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Processo nº 531/94
 
 2ª secção
 Relator: Cons. Messias Bento
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
                         I. Relatório:
 
  
 
                         1. F... foi ouvido como arguido em processo de 
 inquérito, na Comarca da Guarda, tendo sido mandado aguardar, em liberdade 
 provisória, os ulteriores termos do processo, com prestação de termo de 
 identidade e residência e, no prazo de 10 dias, de caução de 100.000$00.
 
  
 
  
 
                         O Ministério Público interpôs recurso de tal decisão, 
 pugnando pela revogação da liberdade provisória do arguido, que, em seu 
 entender, devia ficar preso preventivamente, atenta a gravidade dos crimes que 
 lhe eram imputados.
 
  
 
  
 
                         Sendo os autos conclusos ao juiz nos termos do nº 1 do 
 artigo 414º do Código de Processo Penal, reparou ele a decisão antes proferida e 
 ordenou a prisão preventiva do arguido. 
 
 
 
 
 
  
 
  
 
  
 
                         O arguido interpôs recurso para a Relação desta última 
 decisão do juiz, dizendo, entre o mais, que 'o artigo 414º do CPP é 
 inconstitucional na medida em que permite a privação dos direitos, liberdades e 
 garantias atribuídas ao arguido nos precisos termos do nº 1 do artigo 32º da 
 CRP'. 
 
  
 
  
 
                         Tal recurso foi rejeitado pela Relação, que, no acórdão 
 de 21 de Setembro de 1994, ponderou que, 'ao contrário do que o arguido 
 pretende, o artigo 414º do Código de Processo Penal não sofre de qualquer 
 inconstitucionalidade'. 
 
  
 
  
 
                         2. É deste acórdão que, ao abrigo da alínea b) do nº 1 
 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, vem o presente recurso, 
 interposto pelo arguido que, no respectivo requerimento, disse: 'a norma cuja 
 inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie é a do nº 1 do artigo 
 
 414º do Código de Processo Penal'.
 
  
 
  
 
                         Nas alegações apresentadas neste Tribunal, formulou o 
 arguido as seguintes conclusões:
 A) Não se podendo aplicar simultaneamente a prisão preventiva e a caução, 
 existindo esta, para que se aplique a prisão, tem que se revogar ou quebrar a 
 caução.
 
  
 B) Aplicando-se a prisão com a subsistência da caução, violam-se as garantias de 
 defesa asseguradas pelo nº 1 do artº 32º da Constituição.
 C) A norma que permite fazer isto (artº 414º, nº 1 do C.P. Penal) vai contra a 
 certeza e a segurança do direito, contra o artº 205º do mesmo diploma e contra a 
 Constituição.
 Nestes termos, deve o nº 1 do artº 414º do Código de Processo Penal ser 
 declarado inconstitucional, na medida em que permite a cumulação da caução e da 
 prisão preventiva, em violação do artº 205º do mesmo diploma e do nº 1 do artº 
 
 32º da Constituição, com a consequente manutenção do arguido no estatuto em que 
 se encontrava enquanto não ocorrerem factos que legalmente permitam alteração da 
 situação.
 
  
 
  
 
                         O Ministério Público suscitou a questão prévia do não 
 conhecimento do recurso, concluindo do modo que segue as alegações apresentadas:
 
 1º - Ao reparar a decisão inicialmente proferida acerca da liberdade provisória 
 do arguido, face às razões aduzidas no recurso intentado pela acusação, o juiz 
 não está obviamente a interpretar tal norma com o sentido de que se cumulam no 
 processo as situações de caução, inicialmente decretada, e de prisão preventiva, 
 determinada na sequência da referida reparação da decisão.
 
 2º - Na verdade, tal reparação tem como efeito a revogação ou substituição do 
 despacho inicialmente proferido, cujos efeitos naturalmente caducam.
 Não tendo a decisão recorrida feito aplicação da norma cuja 
 inconstitucionalidade se suscitou com o sentido, pretensamente inconstitucional, 
 que o recorrente lhe atribui, não deverá conhecer-se do recurso.
 
  
 
  
 
                         Respondeu o arguido, mas sem contrariar a afirmação do 
 Ministério Público de que o acórdão recorrido não aplicou a norma questionada 
 neste recurso com o sentido que ele pretende que este Tribunal ajuize sub specie 
 constitutionis.
 
  
 
                         3. Dispensados os vistos, cumpre decidir.
 
  
 
  
 
                         II. Fundamentos:
 
  
 
                         4. Como decorre do relato que atrás se fez, o recorrente 
 suscitou perante a Relação a inconstitucionalidade da norma que se contém no nº 
 
 1 do artigo 414º do Código de Processo Penal, que dispõe:
 Artigo 414º (Sustentação ou reparação da decisão ...)
 
 1. Se o recurso não for interposto de sentença ou acórdão final [...], o 
 processo é concluso ao juiz para sustentação ou reparação da decisão.
 
  
 
  
 
                         Nas alegações apresentadas neste Tribunal, o recorrente 
 questiona aquele normativo, 'na medida em que permite a cumulação da caução e da 
 prisão preventiva'.
 
  
 
  
 
                         Objecto do recurso é, assim, segundo o recorrente, a 
 norma do nº 1 do artigo 414º do Código de Processo Penal 'na medida em que 
 permite a cumulação da caução e da prisão preventiva'.
 
                         De facto, essa é a norma que ele indica nas conclusões 
 da sua alegação. Se, acaso, tal norma for diferente da indicada no requerimento 
 de interposição do recurso, é ela que o recorrente pretende ver apreciada no 
 recurso.
 
  
 
  
 
                         O nº 1 do artigo 414º do Código de Processo Penal 
 prescreve que o juiz, em recurso de decisão que não constitua sentença ou 
 acórdão final, pode reparar o agravo, revogando a decisão proferida. 
 
                         Tal normativo não tem, assim, o sentido de permitir 'a 
 cumulação da caução e da prisão preventiva'.
 
  
 
  
 
                         Foi, de resto, com a interpretação de que o normativo em 
 causa consente a reparação da decisão proferida, que a Relação o aplicou no 
 acórdão recorrido. Escreveu ela: 
 
 É claro que os direitos reconhecidos pelos tribunais só se integram na esfera 
 jurídica dos sujeitos processuais quando as decisões se tornam definitivas, 
 quando transitam em julgado. Quando são atacadas pela via de recurso, podem, 
 nalguns casos, como é a hipótese dos autos, ser alteradas, de uma forma 
 expedita, pelo próprio juiz (não interessando que seja ou não a mesma pessoa) 
 que a proferiu, que reconhece de imediato ter decidido mal (nos termos do artº 
 
 414º), ou pelo tribunal superior; Se o forem no tribunal 'a quo' pode o sujeito 
 afectado interpor então recurso, como, aliás, o fez o arguido F....
 Enquanto se não tornar definitiva, a decisão pode ser alterada, nos termos 
 legais, sem que daí resulte violação de qualquer direito ou garantia do cidadão. 
 Aliás, a tese do recorrente levaria à inconstitucionalidade de todas as normas 
 
 (e não apenas a do artº 414º) que permitem, pela via de recurso, alterar as 
 decisões em sentido desfavorável ao arguido, mesmo nos recursos interpostos pelo 
 Ministério Público ou pelo assistente.
 
  
 
  
 
                         Significa isto que - se não dever entender-se que o 
 recorrente pretende que este Tribunal aprecie a constitucionalidade de uma norma 
 diferente da que questionou sub specie constitutionis perante a Relação 
 
 (questionou a constitucionalidade do nº 1 do artigo 414º do Código de Processo 
 Penal e pretende que este Tribunal aprecie essa norma, 'na medida em que permite 
 a cumulação da caução e da prisão preventiva') -, haverá, pelo menos, de 
 concluir-se que o referido normativo (nº 1 do artigo 414º do Código de Processo 
 Penal) não foi aplicado pelo acórdão recorrido com o sentido que ele reputa 
 inconstitucional.
 
  
 
  
 
                         Não se verificando, pois, os pressupostos do recurso 
 interposto - suscitação da inconstitucionalidade de uma determinada norma legal 
 durante o processo (ou seja, antes de proferida a decisão recorrida e em termos 
 de o tribunal recorrido a poder decidir) e sua aplicação por aquela decisão -, 
 dele não pode este Tribunal conhecer.
 
  
 
                         III. Decisão:
 
  
 Pelos fundamentos expostos, atendendo a questão prévia suscitada pelo Ministério 
 Público, decide-se não tomar  conhecimento do recurso e condenar o recorrente 
 nas custas, fixando-se, para o efeito, a taxa de justiça em cinco unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 21 de Fevereiro de 1995
 Ass) Messias Bento
 Guilherme da Fonseca
 Bravo Serra
 Fernando Alves Correia
 Luis Nunes de Almeida