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Processo n.º 578/05
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Gil Galvão
 
  
 
  
 Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, a A., ora 
 reclamada, instaurou, contra diversos réus, incluindo a ora reclamante, B., 
 acção com processo ordinário, pedindo que se declarasse a nulidade, por 
 simulação, de determinados negócios jurídicos ou, subsidiariamente, que se 
 julgasse procedente a impugnação pauliana dos mesmos. A acção foi julgada 
 procedente, sendo declarada a nulidade, por simulação, de diversos negócios 
 jurídicos e condenados vários réus como litigantes de má fé. Inconformados, 
 apelaram os réus, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães julgado improcedente 
 a apelação.
 
  
 
 2. Ainda inconformados, vieram os réus, interpor recurso para o Supremo Tribunal 
 de Justiça, formulando, para o que agora releva, as seguintes conclusões:
 
 “[...] 2. Verifica-se que tanto a douta decisão proferida em 1ª instância como o 
 douto acórdão ora em crise violam o disposto no nºs 2 e 3 do artº 653º e o nº 2 
 do artº 659º ambos do C.P.C..
 
 3. Volta-se novamente a verificar no douto acórdão a falta de indicação de facto 
 e de direito que justifiquem a decisão, ou seja não são especificados os 
 fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão.
 
 4. Foi violado o dever de motivação e fundamentação das decisões judiciais, quer 
 quanto à decisão proferida em 1ª instância como no douto acórdão ora em crise.
 
 5. Sendo por isso violado no dito acórdão o estipulado no artº 208º da C.R.P. e 
 o disposto no artº 158º, nº 1do C.P.C..
 
 6. Como, também, foi violado o disposto no nº 3 do artº 712º do C.P.C., dado que 
 o douto acórdão ora em crise não indicou, para cada facto ou grupo de factos os 
 meios concretos de prova são, entre outros os depoimentos expressamente 
 designados. 
 
 7. Não foram referidos, os depoimentos tidos por decisivos, nem individualizados 
 os documentos tidos por relevantes, fazendo uma referência genérica aos mesmos.
 
 8. Ou seja, a falta de indicação de facto e de direito que justifiquem a decisão 
 
 (artº 698º, nº 1 do C.P.C.) constitui nulidade quando o Tribunal julgou 
 procedente ou improcedente um pedido, mas não específica quais os fundamentos de 
 facto ou de direito que não foram relevantes para essa decisão.
 
 9. Assim no que toca à concreta motivação da decisão de facto nos autos, a mesma 
 não se mostra, efectivamente, muito explicativa, sobretudo ao nível das 
 respostas positivas.
 
 10. Ora, atenta a posição assumida no douto acórdão ora em crise e a obrigação, 
 instituída no nº 1 do artº 205º da Lei fundamental, de motivação das decisões 
 judiciais, de facto, garantia integrante do próprio conceito de Estado de 
 Direito Democrático a que se refere o artº 2º, foi claramente violada.
 
 11. O registo da prova produzida na audiência de discussão e julgamento deve e 
 tem que envolver a garantia da possibilidade das instâncias superiores reverem a 
 matéria de facto posta em crise, sob pena, como sucede no presente caso de ao 
 não ser feita existir violação de lei atento o disposto no Dec. Lei 39/95 de 
 
 15/2.
 
 12. O que se pretende é que o julgador pese, embora, o depoimento de algumas 
 declarações prestadas pelas testemunhas, não se pronuncie quanto à relevância 
 deste ou daquele depoimento, quanto ao valor dos depoimentos testemunhais, não 
 se referindo à sua maior ou menor isenção, credibilidade, clareza, e razão de 
 ciência, e não esclarece, quanto aos factos não provados, como sucede nos 
 presentes autos, que os meios de prova não permitiram formar a convicção quanto 
 
 à sua ocorrência, ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da realidade.
 
 13. E não é o facto de a produção de prova testemunhal ter sido integralmente 
 gravada que dispensa essa indicação.
 
 14. Não se aplicando o disposto no Dec. Lei referido em 11 supra nos seus 
 precisos termos e como sucede no douto acórdão ora em crise estamos perante uma 
 inconstitucionalidade clamorosa.
 
 15. Ou seja, o douto acórdão ao não ter tido em conta o princípio consagrado 
 naquele Dec. Lei estamos em sede de recurso perante uma situação de confirmação 
 das sentenças proferidas em 1ª instância mais do que a procura da descoberta da 
 verdade material.
 
 16. Além do mais, a obrigação de fundamentação da decisão da matéria de facto é 
 um corolário lógico da afirmação do princípio da liberdade de julgamento, 
 assenta este na ponderação, na reflexão e na conjugação dos vários elementos de 
 prova carreados para o processo que na audiência foram produzidos.
 
 17. Na verdade o STJ tem entendido que a lei não se contenta com a seguinte 
 fundamentação: “as respostas positivas assentam no juízo formulado no conjunto 
 das testemunhas respectivamente inquiridas e do exame dos documentos 
 apresentados, quer em audiência, quer anteriormente”.
 
 18. A afirmação de que as respostas se fundam nos depoimentos das testemunhas 
 ouvidas e nos documentos juntos não integra a fundamentação exigida pelos artºs 
 
 653º e 712º, nº 3 do C.P.C., como sucede nos presentes autos.
 
 19. Aliás, o artº 712º do C.P.C. tem por finalidade garantir a correcção do 
 apuramento da matéria de facto, podendo neste caso, como se espera, o STJ 
 intervir, uma vez que a Relação, torna-se indispensável que este indique 
 explicite, clara e discriminadamente os factos que teve como provados (artºs 
 
 659º, nº 2, 713º, nº 2, 716º e 729º do C.P.C.).
 
 [...]”
 
  
 
 3. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 27 de Abril de 2005, negou a 
 revista, invocando, nomeadamente, o seguinte:
 
 “[...] Em primeiro lugar, invocam os recorrentes violação do disposto nos art.ºs 
 
 653°, n.ºs 2 e 3, e 659°, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, quer pela sentença da 1ª 
 instância, quer pelo acórdão recorrido.
 O que aqueles normativos respectivamente dispõem é que:
 
 [...]
 E foi isso exactamente o que foi feito.
 Na verdade, a fls. 755 a 759 encontra-se a decisão da matéria de facto proferida 
 na 1ª instância, pela Ex.ma Juíza a quem competia presidir ao julgamento, 
 singularmente por ter sido requerida gravação da audiência final.
 Nessa decisão são indicados os pontos da matéria de facto que o Tribunal 
 considerou provados e os pontos não considerados como tal. E a decisão assim 
 proferida, que não se limita de forma alguma a afirmar que as respostas 
 resultaram da prova produzida ou do conjunto das testemunhas documentos 
 apresentados, mostra-se devidamente fundamentada, até de forma exemplar, 
 mediante análise crítica e ponderada das provas produzidas e especificação de 
 fundamentos decisivos para a formação da convicção da julgadora, com pormenor e 
 clareza, sendo de notar que disposição legal alguma impõe a transcrição dos 
 depoimentos ou do conteúdo dos documentos na fundamentação da decisão da matéria 
 de facto.
 Por sua vez, a sentença proferida na 1ª instância mostra-se elaborada na forma 
 legal, contendo no local próprio a respectiva fundamentação, de facto (basta 
 vê-la para logo se constatar a inclusão, nela, da descrição exaustiva dos factos 
 dados por provados, não se compreendendo sequer como podem os recorrentes 
 afirmar que tal não se mostra feito) e de direito (mediante interpretação e 
 aplicação de dispositivos legais atinentes à situação de facto, respeitantes a 
 compra e venda, simulação, nulidade, registo predial e má fé processual) .
 Foi isto mesmo que no acórdão recorrido foi examinado, mediante análise de prova 
 até mais pormenorizada do que a ali pretendida pelos recorrentes, então 
 apelantes, - visto que daquele acórdão consta que foi renovada a prova na sua 
 integralidade de acordo com os elementos constantes dos autos, como até o n.º 2 
 do art.º 712° do Cód. Proc. Civil lhe permitia, não se limitando portanto à 
 análise dos elementos então referidos pelos apelantes nas respectivas alegações 
 
 -, nele se concluindo, e bem, pela inexistência na sentença da 1ª instância de 
 qualquer dos invocados vícios.[...]
 Assim, tem de se entender, da mesma forma, que o acórdão recorrido não enferma 
 de qualquer dos apontados vícios, por não infringir qualquer dos apontados 
 normativos, inclusive o do art.º 158°, n.º 1, do Cód. Proc. Civil ou o Dec. - 
 Lei n.º 39/95, de 15/2, não se vendo igualmente em que é que foi violado o 
 disposto no art.º 208°, ou no art.º 205°, n.º 1, da C.R.P. ou qual a norma legal 
 ordinária que tenha sido interpretada e aplicada em sentido divergente do 
 consagrado em qualquer dessas disposições constitucionais.
 Por isso se entende igualmente que não se verifica a nulidade invocada, que se 
 supõe ser a do art.º 668°, n.o 1, al. b), do Cód. Proc. Civil: os fundamentos de 
 facto e de direito que conduziram à decisão mostram-se, como resulta do exposto, 
 devida e pormenorizadamente especificados, quer na sentença da 1ª instância, 
 quer no acórdão recorrido.
 Quanto à invocação do disposto no n.º 3 do art.º 712° do Cód. Proc. Civil, de 
 novo não assiste razão aos recorrentes: a renovação na Relação dos meios de 
 prova produzidos em 1ª instância, para além da análise que nos presentes autos 
 ali foi feita, constitui mera faculdade da Relação, que a pode determinar quando 
 a considere necessária por entender que tal renovação se torna indispensável 
 para o apuramento da verdade, quanto à matéria de facto impugnada.
 Ora, se a Relação considerou desnecessário proceder a essa renovação, formou 
 ela, com base em elementos que considerou suficientes, o seu próprio juízo sobre 
 a matéria de facto, como era de sua competência. E esse entendimento integra uma 
 decisão pelo menos implícita de não renovação dos meios de prova, tomada ao 
 abrigo do disposto no apontado n.º 3, da qual não cabe recurso (n.º 6 do mesmo 
 art.º 712°) .
 
 [...]
 Para além disso, a matéria de facto apurada já constitui base suficiente para a 
 decisão de direito e não integra qualquer contradição, pelo que não há também 
 lugar à remessa dos autos à Relação para os fins do disposto nos art.os 729°, 
 n.º 3, e 730°, n.º 1, do mesmo diploma [...]”.
 
  
 
 4. Deste acórdão foi interposto, por Franklin Soares de Azevedo e outros, 
 incluindo a ora reclamante, recurso para este Tribunal, através de um 
 requerimento do seguinte teor:
 
 “[...]Recorrentes nos autos supra identificados,
 Porque não se conformam com a, aliás, douta decisão que indeferiu o recurso 
 apresentado pelos aqui recorrentes que constitui o objecto do processo 
 identificado em epígrafe dele interpõem recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, 
 ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 e 2 do art.º 70.º da Lei 28/82, de 15 
 de Novembro (alterado pela Lei 143/85, de 25 de Novembro, 85/89, de 7 de 
 Setembro e 13-A/98 de 26 de Fevereiro), para apreciação da inconstitucionalidade 
 formal e material das normas estatuídas nos n.ºs 2,3 do art.º 653°, n.º 2 do 
 art.º 659, 158°, n° 1, n° 3 do art.º 712° e 698 n° 1, todos do Cód. Proc. Civil 
 e que os recorrentes suscitaram nos diversos recursos interpostos até à presente 
 decisão ora em crise por violação do estipulado nos art.ºs 205.º, n.º1, 208.º e 
 
 2.º, todos da Constituição da República Portuguesa e por conseguinte a 
 interpretação dada no caso concreto, por este douto Tribunal recorrido, é 
 inconstitucional por falta de fundamentação da sentença e em especial contra 
 abusos processuais e defesa dos interesses legalmente protegidos, consagrados no 
 n.º 1 e 4 do art.º 20.º, n.º1 do art.º 26.º, art.º 32.º e n.º 2 do art.º 202.º 
 da C.R.P., contrariamente ao por este perfilhado que diz não se verificarem 
 quaisquer violações daquelas normas e tão pouco se vislumbra qualquer 
 inconstitucionalidade por se encontrar a decisão em crise devidamente 
 fundamentada.[...]”
 
  
 
 5. Tendo este recurso sido admitido, foi, na sequência, proferida pelo Relator 
 do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 
 
 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do 
 objecto do recurso. É o seguinte, na parte agora relevante, o seu teor:
 
 “[...] Admitido o recurso no Supremo Tribunal de Justiça, cumpre, antes de mais, 
 decidir se dele se pode conhecer, uma vez que a decisão que o admitiu não 
 vincula o Tribunal Constitucional (cfr. art. 76º, n.º 3 da LTC).
 O recorrente indica, como fundamento do recurso, a alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Vejamos então se se verificam os 
 pressupostos de admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional 
 exigidos por essa alínea.
 O recurso previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, porque de recurso se trata, pressupõe, designadamente, que o 
 recorrente tenha suscitado, de modo processualmente adequado perante o tribunal 
 que proferiu a decisão recorrida, a inconstitucionalidade de determinada norma 
 jurídica - ou de uma sua dimensão normativa e que, não obstante, a decisão 
 recorrida a tenha aplicado, como ratio decidendi, no julgamento do caso. 
 Importa, pois, começar por averiguar se os recorrentes suscitaram, de modo 
 processualmente adequado, perante o Supremo Tribunal de Justiça, alguma questão 
 de constitucionalidade normativa em termos que lhes viessem a permitir interpor 
 recurso de constitucionalidade para este Tribunal.
 Ora, como se verá sucintamente já de seguida, é manifesto que o não fizeram.
 De facto, se atentarmos no teor da alegação de recurso apresentada no Supremo 
 Tribunal de Justiça – única peça aqui relevante e cujas conclusões já 
 transcrevemos na parte que interessa - verificamos que os recorrentes, ao 
 contrário do que afirmam no requerimento de interposição do recurso para o 
 Tribunal Constitucional, não imputam aí, como deviam, a violação da Constituição 
 a uma qualquer norma, mas sim, quando muito, à própria decisão de que 
 recorreram. Para o demonstrar basta recordar as passagens daquela peça 
 processual onde os recorrentes se referem a uma alegada violação da 
 Constituição. Assim, na conclusão n.º 2, afirmam: “Verifica-se que tanto a douta 
 decisão proferida em 1ª instância como o douto acórdão ora em crise violam o 
 disposto no nºs 2 e 3 do artº 653º e o nº 2 do artº 659º ambos do C.P.C.”, para 
 acrescentarem, na conclusão 5, “Sendo por isso violado no dito acórdão o 
 estipulado no artº 208º da C.R.P. e o disposto no artº 158º, nº 1do C.P.C.”. 
 Além disso, afirmam, na conclusão 6, ter sido “também [] violado o disposto no 
 nº 3 do artº 712º do C.P.C.”, acrescentando, na conclusão 9, que, “no que toca à 
 concreta motivação da decisão de facto nos autos, a mesma não se mostra, 
 efectivamente, muito explicativa, sobretudo ao nível das respostas positivas.”, 
 para concluírem, na conclusão 10ª, que “[...] atenta a posição assumida no douto 
 acórdão ora em crise e a obrigação, instituída no nº 1 do artº 205º da Lei 
 fundamental, de motivação das decisões judiciais, de facto, garantia integrante 
 do próprio conceito de Estado de Direito Democrático a que se refere o artº 2º, 
 foi claramente violada”. Finalmente, nas conclusões 14 e 15, dizem: “Não se 
 aplicando o disposto no Dec. Lei. [Dec. Lei 39/95 de 15/2] referido em 11 supra 
 nos seus precisos termos e como sucede no douto acórdão ora em crise estamos 
 perante uma inconstitucionalidade clamorosa”. “Ou seja, o douto acórdão ao não 
 ter tido em conta o princípio consagrado naquele Dec. Lei estamos em sede de 
 recurso perante uma situação de confirmação das sentenças proferidas em 1ª 
 instância mais do que a procura da descoberta da verdade material.”(itálico e 
 negrito aditados).
 
 É, contudo, jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada que, não estando 
 em causa uma dimensão normativa do preceito legal aplicado na decisão, mas sim a 
 própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização 
 concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Assim resulta do disposto 
 no artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da Lei n.º 28/82, e assim tem 
 sido afirmado pelo Tribunal Constitucional em inúmeras ocasiões. Ora, não tendo 
 os recorrentes suscitado, de modo processualmente adequado perante o Supremo 
 Tribunal de Justiça, uma questão de constitucionalidade normativa, como exige a 
 alínea b) do n.º 1 do art. 70º da LTC, ao abrigo da qual recorrem, não está 
 presente, pelo menos, um dos pressupostos de admissibilidade do recurso para o 
 Tribunal Constitucional, o que implica não lhes estar aberta a via de recurso 
 para este Tribunal.
 Acresce que os recorrentes pretendem ver apreciada a “inconstitucionalidade 
 formal e material das normas estatuídas nos n.ºs 2,3 do art.º 653°, n.º 2 do 
 art.º 659, 158°, n° 1, n° 3 do art.º 712° e 698 n° 1, todos do Cód. Proc. 
 Civil”, sendo certo que, em seu entender, essas normas teriam sido violadas pelo 
 próprio acórdão de que recorreram. Ora, como se afirmou, nomeadamente, no 
 Acórdão n.º 128/2005 (disponível na página Internet do Tribunal, no endereço 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), “«se se utiliza uma 
 argumentação consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito legal 
 ordinário e, simultaneamente, violadas normas ou princípios constitucionais, 
 tem-se por certo que a questão de desarmonia constitucional é imputada à decisão 
 judicial, enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao ordenamento 
 jurídico infra-constitucional que se tem por violado com essa decisão, pois que 
 se posta como contraditório sustentar-se que há violação desse ordenamento e 
 
 [que] este é desconforme com o Diploma Básico. Efectivamente, se um preceito da 
 lei ordinária é inconstitucional, não deverão os tribunais acatá-lo, pelo que 
 esgrimir com a violação desse preceito, representa uma óptica de acordo com a 
 qual ele se mostra consonante com a Constituição». Isto é, se se sustenta que 
 determinada postura é, simultaneamente, violadora de preceitos do ordenamento 
 jurídico infra-constitucional e de normas constitucionais só se pode concluir 
 que se está a questionar a própria decisão judicial e não a constitucionalidade 
 dos preceitos ordinários. O que, igualmente, sempre conduziria à solução 
 encontrada na decisão sumária ora reclamada – impossibilidade de conhecimento do 
 recurso interposto.”
 Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se 
 evidente que não pode conhecer-se do objecto do presente recurso, já que, não 
 tendo os recorrentes suscitado, de modo processualmente adequado perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, como exige o n.º 2 do art. 72º da Lei 
 do Tribunal Constitucional, qualquer questão de constitucionalidade normativa, 
 não está presente, pelo menos, um dos pressupostos da sua admissibilidade. 
 
 [...]”
 
  
 
 6. É desta decisão que vem interposta, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º 
 
 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que a reclamante fundamenta 
 da seguinte forma:
 
 “[...], reclamar para a conferência da douta decisão sumária proferida pelo 
 Exmo. Conselheiro Relator que decidiu não conhecer do objecto do recurso 
 interposto pelo ora reclamante, por considerar que a decisão impugnada não 
 aplicou as normas com o sentido que a recorrente a submete à apreciação deste 
 Tribunal.
 O que o faz ao abrigo do disposto no art.º 78.º - A. n.º 3 da LTC e com os 
 seguintes fundamentos:
 A douta decisão reclamada prejudica os interesses processuais do requerente e 
 foi proferida pelo Exmo. Conselheiro - Relator, pelo que lhe assiste o direito 
 de “requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão” (para usar o 
 teor literal do n.º 3, do art.º 700.º do C.P.C.).
 Com o devido respeito, a requerente discorda da argumentação expendida no douto 
 acórdão em referência na medida em que, o que se pretende que este Tribunal 
 Constitucional aprecie é, de facto a inconstitucionalidade formal e material das 
 normas estatuídas nos nºs 2, 3 do art.º 653.º, n.º 2 do art.º 659.º. 158.º n.º1, 
 n.º 3 do art.º 712.º e 698.º n.º 1. todos do Código de Processo Civil e que o 
 recorrente suscitou nos diversos recursos interpostos por violação do estipulado 
 nos arts 205.º, n.º1, art.º 208.º e 2.º, todos da Constituição da República 
 Portuguesa, por tais decisões recorridas e por conseguinte a interpretação dada 
 no caso concreto, é inconstitucional por falta de fundamentação da sentença e em 
 especial contra abusos processuais e defesa dos interesses legalmente protegidos 
 e consagrados no n.º 1 e 4 do art.º 20º, n.º l do art. 26.º, art.º 32.º e n.º 2 
 do art.º 202.º da C.R.P ..
 Ora é esta interpretação que se pretende ver fiscalizada por este Tribunal 
 Constitucional e não qualquer outra.
 O facto de o Tribunal da Relação de Guimarães e o STJ ter decidido no sentido de 
 não dar provimento aos recursos apresentados, é um mero efeito ou consequência 
 da interpretação que figura das normas aí citadas, que reflecte-se, é aquela que 
 se pretende ver fiscalizada por este Tribunal.
 A inconstitucionalidade das sentenças recorridas por falta de fundamentação e 
 consequente violação dos preceitos supra referidos e em especial contra abusos 
 processuais e defesa dos interesses legalmente protegidos.
 Aliás, esta mesma interpretação já foi efectuada noutros acórdãos na nossa 
 Jurisprudência e que têm o mesmo objecto do Recurso ora em crise.
 Pelo exposto.
 A Reclamante pretende que sobre a matéria da douta decisão sumária em mérito 
 seja proferido acórdão, pelo que deve a mesma ser submetida à conferência, nos 
 termos do disposto no art.º 78.º-A, n.º 3, da LTC (cft. art.º 700.º, n.º 3 do 
 CPC). [...]”
 
  
 
 7. Notificada para responder, querendo, à reclamação da recorrente, a A., 
 recorrida, nada disse.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 
  
 III – Fundamentação
 
  
 
 8. A recorrente vem reclamar da decisão sumária. A forma como o faz revela, 
 contudo, que não só estará menos familiarizada com o mecanismo de impugnação das 
 decisões sumárias proferidas no Tribunal Constitucional, como, sobretudo, o que 
 
 é decisivo no presente contexto, não terá compreendido as razões pelas quais não 
 pode este Tribunal conhecer do recurso que pretendeu interpor e que não deveria 
 sequer ter sido admitido.
 
  
 Na verdade, admitindo o presente requerimento como reclamação para a conferência 
 nos precisos termos do artigo 78º-A n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional, 
 verifica-se, contudo, que o mesmo em nada infirma os fundamentos da decisão 
 sumária ora reclamada. Senão vejamos.
 
  
 A recorrente afirma que vem reclamar da decisão sumária que “decidiu não 
 conhecer do objecto do recurso interposto pelo ora reclamante, por considerar 
 que a decisão impugnada não aplicou as normas com o sentido que a recorrente a 
 submete à apreciação deste Tribunal.” Ora, é manifesto que não é à decisão 
 sumária proferida neste processo que tal asserção se pode aplicar.
 
  
 Na verdade, na decisão sumária reclamada, invocando que é “jurisprudência 
 pacífica e sucessivamente reiterada que, não estando em causa uma dimensão 
 normativa do preceito legal aplicado na decisão, mas sim a própria decisão em si 
 mesma considerada, não há lugar ao recurso de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade vigente em Portugal”, concluiu-se, e tanto bastou, que “não 
 pode conhecer-se do objecto do presente recurso, já que, não tendo os 
 recorrentes suscitado, de modo processualmente adequado perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, como exige o n.º 2 do art. 72º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, qualquer questão de constitucionalidade normativa, não está 
 presente, pelo menos, um dos pressupostos da sua admissibilidade.” 
 
  
 Vem a ora reclamante, embora de forma algo confusa e, em alguns casos, 
 absolutamente ininteligível, na sequência, aliás, do modo como, por vezes, se 
 expressou ao longo do processo, confirmar, agora, que assim foi. Na verdade, 
 embora refira uma suposta inconstitucionalidade “formal e material das normas 
 estatuídas nos nºs 2, 3 do art.º 653.º, n.º 2 do art.º 659.º. 158.º n.º1, n.º 3 
 do art.º 712.º e 698.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil”, a sua crítica 
 vai integralmente para a alegada inconstitucionalidade das diferentes decisões 
 proferidas no processo, sendo certo que a referência que faz a uma, nunca 
 identificada, “interpretação dada no caso concreto” a determinadas normas mais 
 não representa do que a referência à aplicação das normas em causa, à subsunção 
 dos factos a tais normas ou, no limite, à própria decisão recorrida, tudo 
 insusceptível, como é sobejamente sabido, de ser objecto de recurso para este 
 Tribunal. Para o demonstrar, basta recordar os seguintes passos da reclamação: 
 
 “[...]violação do estipulado nos arts 205.º, n.º1, art.º 208.º e 2.º, todos da 
 Constituição da República Portuguesa, por tais decisões recorridas e por 
 conseguinte a interpretação dada no caso concreto, é inconstitucional por falta 
 de fundamentação da sentença e em especial contra abusos processuais e defesa 
 dos interesses legalmente protegidos e consagrados no n.º 1 e 4 do art.º 20º, 
 n.º l do art. 26.º, art.º 32.º e n.º 2 do art.º 202.º da C.R.P. Ora é esta 
 interpretação que se pretende ver fiscalizada por este Tribunal Constitucional e 
 não qualquer outra.”; “[...] A inconstitucionalidade das sentenças recorridas 
 por falta de fundamentação e consequente violação dos preceitos supra referidos 
 e em especial contra abusos processuais e defesa dos interesses legalmente 
 protegidos” (itálicos aditados).
 
  
 
 9. Assim sendo, pelas razões já constantes da decisão reclamada, que mantém 
 inteira validade e em nada é infirmada pela presente reclamação, é efectivamente 
 de não conhecer do objecto do recurso que a ora reclamante pretendeu interpor.
 
  
 
  
 III – Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se desatender a presente reclamação, confirmando-se a 
 decisão reclamada de não conhecimento do recurso.
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 2 de Novembro de 2005
 
  
 
  
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Artur Maurício