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Processo n.º 470/02
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1.Em 3 de Setembro de 2001, a A. apresentou, no Tribunal Administrativo do 
 Círculo de Lisboa, requerimento de intimação do Primeiro-Ministro a facultar-lhe 
 certidões referentes à totalidade do contrato outorgado entre o Estado Português 
 e as empresas do grupo B., incluindo os respectivos Anexos e estudos técnicos, 
 de modo a permitir à requerente avaliar a incidência ambiental e concorrencial 
 do projecto de implantação de uma unidade industrial em Esposende.
 Em 15 de Março de 2002, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa indeferiu 
 o pedido de intimação formulado por aquela organização ambientalista, a quem 
 reconheceu, embora, legitimidade para recorrer a tal meio processual acessório 
 
 (apenas no que concerne às suas preocupações ambientais). Na fundamentação da 
 sentença discutiu-se a “constitucionalidade da reserva decorrente do segredo 
 industrial, pois que a lei constitucional não o refere explicitamente” (no n.º 2 
 do artigo 268.º), referindo-se expressamente as normas do n.º 1 do artigo 62.º 
 do Código de Procedimento Administrativo, do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 
 
 65/93, de 26 de Agosto, e do n.º 1 do artigo 13.º Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 
 de Novembro, concluindo-se que “os valores subjacentes à consagração dos 
 segredos comercial e industrial têm protecção constitucional” pelo que tais 
 normas não seriam inconstitucionais.
 A requerente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Central 
 Administrativo, adoptando a tese, considerada e afastada na sentença, da 
 inconstitucionalidade dos artigos 62.º, n.º 1, do Código do Procedimento 
 Administrativo e 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, quando interpretados no 
 sentido de imporem reservas ao direito de informação, para além do previsto no 
 artigo 286.º, n.º 2, da Constituição.
 Por acórdão de 23 de Maio de 2002, a 1.ª Secção do Tribunal Central 
 Administrativo negou provimento ao recurso. Considerando estar em causa a 
 colisão entre o direito à informação e os direitos à propriedade e iniciativa 
 privada, com o inerente segredo industrial e comercial, concluiu o acórdão, por 
 maioria, pela legitimidade da opção feita pelo legislador ordinário no artigo 
 
 10.º da Lei n.º 65/93 (na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março) e no artigo 
 
 62º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo, «permitindo a 
 recusa de acesso a documentos “cuja comunicação ponha em causa segredos 
 industriais”». Mais concluiu que “[s]ó quando não existe lei é legítima a 
 ponderação dos valores em conflito pelo intérprete”, sendo que, no caso, a 
 legislação a aplicar seria o “art.º 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto”, e 
 que também dos termos contratuais – a cláusula 17.ª do contrato de investimento 
 estrangeiro, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros 34-B/2001, de 30 
 de Março de 2001 – resultava “a vinculação do Estado Português ao dever de 
 sigilo”.
 
 2.Recorreu então a referida organização ambientalista para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 pretendendo a apreciação das normas constantes “dos art.ºs 10.º da Lei n.º 
 
 65/93, de 26 de Agosto, n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de 
 Novembro, 10.º da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, tal como foram interpretadas e 
 aplicadas pelo Douto Acórdão recorrido, isto é, no [sentido] de que fez 
 prevalecer normas protectoras de segredo industrial, de propriedade privada, de 
 liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção em 
 confronto com o direito à informação para protecção do ambiente, por parte de 
 uma associação ambientalista; assim como no sentido de que não haverá, em caso 
 de colisão, uma prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de 
 carácter patrimonial; e, ainda, no sentido de que o Estado Português, por causa 
 de tal protocolo, estaria vinculado contratualmente a uma obrigação de segredo, 
 pelo que se violaria o princípio da legalidade.”
 Admitido o recurso, a recorrente encerrou assim as suas alegações:
 
 «A - Nestes autos está em causa a problemática da protecção do ambiente e,
 B - reflexamente a defesa da vida, integridade física e moral das pessoas, 
 incluindo a segurança,
 C - nomeadamente na sua vertente da prevenção perante eventuais violações;
 D - o que implica o direito à informação, como instrumento fundamental para o 
 exercício daqueles direitos,
 E – pois a todo o direito compete uma acção adequada a fazê-lo reconhecer em 
 juízo.
 F – A vinculação das entidades públicas diz respeito ao Estado, tanto enquanto 
 legislador, como no que se refere à administração,
 G – Como vincula entidades privadas.
 H – Estamos perante normas em que está em causa a força jurídica dos direitos, 
 liberdades garantias,
 I – que são directamente aplicáveis, mesmo na ausência de lei, contra a lei e em 
 vez da lei.
 J – As eventuais restrições a direitos deste género terão de ter em conta 
 princípios constitucionais diversos, nomeadamente o da proporcionalidade e a 
 exigência de respeito do seu núcleo essencial.
 K – A defesa do ambiente opera-se fundamentalmente por acção preventiva 
 
 (princípios da prevenção e da precaução), na medida em que os danos ambientais 
 são frequentemente de natureza irremediável e grave;
 L - os diferentes procedimentos existentes são o meios formais fundamentais para 
 exercer o direito à informação, e para a consequente tutela dos mesmos direitos 
 e interesses.
 M – Só em casos limitados, de informações e/ou documentos “classificados” é que 
 poderá haver restrições ao direito à informação dos particulares: quando estão 
 em jogo poderosos interesses públicos, 
 N – ou quando se pretenda, em alguns casos, proteger a intimidade e privacidade 
 das pessoas.
 O – O nosso quadro legal constitucional configura o direito ao “arquivo aberto”, 
 em nome de uma chamada “democracia administrativa” e de um “direito de saber”.
 P – Não há segredos industriais a defender no caso dos autos,
 Q – Já que o regime da propriedade industrial não os contempla; de facto,
 R – estando nós no domínio da liberdade de iniciativa privada e da concorrência, 
 assim como da tipicidade dos direitos de propriedade industrial, estes são 
 defendidos através das normas do registo e da punição da concorrência desleal,
 S – sendo certo que, com o registo, deixa de haver segredo, passando a existir 
 publicidade registral.
 T – De resto, nunca o Recorrido informou que tipo de segredo industrial estaria 
 a ser protegido: quando muito estaremos no segredo do…segredo!
 U – O douto Acórdão em apreço veio lesar ilicitamente interesses relacionados 
 com o ambiente, a vida e segurança das pessoas e o correspondente direito à 
 informação.
 V – Mesmo em caso de eventual colisão de interesses e/ou direitos, os de 
 carácter não-patrimonial prevalecem sobre os de índole patrimonial, na sequência 
 de entendimento (quase) unânime da Jurisprudência.
 X – O direito ao ambiente é protegido constitucionalmente e insere-se nos 
 direitos de personalidade.
 
 Y – Com a recusa radical de prestar à Recorrente todas e quaisquer informações, 
 o Recorrido e o Douto Acórdão em apreço estiveram a violar, pelo menos, o núcleo 
 fundamental do DIREITO À INFORMAÇÃO em matéria de ambiente.
 Z – Foram violadas as disposições dos art.ºs 9.º, 17.º, 18.º, 20.º, 24.º a 26.º, 
 
 35.º, 52.º, 66.º, 81.º, 90.º e 268.º da Const. Política, muito especialmente se 
 verificando a inconstitucionalidade dos art.ºs 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de 
 Agosto, n.º 1 do [artigo 13.º do] D.L. n.º 321/95, de 28 de Novembro, 10.º da 
 Lei n.º 8/95, de 29 de Março, tal como foram interpretadas e aplicadas pelo 
 Douto Acórdão recorrido, isto é, no sentido de fazer prevalecer normas 
 protectoras de “segredo industrial”, de propriedade privada, de liberdade de 
 iniciativa e da propriedade privada, dos meios de produção, em confronto com o 
 direito à informação para a protecção do ambiente por parte de uma associação 
 ambientalista; assim como no sentido de que não haverá, em caso de colisão uma 
 prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter 
 patrimonial; e, ainda, no sentido de que o Estado Português, por causa de tal 
 protocolo, estaria vinculado a uma obrigação de segredo, pelo que se violaria o 
 princípio da legalidade.
 Tais normas, na dimensão interpretativa que lhes foi conferida pelo Douto 
 Acórdão recorrido, violam os princípios e normas constitucionais do direito à 
 vida (art.º 24.º), à integridade moral e física das pessoas, incluindo a 
 segurança (art.º 25.º), ao ambiente e qualidade de vida (art.º 66.º), 
 nomeadamente a faculdade de prevenção de tais violações (art.ºs 266.º e 268.º), 
 traduzindo-se tal dimensão interpretativa na efectiva denegação de justiça.»
 Por seu turno, o Primeiro Ministro concluiu assim as suas alegações:
 
 «I. Apesar das flutuações reconhecíveis nas alegações da recorrente, parece 
 seguro que o objecto do presente recurso só poderá ser a questão da 
 constitucionalidade do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, e do n.º 1 
 do artigo 13º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, por confronto com o 
 n.º 2 do artigo 268.º da Constituição. Na verdade, das diversas disposições 
 legais indicadas nas alegações, apenas essas foram aplicadas no acórdão 
 recorrido.
 II. A disposição do art.º 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, tem vindo 
 reiteradamente a ser julgada não inconstitucional, por aplicação do raciocínio 
 dispositivo expresso no acórdão n.º 254/99 do Tribunal Constitucional, tirado em 
 Plenário. A mesma doutrina aplica-se ao n.º 1 do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 
 
 321/95, de 28 de Novembro.
 III. Constata-se ainda que o acórdão recorrido procedeu a uma valoração 
 circunstanciada dos bens constitucionalmente protegidos eventualmente 
 conflituantes no caso concreto, não se justificando qualquer censura.
 IV. Em consequência, resulta incontornável a carência de razão da recorrente.»
 Cumpre agora apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 3.Como se nota nas contra-alegações de recurso, as normas em causa no presente 
 processo só podem ser as do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na 
 redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, e a do n.º 1 do artigo 13.º do 
 Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, que foi deficientemente identificado 
 na decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa e assim permaneceu. 
 Sendo esta uma norma especial em relação àquela primeira, poder-se-ia até 
 centrar nela a análise, não fora o facto de a decisão recorrida a não ter 
 mencionado – ao contrário da do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, na redacção da Lei 
 n.º 8/95 -, e de a estatuição de uma e outra normas irem no mesmo sentido: “A 
 Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa 
 segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas”, diz a 
 referida Lei; “As informações relacionadas com operações de investimento 
 estrangeiro não podem ser divulgadas sem autorização escrita dos seus 
 intervenientes, excepto quando susceptíveis de conhecimento público”, diz a 
 norma do citado Decreto-Lei.
 Serão, assim consideradas ambas as normas – por ambas virem impugnadas e ambas 
 terem sido aplicadas durante o processo –, mas já não outras normas relevantes 
 do Código de Procedimento Administrativo – designadamente a do seu artigo 64.º - 
 por não terem sido referidas no requerimento de interposição do recurso.
 
 4.Importa, por outro lado, salientar que no presente processo não está em causa 
 a norma que prevê limitações ao direito à informação enquanto aplicável aos 
 elementos que eventualmente tenham servido para instruir os procedimentos 
 administrativos de licenciamento da unidade industrial a que se reporta o 
 contrato de investimento estrangeiro em questão – mas apenas os elementos 
 constantes dos anexos a este contrato, que não foram publicados.
 A requerente solicitou “certidões referentes à totalidade do contrato outorgado 
 com as empresas do grupo B., incluindo os anexos e estudos técnicos que permitam 
 a exacta compreensão do projecto em apreciação”. Mas, em relação a tais estudos 
 técnicos ou outros elementos – designadamente, o parecer favorável à instalação 
 da unidade industrial – a fundamentação (desde logo, do Primeiro-Ministro) para 
 a sua não entrega à requerente não reside na prevalência do dever de 
 confidencialidade, nos termos do contrato de investimento estrangeiro celebrado, 
 sobre o direito à informação da requerente, mas antes (cfr. fls. 86 e seg. dos 
 autos) na diversa origem dos documentos em causa: terem emanado de uma entidade 
 administrativa (a Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território 
 do Norte), não tendo o requerido domínio ou conhecimento sobre tais elementos (o 
 que se invoca logo no parecer do Ministério Público na 1ª instância, dado por 
 reproduzido na decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, e para 
 que remete também a decisão recorrida, do Tribunal Central Administrativo).
 
 5.Quanto à norma do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, na redacção da Lei n.º 8/95, e 
 quanto à sua conformidade com o n.º 2 do artigo 268.º da Constituição, invocou o 
 Primeiro-Ministro, nas contra-alegações, que este Tribunal já se pronunciou “por 
 diversas vezes, sendo que a doutrina que tem feito prevalência se encontra 
 fixada no Acórdão n.º 254/99”, podendo o raciocínio “estender-se, sem esforço, 
 ao n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro”.
 Apesar de em tal acórdão se ter excluído a apreciação da constitucionalidade da 
 norma do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto (na redacção da Lei n.º 
 
 8/95, de 29 de Março) do objecto do processo – por tal norma não ter sido 
 aplicada na decisão recorrida, por não se terem seguido os trâmites relevantes 
 para a sua invocação (os artigos 16.º e 17.º da Lei n.º 65/93 impõem que “o 
 requerente, antes de interpor o recurso contencioso, te[nha] de reclamar 
 primeiro para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, o que não 
 fez”), e por o requerente não ter invocado, nesse caso, como fundamento da sua 
 pretensão, “o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, 
 consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da Constituição” –, a discussão da 
 conformidade constitucional de tal norma foi, efectivamente, considerada 
 necessária “para a fundamentação da decisão”.
 Tal impostação do problema foi, depois, seguida nos acórdãos 335/99, 384/99, 
 
 385/99 e 386/99 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) – o 
 primeiro e o último excluindo também expressamente a apreciação da norma do 
 artigo 10.º da Lei n.º 65/93 do objecto do recurso, e os restantes referentes a 
 um conjunto de normas que não incluía esta norma, mas todos remetendo para a 
 decisão do Plenário (no referido acórdão n.º 254/99) onde, como se disse, tal 
 norma foi incluída na fundamentação, nos seguintes termos:
 
 «Poderá, assim, discutir-se se o direito do acesso aos arquivos e registos 
 administrativos não exclui à partida o direito de revelação de segredos 
 comerciais e industriais que deles constam. Nesta perspectiva, a recusa de 
 acesso a documentos que ponham em causa segredos comerciais e industriais, por 
 parte da Administração, e a proibição da utilização por esta de informações que 
 possam desrespeitar direitos de autor ou de propriedade industrial ou configurar 
 práticas de concorrência desleal, nos termos do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, 
 estariam desde logo autorizadas constitucionalmente à partida pela própria 
 expressão constitucional do conteúdo do direito. O principal argumento contra 
 esta interpretação é o de o n.º 2 do artigo 268.º ter considerado necessária uma 
 reserva de lei restritiva em matérias de segredos de Estado, de segredos de 
 instrução criminal e de intimidade das pessoas, que na referida interpretação 
 estariam igualmente excluídas do sentido imediato do direito de acesso. Haveria 
 que dizer que no n.º 2 não se tem uma verdadeira reserva de lei, mas a simples 
 remissão para a lei da definição de certos limites.
 De qualquer modo, a exacta delimitação dos documentos que podem ser comunicados 
 e dos que permanecem sob sigilo na hipótese sub judice sempre exige uma 
 cuidadosa ponderação do conflito de direitos e interesses constitucionalmente 
 protegidos e uma demonstração da necessidade e proporcionalidade da recusa de 
 acesso à informação. Tal ponderação e, portanto, o recurso aos critérios do 
 artigo 18º sempre seriam adicionalmente necessários.
 Bastará, para tanto, observar que o direito de informação instrumental do 
 direito à tutela jurisdicional expresso nos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 268.º e que 
 a recorrente considera justamente apenas implícito nestes números, não tem 
 qualquer conteúdo imediatamente expresso na Constituição, pelo que não tem 
 sentido falar de limites imanentes desse conteúdo como limites à partida. 
 Relativamente a tal direito, que, como vimos, é o único em causa neste processo, 
 não valem as anteriores considerações acerca do n.º 2 do artigo 268º.
 Em geral, sempre que a solução de um conflito de direitos ou interesses 
 constitucionalmente protegidos se faça pela proibição do exercício de um direito 
 em certas circunstâncias, seja a proibição explícita, implícita ou obtida por 
 remissão, têm justificação as cautelas constitucionais contra as leis 
 restritivas. Ora na hipótese em crise trata-se de justificar constitucionalmente 
 uma proibição de acesso a documentos que interessam ao titular do direito à 
 tutela jurisdicional para este mesmo efeito. Têm todo o cabimento as cautelas 
 constitucionais.
 
 11. Demonstrada a possibilidade em abstracto de restrições aos direitos de 
 informação previstos, quer no n.º 2 do artigo 268.º - que não está directamente 
 em causa -, quer no n.º 1 do artigo 268.º, ou derivados dos n.ºs 4 e 5 do mesmo 
 artigo, em situações de conflitos entre direitos fundamentais (ou interesses 
 constitucionalmente protegidos), quer em matérias relativas à segurança interna 
 e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, quer em outras 
 matérias, falta demonstrar a necessidade e a proporcionalidade de restrições 
 determinadas por situações de conflito em matéria de segredo comercial ou 
 industrial, de direitos de autor ou de direitos de propriedade industrial, e de 
 concorrência desleal, tendo em vista os critérios dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º. 
 Como se disse no acórdão n.º 282/86 ( [Acórdãos do Tribunal Constitucional], 8, 
 p.223), o princípio da necessidade e da proporcionalidade - esta não é mais do 
 que a necessidade não apenas da existência de restrição, mas de certa medida ou 
 modo de restrição - enunciado no artigo 18.º, n.º 2 vale directamente para todas 
 as medidas restritivas dos direitos fundamentais. A sua aplicação exige a 
 definição genérica (“tem de revestir carácter geral e abstracto”: n.º 3 do 
 artigo 18º) das situações de conflito entre direitos fundamentais ou interesses 
 constitucionalmente protegidos, o que equivale à enunciação das circunstâncias 
 ou dos pressupostos de facto em que o direito prevalece e das circunstâncias ou 
 dos pressupostos de facto em que o direito é restringido. As longas 
 demonstrações da existência ou inexistência de necessidade e de 
 proporcionalidade da restrição em determinados pressupostos constituem a 
 substância quer das opiniões que fizeram vencimento como das vencidas no 
 referido Acórdão n.º 282/86 (sobre a suspensão e o cancelamento dos direitos 
 emergentes dos técnicos de contas), assim como, também por exemplo, no Acórdão 
 n.º 103/87 (sobre restrições aos direitos fundamentais dos agentes da Polícia de 
 Segurança Pública).
 Por outro lado, a proibição de “diminuir a extensão e o alcance do conteúdo 
 essencial dos preceitos constitucionais” do n.º 3 do artigo 18.º não se refere 
 ao seu conteúdo à partida (prima facie ou a priori), mas ao seu conteúdo 
 
 “essencial”, como resulta afinal do processo de interpretação e aplicação dos 
 preceitos constitucionais, incluindo a solução dos conflitos entre direitos ou 
 interesses constitucionalmente protegidos. Quer isto dizer que a final sempre 
 haverá circunstâncias ou pressupostos de facto em que o direito fundamental é 
 reconhecido e que constituem o seu conteúdo essencial. Nesta medida, a proibição 
 da parte final do n.º 3 é uma consequência do princípio da harmonização ou 
 concordância prática dos direitos ou interesses em conflito que o Tribunal tem 
 aplicado (cfr., por exemplo, os citados acórdãos n.ºs 177/92 [p.404], 113/97 
 
 [4481] e o Acórdão n.º 288/98 [Diário da República, I Série-A, de 18-4-1998, pp. 
 
 1714-20, 25). Trata-se, portanto, como se diz no Acórdão n.º 177/92 (ibidem) de 
 harmonizar “os direitos em confronto, para se ser levado, se tal se mostre 
 necessário, à prevalência (ou razão de prevalência) de um direito ou bem em 
 relação a outro”, ou, como se diz no Acórdão n.º 288/98 (p.1714-25) “a 
 harmonização, a concordância prática, se faz entre bens jurídicos, implicando 
 normalmente que, em cada caso, haja um interesse que acaba por prevalecer e 
 outro por ser sacrificado”. Nas várias hipóteses de conflito há que determinar 
 
 “em cada caso” genericamente “as razões de prevalência”. É uma “ponderação 
 casuística” (Acórdão n.º 177/92) e ao mesmo tempo generalizadora.»
 Quanto à “ponderação casuística” referida neste aresto, entendeu a recorrente 
 que haveria um conflito entre “as normas protectoras de segredo industrial, de 
 propriedade privada, de liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos 
 meios de produção”, por um lado, e “o direito à informação para protecção do 
 ambiente, por parte de uma associação ambientalista”, por outro.
 Verifica-se, porém, que se não detecta para o “direito à informação para 
 protecção do ambiente”, especificamente invocado pela recorrente - como também 
 não tinha o “direito de informação instrumental do direito de tutela 
 jurisdicional” referido naquele acórdão –, “qualquer conteúdo imediatamente 
 expresso na Constituição”, o que logo poderia constituir argumento para 
 desqualificar uma solução do caso baseada necessariamente numa “concordância 
 prática” entre um direito de acesso aos arquivos e registos administrativos 
 reconhecido aos cidadãos e o direito à reserva e ao segredo que a lei institui 
 como forma de tutela dos direitos de propriedade privada e livre iniciativa.
 Tal entendimento não foi, no entanto, adoptado no referido acórdão n.º 254/99, 
 onde, embora a propósito de uma situação em que se reconheceu a existência de um 
 
 “interesse pessoal legítimo na obtenção de certa informação” (interesse pessoal 
 que não está agora em causa, sendo o interesse na tutela do ambiente, como se 
 sabe um “interesse difuso”), se escreveu o seguinte:
 
 «6. Em causa está o direito de acesso, na forma de direito de consulta e de 
 direito de obter certidão, do detentor de interesse legítimo no conhecimento dos 
 elementos que lhe permitam usar de meios administrativos ou contenciosos a 
 documentos de um processo administrativo que possam ser relevantes para tal fim.
 Esse direito não está consagrado especificamente na Constituição. A recorrente 
 pretende que está implícito no direito dos administrados, consagrado nos n.ºs 4 
 e 5 do artigo 268.º da Constituição, a tutela jurisdicional efectiva dos seus 
 direitos ou interesses legalmente protegidos, e nessa medida tem razão. A tutela 
 jurisdicional seria muitas vezes ineficaz sem um direito instrumental de 
 quaisquer pessoas que tenham interesse legítimo à informação dos elementos que 
 possam ser relevantes e que constem de processo administrativo.
 A recorrente pretende também que esse direito está implícito no direito de 
 acesso consagrado no n.º 2 do mesmo artigo 268.º, como direito geral de todos os 
 cidadãos mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga 
 directamente respeito, nem tenham em vista obter elementos que lhe permitam, 
 iniciar um tal procedimento, de acesso aos arquivos e registos administrativos, 
 sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e 
 externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas. Também aqui tem o 
 recorrente razão, pois seria incompreensível que o direito de quem tem um 
 interesse pessoal legítimo na obtenção de certa informação tivesse menor âmbito 
 do que o direito, de qualquer cidadão, de acesso aos arquivos e registos 
 administrativos (conferir, no mesmo sentido, por exemplo, os acórdãos deste 
 tribunal n.ºs 176/92 e 177/92, ambos de 7 de Maio, 234/92 e 237/92, ambos de 30 
 de Junho, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1992, pp. 377 ss., 397 ss., 599 
 ss., 609 ss.). O direito de acesso do interessado nunca pode ser menor que o do 
 cidadão em geral, até porque o interesse público na transparência da actividade 
 administrativa, ou numa “administração aberta”, como forma de garantia do 
 respeito pelos princípios constitucionais, norteadores dessa actividade, da 
 igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, só 
 pode ser favorecido pela acção dos directamente interessados e está na prática 
 dependente dessa acção. Acresce que o administrado interessado, mesmo que não 
 seja cidadão, não tendo nesse caso os direitos de participação na vida pública, 
 nomeadamente através do esclarecimento sobre actos do Estado e demais entidades 
 públicas (artigo 48.º da Constituição), que caracterizam a posição do cidadão no 
 Estado democrático (artigo 2.º), tem frequentemente direitos ou interesses 
 constitucionalmente protegidos que implicam, como no caso do direito à tutela 
 jurisdicional, direitos de acesso à informação. Há, pois, que entender que a 
 introdução do n.º 2 do artigo 268.º na revisão constitucional de 1989 veio 
 alargar o conteúdo do direito de informação procedimental reconhecido no n.º 1, 
 pelo que os limites, que caracterizavam esse direito na redacção originária de 
 
 1976 - nomeadamente, a restrição ao direito de ser informado sobre o andamento 
 do processo e ao de conhecer a resolução definitiva sobre ele -, não tornam 
 inconstitucionais as formulações mais amplas desse direito (abstraindo das 
 referências à confidencialidade) nos artigos 62.º e 64.º do LPA e 82.º da LPTA 
 
 (cfr. o n.º 1 do artigo 16.º da Constituição).
 
 7. A recorrente pretende, porém, que os limites do direito de acesso do n.º 2 do 
 artigo 268.º são apenas os que resultam da reserva de lei em matérias relativas 
 
 à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das 
 pessoas e que esses limites valem para todos os direitos de informação 
 consagrados explícita ou implicitamente no mesmo artigo. Não tem razão em nenhum 
 destes pontos.
 Em primeiro lugar, a Constituição claramente diz o contrário, ao dispor apenas 
 no caso do direito de acesso do n.º 2 que limites podem ser estabelecidos por 
 uma reserva de lei, o que representa uma degradação ou uma hipoteca (usando a 
 terminologia de Gomes Canotilho, Revista de Legislação e Jurisprudência, 125, 
 
 1992, p.254), relativamente ao regime do direito à informação procedimental do 
 n.º 1 e do direito instrumental à informação derivado do direito do administrado 
 
 à tutela jurisdicional dos n.ºs 4 e 5 do artigo 268.º. Estes direitos são 
 reconhecidos sem limites explícitos. A formulação da reserva de lei, ao dizer 
 que o direito de acesso é reconhecido “sem prejuízo do disposto na lei em 
 matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à 
 intimidade das pessoas”, implica até uma prevalência de princípio dos interesses 
 na confidencialidade regulados nessas matérias sobre o direito ao acesso que 
 podem, porventura em nome do critério do melhor equilíbrio possível entre os 
 direitos em conflito (invocado no acórdão recorrido), justificar nas 
 circunstâncias dadas o sacrifício da confidencialidade (cfr. também as cautelas 
 do Acórdão n.º 177/92, lug cit., p.405). Nada disto se aplica aos outros 
 direitos à informação consagrados no artigo 268.º.
 Em segundo lugar, sem exceptuar o do n.º 2, todos os direitos de informação 
 frente à Administração Pública consagrados no artigo 268.º estão limitados por 
 outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos que com eles conflituam 
 
 (assim Gomes Canotilho, ibidem). Tais limites, ditos a posteriori, por se 
 determinarem depois da determinação do conteúdo do direito por via de 
 interpretação (a qual poderá determinar limites desse conteúdo), sempre seriam 
 admissíveis, quer no direito de informação procedimental do n.º 1, quer no 
 direito de informação instrumental do direito de tutela jurisdicional. Os dois 
 direitos estão, aliás, estreitamente ligados na sua regulação legal, na medida 
 em que o CPA e a LPTA integram o último no regime do direito de informação 
 procedimental do artigo 62.º do CPA e do artigo 82.º do LPTA, e ainda na medida 
 em que se considera, como o acórdão aqui recorrido, que o interesse na 
 informação pretendida para uso administrativo ou procedimental é um interesse 
 legítimo no conhecimento dos elementos pretendidos a que se refere o 64.º do CPA 
 para o efeito de considerar o direito de informação procedimental reconhecido no 
 artigo 62.º extensivo às pessoas que provem ter tal interesse. Ora não há 
 nenhuma razão para que limites do mesmo género não existam no caso do direito de 
 acesso do n.º 2. É que se trata de um género de limites que existe qualquer que 
 seja o modo de definição de um direito na Constituição, porque resultam 
 simplesmente da existência de outros direitos ou bens, igualmente reconhecidos 
 na Constituição e que em certas circunstâncias com eles conflituam, bem como da 
 possibilidade de conflitos em certas circunstâncias entre direitos idênticos na 
 titularidade de diferentes pessoas. Os conflitos não podem ser evitados a não 
 ser pela previsão na Constituição dessas circunstâncias e pela consequente 
 transformação dos elementos do conflito em elementos da definição dos direitos 
 ou bens constitucionais em jogo. Ora a previsão exaustiva das circunstâncias que 
 podem dar lugar a conflitos deste tipo é praticamente impossível pela 
 imprevisibilidade das situações de vida e pelos limites da linguagem que procura 
 prevê-las em normas jurídicas, além de que a Constituição nunca pretendeu 
 regular pormenorizadamente, ou tão exaustivamente quanto possível, os direitos 
 que consagra. Estas considerações aplicam-se a todos os direitos fundamentais 
 reconhecidos na Constituição. Todos esses direitos podem ser limitados ou 
 comprimidos por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, sem 
 excluir a possibilidade de conflitos entre direitos idênticos na titularidade de 
 diferentes pessoas (pense-se, quanto ao direito à vida, no regime legal de 
 legítima defesa e do conflito de deveres, e no dever fundamental de defesa da 
 Pátria - artigo 276.º n.º 1 da Constituição), sendo sempre necessário 
 fundamentar a necessidade da limitação ou compressão quando ela não se obtém por 
 interpretação das normas constitucionais que regulam esses direitos. 
 
 8. Não vale dizer, em contrário, que quando a Constituição consagra um limite 
 expresso, seja ele uma reserva de lei, implica que nenhum outro limite foi 
 desejado. Este argumento obviamente não procede. Ele subentende que o limite 
 expresso, ou a reserva de lei, é uma excepção e que existe uma regra que proíbe 
 a existência de outras excepções além das expressas. A primeira premissa não é 
 verdadeira. A reserva de lei do n.º 2 é uma remissão da Constituição para a lei 
 e não uma excepção constitucional a normas constitucionais. É certo que da 
 existência de uma remissão explícita não se deduz qualquer outra remissão e pode 
 deduzir-se o carácter excepcional da remissão. Assim o n.º 2 do artigo 268.º 
 implica que em matérias que não sejam relativas à segurança interna e externa, à 
 investigação criminal e à intimidade das pessoas, o direito de acesso aos 
 arquivos e registos administrativos não tem à partida (prima facie, a priori) os 
 limites que resultam da lei nestas matérias. Nessas outras matérias apenas pode 
 ter a posteriori os limites que resultam da solução constitucional das situações 
 de conflito com outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos, que 
 são os únicos que valem para os direitos de informação procedimental ou 
 instrumental do direito de tutela jurisdicional dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 
 
 268.º.
 Assim, em relação a direitos que formula à partida sem qualquer limite, para 
 além do que resulta imediatamente da definição constitucional do seu objecto 
 como a liberdade de expressão e informação (artigo 37.º, n.º 1), a própria 
 Constituição admite que o seu exercício pode constituir infracção criminal, 
 ilícito de mera ordenação social e ilícito civil (n.ºs 3 e 4 do artigo 37.º) e o 
 Tribunal Constitucional entendeu que o seu exercício poderia ainda constituir 
 ilícito disciplinar (Acórdão n.º 81/84, Acórdãos cit., 4, pp. 225 ss., 
 especialmente 233-234; cfr. sobre conflitos com o mesmo direito, o Acórdão n.º 
 
 113/97, Diário da República, II série de 15-4- 1997, pp.4478,4481). Temos aqui 
 um direito fundamental sem explícitos limites a priori, que a Constituição 
 reconhece ter limites a posteriori em certas áreas e em que a lei criou limites 
 a posteriori em outras áreas. Também o direito à reserva da intimidade da vida 
 privada e familiar é consagrado à partida no n.º 1 do artigo 25.º da 
 Constituição sem qualquer limite e, no entanto, o Tribunal Constitucional 
 admitiu que em hipóteses de grande interesse para a descoberta da verdade ou 
 para a prova (e, portanto, de conflito com o interesse na prossecução penal e 
 com o princípio da verdade material) pode haver intercepção e gravação de 
 comunicações telefónicas (Acórdão n.º 7/87, Acórdãos cit., 9, pp. 7 ss., 35; 
 cfr., de modo semelhante, quanto ao uso, não consentido pelo visado, de 
 fotografia como prova em processo de divórcio, o Acórdão n.º 263/97, Diário da 
 República, II série, de 1-7-1997, pp. 7567, 7569). É certo que no acórdão n.º 
 
 7/87 o Tribunal invocou a reserva de lei em matéria de processo criminal que 
 limita à partida o direito ao sigilo da correspondência e dos outros meios de 
 comunicação privada (art.ºs 34.º, n.ºs 1 e 4), mas estava em causa apenas a 
 hipótese em que o sigilo diz respeito a matéria de reserva da intimidade, em que 
 não há reserva de lei. Também o direito de acesso a cargos públicos electivos 
 
 (artigo 50.º, n.º 1 da Constituição) era, antes da revisão de 1989, consagrado 
 sem limites à partida além dos que resultavam de outros preceitos 
 constitucionais directamente para os magistrados judiciais (artigo 221.º, n.º 3, 
 hoje 216.º, n.º 3) ou através de reservas de lei para os militares e agentes 
 militarizados (artigo 270.º) e para as eleições para a Assembleia da República 
 
 (artigo 153.º, hoje 150.º). Mas nos acórdãos n.ºs 225/85 e 244/85 (Acórdãos 
 cit., 6, pp.793 ss., 798-801 e pp. 211 ss., 217-228) o Tribunal admitiu 
 restrições legais para os funcionários judiciais (em vista do interesse na 
 separação e independência das funções autárquica e judicial) e para os 
 funcionários e agentes da administração autárquica directa da mesma autarquia 
 
 (em vista do interesse na independência e imparcialidade do poder local). Em 
 ambos os casos as restrições expressas na Constituição ou resultantes das 
 reservas de lei em certas matérias fundaram argumentos no sentido da 
 admissibilidade de outras restrições, em hipóteses de conflito de direitos ou 
 interesses constitucionalmente reconhecidos.»
 Conclui-se, pois, que é possível ao legislador prever excepções ao direito geral 
 de informação, quer no âmbito das restrições expressamente autorizadas pela 
 Constituição, quer em hipóteses de conflito de direitos ou interesses 
 constitucionalmente reconhecidos.
 Ora, não será, desde logo, de excluir a possibilidade de inclusão, no presente 
 caso, dos elementos de informação pedidos (ou pelo menos de parte deles) no 
 
 âmbito de informação relativa à “intimidade das pessoas”, se se entender que tal 
 cláusula justificativa de restrições ao direito à informação, prevista na parte 
 final do artigo 268.º, n.º 2, da Constituição, é igualmente aplicável a pessoas 
 colectivas – e, no caso, à vida interna (ao “segredo dos negócios” e dos 
 processos de laboração) da empresa que celebrou com o Estado o contrato de 
 investimento estrangeiro em que se previu logo o dever de confidencialidade das 
 partes, e em cujos anexos se encontram os elementos em questão.
 Mesmo, porém, que, num caso como o presente, se entenda não poder subsumir o 
 fundamento da limitação ao direito de informação sob a “intimidade das pessoas”, 
 prevista do artigo 268.º, n.º 2, in fine, da Constituição, não se conclui no 
 sentido da inconstitucionalidade da solução normativa do conflito de valores ou 
 interesses que foi adoptada pela decisão recorrida.
 
 6.Na verdade, acresce que, a ter de operar-se uma ponderação de interesses 
 contrapostos constitucionalmente reconhecidos, há que tomar em consideração que 
 os contratos de investimento assinados pelo Estado Português e pelas empresas 
 que se propõem realizar um investimento industrial visam satisfazer interesses e 
 valores também constitucionalmente relevantes – cfr. as “tarefas fundamentais do 
 Estado” elencadas no artigo 9.º da Constituição, entre as quais se conta, na 
 alínea d), “[p]romover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade 
 real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, 
 sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das 
 estruturas económicas e sociais”. Designadamente, trata-se de instrumentos 
 importantes (designadamente, numa economia com as características da economia 
 portuguesa) para possibilitar as condições para o desenvolvimento económico e, 
 consequentemente, para a obtenção dos meios, pelos particulares e pelo Estado, 
 para a obtenção de bens e para a satisfação das necessidades individuais e 
 colectivas, e inclusive de bens e necessidades protegidas por direitos 
 fundamentais – parecendo desnecessário recordar aqui considerações bem 
 conhecidas sobre o efectivo “custo dos direitos” proclamados no texto da 
 Constituição, a que este Tribunal não tem deixado de (explicita ou 
 implicitamente) aludir, pelo menos fora do âmbito dos “direitos, liberdades e 
 garantias”, quando se refere à cláusula de “reserva do possível” 
 
 (designadamente, do económica e financeiramente possível).
 Importa também atentar em que os contratos de investimento celebrados entre o 
 Estado Português e empresas ou investidores, podendo implicar, como no presente 
 caso, um compromisso de sigilo quanto às informações fornecidas por essas 
 empresas, envolvem um conjunto de contrapartidas – para ambas as partes e com 
 incidência em terceiros, concorrentes ou não – que têm de ser ponderadas, no 
 momento da celebração do contrato, sendo, evidentemente, ao Governo, ao celebrar 
 esses contratos, que compete realizar essa ponderação.
 Por outro lado, o projecto em causa foi previamente objecto de aprovação pelas 
 entidades competentes – a quem cabe, designadamente, avaliar também o impacte 
 ambiental e estabelecer as condições de funcionamento da unidade fabril – e, 
 quer na pendência da sua construção, quer no decurso do seu funcionamento, 
 continuará sujeito às regras de funcionamento e à vigilância e fiscalização das 
 entidades oficiais. A tutela do direito ao ambiente que a recorrente invoca como 
 fundamento para o seu direito à informação está igualmente prevista como objecto 
 de salvaguarda pela actividade da Administração Pública, no quadro das funções 
 do Estado, não sendo, pois, de considerar a “vigilância” pela recorrente como 
 via única – ou, sequer, principal ou privilegiada – de acautelar esse direito.
 Estamos, pois, perante a contraposição entre um interesse dos investidores (por 
 isso, umas vezes manifestado, e outras não, mas no presente caso elevado pelas 
 partes a dever contratual) em manter reserva sobre as condições de realização de 
 um investimento, e o interesse de organizações ambientalistas em terem acesso a 
 tais informações que o Estado Português se comprometeu, legal e contratualmente, 
 a manter reservadas. Ambos os interesses assumem, naturalmente, relevância 
 pública.
 Ora, num contexto em que o Governo entendeu aceitar vincular-se no próprio 
 contrato a uma cláusula de confidencialidade (sendo de presumir que tal 
 vinculação constituiu, para ambas as partes, um elemento essencial para a 
 celebração do contrato) e em que, portanto, o confronto entre, por um lado, uma 
 informação geral sobre todos os aspectos do contrato (no caso, sobre os anexos, 
 não publicados no Diário da República) e, por outro lado, o interesse no 
 investimento estrangeiro foi já realizado pelo Governo, a ponderação imposta aos 
 Tribunais, em caso de conflito entre, por um lado, o direito geral à informação, 
 invocado pela recorrente, e, por outro lado, o interesse na concretização do 
 investimento estrangeiro, pode resultar aligeirada. Neste sentido, o tribunal 
 recorrido entendeu remeter, não só para as normas agora em causa, como para o 
 referido dever contratual de confidencialidade, e, implicitamente, para a 
 avaliação realizada na sua celebração. E acrescente-se ainda que a recorrente 
 nada de mais específico ou concreto adiantou sobre ameaças ao ambiente, para 
 além do seu interesse ou legitimidade geral, como associação que tem como 
 finalidades a defesa do ambiente, ou de desconfianças gerais que o projecto ou a 
 empresa em questão lhe suscitava.
 Entende-se, assim, que a contraposição a realizar pelo tribunal recorrido podia 
 bastar-se, nestas condições, com uma implícita ponderação, ou confronto (sem 
 dúvida menos desenvolvido do que o que se verificou no caso decidido pelo 
 acórdão n.º 254/99), com o resultado daquele que foi efectuado. Atendendo às 
 tarefas fundamentais do Estado fixadas no artigo 9.º da Constituição e aos 
 princípios cometidos pelo seu artigo 266.º à Administração Pública, a conclusão 
 do tribunal recorrido podia pender, ainda que por via de um tal confronto 
 abreviado, a favor da possibilidade de limitações ao direito à informação com 
 fundamento no citado conflito, concluindo-se, portanto, no sentido da 
 conformidade constitucional da norma do artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 
 
 321/95, no que concerne à divulgação e acesso de documentos inerentes à 
 celebração dos contratos de investimento estrangeiro, quando susceptíveis de 
 conhecimento público – e, portanto, também, nesta medida, da norma do artigo 
 
 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 65/93, na redacção da Lei n.º 8/95, da qual a 
 norma do artigo 13.º, n.º 1, do referido decreto-lei constitui, como se disse, 
 um caso especial.
 
 7.Diga-se, ainda, que a afirmação de uma geral “prevalência do direito ao 
 ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial”, também invocada 
 pela recorrente, é, por si só, insusceptível de ser ponderada, por não se poder 
 estabelecer o aludido confronto.
 Não há, de facto, em tese geral, nenhum conflito entre direitos de carácter 
 patrimonial das empresas signatárias do contrato de investimento com o Estado 
 Português e o direito ao ambiente, nem parece ele resultar simplesmente das 
 circunstâncias referidas nos autos. Aliás, mesmo que, em termos meramente 
 potenciais, tal conflito pudesse vir a ocorrer no futuro, ele seria também 
 completamente alheio às normas que vêm impugnadas – as quais, como se deixou 
 referido, se limitam a permitir à Administração, no quadro de operações de 
 investimento estrangeiro, e com fundamento em compromissos assumidos num 
 contrato de investimento, a recusa de acesso a documentos que ponham em causa 
 segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas, e sem o 
 consentimento destas (ausência de consentimento, no caso, previamente acautelada 
 pela inclusão no próprio contrato de investimento de uma cláusula de sigilo).
 Caso a laboração da empresa venha a provocar (ou a ameaçar provocar) danos 
 ambientais sempre ficará sujeita à aplicação de outras normas, a propósito das 
 quais se poderá, então sim, discutir a prevalência do direito ao ambiente sobre 
 direitos da propriedade privada e da livre iniciativa, e a sua 
 constitucionalidade, se se entender que essa normas não asseguram cabalmente os 
 valores constitucionalmente protegidos.
 Conclui-se, pois, pela improcedência da arguição de inconstitucionalidade 
 dirigida às normas do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, na redacção da Lei 
 n.º 8/95, e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional:
 a) Não julgar inconstitucionais as normas do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 
 
 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, e do n.º 1 
 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro;
 b) Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão 
 recorrida, no que diz respeito às questões de constitucionalidade suscitadas.
 
                                                       Lisboa, 15 de   Março de 
 
 2005
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta)
 Mário José de Araújo Torres (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 Declaração de voto
 
  
 Votei vencida o presente Acórdão por entender que a interpretação normativa 
 constante da decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade na 
 restrição ao direito à informação, que se retira dos artigos 18º, nº 2, e 268º, 
 nº 2, da Constituição. Remeto, no essencial, para as razões invocadas pelo 
 Senhor Conselheiro Mário Torres na sua declaração de voto.
 Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
                         Votei vencido, por entender que a interpretação 
 normativa acolhida na decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade 
 na restrição ao direito à informação, resultante das disposições conjugadas dos 
 artigos 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa 
 
 (CRP).
 
                         Reconheço, em consonância com reiterada jurisprudência 
 do Tribunal Constitucional, que o direito dos cidadãos de acesso aos arquivos e 
 registos administrativos pode sofrer restrições – para além das expressamente 
 previstas no n.º 2 do citado artigo 268.º da CRP: matérias relativas à 
 segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas 
 
 – impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses 
 constitucionalmente protegidos, entre os quais os destinados a proteger 
 segredos industriais e comerciais, conforme previsto no artigo 10.º, n.º 1, da 
 Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março (“A 
 Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa 
 segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas”). Já se 
 afigura mais ampla, e não meramente especial em relação à anterior, a norma do 
 artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, segundo a 
 qual: “As informações relacionadas com operações de investimento estrangeiro 
 não podem ser divulgadas sem autorização escrita dos seus intervenientes, 
 excepto quando susceptíveis de conhecimento público”.
 
                         Mas se não se pode dizer, a meu ver, que é 
 constitucionalmente ilegítima toda e qualquer restrição ao acesso a documentação 
 detida pela Administração estranha às matérias referidas expressamente no n.º 2 
 do artigo 268.º da CRP, também tenho por seguro que, quer quando estejam em 
 causa essas matérias quer outras relativas a direitos ou interesses 
 constitucionalmente tutelados, sempre a restrição ao direito à informação há-de 
 respeitar os princípios da proporcionalidade, da adequação e da 
 proporcionalidade e reclamará uma ponderação em concreto dos direitos em 
 conflito a efectuar pelo tribunal.
 
                         Foi essa a orientação que o Tribunal Constitucional 
 traçou quando por diversas vezes se pronunciou sobre o direito de acesso a 
 documentos inseridos em processos de autorização da introdução de medicamentos 
 no mercado (cfr. Acórdãos n.ºs 254/99, 335/99, 384/99, 385/99 e 386/99), 
 orientação que, aliás, já havia sido a adoptada nos acórdãos do Supremo 
 Tribunal Administrativo então recorridos e que, em cada caso concreto, 
 especificaram, dentre as diversas espécies de documentos que integravam aqueles 
 processos de autorização, quais podiam e quais não podiam ser facultados aos 
 requerentes de acesso. Por exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal 
 Administrativo, de 10 de Julho de 1997, confirmado pelo Acórdão n.º 254/99 do 
 Tribunal Constitucional, consignou-se:
 
  
 
 “[...] o direito à informação é configurado como um direito fundamental do 
 administrado e, de acordo com a doutrina, de natureza análoga aos «direitos, 
 liberdades e garantias» enunciados na Constituição e sujeito ao respectivo 
 regime (artigos 17.º e 18.º da CRP).
 Como tal, está sujeito às limitações e restrições estabelecidas nos termos da 
 lei.
 Tal direito, embora seja, prima facie, um direito sem restrições 
 constitucionalmente explícitas – ressalvadas as que constam do n.º 2 do artigo 
 
 268.º da CRP (...) – não é um direito absoluto e, assim, quando se encontra em 
 colisão com outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, não está 
 impedida a legitimação da sua restrição, desde logo, no âmbito do próprio 
 sistema constitucional e da harmonização das respectivas normas.
 Ora, no artigo 17.º do Decreto Lei n.º 72/91, subjacente à classificação como 
 confidenciais dos elementos de instrução dos processos de autorização a que se 
 refere aquele diploma, nomeadamente nos seus artigos 5.º e 14.º, desencadeados 
 no INFARMED – tal como no artigo 62.º do CPA e artigo 10.º da Lei n.º 65/93 e 
 ainda nos artigos 1.º e 47.º do Código da Propriedade Industrial – está a 
 ponderação de razões relacionadas com a protecção de direitos (de propriedade 
 intelectual e respectivos segredos comerciais e industriais) integrados no 
 direito de propriedade privada, também constitucionalmente assumido como direito 
 fundamental (artigo 62.º da CRP).
 A prevalência que, porventura, dermos a um destes direitos em confronto 
 
 (direito à informação e direito de propriedade intelectual e industrial e 
 atinentes segredos), implica a postergação do conteúdo essencial do outro; isto 
 
 é, a aplicação das normas atinentes ao direito à informação exclui as de 
 protecção ao direito de propriedade e vice-versa.
 Estaríamos, assim, na presença de uma colisão de direitos consagrados 
 constitucionalmente cujas características não apontam para a existência de uma 
 relação de hierarquia (uma vez que pertencem à mesma categoria de direitos 
 fundamentais) nem de generalidade e especialidade.
 Só através de uma casuística ponderação, com vista a uma possível harmonização 
 dos referidos direitos em causa, nomeadamente através do critério metódico do 
 melhor equilíbrio possível entre direitos colidentes poderá ser solucionada a 
 questão, dando a possível satisfação ao interesse invocado pelo requerente, sem 
 desvendar ou violar a confidencialidade dos documentos que porventura contenham 
 segredos comerciais ou industriais e se mostrem incorporados no processo em 
 causa.
 Tal ponderação não pode deixar também de levar em conta que, no processo de 
 intimação, tratando-se de um processo expedito, o titular dos direitos de 
 propriedade a proteger e dos eventuais segredos comerciais e industriais 
 constantes do processo não foi chamado a intervir para defender direitos seus 
 que pode ver postergados.
 A aferição da confidencialidade dos documentos a que o particular pretende 
 aceder deve ser feita em relação a cada tipo de documento em concreto e não, em 
 geral, a todos os documentos que acompanham o processo de autorização de 
 introdução do medicamento no mercado.
 
             Assim sendo, entendemos  que a situação de equilíbrio entre os dois 
 direitos colidentes passa pela passagem das certidões atrás referidas relativas 
 
 à composição qualitativa e quantitativa dos componentes (Parte II, A, do Anexo I 
 da Portaria n.º 161/96), documentação toxicológica e farmacológica (Parte III, A 
 a Q, do Anexo I da Portaria n.º 161/96) e ensaios clínicos (Parte IV, B-1 do 
 Anexo à Portaria n.º 161/91) e pela consulta dos documentos relativos às 
 matérias assim delimitadas e ainda às certidões das decisões proferidas no 
 processo  administrativo, bem como dos relatórios de inspecção a que se refere o 
 artigo 91.º do Decreto-Lei n.º 72/91 e do pedido a que se referem os artigos 
 
 13.º e 14.º do mesmo diploma e a respectiva decisão fundamentada, estando o mais 
 abrangido pela confidencialidade a que é obrigada a autoridade requerida.”
 
  
 
                         Impunha-se, assim, para ser constitucionalmente 
 admissível a restrição ao direito de acesso aos arquivos administrativos, uma 
 
 “casuística ponderação”, “que deve ser feita em relação a cada tipo de documento 
 em concreto, e não em geral, a todos os documentos que acompanham o processo de 
 autorização de introdução do medicamento no mercado”.
 
                         Este entendimento foi sufragado pelo citado Acórdão n.º 
 
 254/99, tirado em Plenário do Tribunal Constitucional, cuja doutrina foi seguida 
 nos demais acórdãos atrás referidos.
 
                         No Acórdão n.º 254/99, o Tribunal Constitucional, após 
 haver reafirmado o pressuposto de que “os direitos de acesso à informação 
 administrativa consagrados no artigo 268.º são direitos fundamentais de 
 natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias enunciados no Título II da 
 Constituição (artigo 17.º da Constituição), para os efeitos da aplicação do 
 regime do artigo 18.º”, pressuposto que o Tribunal já afirmara nos Acórdãos n.ºs 
 
 177/92 e 234/92, reconheceu que “a exacta delimitação dos documentos que podem 
 ser comunicados e dos que permanecem sob sigilo na hipótese sub judice sempre 
 exige uma cuidadosa ponderação do conflito de direitos e interesses 
 constitucionalmente protegidos e uma demonstração da necessidade e 
 proporcionalidade da recusa de acesso à informação”. É que “em geral, sempre 
 que a solução de um conflito de direitos ou interesses constitucionalmente 
 protegidos se faça pela proibição do exercício de um direito em certas 
 circunstâncias, seja a proibição explícita, implícita ou obtida por remissão, 
 têm justificação as cautelas constitucionais contra as leis restritivas”; ora, 
 
 “na hipótese em crise trata-se de justificar constitucionalmente uma proibição 
 de acesso a documentos que interessam ao titular do direito à tutela 
 jurisdicional para este mesmo efeito”; logo, “tem todo o cabimento as cautelas 
 constitucionais”.
 
                         E, no seguimento do ponto 11, transcrito no precedente 
 acórdão, o Acórdão n.º 254/99 prossegue:
 
  
 
             “12. Ora, há que reconhecer que na hipótese dos autos há um conflito 
 entre o direito à informação instrumental do direito de tutela jurisdicional, 
 invocado pela recorrente, por um lado, e os direitos ao segredo comercial ou 
 industrial, de autor ou de propriedade industrial e o interesse no respeito das 
 regras de leal concorrência, por outro lado, que o director do INFARMED 
 considera eventualmente na titularidade da pessoa detentora da autorização de 
 introdução no mercado de certo medicamento. A decisão do Supremo Tribunal 
 Administrativo aqui recorrida considerou que os direitos por último referidos se 
 reconduzem ao direito de propriedade (artigo 62.º, n.º 1, da Constituição). 
 Poderá invocar-se ainda em concurso, pelo menos quanto aos direitos de autor e 
 de propriedade industrial, o direito à invenção científica, integrado na 
 liberdade de criação cultural do Título II da Constituição (artigo 42.º), o 
 interesse de livre iniciativa económica privada (artigos 61.º, n.º 1, e 80.º, 
 alínea c)), o interesse no funcionamento eficiente dos mercados, de modo a 
 garantir a equilibrada concorrência entre empresas (artigo 81.º, alínea e)) e o 
 interesse numa política científica e tecnológica favorável ao desenvolvimento do 
 país (artigo 81.º, alínea j)). Quanto à relevância dos interesses económicos por 
 
 último referidos é bem claro que o desrespeito sistemático dos direitos de 
 sigilo comercial e industrial dos produtores de produtos farmacêuticos poderia 
 conduzir não só a uma grave perturbação das regras da concorrência neste sector 
 de economia privada, como também uma redução drástica do acesso dos consumidores 
 
 às inovações dos mercado internacional de produtos farmacêuticos, com prejuízo 
 da qualidade dos bens e serviços consumidos (artigo 60.º, n.º 1), senão do 
 direito à protecção da saúde (artigo 64.º, n.º 1). Do outro lado da situação de 
 conflito, o lado da recorrente, há que ponderar em concurso, os direitos de 
 autor ou de propriedade industrial a fazer eventualmente valer em juízo, que 
 chamam também à colação as mesmas regras de leal concorrência em economia de 
 mercado, mas também os interesses dos consumidores e da saúde na fiscalização 
 da qualidade dos produtos farmacêuticos, dos seus perigos tóxicos e da sua 
 aptidão clínica. 
 
             Só tendo em consideração todos os referidos critérios de ponderação 
 com relevância constitucional se pode compreender e justificar a determinação 
 feita no acórdão recorrido dos casos em que se reconhece o direito à informação 
 e dos casos em que ele é restringido nos processos administrativos de 
 autorização no mercado, de renovação da autorização e de alteração de 
 medicamento. Por um lado, reconheceu-se prevalência ao direito de informação 
 quanto:
 
             1. aos elementos essenciais para a instrução de processos de defesa 
 de direitos de autor e industriais, nomeadamente quanto às certidões das 
 decisões proferidas no processo administrativo de autorização de introdução no 
 mercado de um medicamento, bem como nos processos do pedido a que se referem os 
 artigos 13.º (renovação de autorização) e 14.º (alteração de medicamentos 
 autorizados) do Decreto-Lei n.º 72/91, bem como às certidões dos respectivos 
 pedidos, e ainda quanto aos elementos destes processos relativos à composição 
 qualitativa e quantitativa dos componentes (Parte II, A, do Anexo I da Portaria 
 n.º 161/96, de 16 de Maio);
 
             2. aos elementos relacionados com o interesse colectivo na 
 fiscalização da qualidade, da aptidão clínica e do perigo tóxico do medicamento, 
 nomeadamente quanto à documentação toxicológica e farmacológica (Parte III, A a 
 Q, do Anexo I), aos ensaios clínicos (Parte IV, B-1, do Anexo I da Portaria n.º 
 
 161/96) e aos relatórios de inspecção a que se refere o artigo 91.º do 
 Decreto-Lei n.º 72/91.
 
             Por outro lado, são na parte restante justificadas as restrições que 
 
 à consulta de elementos dos processos de autorização no mercado, de renovação, 
 de autorização e de alteração de medicamento e à obtenção de certidões dos 
 documentos correspondentes resultam da confidencialidade decretada pelo artigo 
 
 17.º do Decreto-Lei n.º 72/91. Os artigos 62.º do CPA e 82.º da LPTA devem 
 interpretar-se de acordo com a restrição constitucionalmente exigida do âmbito 
 da confidencialidade decretada para o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 72/91. Fica 
 assim abrangida pela proibição de consulta e passagem de certidão contida nestes 
 artigos toda a restante documentação entregue para instrução dos processos em 
 questão, referida no Anexo I da Portaria n.º 161/96, nomeadamente a relativa ao 
 modo de preparação, ao controlo das matérias primas, ao controlo efectuado nas 
 fases intermédias de fabrico, ao controlo do produto acabado, aos ensaios de 
 estabilidade, de biodisponibilidade/bioequivalência e a de farmacologia 
 clínica. Remete-se para o Anexo da Portaria n.º 321/92, de 8 de Abril, com as 
 
 «Normas a que devem obedecer os ensaios analíticos, tóxico-farmacológicos e 
 clínicos dos medicamentos de uso humano», para melhor compreensão e 
 justificação das opções feitas.
 
             Não se diga que o segredo comercial ou industrial, bem como o 
 segredo relativo à propriedade científica se protege através do sistema da 
 publicidade e controlo da utilização por terceiros que caracteriza o regime das 
 patentes e dos direitos de autor. O que se protege através das patentes e dos 
 direitos de autor não é o segredo, mas a exclusividade de fruição das vantagens 
 dos produtos de propriedade industrial e intelectual, nomeadamente científica. O 
 proprietário tem o direito de optar pela protecção do segredo ou pela protecção 
 da patente ou do direito de autor.
 
             Poderá, assim, entender-se que o acórdão recorrido bem decidiu, 
 quando se pronunciou no sentido de que o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 72/91 
 não respeita o direito de informação consagrado no artigo 268.º, n.ºs 1, 4 e 5, 
 da Constituição, na medida em que classifica como confidenciais os seguintes 
 elementos apresentados à DGAF para a instrução dos processos a que se refere o 
 Decreto-Lei n.º 72/91, de 8 de Fevereiro: documentação relativa à composição 
 qualitativa e quantitativa dos componentes (Parte II, A, do Anexo I da Portaria 
 n.º 161/96, de 16 de Maio), documentação toxicológica e farmacológica (Parte 
 III, A a Q, do Anexo I da Portaria n.º 161/96) e ensaios clínicos (Parte IV, 
 B-1, do Anexo I da Portaria n.º 161/96), documentação correspondente às mesmas 
 matérias dos processos de renovação de autorização (artigo 13.º do Decreto-Lei 
 n.º 72/91) e de alterações dos medicamentos autorizados (artigo 14.º do 
 Decreto-Lei n.º 72/91). Nesta parte já teve a recorrente satisfação da sua 
 pretensão, pelo que deixou de ser objecto do processo. Quanto à parte restante 
 dos elementos pretendidos, em que a recorrente não obteve provimento do 
 tribunal a quo, há que confirmar o juízo de constitucionalidade do acórdão 
 recorrido, quanto à confidencialidade decretada pelo artigo 17.º do Decreto-Lei 
 n.º 72/91 no que respeita aos elementos apresentados à DGAF para a instrução dos 
 processos a que se refere o mesmo Decreto-Lei além dos anteriormente enunciados, 
 e que resulta também quanto aos mesmos elementos do artigo 62.º do CPA, do 
 artigo 82.º da LPTA e do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, embora este último não 
 seja objecto do processo.”
 
  
 
                         Foi extensa a transcrição, mas ela evidencia bem a 
 minúcia da “ponderação casuística” constitucionalmente exigida e então 
 efectuada pelo tribunal recorrido e pelo Tribunal Constitucional, em contraste 
 com a ausência de ponderação autónoma que as decisões das instância no presente 
 caso revelam.
 
                         O acórdão recorrido, embora tenha chegado a reconhecer 
 que, perante a inexistência de hierarquia entre os direitos em confronto, havia 
 que proceder a uma ponderação, logo abandonou essa via – que era a única 
 constitucionalmente admissível – com a seguinte argumentação:
 
  
 
 “(...) Só quando não existe lei é legítima a ponderação dos valores em conflito 
 pelo intérprete. No caso dos autos, o Estado Português acordou (cláusula 17.ª 
 do contrato de investimento estrangeiro, aprovado pela Resolução do Conselho de 
 Ministros n.º 34-B/2001) que «Toda a informação relativa ao projecto, à 
 sociedade, aos sócios e à B.., a que o Estado Português tenha acesso, no âmbito 
 do presente contrato, está abrangida pelo dever de sigilo nos termos da 
 legislação aplicável». A legislação aplicável é o artigo 10.º da Lei n.º 65/93, 
 de 26 de Agosto. Portanto, da lei e do contrato aplicáveis ao caso resulta a 
 vinculação do Estado Português ao dever de sigilo. A sujeição da Administração 
 ao princípio da legalidade impõe-lhe de forma vinculada, neste caso, a recusa de 
 fornecer a documentação pedida.”
 
  
 
                         Este entendimento é constitucionalmente inadmissível. O 
 tribunal não pode demitir-se de efectuar a “ponderação casuística” exigida pelo 
 princípio da proporcionalidade, adequação e necessidade das restrições aos 
 direitos fundamentais com o argumento de que o legislador ordinário – e muito 
 menos a Administração, através da celebração de contrato com particulares – já 
 teria optado pelo sacrifício total do direito à informação e pela supremacia 
 ilimitada do direito do contraente particular ao sigilo do negócio. E 
 saliente-se que o que tem de ser comprovado é a justificação da recusa de acesso 
 aos documentos e não o contrário (a inexistência de prejuízo relevante por 
 causa da facultação desse acesso).
 
                         Recorde-se que a recorrente requereu, além do acesso ao 
 contrato de investimento e seus anexos, igualmente o acesso aos “estudos 
 técnicos” relativos ao projecto de estabelecimento industrial em  causa (cfr. 
 fls. 80), que envolvem projectos de diversa natureza técnica relativos à unidade 
 industrial de fabrico de tubos de cobre, ligas de cobre e outros tubos técnicos, 
 que se pretendia implantar (cfr. fls. 96 e 97), designadamente projectos de 
 tratamento de resíduos de vários tipos (cfr. fls. 87 e 88).
 
                         Não se pode ignorar a importância decisiva que o acesso 
 
 à informação ambiental tem para o efectivo exercício do direito e dever que a 
 todos incumbe de defender um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente 
 equilibrado, e do direito dos cidadãos de participação na prevenção e controlo 
 da poluição e na correcta localização das actividades (artigo 66.º, n.ºs 1 e 2, 
 alíneas a) e b), da CRP), com expresso reconhecimento constitucional da 
 legitimidade de intervenção, designadamente pela via da acção popular, das 
 associações de defesa dos interesses em causa (qualidade e vida e preservação do 
 ambiente), sendo avesso a toda a filosofia da defesa dos “interesses difusos” a 
 consideração de que, no caso, bastaria a intervenção da Administração para 
 assegurar a salvaguarda do interesse público.
 
                         Por outro lado, é incompatível com a eficiente defesa 
 dos valores ambientais, em que prevalecem os princípios da prevenção e da 
 precaução, a consideração de que “caso a laboração da empresa venha a provocar 
 
 (ou a ameaçar provocar) danos ambientais”, então, sim, poder-se-á discutir a 
 prevalência do direito ambiente.
 
                         Em suma: considero inconstitucional, por violação do 
 princípio da proporcionalidade das restrições ao direito à informação (artigos 
 
 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 2, da CRP), a interpretação normativa acolhida no 
 acórdão recorrido, que dispensa a ponderação judicial concreta dos interesses em 
 confronto quando o legislador ordinário ou a Administração, através da 
 celebração de um contrato de investimento, terão optado por atribuir prevalência 
 absoluta ao interesse do particular contraente ao sigilo das informações 
 relacionadas com essa operação de investimento estrangeiro.
 Mário José de Araújo Torres