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Processo n.º 563/2003
 
 2.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
             (Conselheiro Benjamim Rodrigues)
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
             1.  A. promoveu a expropriação por utilidade pública, necessária 
 para a construção da A11/IP9, Braga-Guimarães, A4/IP4, Sublanço Celeirós, 
 Guimarães Oeste, do terreno correspondente à parcela nº --- do respectivo mapa 
 de expropriações, pertença dos expropriados B. e marido C., identificada por 
 
 “uma parcela de terreno com a área de 1. 297 m2, a confrontar actualmente, do 
 Norte com D., do Sul com D., do Nascente com E. e do Poente com F., sita no 
 lugar de ---------------, na freguesia de ----------------, a destacar do prédio 
 inscrito na matriz sob o artigo ------º e descrito na Conservatória do Registo 
 Predial de Braga sob o nº --------”.
 
             Por não ter havido acordo entre o expropriante e os expropriados 
 sobre o preço da parcela a expropriar, procedeu-se à arbitragem. 
 Notificado o resultado da arbitragem, o expropriante e os expropriados 
 recorreram para o Tribunal da Comarca de Braga.
 
             Por sentença de 10 de Julho de 2002, o Tribunal de 1ª instância 
 decidiu fixar “o montante da indemnização a pagar pelo expropriante aos 
 expropriados em 31.987,36 Euros, actualizada à data da decisão final do processo 
 nos termos do disposto no artigo 24º do Código das Expropriações de acordo com 
 os índices de preços ao consumidor, com exclusão da habitação, publicados pelo 
 INE”.
 
             Para alcançar este valor indemnizatório, a sentença considerou, em 
 síntese, que a parcela de terreno, não obstante estar integrada pelo PDM de 
 Braga na RAN, “deveria ser avaliada como solo apto para construção”, dada a 
 circunstância de “a parcela se situar numa zona onde na área envolvente se 
 situam construções de vivendas familiares de 2 pisos em média, tendo a 
 propriedade acesso por via pública” e que “a nascente do prédio e da parcela 
 situam-se diversos loteamentos já construídos, devidamente estruturados e que 
 distam cerca de 150 metros da parcela”, “tomando como critério o previsto no nº 
 
 12 do artigo 26º do Código das Expropriações conforme consta do relatório dos 
 senhores peritos”.
 
  
 
             2.  O expropriante e os expropriados recorreram da decisão da 1ª 
 instância para o Tribunal da Relação de Guimarães (o recurso dos expropriados 
 foi interposto a título subordinado).
 
             A entidade expropriante concluiu as respectivas alegações do 
 seguinte modo:
 
  
 
 [...]
 I.                   Por duas diferentes razões, deveria o solo da parcela 
 expropriada ser classificado como “para outros fins”.
 II.                 Por um lado devido à classificação dada pelo PDM, que é 
 extremamente importante na classificação e valorização do terreno pois ao 
 condicionar o tipo de aproveitamento económico que o proprietário pode dar ao 
 terreno, vai influir directamente no valor de mercado do mesmo.
 III.              Encontra-se o solo expropriado incluído em área classificada 
 como RAN, sendo de aplicar o DL 196/89 que menciona no seu artigo 8º/1 que os 
 solos da RAN devem ser exclusivamente afectos à agricultura.
 IV.              Em vários acórdãos o Tribunal Constitucional considerou que 
 parcela que faça parte integrante da RAN, deve ser avaliada como solo apto para 
 outros fins, visto que jamais os expropriados poderiam nela construir e que não 
 
 é inconstitucional, nem viola os princípios da justiça e da proporcionalidade, a 
 interpretação do artigo 24º/5 do CE/91 no sentido de excluir da classificação de 
 solos aptos para construção os solos integrados na RAN e expropriados para a 
 implementação de vias de comunicação.
 V.                Neles o TC defendeu que os princípios constitucionais da justa 
 indemnização e da igualdade são afectados apenas quando se exclui da 
 classificação de “solo apto para construção” parcela de terreno integrado na RAN 
 e que, com vista à satisfação do fim determinante da expropriação, é dela 
 desafectado e que é destinado pela expropriante à implantação de edificação mas 
 já não quando a expropriação (com indemnização como “solo para outros fins”) não 
 visa a construção de prédios urbanos mas sim a construção de via de comunicação.
 VI.              Por outro lado, o terreno em causa não preenche nenhuma das 
 alíneas do artigo 25º do Código das Expropriações.
 VII.           Não confrontava com via pública pavimentada susceptível de servir 
 edificações, sendo, um terreno interiorizado.
 VIII.         Não possuía as infra-estruturas urbanísticas necessárias para 
 servir edificações, nomeadamente rede de abastecimento de água, rede de energia 
 eléctrica e de saneamento.
 IX.         Não existia qualquer viabilidade de construção para o prédio objecto 
 de expropriação à data da DUP, sendo de referir que o expropriado não possuía 
 alvará de loteamento nem licença de construção.
 X.                Pelos argumentos aduzidos constata-se claramente que falta 
 aptidão construtiva ao solo em causa.
 XI.              Se assim não se entendesse, chegaríamos ao absurdo de concluir 
 que em Portugal não existe qualquer terreno sem aptidão construtiva, já que 
 mesmo os terrenos interiorizados, inseridos em áreas reservadas para a 
 agricultura e nos quais é proibido construir, seriam classificados como “aptos 
 para construção”.
 XII.           Então como é que chegou o tribunal a quo a tal conclusão? Pelo 
 facto de na envolvente existirem construções, fundamentando-se no disposto no nº 
 
 12 do artigo 26º do Código das Expropriações.
 XIII.         Tal argumento não procede, já que não tem em conta que a região do 
 Minho é caracterizada em termos habitacionais, por um povoamento disperso.
 XIV.        Além do mais, o nº 12 do artigo 26, é uma norma que apenas 
 estabelece um critério de avaliação para solos que, de acordo com o artigo 25 do 
 CE, sejam classificados como “aptos para construção”, o que claramente não 
 sucede no caso concreto.
 XV.           Não pode esta norma ser usada para conferir aptidão construtiva a 
 solos, mas sim para avaliar solos que, tendo aptidão construtiva, se encontram 
 nas situações nela descritas.
 XVI.        De qualquer modo, o nº 12 do artigo 26º é inconstitucional por 
 violação do princípio da igualdade na sua vertente externa, princípio este 
 consagrado constitucionalmente no artigo 13º, nº 1 da Lei Fundamental.
 XVII.      Não podem os proprietários de prédios expropriados, ser tratados 
 diferentemente em relação aos proprietários de prédios que não são abrangidos 
 por uma expropriação.
 XVIII.   Assim sendo, a entidade expropriante não compreende o critério atendido 
 na douta sentença “a quo”, não se conformando com a mesma.
 XIX.        A indemnização a atribuir aos expropriados não deverá exceder o 
 quantitativo de € 23.769,25 (Vinte e três mil e setecentos e sessenta e nove 
 Euros e vinte e cinco cêntimos), actualizável nos termos do disposto no Código 
 das Expropriações.
 
  
 
  
 O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 14 de Maio de 2003, negou 
 provimento a ambos os recursos.
 
             A decisão recorrida considerou, entre o mais, o seguinte:  
 
  
 
 [...]
 Ao caso dos autos, aplica-se o actual Código das Expropriações (aprovado pela 
 Lei n° 168/99, de 18.09), lei vigente à data da publicação da declaração de 
 utilidade pública no D.R.
 Alega a expropriante que a parcela expropriada deve ser classificada como solo 
 
 “para outros fins” por estar incluída em área classificada com RAN, sendo de 
 aplicar o nº 1º do artigo 8º da CE.
 
 *
 O CE começa por distinguir solo apto para construção e solo para outros fins 
 
 (artigo 25º). E no seu nº 2 enumera os casos em que considera o solo apto para 
 construção, ou seja:
 a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de 
 energia eléctrica e de saneamento, com as características adequadas para servir 
 as edificações nele existentes ou a construir;
 b) O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea 
 anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;
 c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a 
 adquirir as características descritas na alínea a);
 d) O que não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possui, 
 todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da 
 declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha 
 iniciado antes da data da notificação a que se refere o nº 3° do artigo 10º
 
  
 Da matéria apurada resulta que, à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam - 
 realizada em 5/03/2001 - a parcela expropriada era um terreno lavradio de boa 
 aptidão agrícola, com cultura de regadio da época instalada de forma rectangular 
 com os lados maiores de tronco esférico, plano, de solo profundo e com vinha 
 plantada, com ligação directa e interna à casa de habitação dos expropriados.
 A parcela situa-se numa zona onde na área envolvente se situam construções de 
 vivendas familiares de 2 pisos em média, tendo a propriedade acesso por via 
 pública. A nascente do prédio e da parcela situam-se diversos loteamentos já 
 construídos, devidamente infra-estruturados e que distam cerca de 150 metros da 
 parcela.
 Considerando apenas os critérios da proximidade da malha urbana referida e a 
 própria envolvência (sem atender a outros), afigura-se-nos que, face à matéria 
 provada, se encontram preenchidas as condições previstas na alínea a) do nº 1º 
 do art. 25º) do CE de modo a parcela em causa ser classificada como solo 'apto 
 para construção', com aplicação do nº 12º do art. 26º do mesmo diploma legal.
 Existindo, portanto, as infra-estruturas adequadas tão próximas da parcela a 
 expropriar, com acesso à via pública e encontrando-se, para além do mais, em 
 zona de expansão urbana e atendendo às características do terreno, entendemos 
 que o mesmo tem potencialidade edificativa, e como tal, é acertada a decisão do 
 Tribunal “a quo”, aliás de acordo com entendimento unânime dos Senhores Peritos.
 
 *
 Alega a expropriante que a parcela expropriada, localizando-se em área 
 classificada como Reserva Agrícola Nacional (RAN), deve ser exclusivamente 
 afecta à agricultura e como tal classificada como solo “apto para outros fins”.
 O regime jurídico da RAN - regulamentado no DL 196/89 - estabelecendo embora que 
 os solos da RAN devem ser exclusivamente afectos à agricultura (artigo 8º), 
 enumera situações em que os solos da RAN podem ser utilizados para outros fins 
 
 (artigo 9º).
 O entendimento mais corrente da doutrina e da jurisprudência vai no sentido de a 
 integração na RAN “não implicar, de per si, a extinção das potencialidades 
 edificativas dos respectivos solos, já que a lei prevê várias excepções ao 
 regime proibitivo  de construção  e ainda porque as  delimitações da RAN podem 
 sempre ser alteradas pela Administração, como consequente expansão  do conteúdo 
 do direito de propriedade (cf. Osvaldo Gomes – Expropriações, 243; Acs. 
 RP-CJ-1989-V-205 e CJ-1991-I-246; Ac. RE.CJ-1993-II-261).
 A classificação do solo e a sua efectiva utilização para efeitos da construção 
 são coisas distintas, pelo que tal normativo legal não pode ser objecto de 
 interpretação literal no sentido da equiparação a solo “para outros fins” àquele 
 que por lei ou regulamento não possa ser utilizado na construção.
 Como bem referem os expropriados, (citando o Ac. da RP, de 12.06.97 - Proc. 
 
 221/95), o facto de o terreno expropriado “estar consignado em sede de PM, como 
 Reserva Agrícola Nacional, nada releva em termos objectivos tanto mais que o 
 Estado ao proceder à expropriação de um terreno ainda que limitado por imposição 
 de Planos de Ordenamento e Gestão Territorial com o fim último de construção de 
 um eixo rodoviário está a atribuir-lhe um destino manifestamente diverso daquele 
 a que presidiu à sua limitação não se podendo agora aproveitar de uma 
 desvalorização de que ele próprio é criador, em violação expressa dos artigos 
 
 18º, 62º e 266º da Constituição da República.
 Improcedem, deste modo, as conclusões da alegação da expropriante.
 
 *
 Quanto ao recurso subordinado:
 Ao contrário do alegado pelos expropriados, o laudo dos Srs. Peritos, a fls. 171 
 dos autos, encontra-se suficientemente fundamentado, garantindo uma boa decisão 
 da causa.
 Todos os Senhores Peritos são pessoas tecnicamente qualificadas, não 
 apresentando quaisquer razões de divergência entre eles, plasmadas no respectivo 
 relatório.
 A sentença recorrida aderiu à posição dos Senhores Peritos, posição essa que é 
 de manter.
 Termos em que se acorda em negar provimento a ambos os recursos confirmando-se a 
 sentença recorrida.
 
  
 
  
 
             3.  O expropriante recorreu para o Tribunal Constitucional 
 apresentando um requerimento com o seguinte teor:
 
        
 O A., entidade expropriante nos autos à margem referenciados, e neles melhor 
 identificado, notificado do douto acórdão proferido por V.Ex.as, com o qual não 
 se conforma, vem, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 
 de 15 de Novembro, interpor
 Recurso para o Tribunal Constitucional
 nos termos do disposto nos artigos 69º e segs. da lei citada, com subida 
 imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
 
  
 A norma, cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional 
 aprecie, é o nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações aprovado pela lei 
 nº 168/99  de 18 de Setembro.
 Mais se refere, em cumprimento do nº 2 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82 de 15 de 
 novembro, que os princípios constitucionais que se consideram violados são o 
 princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da C.R.P. e o princípio da 
 justa indemnização, consagrado no nº 2 do artigo 62º da C.R.P.
 O recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma citada nas 
 alegações aduzidas ao abrigo do artigo 64º do Código das Expropriações citado.
 
             
 
             Nas alegações que apresentou no Tribunal Constitucional o recorrente 
 formulou as seguintes conclusões:
 
  
 I. O nº 12 do artigo 26º é, no nosso entender, inconstitucional pois estabelece 
 um critério de valorização que viola o princípios constitucionais da justa 
 indemnização e da igualdade.
 II.                 Nos termos em que se encontra exposto no nº 2 do artigo 62º 
 da C.R.P., a justa indemnização, mais do que um pressuposto da legitimidade da 
 expropriação, é parte integrante do seu conceito.
 III.          Consideramos que a indemnização não será justa, apesar de adequada 
 ao bem objecto de expropriação, se não permitir a continuidade da vida do 
 expropriado em termos dignos.
 IV.         A indemnização deve, igualmente, ser equitativa não só para o 
 expropriado como, também, para o interesse público.
 V.            Não restam dúvidas que a indemnização deve repor a situação 
 patrimonial do titular dos bens objecto de expropriação, sendo actualmente 
 doutrinal e jurisprudencialmente pacífico que o valor do mercado terá de ser o 
 ponto de partida para a determinação do valor que permite aquele ressarcimento.
 VI.         Para ser justa, a indemnização paga em virtude de expropriação por 
 utilidade pública necessita ainda de ser contemporânea, ou seja, tem de existir 
 uma paridade temporal entre a aquisição pela expropriante do bem e o pagamento 
 da indemnização ao expropriado.
 VII.       Por fim, é preciso que seja reposto o princípio da igualdade violado.
 VIII.    A indemnização por expropriação deve repor o princípio da igualdade, 
 violado pela imposição de um sacrifício especial ao proprietário, reconstituindo 
 a situação patrimonial que anteriormente detinha.
 IX.         A indemnização deve compensar plenamente o sacrifício especial 
 imposto ao expropriado, não podendo este ficar em situação mais gravosa do que a 
 dos particulares não expropriados, ou seja, não podem ser impostos aos 
 expropriados maiores sacrifícios que aos proprietários não expropriados.
 X.            O princípio da igualdade terá, ainda, aplicação na sua vertente 
 interna, impondo a utilização dos mesmos critérios na determinação das 
 indemnizações devidas aos expropriados.
 XI.         Este princípio assume especial relevância na determinação dos 
 critérios orientadores do cálculo da justa indemnização.
 XII.       Tendo em conta os argumentos expostos, fica claro que a indemnização 
 por expropriação só será justa se repor o princípio da igualdade violado, 
 através da reconstituição da posição de proprietário que o expropriado detinha.
 XIII.    Ora o nº 12 do artigo 26º do C.E. obsta a que tal suceda, dado que os 
 solos não serão avaliados segundo as suas potencialidades, nem sequer segundo as 
 potencialidades de parcelas de terreno com os mesmos condicionalismos materiais 
 e legais 'situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m 
 do limite da parcela expropriada'.
 XIV.    Este critério em primeiro lugar não atende ao facto de na prática não 
 ser possível realizar no solo expropriado uma construção semelhante às 
 existentes ou possíveis de edificar na zona envolvente.
 XV.      É que além das próprias características materiais do solo (declives, 
 proximidade de rio, etc.) poderem desaconselhar senão mesmo impedir a 
 construção, não nos podemos esquecer que o direito de edificar, conforme tem 
 sido maioritariamente entendido, não integra o núcleo do direito de propriedade 
 sobre um solo.
 XVI.    A não ser assim, todos os solos expropriados deveriam ser valorizados 
 como “aptos para construção” devido ao titular do direito de propriedade possuir 
 igualmente o direito de neles edificar.
 XVII. O nº 12 do artigo 26º do C.E. não tem em conta que por vezes os planos 
 urbanísticos restringem a edificabilidade dos imóveis, com base na falta de 
 aptidão edificativa, ou devido a apresentarem uma especial apetência ecológica, 
 agrícola ou arqueológica, não se estando nesses casos perante uma medida 
 expropriativa.
 XVIII.    Nestes casos estamos perante uma vinculação situacional do solo, ou 
 seja, de restrições que residem nas suas características, situação ou em 
 determinações legais, às quais os planos se encontram subordinados.
 XIX.    Não respeitando os condicionalismos materiais e legais que impendem 
 sobre o solo, esta norma leva à determinação de uma indemnização que não repõe a 
 situação patrimonial do expropriado.
 XX.      No caso concreto, os Ex.mos desembargadores foram claros quanto ao seu 
 entendimento quando manifestaram no seu douto acórdão que: a classificação do 
 solo e a sua efectiva utilização para efeitos da construção são coisas 
 distintas, pelo que tal normativo legal não pode ser objecto de interpretação 
 literal, no sentido da equiparação a “solo para outros fins”.
 XXI.    É nossa opinião que o nº 12 do artigo 26º estabelece um critério de 
 avaliação que se afasta das potencialidades inerentes ao respectivo solo, as 
 quais são delimitadas pelas suas características materiais bem como pelos 
 condicionalismos legais que sobre ele impendem.
 XXII. E a sua aplicação no caso concreto levou a que o solo expropriado fosse 
 avaliado como apto para construção, calculando-se o seu valor em função do valor 
 médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas 
 situadas numa área envolvente, quando nele nunca seria possível edificar.
 XXIII.    Nestes termos, o valor que resulta da sua aplicação é superior ao 
 necessário para restabelecer a situação patrimonial do expropriado, o que se 
 revela claramente uma injustiça.
 XXIV.   Além de que tal situação é claramente violadora do princípio da 
 igualdade na sua vertente externa já que o expropriado recebe assim um montante 
 indemnizatório superior ao que receberiam os proprietários de prédios 
 semelhantes, não expropriados, caso os tentassem transaccionar no mercado 
 corrente.
 XXV. É que nenhum indivíduo vai adquirir e pagar como solo apto para construção, 
 um terreno onde não é possível construir.
 XXVI.   Mas justifiquemos então porque no nosso entender, o solo expropriado não 
 possui aptidão construtiva efectiva.
 XXVII. Em primeiro lugar porque é uma parcela de terreno interior, sem acesso 
 directo a uma via pública.
 XXVIII.       Conjugando-se o constante na douta sentença proferida em 1ª 
 instância e no excelso acórdão da Relação, que o terreno em causa tem “ligação 
 directa e interna à casa de habitação dos expropriados”, com as confrontações do 
 terreno em causa, facilmente se chega à conclusão que o acesso encontra-se ao 
 dispor da “propriedade global”, mas não da parcela de terreno expropriada.
 XXIX.   Sendo um terreno interiorizado, sem infra-estruturas urbanísticas, não 
 integrado num núcleo urbano (o douto acórdão da Relação expressamente refere que 
 existe malha urbana próxima o que é uma situação absolutamente distinta), 
 chega-se à conclusão que faltam ao solo as condições materiais para justificar a 
 existência de potencialidade construtiva efectiva quer o preenchimento dos 
 requisitos da alínea nº 2 do artigo 25º do C.E.
 XXX. Tendo em conta que, de acordo com o PDM de Braga, o terreno expropriado 
 situa-se em “espaços agrícolas”, ou seja, RAN - Reserva Agrícola Nacional, 
 faltam também as condições jurídicas para que o proprietário do solo possa nele 
 construir uma habitação.
 XXXI.   A classificação dada pelo PDM é extremamente importante na classificação 
 e valorização do terreno pois ao condicionar o tipo de aproveitamento económico 
 que o proprietário pode dar ao terreno, vai influir directamente no valor de 
 mercado do mesmo.
 XXXII. O regime jurídico da RAN - Reserva Agrícola Nacional encontra-se 
 regulamentado no DL 196/89 que menciona no seu artigo 8º/1 que os solos da RAN 
 devem ser exclusivamente afectos à agricultura.
 XXXIII.       O artigo 9 enumera o nº restrito de situações em que os solos da 
 RAN podem ser utilizados para fins não agrícolas, fazendo-as ainda depender de 
 parecer prévio favorável das comissões regionais da reserva agrícola.
 XXXIV.       Só as alíneas b) e c) do artigo 9º/2 prevêem situações em que se 
 pode construir habitação em solos da RAN, após parecer prévio favorável das 
 comissões regionais da reserva agrícola, tratando-se claramente de situações 
 anómalas.
 XXXV.Os requisitos que a alínea b) impõe: “residência habitual”; “agricultores”; 
 
 “explorações agrícolas viáveis”; “não existam alternativas válidas”; ou os 
 prescritos na alínea c): “utilização própria e exclusiva”; “situação de extrema 
 necessidade”; “sem alternativa viável de habitação condigna e não resultem 
 inconvenientes para os interesses tutelados” mostram-nos claramente que se 
 tratam de situações excepcionais em que o legislador procurou salvaguardar o 
 valor da dignidade humana, não pretendendo contudo atribuir aptidão construtiva 
 a solos em relação aos quais afirma expressamente que devem ser exclusivamente 
 afectos à agricultura.
 XXXVI.       No caso em apreço, os expropriados não preenchem os requisitos de 
 nenhuma das alíneas b) ou c) da referida norma, e assim sendo não iriam ter 
 parecer prévio favorável das comissões regionais da reserva agrícola.
 XXXVII.    O referido Dec-Lei, no seu artigo 39º, dispõe, no caso de se 
 verificarem acções violadoras do regime da RAN, que, “independentemente do 
 processamento das contra-ordenações e da aplicação das coimas, as comissões 
 regionais da reserva agrícola podem ordenar a cessação imediata das acções 
 desenvolvidas em violação do disposto no presente diploma” e que “o 
 incumprimento da ordem de cessação constitui crime de desobediência, punido nos 
 termos do artigo 388º do Código Penal”.
 XXXVIII.  Quanto à classificação do solo de parcelas integradas na RAN, já se 
 pronunciou o Tribunal Constitucional por várias vezes.
 XXXIX.       Nesses acórdãos o Tribunal Constitucional considerou que parcela 
 que faça parte integrante da RAN, deve ser avaliada como solo apto para outros 
 fins, visto que jamais os expropriados poderiam nela construir e que não é 
 inconstitucional, nem viola os princípios da justiça e da proporcionalidade, a 
 interpretação do artigo 24º/5 do CE/91 no sentido de excluir da classificação de 
 solos aptos para construção os solos integrados na RAN e expropriados para a 
 implementação de vias de comunicação.
 XL.       Neles o TC defendeu que os princípios constitucionais da justa 
 indemnização e da igualdade são afectados apenas quando se exclui da 
 classificação de “solo apto para construção” parcela de terreno integrado na RAN 
 e que, com vista à satisfação do fim determinante da expropriação, é dela 
 desafectado e que é destinado pela expropriante à implantação de edificação mas 
 já não quando a expropriação (com indemnização como “solo para outros fins”) não 
 visa a construção de prédios urbanos mas sim a construção de via de comunicação.
 XLI.     O facto de as áreas a expropriar terem sido desafectadas da RAN para a 
 construção de via de comunicação, não lhes confere aptidão edificativa, pois 
 conforme é sabido, o interesse público que está na base do empreendimento em 
 causa, conjuntamente com os meios técnicos actualmente ao dispor da construção 
 de grandes obras, permitem que estas se efectuem em quase todos os terrenos 
 nacionais, se não mesmo em todos.
 XLII.  Não se deve esquecer, que de acordo com a alínea d) do nº 2 do artigo 9º 
 do diploma citado, as “vias de comunicação, seus acessos e outros 
 empreendimentos ou construções de interesse público, desde que não haja 
 alternativa técnica economicamente aceitável para o seu traçado ou localização”, 
 serão objecto de pareceres favoráveis das comissões regionais da reserva 
 agrícola.
 XLIII.     O referido Dec-Lei, no seu artigo 39º, dispõe, no caso de se 
 verificarem acções violadoras do regime da RAN, que, “independentemente do 
 processamento das contra-ordenações e da aplicação das coimas, as comissões 
 regionais da reserva agrícola podem ordenar a cessação imediata das acções 
 desenvolvidas em violação do disposto no presente diploma” e que “o 
 incumprimento da ordem de cessação constitui crime de desobediência, punido nos 
 termos do artigo 388º do Código Penal”.
 XLIV.    Note-se ainda que os licenciamentos de construção, alvarás de 
 loteamentos e todos os actos administrativos que violem os regimes da R.A.N. ou 
 da R.E.N., são nulos (artigo 34º do Decreto-Lei nº 196/89 e 15º do Decreto-Lei 
 nº 93/90).
 XLV. Pelos argumentos aduzidos constata-se claramente que falta aptidão 
 construtiva ao solo em causa.
 XLVI.  A aplicação do nº 12 do artigo 26º do C.E. ao caso sub judice, avaliando 
 como “apto para construção”, solo que não dispõe da potencialidade material nem 
 jurídica para edificar é, no nosso entender, inconstitucional.».
 
  
 Os recorridos não contra-alegaram.
 
  
 Tendo-se verificado mudança de Relator por vencimento, cumpre apreciar.
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
 4.  A apreciação da questão de constitucionalidade foi limitada, no requerimento 
 de interposição de recurso, à desconformidade com a Constituição da norma 
 constante do nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 
 nº 168/99, de 18 de Setembro. O quadro normativo em que tal norma foi convocada 
 pela decisão recorrida foi o da conjugação com a norma contida na alínea a) do 
 nº 2 do artigo 25º do mesmo Código. Note-se que por lapso manifesto o acórdão 
 recorrido refere-se à “alínea a) do nº 1 do artigo 25º do CE”, mas só naquele 
 primeiro preceito se indicam “condições” da classificação como “solo apto para 
 construção” a cuja existência apela a decisão recorrida, sendo que este último 
 se limita a indicar um dos dois tipos em que o legislador cindiu o solo para 
 
 “efeitos do cálculo da indemnização por expropriação” – solo apto para 
 construção. Mas, segundo a interpretação seguida, determina-se de acordo com a 
 regra do artigo 26º, nº 12, do CE 1999 o valor do solo incluído na Reserva 
 Agrícola Nacional expropriado para a implantação de vias de comunicação quando 
 resultam satisfeitos em relação a ele os critérios enquadráveis na al. a) do nº 
 
 2 do artigo 25º, do mesmo código, de proximidade da malha urbana (distância de 
 cerca de 150 metros), de envolvência (inserção numa área envolvente onde se 
 situam vivendas familiares) e de  acesso por via públicas.
 
  
 
 5.  A decisão recorrida refutou a tese do ora recorrente de que a parcela 
 expropriada por se localizar em área classificada como Reserva Agrícola Nacional 
 tinha de ser classificada como “solo apto para outros fins” e avaliada segundo 
 essa classificação em caso de expropriação para a implantação de vias de 
 circulação (mesmo sem que se alegasse que a Administração na definição dos 
 planos de ordenamento do território teria manipulado as regras urbanísticas com 
 intuitos de mais tarde adquirir os terrenos em causa por menor valor). Argumenta 
 o acórdão recorrido que o «regime jurídico da RAN – regulamentado no DL. 196/89 
 
 – estabelecendo embora que os solos da RAN devem ser exclusivamente afectos à 
 agricultura (artigo 8º), enumera situações em que o solos da RAN podem ser 
 utilizados para outros fins».  E depois de sustentar que a integração na RAN não 
 implica, segundo “o entendimento mais corrente da doutrina e da jurisprudência”, 
 
 “a extinção das potencialidades edificativas dos respectivos solos, já que a lei 
 prevê várias excepções ao regime proibitivo de construção e ainda porque as 
 delimitações da RAN podem ser sempre alteradas pela Administração”, o acórdão 
 recorrido afirma que “a classificação do solo e a sua efectiva utilização para 
 efeitos de construção são coisas distintas” e que «o facto de o terreno 
 expropriado “estar consignado em sede de PM, como Reserva Agrícola Nacional, 
 nada releva em termos objectivos tanto mais que o Estado ao proceder à 
 expropriação de um terreno ainda que limitado por imposição de Planos de 
 Ordenamento e Gestão Territorial com o fim último de construção de um eixo 
 rodoviário está a atribuir-lhe um destino manifestamente diverso daquele que 
 presidiu à sua limitação, não se podendo agora aproveitar de uma desvalorização 
 de que ele próprio é criador, em violação expressa dos artigos 18º, 62º e 226º 
 da Constituição”».
 
 É assim a dimensão normativa que subjaz a este entendimento que constitui 
 objecto do presente recurso, consubstanciado na norma do artigo 26º, nº 12, do 
 CE de 1991, na medida em que permite a classificação do terreno integrado na RAN 
 como “solo apto para construção”, fundamentando consequentemente o apuramento da 
 indemnização devida.
 
  
 
 6.  O recorrente sustenta a inconstitucionalidade da interpretação adoptada pelo 
 acórdão recorrido, afirmando, em síntese, que “a aplicação do nº 12 do artigo 
 
 26º do CE 1999 ao caso de terreno integrado na RAN, avaliando como apto para 
 construção, solo que não dispõe de potencialidade material nem jurídica para 
 edificar, é inconstitucional” por violar o princípio constitucional da justa 
 indemnização constante do nº 2 do artigo 62º da Constituição porquanto 
 desrespeita o princípio da igualdade (artigo 13º da CRP), na sua vertente 
 externa, “na medida em que não atende ao facto de, na prática, não ser possível 
 realizar no solo expropriado uma construção semelhante às existentes ou 
 possíveis de edificar na zona envolvente”.
 
  
 
 7.  No domínio de vigência do CE 1991, o Tribunal Constitucional pronunciou-se  
 várias vezes, em casos vindos do Tribunal da Relação do Porto, sobre a questão 
 da (in)compatibilidade com o parâmetro constitucional da justa indemnização 
 estabelecido no artigo 62º, nº 2, da CRP de uma norma de tal diploma – o artigo 
 
 24º, nº 5 – enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de solo 
 apto para construção os solos integrados na RAN expropriados para diversos fins 
 não agrícolas. E no acórdão nº 267/97 (publicado no Diário da República, II 
 Série, de 21 de Maio de 1997) o Tribunal concluiu pela sua 
 inconstitucionalidade, porquanto a integração do terreno na RAN havia funcionado 
 como simples modo de depreciar o valor do solo, dado que logo pouco tempo depois 
 foi expropriado com o fim de nele edificar, tendo para este efeito procedido à 
 sua desafectação da mesma RAN (anote-se que a sua apropriação ocorreu apenas uma 
 semana antes da publicação da Portaria nº 380/93 que procedeu à desafectação da 
 RAN de todo o terreno da parcela expropriada). Em outras situações, porém, em 
 que estava em causa a sua interpretação enquanto excluindo da classificação de 
 
 “solo apto para construção” solos integrados na RAN expropriados para a 
 implantação de vias de comunicação, construção de escolas e de infra-estruturas 
 de fornecimento de água, o seu juízo foi, embora com votos de vencido, o da não 
 inconstitucionalidade da norma (cfr. Acórdãos nºs 219/2001, 243/2001, 172/2002, 
 
 121/2002, 
 
 155/2002, 417/2002, 419/2002, 333/2003 e 557/2003, publicados no Diário da 
 República, II Série, respectivamente, de 6 e 4 de Julho de 2001, 3 de Junho 
 de 2002, 12, 30, 17 e 31 de Dezembro de 2002, 17 de Outubro de 2003 e de 23 de 
 Janeiro de 2004, e nºs 247/2000, 346/2003, 347/2003 e 425/2003, estes 
 disponíveis na página do Tribunal Constitucional na Internet, no endereço 
 http://www.tribunalconstitucional.pt). Porém, tais questões não correspondem à 
 dos presentes autos.
 Já o acórdão nº 275/04, publicado no Diário da República, II Série, de 8 de 
 Junho de 2004, se debruçou sobre questão mais próxima da dos presentes autos, 
 referente, todavia, às normas do artigo 23º, nº 1, e 26º, nº 1, do CE 1999. Em 
 tal aresto, o Tribunal Constitucional considerou que a questão então apreciada, 
 
 «representa como que o espelho da anterior, sem que igualmente se questione 
 qualquer actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em “manipulação das 
 regras urbanísticas”». Na verdade, «quando anteriormente se considerava 
 inconstitucional a norma contida no nº 5 do artigo 24º do CE (1991), 
 interpretada com o sentido de excluir da classificação de “solo apto para a 
 construção” o solo integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado, 
 nomeadamente, para implantação de vias de comunicação» – juízo esse que não foi 
 sufragado pelo Tribunal Constitucional – agora entende-se que se determina de 
 acordo com a regra do artigo 26º, nº 12, do CE 1999 (critério específico de 
 cálculo do valor de solo apto para a construção) o valor do solo incluído na 
 Reserva Agrícola Nacional expropriado para a implantação de vias de comunicação 
 quando saem satisfeitos em relação a ele os critérios enquadráveis na al. a) do 
 nº 2 do artigo 25º, do mesmo código, de proximidade da malha urbana (distância 
 de cerca de 150 metros), de envolvência (inserção numa área envolvente onde se 
 situam vivendas familiares) e de  acesso por via públicas. E conclui no sentido 
 da inconstitucionalidade de tais normas, nos seguintes termos:
 
  
 Decisivo para o juízo que se vier a fazer sobre aquela interpretação normativa, 
 afigura-se a consideração do respeito pelo princípio da igualdade perante os 
 encargos públicos, que o princípio da “justa indemnização” postula. Ora, neste 
 contexto, o princípio da igualdade desdobra-se em dois níveis de comparação, a 
 saber: no âmbito relação interna e no domínio da relação externa. No âmbito da 
 relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer 
 critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos 
 diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação. No domínio da 
 relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a 
 indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento 
 desigual entre estes dois grupos.
 Ora, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a 
 interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida e questionada nestes 
 autos coloca em crise aquele princípio. De facto, no caso concreto, os solos 
 integrados na Reserva Agrícola Nacional são expropriados exclusivamente para 
 construção de uma via de comunicação - uma das limitadas utilizações que, por 
 força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos 
 termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de 
 Junho. Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm-se igualmente 
 integradas na RAN, também sem qualquer aptidão edificativa. Assim sendo, 
 considerar-se como terreno apto para construção, como tal devendo ser 
 indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações 
 legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por 
 força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização 
 que não corresponde ao seu “justo valor” – para o determinar há que atender ao 
 valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração factores 
 especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está, 
 necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado 
 
 -, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes 
 proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido 
 contemplados com a expropriação. Nesse sentido, escreveu-se nos acórdãos n.ºs 
 
 333/2003 e 557/2003 já citados:
 
 “[...] Não tendo o proprietário, pela integração do terreno na RAN, expectativa 
 razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia 
 invocar o princípio da 'justa indemnização', de modo a ver calculado o montante 
 indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era 
 para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar.
 E, em rigor, a não ser assim, poderia, eventualmente, vir a configurar-se uma 
 situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, consoante 
 fossem ou não contemplados com a expropriação, com um ocasional locupletamento 
 injustificado destes últimos. Na verdade, enquanto os expropriados viriam a ser 
 indemnizados com base num valor significativamente superior ao valor de mercado, 
 os outros, proprietários de prédios contíguos igualmente integrados na RAN e na 
 REN e delas não desafectados, se acaso pretendessem alienar os seus prédios, não 
 alcançariam senão o valor que resultava da limitação edificativa legalmente 
 estabelecida. Ora, se é verdade que o “princípio da igualdade de encargos” entre 
 os cidadãos, a que o Tribunal Constitucional já fez apelo por diversas vezes, a 
 propósito da apreciação de regras de definição do cálculo da indemnização, 
 obriga a que o expropriado não seja penalizado no confronto com os não 
 expropriados, também não se afigura curial que, pela via da expropriação, devam 
 os expropriados vir a ser manifestamente favorecidos em relação aos não 
 expropriados. De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir 
 ressarcir o expropriado do prejuízo que ele efectivamente sofreu, e, por isso, 
 não pode ser irrisória ou meramente simbólica, também não poderá ser 
 desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública. 
 Assim, se a parcela a expropriar não permite legalmente a construção, não pode 
 ser paga com o preço que teria se pudesse ser-lhe implantada uma construção.”
 Pelo exposto, há que considerar que a interpretação das normas contidas no n° 1 
 do artigo 23° e no n° 1 do artigo 26° do Código das Expropriações (1999), que 
 conduz a incluir na classificação de “solo apto para a construção” e, 
 consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola 
 Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação, viola o princípio 
 da igualdade, consagrado no artigo 13° da Constituição.
 
  
 
  
 
 8.  O artigo 26º do CE 1999 tem como epíteto “Cálculo do valor do solo apto para 
 a construção”. O seu nº 12 – norma constitucionalmente impugnada – dispõe o 
 seguinte:
 
 12 – Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer 
 ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano 
 municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja 
 anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função 
 do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas 
 parcelas situadas numa zona envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m 
 do limite da parcela expropriada.
 
  
 Por seu lado, o artigo 25º, nº 2, alínea a), do CE 1999, define, assim, solo 
 apto para construção:
 a)  O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de 
 energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as 
 edificações nele existentes ou a construir;
 
 [...]
 
  
 
  
 
 9.  Importa, então, saber se a norma segundo a qual “é de determinar segundo a 
 regra do artigo 26º, nº 12, do CE 1999 o solo incluído na RAN quando saiam 
 satisfeitos em relação a ele os critérios enquadráveis na al. a) do nº 2 do 
 artigo 25º de proximidade da malha urbana (distância de cerca de 150 metros), de 
 envolvência (inserção numa área envolvente onde se situam vivendas familiares) e 
 de  acesso por via púbicas, expropriado para fins de implantação de vias  de 
 comunicação” ofende o princípio constitucional da justa indemnização por 
 desrespeito de alguma norma ou princípio constitucional, nomeadamente o da 
 igualdade, considerada a sua vertente externa.
 O nº 12 do artigo 26º do CE 1999 estabelece o critério específico de cálculo do 
 valor do solo para os casos em que “seja necessário expropriar solos 
 classificados como zona verde, de lazer ou para a instalação de infra-estruturas 
 e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território 
 plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor”, 
 determinando que em tais casos “o valor de tais solos será calculado em função 
 do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas 
 parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m 
 do limite da parcela expropriada”. 
 Será tal norma efectivamente violadora dos princípios da igualdade e da justa 
 indemnização?
 A ofensa ao princípio da igualdade invocada parece, porém, fundar-se num juízo 
 sobre uma hipotética não indemnização nos mesmos termos de proprietários em 
 idênticas condições a expropriar futuramente. No entanto, o próprio princípio da 
 igualdade somente impõe a comparação de realidades existentes, extrapolando da 
 sua racionalidade uma violação com fundamento na circunstância de outros 
 proprietários na mesma situação poderem não vir a beneficiar de uma indemnização 
 nos mesmos termos. 
 Coisa diferente seria a invocação do princípio da igualdade por quem, nas mesmas 
 circunstâncias, não viesse efectivamente a beneficiar de uma indemnização 
 idêntica – veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 194/97, publicado no 
 Diário da República, II Série, de 27 de Janeiro de 1999, em que se diz:
 
  
 Ora, num Estado de Direito, tem que haver igualdade de tratamento, 
 designadamente perante os encargos públicos. Por isso, a desigualdade imposta 
 pela expropriação tem que compensar-se com o pagamento de uma indemnização que 
 assegure “uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo 
 expropriado” (cf. o citado Acórdão nº 52/90 e o Acórdão 381/89, publicado no 
 Diário da República, II série, de 8 de Setembro de 1989). Só desse modo, com 
 efeito, se restabelecerá o equilíbrio que a igualdade postula.
 O princípio da igualdade, por outro lado, proíbe que se dê tratamento jurídico 
 desigual aos expropriados colocados em idêntica situação, só podendo 
 estabelecer-se distinções de tratamento ali onde exista um fundamento material 
 para tanto. Por isso, não é constitucionalmente admissível que a alguns 
 expropriados se imponha uma “onerosidade forçada e acrescida” sem que exista 
 justificação material para a diferença de tratamento (cf. o citado Acórdão nº 
 
 131/88); – recte, do ponto de vista constitucional, é inadmissível, por exemplo, 
 que, “em regra, se atenda ao valor real e corrente dos prédios expropriados e 
 que nas situações particulares dos n.os 1 e 2 do artigo 30º do Código das 
 Expropriações (de 1986) se considere, em muitos casos, um valor abaixo do real e 
 corrente” (cf. o Acórdão nº 109/88, publicado no Diário da República, II série, 
 de 1 de Setembro de 1988).
 
  
 Mas não é esse o caso de que agora se trata. A invocação pela Administração da 
 violação da igualdade fundamenta-se apenas em que não será possível realizar no 
 solo expropriado uma construção semelhante às existentes e possíveis de edificar 
 na zona envolvente e assim na previsão de que outros expropriados não serão 
 tratados equitativamente, eventualmente pela interpretação subjacente à solução 
 aplicada ser incorrecta. Contra esta consideração, milita desde logo a 
 circunstância de o terreno objecto de expropriação no caso concreto satisfazer 
 as condições do artigo 25º, nº 2, alínea a) do Código das Expopriações de 1999.
 Mas, a consideração de que, de acordo com o critério normativo sob análise,  não 
 será exigível a possibilidade de realizar no solo expropriado construção 
 semelhante às existentes pressupõe que a Constituição concebe a justa 
 indemnização confinada a limites mínimos, e que não admite que o legislador 
 possa utilizar critérios de valoração do solo diversos, mas com semelhante 
 expressão no valor da indemnização.
 Por outro lado, o raciocínio hipotético segundo o qual esta solução viola a 
 igualdade porque outros expropriandos não beneficiarão dela não pode ser 
 pertinente, não podendo a igualdade aferir-se pelo confronto com situações 
 hipotéticas. Aliás, a ponderação realizada no caso para alcançar o valor da 
 indemnização, dada a respectiva especificidade, impede uma comparação automática 
 com hipotéticas situações de proprietários, eventualmente expropriáveis, de 
 parcelas contíguas igualmente integradas na RAN mas que não foram expropriadas, 
 quer considerando a indemnização por uma eventual futura expropriação quer o 
 valor de mercado que os proprietários obterão se porventura decidirem vender os 
 prédios.
 Finalmente, a Constituição, em particular o artigo 62º, não configura deste modo 
 restritivo o dever de indemnizar, em que está em causa acautelar a compensação 
 do expropriado pela ablação do seu direito em nome do interesse público. Só 
 perante uma manifesta desproporção entre o valor fixado e o valor do bem, o que 
 não está em questão nos presentes autos ou que pelo menos o Tribunal 
 Constitucional não pode avaliar, por neste caso concreto só poder surgir com uma 
 dimensão de aplicação de critérios, é que se poderá colocar um problema de 
 eventual ultrapassagem da justa indemnização por excesso.
 Improcede, portanto, o presente recurso de constitucionalidade.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
 10.  Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao 
 recurso, confirmando consequentemente a decisão recorrida.
 
  
 
  
 Lisboa, 1 de Março de 2005
 
  
 Maria Fernanda Palma
 Mário José de Araújo Torres
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração de voto anexa)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 
  
 Declaração de Voto
 
             1 – Votei vencido por não poder acompanhar a solução do acórdão.
 
  
 
             2 – Enquanto primitivo relator sustentei um juízo de 
 inconstitucionalidade da norma aqui impugnada com base, essencialmente, nas 
 mesmas razões que conduziram o Acórdão n.º 275/04, publicado no Diário da 
 República II Série, de 8 de Junho de 2004 – aliás citado na decisão -, a 
 decretar um juízo de inconstitucionalidade da “interpretação das normas contidas 
 no n.º 1 do art.º 23º e no n.º 1 do art.º 26º do CE de 1999 que conduz a incluir 
 na classificação de “solo apto para construção” e, consequentemente, a 
 indemnizar como tal o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado 
 para implantação de vias de comunicação”.
 
  
 
             3 - Na verdade, considero inteiramente transponível para a norma 
 aqui sindicada constitucionalmente a fundamentação expendida nesse aresto. 
 A inclusão no critério de cálculo do valor do solo previsto no n.º 12 do art.º 
 
 26º do CE 1999 - ou seja a determinação do seu valor em função do valor médio 
 das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas 
 numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300  m do limite da 
 parcela expropriada, estabelecido para os casos de solos cuja expropriação se 
 tornou necessária e classificados como zona verde, de lazer ou para instalação 
 de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento 
 do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em 
 vigor -  de parcelas de terreno integradas na RAN, expropriadas para a 
 implantação de vias de comunicação, conduz a colocar os expropriados de tais 
 parcelas numa situação de desigualdade perante os demais proprietários de 
 parcelas contíguas igualmente integradas na RAN mas que não foram expropriados, 
 conduzindo a um “ocasional locupletamento injustificado” dos primeiros em 
 relação aos segundos. 
 Assim, enquanto os primeiros viriam a ser indemnizados com base em tal critério 
 específico de cálculo do valor de solo apto para construção, superior ao valor 
 de mercado, os outros que pretendessem alienar os seus terrenos nunca 
 alcançariam, no mercado, um tal valor por virtude da limitação edificativa 
 legalmente estabelecida para os solos integrados na RAN e da falta de previsão, 
 em relação a eles, do critério de equivalência estabelecido no art.º 26º, n.º 
 
 12, do CE 1999.
 
             Não se diga, como se argumenta no acórdão a que esta declaração se 
 anexa, com o que poderá sugerir-se estar-se perante uma visão diacrónica do 
 princípio da igualdade, que este princípio apenas “impõe a comparação de 
 realidades existentes, extrapolando da sua racionalidade uma violação com 
 fundamento na circunstância de outros proprietários na mesma situação poderem 
 não vir a beneficiar de uma indemnização nos mesmos termos”.
 
             Mas o que se está a comparar são precisamente as realidades no seu 
 estado actual e não realidades existentes em momentos temporais diferentes, ao 
 contrário do que se considera naquela argumentação.
 
             A inclusão do terreno na RAN sujeita o terreno a um único estatuto 
 jurídico sob o ponto de vista da sua não aptidão para a construção em função do 
 qual o legislador conformou o critério que concretiza o valor da justa 
 indemnização exigida constitucionalmente como contrapartida da expropriação.
 
             Ora, ao dar-se tratamento jurídico(-económico) diferente sob o ponto 
 de vista do critério de aferição do valor da indemnização devida em caso de 
 expropriação a terrenos  - que, conquanto estejam todos incluídos na RAN e sem 
 que essa inclusão ou desanexação decorra de actuação administrativa fraudulenta, 
 não podem ser, por virtude disso, destinados (ou aptos para) a construção, só 
 porque em relação a alguns desses terrenos se verificam as circunstâncias que, 
 para terrenos situados fora da RAN, o art.º 25º, n.º 2, do CE de 1999 releva 
 como elementos qualificantes de terrenos para construção -, equivale a 
 introduzir um elemento simplesmente formal ou materialmente irrelevante (do 
 ponto de vista da aptidão para a construção) para fundar uma destrinça no 
 aspecto indemnizatório. 
 Em qualquer dos casos, desde que os terrenos estejam incluídos na RAN, a sua 
 aptidão efectiva ou conjectural para a construção é exactamente a mesma, 
 concorram ou não concorram outras circunstâncias que a lei releve para 
 considerar como terrenos para construção terrenos que estão situados fora da RAN 
 e como tal sujeitos a outro estatuto jurídico. 
 Ora, ao admitir-se que os terrenos incluídos na RAN - e em relação aos quais se 
 verificam certos factores que apenas são relevados pela lei como elementos de 
 qualificação de terrenos aptos para construção relativamente terrenos situados 
 fora da RAN, para os ter como aptos a construção - possam ser indemnizados como 
 se foram terrenos aptos para construção, dentro do regime próprio estabelecido 
 no n.º 12 do art.º 26º do CE de 1999, só pelo simples facto de serem 
 expropriados, está a violar-se frontalmente o princípio da igualdade, na sua 
 vertente externa.
 Nesse preciso momento e num mercado em que não entrem factores anómalos e 
 especulativos jamais será possível aos donos de outros terrenos incluídos na 
 RAN, mas não expropriados, mesmo que em relação a eles se verifiquem também 
 aqueles factores, mas em que, efectiva ou conjecturalmente, não se pode 
 construir por força daquela inclusão na RAN, aspirar, em caso de transmissão 
 onerosa, a uma valoração correspondente à conseguida através da sua expropriação 
 e inclusão dentro do critério de cálculo do valor de indemnização constante do 
 n.º 12 do art.º 26º do CE de 1999, critério este que assenta ainda na 
 consideração dos terrenos referidos neste preceito como terrenos aptos para 
 construção enquanto, directa, incindível e inelutavelmente, ligados à obrigação 
 de realização das infra-estruturas que o planeamento urbanístico impõe e cuja 
 satisfação visa directamente cumprir.
 
  
 Benjamim Rodrigues