isso sublinhar que a norma desaplicada pelo acórdão recorrido 
 se insere em diploma publicado neste quadro internacional claro em que avulta o 
 carácter transitório da administração portuguesa em Macau.
 
  
 
  
 
        14. Na preparação da transferência do exercício de soberania sobre o 
 Território de Portugal para a República Popular da China durante esta fase 
 transitória avulta a importância da estratégia de 'localização' dos quadros dos 
 serviços públicos do Território.
 
  
 
  
 
        Relativamente à situação existente em 31 de Março de 1987 - em 26 do 
 mesmo mês e ano foi rubricado em Pequim o texto da 'Declaração Conjunta' - 82 
 
 36% do pessoal da Administração Pública de Macau era já ou natural de Macau (60 
 
 71%) ou da área geográfica em que Macau se integra (21 25% originário da 
 República Popular da China; 0 4% de Hong-Kong). Apenas 9 91% do pessoal da 
 Administração Pública era natural de Portugal havendo ainda cerca de 7% do 
 pessoal natural de outros países. Todavia no pessoal dos grupos profissionais 
 dirigente técnico e docente os funcionários e agentes naturais de Portugal 
 representavam quase metade do total (46 27%) situação perfeitamente 
 compreensível se se atender a que tradicionalmente a língua portuguesa era a 
 
 única língua oficial do Território (só em anos recentes se passou a adoptar como 
 língua oficial o chinês passando a haver bilinguismo e se empreendeu uma 
 política de tradução para chinês de todos os textos legais portugueses). Como 
 escreve Rui Rocha 'na perspectiva do local de nascimento e em termos relativos 
 verifica-se: elevada localização dos grupos profissionais não técnicos (87 5%); 
 fraca localização dos grupos profissionais técnicos (40 47%)' (Localização: 
 Memorando para a Definição de uma Estratégia in Administração nº 2 vol. I 
 
 1988-2º pág. 225; do mesmo autor veja-se ainda sobre as perspectivas do futuro 
 Para uma Administração Pública de Macau no Séc. XXI in Administração Edição 
 Especial 1992 pág. 21-28).
 
  
 
  
 
        A administração portuguesa do Território pretende conseguir que até 20 de 
 Dezembro de 1999 os serviços públicos de Macau passem a ter apenas funcionários 
 e agentes locais e qualificados independentemente da sua nacionalidade ou lugar 
 de nascimento de forma a assegurar a continuidade do ordenamento jurídico do 
 mesmo território no quadro da Lei Básica da Região Administrativa Especial de 
 Macau da República Popular da China (a qual foi adoptada em 31 de Março de 1993 
 pela Primeira Sessão da Oitava Legislatura da Assembleia Popular Nacional da 
 República Popular da China; sobre tal continuidade veja-se Jorge Costa Oliveira 
 A Continuidade do Ordenamento Jurídico de Macau na Lei Básica da futura Região 
 Administrativa Especial in Administração nºs 19/20 VI 1993-1º págs. 21 e segs).
 
  
 
  
 
        15. Neste  quadro evolutivo que se traçou - e que se afigura 
 indispensável para apreciar as questões de constitucionalidade suscitadas - 
 operou-se em 1989 uma reforma da legislação do funcionalismo público.
 
  
 
  
 
        A Lei nº 9/89/M de 23 de Outubro emanada da Assembleia Legislativa de 
 Macau conferiu ao respectivo Governador uma autorização legislativa para 
 estabelecer o estatuto dos trabalhadores da Administração Pública para rever o 
 regime de carreiras do pessoal dessa Administração e para rever o regime do 
 pessoal de direcção e chefia dos Serviços da Administração Pública (art. 1º nº 
 
 1) a qual tinha validade de sessenta dias contados a partir da data da 
 publicação.
 
  
 
  
 
        No exercício dessa autorização legislativa veio o Governador do 
 Território a aprovar três diplomas sobre funcionalismo público: o Estatuto dos 
 Trabalhadores da Administração Pública de Macau o Estatuto do Pessoal de 
 Direcção e Chefia e o Regime de Carreiras.
 
  
 
  
 
        Interessa em especial para efeitos de apreciação do presente recurso 
 chamar a atenção para o primeiro diploma o Estatuto dos Trabalhadores da 
 Administração Pública de Macau (ETAPM) aprovado pelo Decreto-Lei nº 87/89/M de 
 
 21 de Dezembro. Este diploma visou no dizer do seu preâmbulo inserir-se no 
 movimento de 'modernização administrativa com vista a viabilizar a política de 
 bilinguismo a localização dos quadros e a resposta ao desafio que constitui o 
 período de transição político-administrativa que o território de Macau 
 atravessa'. Após a revogação do antigo Estatuto do Funcionalismo Ultramarino 
 considera o mesmo preâmbulo que se tornava 'imperioso «codificar» na medida do 
 possível as inúmeras e dispersas normas jurídicas de Macau tornando-as mais 
 acessíveis aos trabalhadores da Administração e aos cidadãos em geral; e ao 
 mesmo tempo uniformizar e esclarecer alguns preceitos mais controversos ou mesmo 
 colmatar algumas lacunas'. Trata-se de um diploma muito extenso englobando as 
 vicissitudes da relação jurídica de emprego público as condições de prestação de 
 serviço férias e faltas as licenças sem vencimento de curta e longa duração os 
 cuidados de saúde dos funcionários os subsídios e benefícios sociais e o 
 estatuto disciplinar. Segundo o art. 1º deste ETAPM o mesmo 'aplica-se ao 
 pessoal dos serviços públicos da Administração de Macau incluindo os serviços e 
 fundos autónomos' (nº 1) bem como ao pessoal dos municípios embora neste caso a 
 aplicação seja feita com as adaptações decorrentes da legislação autárquica 
 
 (ainda se aplica o ETAPM ao pessoal civil e subsidiariamente com as devidas 
 adaptações ao pessoal militarizado e do Corpo de Bombeiros das Forças de 
 Segurança de Macau). Os trabalhadores da Administração englobam 'os funcionários 
 agentes e pessoal assalariado' (art. 2º nº 1). O provimento por nomeação 
 definitiva ou em comissão de serviço confere a qualidade de funcionário ao passo 
 que o provimento por nomeação provisória ou em regime de contrato além do quadro 
 apenas confere a qualidade de agente (art. 2º nºs 2 e 3). 
 
  
 
  
 
        16. No preâmbulo do Decreto-Lei nº 87/89/M alude-se ainda a um quarto 
 diploma respeitante ao Estatuto do Pessoal Recrutado no Exterior o qual não foi 
 previsto na lei de autorização legislativa. Tal diploma foi publicado pelo 
 Governador ao abrigo de competência conferida pelo nº 1 do art. 13º do Estatuto 
 Orgânico de Macau (versão de 1976/1979) ainda antes de publicado o ETAPM. 
 Trata-se do Decreto-Lei nº 53/89/M de 28 de Agosto. Pode ler-se no preâmbulo do 
 mesmo:
 
  
 
  
 
 'O regime de exercício de funções do pessoal recrutado no exterior encontra-se 
 disperso por diversos diplomas enfermando de algumas lacunas e falta de 
 sistematização. O facto deste pessoal se reger por normas comuns aos demais 
 trabalhadores da função pública do Território presta-se a confusões 
 desnecessárias além de em muitos casos prejudicar a transparência dos actos da 
 Administração.
 
  
 
  
 
                Por outro lado a efectivação da política de localização de 
 quadros exige um maior controlo dos procedimentos a observar no recrutamento de 
 pessoal no exterior. É certo que o Decreto-Lei nº 8/88/M de 1 de Fevereiro 
 constitui um importante passo nesse sentido todavia aquém do desejável e 
 necessário.
 
  
 
  
 
                Por estas razões julgou-se conveniente autonomizar em estatuto 
 próprio o enquadramento jurídico do recrutamento de pessoal no exterior tratando 
 de forma explícita e eficaz o processo de admissão e as matérias decorrentes da 
 sua particular relação de trabalho para com a Administração Pública de Macau 
 
 [...].
 
  
 
  
 
                As restrições ao recrutamento de pessoal no exterior não 
 significam porém que a Administração do Território pretenda dispensar o seu 
 valioso contributo mas tão-só que o recurso a pessoal não residente deve ser 
 encarado de forma excepcional potencializando-se a admissão do pessoal local 
 desde que este preencha os requisitos indispensáveis ao desempenho das funções 
 que se pretende assegurar'.
 
  
 
  
 
        
 
        De harmonia com o art. 2º deste Decreto-Lei nº 53/89/M é considerado 
 recrutamento 'no exterior aquele que incide sobre pessoal não residente no 
 território de Macau incluindo o recrutado ao abrigo do Estatuto Orgânico de 
 Macau'. Este diploma manda aplicar a esse pessoal o regime da função pública com 
 as especialidades constantes do mesmo decreto-lei (art. 3º). Prevê-se um 
 contingente anual de recrutamento (art. 4º) e quando se trate de trabalhadores 
 recrutados na República Portuguesa não se exige que os mesmos tenham vínculo à 
 função pública embora o tempo de serviço prestado em serviço público ou empresa 
 pública na República Portuguesa releve para certos efeitos de sua prestação de 
 serviço em Macau (arts. 9º nº 2; 10º e 11º). Este diploma não revogou o nº 4 do 
 art. 7º do Decreto-Lei nº 86/84 de 11 de Agosto na redacção introduzida pelo 
 art. 3º do Decreto-Lei nº 15/88/M; de 29 de Fevereiro que estatuíra que a 
 situação de licença ilimitada nos quadros dependentes dos órgãos de soberania da 
 República Portuguesa não prejudicava o desempenho de funções públicas no 
 Território em qualquer dos regimes previstos no nº 1 do artigo 16º daquele 
 diploma (cfr. art. 25º). Os Decretos-Leis nºs 86/84/M de 11 de Agosto e 15/88/M 
 de 29 de Fevereiro foram porém expressamente revogados pelo art. 28º nº 1 13) e 
 
 59) do Decreto-Lei nº 87/89/M de 21 de Dezembro.
 
  
 
  
 
        Entretanto o diploma sobre recrutamento exterior de 1989 foi revogado e 
 substituído pelo Decreto-Lei nº 60/92/M de 24 de Agosto também emanado do 
 Governador ao abrigo do art. 13º nº 1 do Estatuto Orgânico de Macau (versão de 
 
 1990).
 
  
 
  
 
        De harmonia com o art. 1º deste diploma é assim traçado o objecto e 
 
 âmbito:
 
  
 
  
 
 '1. O presente decreto-lei estabelece as normas que regem o recrutamento de 
 pessoal ao abrigo do nº 1 do artigo 69º do Estatuto Orgânico de Macau para 
 exercer funções nos serviços e organismos públicos incluindo as autarquias os 
 serviços e fundos autónomos bem como nas empresas públicas e demais pessoas 
 colectivas de direito público.
 
  
 
  
 
 2. Ao restante pessoal recrutado no exterior são aplicáveis as normas constantes 
 do respectivo contrato de trabalho e subsidiariamente com as devidas adaptações 
 o disposto no presente diploma.
 
  
 
  
 
 3. Ao pessoal referido nos números anteriores aplica-se supletivamente o regime 
 da função pública de Macau'.
 
  
 
  
 
  
 
        Por outro lado de harmonia com o art. 3º 'o recrutamento no exterior tem 
 carácter excepcional e visa suprir as carências do território de pessoal com 
 qualificações necessárias ao desempenho das atribuições que incumbem à 
 Administração'.
 
  
 
  
 
        O pessoal recrutado na República Portuguesa não carece de ter a qualidade 
 de funcionário público da República ou das autarquias locais (cfr. nºs  1 e 2 do 
 art. 1º e 9º) podendo exercer funções em Macau em regime de comissão de serviço 
 em regime de contrato além do quadro e excepcionalmente assalariamento ou ainda 
 em regime de contrato individual de trabalho. A duração do exercício de funções 
 
 é em regra   de dois anos ou a que lhe for fixada no despacho de autorização 
 
 (art. 7º nº 2) podendo esse exercício ser renovado (art. 10º).
 
  
 
  
 
        17. O Decreto-Lei nº 5/93/M de 8 de Fevereiro onde se acha a norma 
 objecto do presente recurso surge no contexto referido no seu preâmbulo:
 
  
 
  
 
 'Apesar da autonomia do ordenamento jurídico e da Administração Pública do 
 Território têm surgido dúvidas e interpretações divergentes no tocante ao 
 universo pessoal de aplicação das normas atinentes à capacidade para o exercício 
 de funções públicas no território de Macau.
 
  
 
  
 
                Assim no estrito respeito pela referida autonomia importa 
 esclarecer o alcance e âmbito de aplicação do disposto no nº 1 do artigo 13º do 
 Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau aprovado pelo 
 Decreto-Lei nº 87/89/M de 21 de Dezembro procedendo-se a uma clarificação 
 legislativa autêntica.'
 
  
 
  
 
        E o seu artigo único estabelece como atrás se referiu que as situações 
 constituídas no âmbito dos quadros dependentes dos órgãos de soberania ou das 
 autarquias da República Portuguesa nomeadamente as de licença de curta ou longa 
 duração licença ilimitada aposentação reforma ou reserva 'não constituem 
 incapacidade para o exercício de funções públicas no território de Macau em 
 qualquer dos regimes previstos no Estatuto dos trabalhadores da Administração 
 Pública de Macau aprovado pelo Decreto-Lei nº 87/89/M'.
 
  
 
  
 
        O art. 13º nº 1 do ETAPM estatui que não dispõem  de capacidade 
 profissional para serem providos em funções públicas certas categorias de 
 pessoas nomeadamente os 'funcionários na situação de licença sem vencimento de 
 curta ou longa duração ou por interesse público ou que hajam requerido a 
 passagem a uma destas situações' e os 'aposentados ou os que se encontram 
 desligados do serviço para aquele efeito salvo o disposto no presente Estatuto' 
 
 [alíneas a) e b)].
 
  
 
  
 
        18. Depois desta longa descrição dos diferentes regimes jurídicos do 
 funcionalismo público e da sua evolução no tempo pode desde já afirmar-se que 
 não merece acolhimento a tese sustentada no acórdão recorrido de que a norma do 
 artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M está afectada de inconstitucionalidade 
 orgânica.
 
  
 
  
 
        Desde logo se dirá que caducara há muito a autorização legislativa 
 constante da Lei nº 9/89/M de 23 de Outubro (veja-se o seu art. 2º já referido) 
 não se invocando no preâmbulo do Decreto-Lei nº 5/93/M nem essa lei nem qualquer 
 outra lei de autorização legislativa.
 
  
 
  
 
        O que importa averiguar é se a matéria da norma do referido artigo único 
 cabe ou não na reserva de competência da Assembleia Legislativa de Macau.
 
  
 
  
 
        Antes de responder a tal questão deve abordar-se a problemática de 
 averiguar se se estará perante um diploma de natureza interpretativa do ETAPM.
 
  
 
  
 
        Não obstante a afirmação que consta do respectivo preâmbulo afigura-se 
 claro que relativamente ao artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M não está em 
 causa directamente o regime geral da função pública de Macau mas antes o regime 
 jurídico do pessoal recrutado no exterior regulado pelo Decreto-Lei nº 60/92/M 
 de 24 de Agosto.
 
  
 
  
 
        Como a tal pessoal se aplica supletivamente o regime da função pública de 
 Macau (art. 1º nº 3 do Decreto-Lei nº 60/92/M de 24 de Agosto) o legislador de 
 
 1993 veio estatuir - pouco importa se por via de interpretação autêntica como se 
 afirma no preâmbulo ou através de medida de natureza inovatória - que lhe não 
 era aplicável o disposto no art. 13º nº 1 (para os efeitos do presente recurso 
 apenas importa a alínea b) desse nº 1) do ETAPM.
 
  
 
  
 
        Há-de entender-se que como se refere nas alegações do Exmo. 
 Procurador-Geral Adjunto uma correcta compreensão da verdadeira função o 
 objectivos prosseguidos pelo Decreto-Lei nº 5/93/M aponta para conclusão diversa 
 da adoptada no acórdão recorrido:
 
  
 
 '[O artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M] tem directa conexão com o estatuto do 
 pessoal recrutado no exterior designadamente nos termos previstos no artigo 69º 
 nº 1 do Estatuto Orgânico de Macau   - e não com o estatuto funcional do pessoal 
 dos serviços públicos integrado nos quadros próprios do território de Macau a 
 que alude o artigo 68º do Estatuto Orgânico.
 
  
 
 [...]
 
  
 O que afinal se vai integrar ou mais precisamente modificar através da edição do 
 referido [artigo] único é o estatuído no artigo 1º nº 3 do Decreto-Lei nº 
 
 60/92/M - dispondo-se que a capacidade de exercício de funções públicas do 
 pessoal recrutado no exterior é determinada pelo nele expressamente estatuido e 
 não pela aplicação supletiva do regime da função pública de Macau como resultava 
 do preceituado no norma legal atrás citada - assim se afastando a aplicação 
 subsidiária ou supletiva do estatuído no artigo 13º nº 1 do Estatuto dos 
 Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
 
  
 
  
 
                Tal circunstância revela-se porém a nosso ver decisiva para 
 afastar a apontada inconstitucionalidade orgânica: é que como atrás se referiu o 
 diploma verdadeiramente «interpretado» (em termos seguramente inovatórios) pela 
 norma questionada foi editado no exercício da competência legislativa própria do 
 Governador de Macau não incidindo afinal sobre matéria situada no âmbito da 
 competência reservada da Assembleia Legislativa.
 
  
 
  
 
                Ou seja: nada tendo a conteúdo material do Decreto-Lei nº 5/93/M 
 a ver com a definição do estatuto do pessoal dos quadros próprios de Macau nem 
 com os três diplomas credenciados pela autorização legislativa constante da Lei 
 nº 9/89/M é evidente que o 'esgotamento' e 'caducidade' desta se revelam neste 
 caso e salvo melhor opinião perfeitamente irrelevantes.' (fls. 166-169 dos 
 autos).
 
  
 
  
 
  
 
        19. No texto transcrito afirma-se que a matéria da norma do artigo único 
 do Decreto-Lei nº 5/93/M não cai na reserva de competência da Assembleia 
 Legislativa de Macau.
 
  
 
  
 
        Importará atentar no texto do Estatuto Orgânico de Macau resultante de 
 revisão operada pela Lei nº 13/90 de 10 de Maio no que toca às matérias 
 respeitantes ao estatuto do funcionalismo público do Território ao regime da 
 Administração Pública e às empresas do sector público.
 
  
 
        Dispõe o seu art. 31º:
 
  
 
 '1. A Assembleia Legislativa tem o poder de legislar sobre as seguintes 
 matérias:
 
  
 
 -----------------------------------------------
 
  
 d) Regime geral de punição das infracções disciplinares [...].
 
  
 
 -----------------------------------------------
 
  
 l) Bases gerais do regime jurídico da administração local incluindo as finanças 
 locais;
 
  
 
 ------------------------------------------------
 
  
 o) Bases gerais do estatuto das empresas públicas;
 
  
 p) Bases do regime da administração pública do território;
 
  
 q) Criação de novas categorias ou designações funcionais alteração das tabelas 
 que definem aquelas categorias e fixação dos vencimentos salários e outras 
 formas de remuneração do pessoal dos quadros.
 
  
 
  
 
 2. [...].
 
  
 
  
 
 3. São da competência da Assembleia Legislativa salvo autorização ao Governador 
 as matérias das alíneas g) h) j) l) m) p) e q) do nº 1 do presente artigo e o 
 regime de prisão preventiva de buscas domiciliárias do sigilo das comunicações 
 privadas das penas relativamente indeterminadas e das medidas de segurança e 
 respectivos pressupostos.
 
  
 
  
 
 4. São da competência cumulativa da Assembleia Legislativa e do Governador as 
 matérias das alíneas a) d) e) f) i) n) e o) do nº 1 do presente artigo.
 
  
 
 5. [...]'
 
        
 
        Na versão do Estatuto Orgânico de Macau vigente em 1989 abrangiam-se já 
 na reserva de competência da Assembleia Legislativa as matérias respeitantes ao 
 estatuto da função pública (alíneas e) e g) do nº 1 do art. 31º) sendo certo que 
 apesar do nº 2 do mesmo art. 31º considerar essas matérias da exclusiva 
 competência da Assembleia se admitia estatutariamente a concessão de 
 autorizações legislativas  ao Governador sem restrições (arts. 13º nº 2 e 14º).
 
  
 
  
 
        Importa acentuar que a edição dos diplomas de 1989 e de 1992 sobre 
 pessoal recrutado no exterior ao abrigo das duas versões sucessivamente vigentes 
 do Estatuto Orgânico de Macau a anterior à Lei nº 13/90 e a posterior a esta foi 
 feita sempre com invocação da competência legislativa própria do Governador 
 sendo especialmente significativo que o diploma de 1989 haja sido publicado 
 antes da Lei nº 9/89/M de 23 de Outubro sem qualquer reacção conhecida da 
 respectiva Assembleia Legislativa.
 
  
 
  
 
        Ora diferentemente do que foi considerado pela maioria que fez vencimento 
 no acórdão recorrido o Decreto-Lei nº 5/93/M alterou o Decreto-Lei nº 60/92/M 
 não se destinando a alterar ou a interpretar autenticamente o diploma que contém 
 o regime geral da função pública do Território (Decreto-Lei nº 87/89/M de 21 de 
 Dezembro). Tal ficou suficientemente demonstrado atrás.
 
  
 
  
 
        O recrutamento do pessoal no exterior é uma matéria de natureza 
 particular que não tem a ver nem com o 'regime geral da punição das infracções 
 disciplinares' (matéria constante do Decreto-Lei nº 87/89/M) nem 'com as bases 
 gerais do regime jurídico da administração local' (al. l) do nº 1 do art. 31º do 
 Estatuto Orgânico) nem com 'as bases do regime de administração pública do 
 território' (al. p) do mesmo art. 31º nº 1) nem claro com a 'criação de novas 
 categorias ou designações funcionais alteração das tabelas que definam aquelas 
 categorias e fixação dos vencimentos salários e outras formas de remuneração do 
 pessoal dos quadros' (al. q) do mesmo artigo e alínea).
 
  
 
  
 
        O Decreto-Lei nº 60/92/M (tal como o antecedente Decreto-Lei nº 53/89/M) 
 contém o enquadramento jurídico do recrutamento do pessoal no exterior em regra 
 em Portugal mas também em outros países que se reveste de carácter excepcional 
 para suprir as necessidades que não possam ser satisfeitas com recurso aos 
 habitantes do Território. Não tem por isso necessariamente que se estabelecer 
 que esse pessoal recrutado no estrangeiro não esteja aposentado em licença sem 
 vencimento de curta ou longa duração quando tenha um vínculo funcional com as 
 Administrações Públicas de Portugal ou de um outro país. Uma solução mais 
 restritiva pode dificultar o recrutamento sem haver razões ponderosas que 
 imponham a uniformidade das soluções acolhidas no art. 13º nº 1 do ETAPM para 
 todos os casos uniformidade que poderia ter sentido quando vigorava a legislação 
 colonial e não se tinham acentuado ainda as características de autonomia do 
 Território a escassos anos de integração na República Popular da China embora 
 com estatuto especial de autonomia.
 
        Acresce que não pode retirar-se da revogação do nº 4 do art. 7º do 
 Decreto-Lei nº 86/84/M na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 15/88/M de 29 de 
 Fevereiro - revogação operada pelo Decreto-Lei nº 87/89/M como se viu - qualquer 
 especial argumento desde que se entenda que a matéria da 'capacidade' do pessoal 
 recrutado no exterior é uma matéria excepcional que não integra as bases do 
 regime jurídico da administração pública do Território como atrás se sustentou.
 
  
 
  
 
        20. Conclui-se assim que não ocorre inconstitucionalidade orgânica 
 cabendo o diploma em que se encontra a norma desaplicada na competência do 
 Governador nos termos do art. 13º nº 1 do Estatuto Orgânico.
 
  
 
  
 
        21. Tão-pouco procede a invocada violação pelo artigo único do 
 Decreto-Lei 5/93/M do princípio constitucional da igualdade.
 
  
 
  
 
        A tese maioritária acolhida no acórdão recorrido considera que a norma 
 desaplicada cria uma discriminação injustificada com base no território de 
 origem: o art. 13º nº 1 do ETAMP seria mais exigente para os funcionários locais 
 em matéria de capacidade do que o artigo único do Decreto-Lei nº 5/ 93/M para o 
 pessoal recrutado no exterior.
 
  
 
  
 
        No acórdão recorrido tende-se a parificar as Administrações Públicas 
 portuguesas e do Território de Macau aceitando-se no fundo que ambas são 
 emanação da mesma soberania. É especialmente significativo o seguinte passo do 
 acórdão:
 
  
 
  
 
 'Desconsiderando aqui e agora por menos impositiva uma visão analítica da 
 temática assente em base extraterritorial (saber em que medida os quadros de 
 Macau abrangidos pelo art. 13º do E.T.A.P.M. gozam em Portugal das facilidades 
 que o D.L. nº 5/93/M veio oferecer aos quadros da República de Macau) - onde já 
 seria possível vislumbrar alguma luz para a solução do problema posto - será 
 numa comparação de base territorial (garantias que no ordenamento de Macau são 
 dadas às unidades dos dois quadros e nas mesmas condições para servirem a 
 Administração do Território) que mais adequadamente se chega a ilações seguras' 
 
 (a fls. 107).
 
  
 
  
 
  
 
        A desigualdade injustificada reside - na tese da decisão recorrida - na 
 possibilidade de os funcionários aposentados em licença de longa ou curta 
 duração etc. da função pública da República poderem servir na Administração 
 Pública de Macau e chegarem mesmo a posições de direcção e chefia ao passo que 
 os funcionários locais na exclusiva situação de aposentados só poderem prestar 
 serviço em regime de assalariamento (art. 268º do ETAPM) 'o que como é bom de 
 ver os coloca numa situação duplamente desigual em relação aos seus congéneres 
 da República uma vez que a excepção se limita aos aposentados e nem quanto a 
 esses se permite sequer o acesso a lugares de chefia que é como se sabe 
 incompatível com o assalariamento' (a fls. 107). E o acórdão recorrido chama à 
 colação o parecer nº 1/76 da Comissão Constitucional - o qual incide sobre 
 legislação regional da Madeira que pretendia atribuir uma preferência na 
 colocação e deslocação dos professores em benefício dos naturais ou residentes 
 na Região e em detrimento dos outros cidadãos portugueses - para fundamentar o 
 seu juízo de inconstitucionalidade material.
 
  
 
  
 
        22. Entende-se que esta posição não procede esquecendo as profundas 
 diferenças que existem entre a situação das Regiões Autónomas dos Açores e 
 Madeira que se integram num Estado unitário (art. 6º da Constituição) e a 
 situação de Portugal e do Território de Macau hoje isto é depois de finda a 
 situação colonial e a poucos anos da integração deste último na República 
 Popular da China.
 
  
 
  
 
        Como tem repetidamente dito o Tribunal Constitucional 'o princípio da 
 igualdade não proíbe pois que a lei estabeleça distinções. Proíbe isso sim o 
 arbítrio; ou seja proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material 
 bastante que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável segundo 
 critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes. Proíbe  também se 
 tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a 
 discriminação: ou seja as diferenciações de tratamento fundadas em categorias 
 meramente subjectivas como são as indicadas exemplificativamente no nº 2 do 
 artigo 13º' (formulação do Acórdão nº 39/88 in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional 11º volume pág. 272).
 
  
 
  
 
        Ora as necessidades da Administração Pública de Macau  de recrutamento no 
 exterior de pessoal especialmente qualificado quando não haja possibilidade de 
 as satisfazer localmente (cfr. arts. 3º e 5º nº 3 do Decreto-Lei nº 60/92/M) 
 apontam para uma situação particular que admite um regime distinto do geral que 
 não seja arbitrário. Se é possível a Administração Pública do Território 
 recrutar pessoas não vinculadas à função pública da República ou de outro país 
 não se vê por que haveriam de ser discriminados os que se acham já aposentados 
 ou então em situações de licença de curta ou longa duração ou de licença 
 ilimitada embora mantendo um vínculo mais ou menos ténue com o funcionalismo 
 público em causa.
 
  
 
  
 
        Neste sentido se pronuncia convincentemente o Exmo. Procurador-Geral 
 Adjunto nas suas várias vezes citadas alegações:
 
  
 
 '3.4. Como consequência da radical autonomia jurídica e institucional 
 presentemente conferida ao Território de Macau os artigos 68º a 70º do Estatuto 
 Orgânico de Macau estabelecem uma distinção entre o pessoal dos quadros próprios 
 do Território e o pessoal dos quadros dependentes dos órgãos de soberania ou das 
 autarquias da República - admitindo porém que este nas circunstâncias que 
 vieram a ser regulamentadas pelo Decreto-Lei nº 60/92//M possa exercer funções 
 naquele Território.
 
  
 
  
 
                É pois o Estatuto Orgânico de Macau - verdadeira 
 
 «mini-Constituição» do Território - que legitima a diferenciação entre os 
 agentes administrativos ao serviço de Macau dispensando a existência de um 
 sistema unitário no que se refere à organização e regime da função pública no 
 Território instituindo pelo contrário uma dualidade de quadros do funcionalismo 
 e prevendo uma tendencial estanquicidade entre os quadros próprios de Macau e os 
 quadros do funcionalismo da República.
 
  
 
  
 
                Ora no nosso entendimento esta profunda autonomia dos quadros do 
 funcionalismo próprio de Macau e a consequente diversidade de regimes quanto à 
 situação jurídica dos agentes que consente obriga a que o intérprete seja 
 particularmente cauteloso na utilização do princípio constitucional da 
 igualdade.
 
  
 
  
 
                É que esta profunda autonomia de quadros e regime da função 
 pública ao serviço no Território poderá justificar materialmente a solução 
 constante do artigo único do referido Decreto-Lei nº 5/93/M - que assim deixaria 
 de poder ser qualificada como opção legislativa perfeitamente «arbitrária e 
 desrazoável» por carecida de qualquer fundamento ou suporte material razoável.
 
  
 
  
 
                Desde logo - e como atrás se referiu - o recrutamento de pessoal 
 no exterior para além de ter carácter excepcional pressupõe que inexista no 
 Território pessoal com as qualificações necessárias ao desempenho do cargo a 
 prover. Ou seja: a «ratio» do regime instituído não seria operar uma 
 
 «discriminação» em desfavor dos agentes integrados nos quadros próprios do 
 Território mas suprir «carências» em pessoal qualificado que apenas no exterior 
 seria possível encontrar realizando pois um interesse público relevante da 
 própria Administração.
 
  
 
  
 
                Por outro lado a radical autonomia e diversidade dos quadros do 
 funcionalismo próprio de Macau e da República Portuguesa podem explicar 
 satisfatoriamente a nosso ver a opção legislativa plasmada  no  citado artigo 
 
 único do Decreto-Lei nº 5//93/M: na realidade certos funcionários cujo vínculo 
 com a Administração Pública se encontra suspenso (em consequência de licença) ou 
 mesmo extinto (por ter ocorrido reforma ou aposentação) poderão ter interesse em 
 exercer as funções para que estão especialmente habilitados nos quadros de Macau 
 naturalmente em condições designadamente remuneratórias substancialmente 
 diversas das que correspondiam ao seu exercício no território português.
 
  
 
  
 
                A autonomia do regime da função pública em Macau consentida pelo 
 próprio Estatuto Orgânico de Macau poderá tornar compreensível a citada opção do 
 agente administrativo: este não teria interesse em exercer as funções para que 
 estava particularmente habilitado com o regime que corresponde genericamente à 
 função pública em Portugal mas já estaria interessado em prestar serviço perante 
 as condições oferecidas no Território de Macau...
 
  
 
  
 
                Já pelo contrário não se compreenderá facilmente que funcionários 
 dos quadros próprios de Macau e que nessa qualidade houvessem requerido a 
 suspensão ou mesmo a extinção do vínculo que os ligava à função pública do 
 Território viessem a nela reingressar e - mantendo-se a referida suspensão ou 
 extinção de vínculo - a exercer as funções que voluntariamente houvessem cessado 
 ou interrompido.
 
  
 
  
 
                Na verdade importa ponderar que neste tipo de situação existem 
 outras formas adequadas para satisfazer o interesse do funcionário que quer 
 reingressar no quadro de que saíu - as quais aliás se mostram previstas no 
 Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
 
  
 
  
 
                Assim no que se refere à licença sem vencimento de longa duração 
 o artigo 142º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau 
 prevê expressamente a possibilidade de reingresso ou readmissão na função 
 pública nos termos aí instituídos.
 
  
 
  
 
                Por outro lado nos casos de aposentação que não derive de 
 incapacidade permanente ou absoluta ou de sanção penal ou disciplinar o artigo 
 
 268º do referido Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau 
 admite que o funcionário aposentado possa excepcionalmente exercer funções 
 públicas nos termos aí expressamente previstos e regulamentados.
 
  
 
  
 
                Não está pois excluído que nalgumas situações tipificadas no 
 artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M os próprios funcionários dos quadros 
 próprios de Macau possam reingressar voluntariamente na função pública embora 
 logicamente através de procedimentos diversos dos que são próprios do 
 recrutamento de pessoal no exterior.' (a fls. 175 a 178 dos autos)
 
  
 
  
 
        23. Conclui-se por isso que a norma desaplicada não viola o princípio 
 constitucional da igualdade nomeadamente na sua vertente de igualdade de acesso 
 
 à função pública (art. 47º nº 2 da Constituição).
 
  
 
        No mesmo sentido decidiram já os acórdãos nºs 75/95 e 76/95 publicados no 
 Diário da República II Série nºs 135 de 12 de Junho e 136 de 14 de Junho de 1995 
 respectivamente.
 
  
 
                                                                               IV
 
  
 
        24. Nestes termos e pelas razões expostas decide o Tribunal 
 Constitucional não julgar inconstitucional a norma do artigo único do 
 Decreto-Lei nº 5/93/M de 8 Fevereiro e por isso conceder provimento ao recurso 
 devendo o acórdão recorrido ser reformado em conformidade com o julgamento em 
 matéria de constitucionalidade.
 
  
 
        Lisboa 11 de Julho de 1995
 
  
 
  Armindo Ribeiro Mendes
 Antero Alves Monteiro Dinis
 Maria Fernanda Palma
 Maria da Assunção Esteves
 Alberto Tavares da Costa
 Vítor Nunes de Almeida
 José Manuel Cardoso da Costa