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Processo nº 23/93    
 
 1ª Secção
 Rel. Cons. Tavares da Costa
 
  
 
  
 
                              Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 
  
 
                   1.-       A Sociedade C..., S.A., com sede em Lisboa, impugnou 
 judicialmente a decisão do vereador com competência delegada da Câmara Municipal 
 de Lisboa, de 31 de Março de 1992, que lhe aplicou a coima de 400.000$00 por, em 
 
 31 de Agosto de 1991, ter procedido, nesta cidade, ao despejo do entulho 
 proveniente de obras em terreno municipal, sem licença, o que constitui 
 infracção ao disposto na alínea a) do artigo 35º do Edital Camarário nº 112/90, 
 de 28 de Dezembro, punível pelo nº 4 do artigo 40º do mesmo diploma, com a coima 
 de 40.000$00 a 100.000$00 por metro cúbico ou fracção.
 
  
 
                              Remetido o respectivo processo ao Tribunal de 
 Polícia de Lisboa, procedeu-se a audiência de julgamento, em 10 de Dezembro de 
 
 1992, tendo o Senhor Juiz recusado a aplicação daquele artigo 40º, nº 4, por 
 violar o disposto no artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição da República 
 
 (CR), na medida 
 em que estabelece um mínimo de coima superior a 500$00 e um máximo que, sendo 
 variável, pode ultrapassar os 6.000.000$00.
 
  
 
                              Do assim decidido foi oportunamente interposto 
 recurso pelo Ministério Público, nos termos dos artigos 280º, nº 1, alínea a), 
 da CR, e 70º, nº 1, alínea a), e 72º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
 
  
 
  
 
                   2.-       Neste Tribunal apenas alegou o Ministério Público 
 que assim rematou os seus considerandos:
 
  
 
             '1º-      Os montantes mínimos e máximos das coimas a prever nos 
 regulamentos municipais devem respeitar os limites estabelecidos no regime geral 
 de punição do ilícito de mera ordenação social de proveniência autárquica, 
 constante do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro (alterado pelo Decreto-Lei 
 nº 356/89, de 17 de Outubro) e do artigo 21º da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro.
 
  
 
  
 
              2º-      Não envolve violação deste regime, não sendo, por isso, 
 inconstitucional, a norma do nº 4 do artigo 40º do Regulamento de Resíduos 
 Sólidos da Cidade de Lisboa, na parte em que  -  para um caso como o dos 
 presentes autos  -  fixa em 40.000$00 o limite mínimo da coima aplicável à 
 contra-ordenação consistente no despejo de entulhos de construção civil em 
 qualquer área pública do município prevista na alínea a) do artigo 35º do mesmo 
 diploma.
 
  
 
  
 
              3º-      Termos em que deve conceder-se provimento ao recurso, 
 determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o precedente 
 juízo de não inconstitucionalidade.'
 
  
 
  
 
                   3.-       Correram-se os vistos legais, baixaram os autos para 
 análise de eventual aplicação da medida de amnistia prevista na Lei nº 15/94, de 
 
 11 de Maio  -  alínea ff) do seu artigo 1º  -  e cumpre agora apreciar e 
 decidir.
 
  
 
  
 II
 
  
 
                              Constitui objecto do presente recurso a questão de 
 constitucionalidade da norma do nº 4 do artigo 40º do Regulamento dos Resíduos 
 Sólidos da Cidade de Lisboa constante do Edital Camarário nº 112/90, publicado 
 no Diário Municipal de 28 de Dezembro de 1990, na parte em que estabelece a 
 quantia de 40.000$00, por metro cúbico ou fracção, como limite mínimo da coima 
 aplicável à contra-ordenação prevista no artigo 35º, alínea a), do mesmo 
 diploma, e consistente no despejo de entulhos de construção civil em qualquer 
 
 área pública do município de Lisboa.
 
  
 
                   1.-       Dispõe o artigo 35º do Regulamento mencionado:
 
  
 
             'São proibidas no Município de Lisboa as seguintes condutas:
 
  
 
               a)       Despejar entulhos de construção civil em qualquer área 
 pública do Município;
 
  
 
               b)       Despejar entulhos de construção civil em qualquer terreno 
 privado sem prévio licenciamento Municipal e consentimento do proprietário.'
 
  
 
  
 
                              E, por sua vez, comina o artigo 40º, no seu nº 4:
 
  
 
             'A violação ao disposto no artigo 35º constitui contra-ordenação 
 punida com coima de 40.000$00 a 100.000$00 por metro cúbico ou fracção, e os 
 responsáveis são obrigados a proceder à remoção dos entulhos no prazo máximo de 
 
 3 dias, findo o qual é aplicado um agravamento de 50% da coima'.
 
  
 
  
 
       1.2.-    Ora, o Tribunal recorrido deu como provada matéria de facto 
 subsumível àquele enquadramento legal, relativa a uma quantidade de entulho que 
 não foi possível determinar.
 
  
 
                              Mas considerou a este respeito:
 
  
 
             'O artigo 40º, nº 4, do citado Edital estabelece como mínimo da 
 coima o valor de 40.000$00.  Acresce que esse mínimo é variável em função da 
 quantidade de entulho.
 
  
 
              Este montante é manifestamente superior aos 500$00 estabelecidos no 
 artigo 17º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, o qual estabelece 
 o mínimo geral das coimas.
 
  
 
              Por outro lado, ao estabelecer também o máximo da coima variável, 
 pode por essa via ultrapassar-se o limite imposto no artigo 21º, nº 2, da Lei nº 
 
 1/87, de 6 de Janeiro, bem como o estabelecido no artigo 17º, nº 3, do 
 Decreto-Lei nº 433/82.'
 
                              Considerou, então, o magistrado recorrido que a 
 norma citada do nº 4 do artigo 40º viola o disposto naquele artigo 17º, 
 nomeadamente ao fixar um mínimo superior a 500$00, assim alterando a moldura 
 geral abstracta das coimas, recordando os Acórdãos do Tribunal Constitucional 
 nºs. 156/89 e 324/90 (publicados no Diário da República, II Série, de 22 de 
 Março de 1989 e de 19 de Março de 1991, respectivamente) os quais, ao invocarem 
 o disposto no artigo 168º, nº 1, alínea d), da CR, sublinharam só à Assembleia 
 da República, ou com sua autorização, ser lícito ultrapassar os limites mínimos 
 e máximos das coimas previstas no artigo 17º, que devem obedecer a um quadro 
 rígido com referência a valores taxativos dos montantes mínimos.
 
  
 
                              Ora, observou-se então, o citado artigo 40º, no seu 
 nº 4, viola essa norma constitucional  -  e o regime geral na matéria, constante 
 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82  -  'na medida em que estabelece um 
 mínimo da coima superior a 500$00 e um máximo [que], sendo variável, pode 
 ultrapassar os seis milhões de escudos (6.000.000$00)'.
 
  
 
                              Assim ponderando, o Senhor Juiz entendeu que, no 
 caso concreto, há a considerar, como mínimo da coima 500$00 e, como máximo, os 
 
 100.000$00, uma vez que não foi determinada a quantidade de entulho, deste modo 
 não aplicando a norma em crise na parte ferida de inconstitucionalidade, 
 condenando a arguida na coima de 50.000$00, além das custas do processo.
 
  
 
                              Como já houve oportunidade de registar, diferente 
 opinião é a sustentada pelo Ministério Público nas suas alegações de recurso.
 
  
 
  
 
       2.1.-    Nos termos do artigo 242º da CR as autarquias locais dispõem de 
 poder regulamentar próprio nos limites da Constituição, das leis e dos 
 regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou das autoridades com 
 poder tutelar.
 
  
 
                              Este poder regulamentar independente, directamente 
 oriundo da Lei Fundamental, constitui o cerne da autonomia local, tem, como 
 limites, os enunciados no preceito constitucional e é concebido no âmbito da 
 prossecução das respectivas atribuições autárquicas, para gestão dos interesses 
 próprios (cfr., v.g., J.M.Sérvulo Correia, O Princípio da Legalidade 
 Administrativa no Direito Português, Coimbra, 1987, pág. 264;  J.C. Vieira de 
 Andrade, 'Autonomia regulamentar e Reserva de Lei' in - Estudos em Homenagem ao 
 Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró, I, Coimbra, 1984, pág. 22 e nota 40;  
 M.Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, vol. I, Coimbra, 1980, pág. 114;  
 J. Casalta Nabais, A Autonomia Local (Alguns Aspectos Gerais), Coimbra, 1990, 
 pág. 80 e segs. (separata daqueles Estudos).
 
  
 
                              Na área em questão, importa considerar não só o 
 Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, conhecido por Lei das Autarquias Locais 
 
 (LAL), diploma essencial no domínio das atribuições das autarquias locais e da 
 competência dos respectivos órgãos, a conjugar, aliás, com os artigos 44º, nº 5, 
 e 49º, nº 3, do Código Administrativo, como também ter presente a Lei nº 1/87, 
 de 6 de Janeiro, sobre as finanças locais, e o Decreto-Lei nº 488/85, de 25 de 
 Novembro, que dispõe quanto a resíduos sólidos.
 
  
 
                              Assim, diz-nos, na parte que interessa, o artigo 2º 
 da LAL (redacção da Lei nº 25/85, de 12 de Agosto):
 
  
 
             '1-       É atribuição das autarquias o que diz respeito aos 
 interesses próprios, comuns e específicos das populações respectivas e, 
 designadamente:
 
  
 
              -----------------------------------
 
               d)       À salubridade pública e ao saneamento básico;
 
  
 
              -----------------------------------
 
  
 
               i)        À defesa e protecção do meio ambiente e da qualidade de 
 vida do respectivo agregado populacional;
 
  
 
              ---------------------------------.'
 
  
 
  
 
                              Ora, o Decreto-Lei nº 488/85, ao estabelecer normas 
 relativas à produção de resíduos sólidos, comete às câmaras municipais, 
 isoladamente ou em associações, a competência para, além do mais, definirem os 
 sistemas municipais destinados à remoção, tratamento e destino final dos 
 resíduos sólidos urbanos (RSU) produzidos nas suas áreas de jurisdição e 
 publicarem posturas sobre a recolha e transporte desses resíduos.
 
  
 
                              Competindo às assembleias municipais a aprovação de 
 posturas e regulamentos [alínea a) do nº 2 do artigo 39º da LAL, na redacção da 
 Lei nº 25/85, de 12 de Agosto], o artigo 21º da Lei nº 1/87, sob a epígrafe 
 
 'coimas e multas' dispõe, por sua vez, o seguinte:
 
  
 
  
 
             '1.-      A violação de posturas e regulamentos de natureza genérica 
 e execução permanente das autarquias locais constitui contra-ordenação 
 sancionada com coima.
 
              2.-       As coimas a prever nas portarias e regulamentos 
 municipais e de freguesia não podem ser superiores, respectivamente, a dez vezes 
 e uma vez o salário mínimo nacional dos trabalhadores da indústria, nem exceder 
 o montante das que forem impostas por autarquias de grau superior ou pelo Estado 
 para contra-ordenações do mesmo tipo.
 
  
 
              ---------------------------------.'
 
  
 
  
 
                              Resulta do exposto a atribuição aos municípios de 
 um conjunto de competências relacionadas com a gestão dos resíduos sólidos, sua 
 reciclagem e eliminação, no âmbito de uma política geral de salvaguarda da 
 salubridade pública e de protecção do meio ambiente que às autarquias interessa 
 e incumbe defender e prosseguir, o que, nomeadamente, farão ao emitir posturas e 
 regulamentos de natureza genérica e execução permanente, fixando coimas nos 
 limites impostos pelo nº 2 do artigo 21º da Lei nº 1/87.
 
  
 
                              Resta, no entanto, apurar se o Regulamento de 
 Resíduos Sólidos da Cidade de Lisboa traduz com suficiência o seu suporte 
 habilitante, considerando o disposto no nº 7 do artigo 115º da CR e a 
 observância da primariedade da lei e valores que lhe subjazem.
 
       2.2.-    Diz-nos, com efeito, o nº 7 do artigo 115º da CR que os 
 regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que 
 definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão.
 
  
 
                              Fala-se, a este respeito, do princípio da 
 precedência da lei ou da primariedade da lei, que Gomes Canotilho considera um 
 dos instrumentos utilizados pela Constituição 'para restringir o amplo grau de 
 liberdade de conformação normativa da administração, pouco compatível com um 
 Estado de direito democrático' (cfr., Direito Constitucional, 5ª ed., Coimbra, 
 
 1991, pág. 924).
 
  
 
                              Colhe-se do confronto do nº 7 com o nº 6 do artigo 
 
 115º tratar-se de exigência a ser observada por todos os regulamentos, incluindo 
 assim os do Governo, os emanados dos órgãos de governo próprio das regiões 
 autónomas e os dos órgãos próprios das autarquias locais, pois que, de um de 
 outro modo estão todos ligados à lei que necessariamente precede cada um deles, 
 sendo que o papel dessa lei precedente não é sempre o mesmo, como se observa no 
 acórdão do Tribunal Constitucional nº 76/88 (publicado no Diário da República, I 
 Série, de 21 de Abril de 1988):  umas vezes a lei a referir é aquela que o 
 regulamento visa regulamentar  -  será o caso dos regulamentos de execução 
 stricto sensu ou dos regulamentos complementares  -  outras vezes a lei a 
 indicar é a que define a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão.
 
  
 
                              Visa-se com semelhante exigência, escrevem Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira, não só disciplinar o uso do poder regulamentar, 
 obrigando o Governo e a Administração a controlarem, em cada caso, a habilitação 
 legal de cada regulamento, mas também garantir 'a segurança e a transparência 
 jurídicas, sobretudo relevantes à luz da principiologia do Estado de direito 
 democrático' (cfr., Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., 
 Coimbra, 1993, pág. 516).
 
  
 
                              Não existe, assim, exercício de poder regulamentar 
 sem fundamento numa lei anterior (cfr., o acórdão deste Tribunal nº 184/89, 
 publicado no Diário da República, I Série, de 9 de Março de 1989).
 
  
 
                              Ora, a violação do dever de citação da lei 
 habilitante gera vício de inconstitucionalidade formal.
 
  
 
                              A jurisprudência do Tribunal Constitucional 
 mostra-se elucidativa, a este respeito:  a essa conclusão não chegou apenas o 
 citado acórdão nº 76/88 podendo citar-se, entre vários outros, os acórdãos nºs. 
 
 63/88, 307/88, 160/93 e 319/94, publicados no Diário da República, II Série, de 
 
 10 de Maio de 1988, I Série, de 21 de Janeiro de 1989 e II Série de 10 de Abril 
 de 1993 e de 3 de Agosto de 1994, respectivamente.
 
  
 
                              No caso do acórdão nº 160/93 tratava-se de 
 regulamento emanando por assembleia municipal no exercício das suas atribuições 
 mas nele não constava qualquer indicação da norma ou normas que definem a 
 competência subjectiva e objectiva para a sua emissão, o que levou o Tribunal a 
 concluir pela ilegitimidade constitucional do regulamento, em virtude de vício 
 de ordem formal  -  a não citação expressa e, portanto, a não individualização 
 do fundamento legal do regulamento.
 
  
 
                              E, ponderou-se, a inconstitucionalidade formal 
 manter-se-ia, em nome dos interesses protegidos pela exigência constitucional, 
 
 'ainda que se pudessem identificar, com elevado grau de probabilidade, as normas 
 das leis das autarquias locais que habilitaram o órgão autárquico a aprovar este 
 regulamento'.
 
  
 
  
 
       2.3.-    Quid juris no concreto caso?
 
  
 
                              Neste aspecto é evidente a deficiência que revela o 
 Regulamento de Resíduos Sólidos da Cidade de Lisboa, tornado público pelo Edital 
 nº 112/90, uma vez que a única referência ao seu suporte habilitante consta do 
 próprio corpo do seu artigo 1º onde se diz:
 
  
 
             'É da exclusiva responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa, nos 
 termos do nº 3 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 488/85, de 25 de Novembro, 
 planificar, organizar e promover a recolha, transporte, eliminação ou utilização 
 dos Resíduos Sólidos Urbanos produzidos no Município de Lisboa, bem como dos 
 detritos industriais e hospitalares que sejam passíveis dos mesmos processos de 
 eliminação'.
 
  
 
                              Ora, este diploma estabelece normas sobre os 
 resíduos sólidos e a norma que o regulamento expressamente cita comete às 
 câmaras municipais competência para, isoladamente ou em associações, definirem 
 
 (além do mais) os sistemas municipais destinados à remoção, tratamento e destino 
 final dos RSU produzidos nas suas áreas de jurisdição, elaborarem os respectivos 
 projectos, de acordo com critérios de protecção da saúde pública e do ambiente, 
 publicarem as posturas de recolha e transporte dos RSU e planificarem, 
 organizarem e promoverem a recolha, transporte, eliminação ou utilização dos RSU 
 produzidos nas suas áreas.
 
  
 
                              Consta, por sua vez, da acta da sessão 
 extraordinária da Assembleia Municipal, realizada em 17 de Maio de 1990, ter 
 esse órgão municipal aprovado por unanimidade 'o Regulamento dos Resíduos 
 Sólidos da Cidade de Lisboa e respectivas Normas Técnicas sobre os Sistemas de 
 Deposição de Resíduos Sólidos em Edifícios do Concelho de Lisboa, conforme 
 proposta noventa e um / noventa, enviada à sua apreciação pela Câmara Municipal 
 de Lisboa, ao abrigo do artigo trigésimo nono, número dois alínea a), do 
 Decreto-Lei cem / oitenta e quatro de vinte e nove de Março'.
 
  
 
                              Contém, assim, a mencionada acta, menção do suporte 
 habilitante imediato do regulamento, com expressa evocação da lei definidora da 
 competência subjectiva e objectiva para a sua emissão:  a citada norma do artigo 
 
 39º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 100/84, que atribui competência às 
 assembleias municipais para aprovação de posturas e regulamentos.
 
  
 
                              Estará satisfeita a exigência de identificação que, 
 em cada caso, passa não só pelo controlo da habilitação legal de cada 
 regulamento mas também pela garantia de segurança e transparência jurídicas (à 
 luz da aludida principiologia do Estado de direito democrático)?
 
                              É certo que a redacção do regulamento revela 
 incompleta consignação do seu fundamento legal, de modo a desde logo se 
 precisarem as normas que à assembleia municipal conferem competência para o 
 editar  -  ao invés do ocorrido com outros textos emanados do mesmo órgão quase 
 contemporaneamente, como é o caso, por exemplo, do Regulamento Geral de 
 Mobiliário Urbano e Ocupação da Via Pública, constante do Edital Camarário nº 
 
 101/91 (publicado no Diário Municipal de 16 de Abril de 1991) onde, não obstante 
 a omissão da matéria constitucional, logo se diz ter sido aprovado 'ao abrigo do 
 artigo 51º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, e nos termos dos artigos 
 
 51º, nº 3, alínea a), e 39º, nº 2, do citado diploma legal e artigo 21º da Lei 
 nº 1/87'.
 
  
 
                              No entanto, pensa-se que a menção contida logo no 
 artigo 1º do Regulamento e, bem assim, a mais completa, constante do livro das 
 actas da Assembleia Municipal  -  cujo acesso sem dúvida é facultado aos 
 destinatários das normas  -  respeitam minimamente o princípio da primariedade 
 da lei, informam da lei habilitante e, como tal, garantem os valores de 
 segurança e transparência que se pretendem acautelar.
 
  
 
                              Exactamente porque há um mínimo salvaguardado 
 suficientemente, o caso vertente não é reconduzível aos de regulamentos que este 
 Tribunal fulminou em atenção ao vício formal de que eram portadores  -  casos 
 paradigmáticos dos acórdãos nºs. 163/93 e 319/94, de ausência integral de 
 menções aos respectivos fundamentos legais.
 
  
 
                              Mas, sendo assim, importa conhecer do pedido.
 
  
 
  
 
       3.1.-    Este Tribunal já teve oportunidade, em numerosos arestos, de 
 abordar a questão de fundo, traçando a linha de demarcação das competências da 
 Assembleia da República e do Governo em matéria de ilícito de mera ordenação 
 social e respectivo processo.
 
  
 
                              O artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição 
 
 (versão de 1982) dispunha como segue:
 
  
 
 ' 1 - É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as 
 seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
 
             [...]
 d) Regime geral de punição [...] dos actos ilícitos de mera ordenação social 
 
 [...].'
 
  
 
                              Significa isto que o Governo só pode editar normas 
 que façam parte do regime geral das contra-ordenações, munido de autorização 
 legislativa. Mas pode legislar sem necessidade de autorização da Assembleia da 
 República fora desse regime geral - isto é, sobre tudo o que não seja a 
 definição da natureza do ilícito, dos tipos de sanções aplicáveis e dos 
 limites destas.
 
  
 
                              No Acórdão nº 56/84 deste Tribunal resumiram-se 
 assim as 'ideias conclusivas essenciais no que toca ao exercício do poder 
 legislativo pela Assembleia da República e pelo Governo em matéria de direito 
 sancionatório público', no domínio da versão da Constituição resultante da 
 primeira revisão constitucional (e que ainda hoje mantém plenamente a sua 
 validade, por não ter havido aí qualquer alteração na segunda revisão 
 constitucional):
 
  
 
             'É da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo 
 autorização ao Governo (e admitindo hipoteticamente a subsistência 
 constitucional da figura da contravenção):
 
  
 
              a)        Definir crimes e penas em sentido estrito, o que comporta 
 o poder de variar os elementos constitutivos do facto típico, de extinguir 
 modelos de crime, de desqualificá-los em contravenções e contra‑ordenações e de 
 alterar as penas previstas para os crimes no direito positivo;
 
  
 
              b)        Legislar sobre o regime geral de punição das 
 contra‑ordenações e contravenções e dos respectivos processos;
 
  
 
              c)        Definir contravenções puníveis com pena de prisão e 
 modificar o quantum desta.
 
  
 
  
 
  
 
             É da competência concorrente da Assembleia da República e do Governo 
 
 (e na mesma linha de hipotética sobrevivência constitucional do tipo 
 contravencional):
 
  
 
              a)        Definir, dentro dos limites do regime geral, 
 contravenções não puníveis com pena restritiva de liberdade e contra‑ordenações, 
 alterar e eliminar umas e outras e modificar a sua punição;
 
  
 
              b)        Desgraduar contravenções não puníveis com pena restritiva 
 de liberdade em contra‑ordenações, com respeito pelo quadro traçado pelo 
 Decreto‑Lei nº 433/82. [In Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3º vol., 1984, 
 p. 174 (sublinhados acrescentados)].'
 
                              Este Tribunal vem considerando integrar-se na 
 competência legislativa concorrente da Assembleia da República e do Governo a 
 criação ex novo de contra‑ordenações ou a conversão em contra‑ordenações de 
 anteriores contravenções puníveis com pena não restritiva de liberdade e, bem 
 assim, a fixação da respectiva punição.
 
  
 
                              Quanto a este último ponto, porém, tem-se entendido 
 que, sob pena de inconstitucionalidade, o Governo não pode ultraassar o regime 
 geral de punição fixado no Decreto-Lei nº 433/82, o que significa que não pode 
 fixar à coima um limite mínimo inferior nem um limite máximo superior aos 
 fixados no artigo 17º daquela lei-quadro. Pode, no entanto, fixar às coimas 
 limites mínimos superiores ou limites máximos inferiores aos fixados pelo 
 mencionado artigo 17º (cf., neste sentido, os Acórdãos deste Tribunal nºs. 
 
 305/89, 428/89, 324/90, 435/91, 447/91 e 314/92 - publicados no Diário da 
 República, 2ª série, de 12 de Junho e 15 de Setembro de 1989, 19 de Março de 
 
 1991, 24 de Abril de 1992, 1ª série de 11 de Janeiro de 1992 e 2ª série de 1 de 
 Março de 1993, respectivamente - e os Acórdãos nºs. 355/92, 385/93 e 424/93, 
 ainda inéditos).
 
  
 
                              O mesmo raciocínio é aplicável às coimas 
 estabelecidas pelas autarquias no âmbito dos seus poderes de normação, havendo 
 apenas que ter em conta (quanto ao limite máximo) o preceituado no artigo 21º da 
 Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro, atrás citado.  Esta norma de lei emanada da 
 Assembleia da República permite que as entidades com competência para emitirem 
 posturas e regulamentos de natureza genérica e de execução permanente ao nível 
 das autarquias locais fixem coimas, que podem variar, nos seus valores máximos e 
 respectivamente para as freguesias e para as posturas e regulamentos municipais, 
 até uma vez e dez vezes o salário mínimo nacional dos trabalhadores da 
 indústria, desde que estes valores não ultrapassem os montantes fixados pelo 
 Estado para contra-ordenações do mesmo tipo.
 
  
 
                              A coima prevista na norma do nº 4 do artigo 40º do 
 Regulamento de Resíduos Sólidos da Cidade de Lisboa, tem para o caso dos autos 
 uma moldura variável entre 40.000$00 e 100.000$00.
 
                              A decisão em recurso julgou a norma 
 inconstitucional e recusou parcialmente a sua aplicação, na medida em que fixava 
 um limite mínimo da coima superior ao montante mínimo do regime geral das 
 contra-ordenações.
 
  
 
                              Ora, estando em causa nos autos apenas o valor do 
 limite mínimo da coima, já se concluiu antes que só existe violação daquele 
 regime geral quando se fixa um montante mínimo da coima inferior ao mínimo 
 fixado no artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, na redacção do Decreto-Lei nº 
 
 356/89, de 17 de Outubro, que é de 500$00, quer se trate de pessoas singulares 
 quer de pessoas colectivas.
 
  
 
                              Assim sendo, é manifesto que não existe violação do 
 preceituado no artigo 168º, nº 1, alínea d) da Constituição.
 
  
 
  
 
  
 III
 
  
 
                              Em face do exposto, decide-se:
 
  
 
                                a)       não julgar inconstitucional a norma 
 constante do nº 4 do artigo 40º do Regulamento dos Resíduos Sólidos da Cidade 
 de Lisboa constante do Edital Camarário nº 112/90, publicado no Diário 
 Municipal de 28 de Dezembro de 1990, na parte em que fixa em 40.000$00 o limite 
 mínimo da coima aplicável à contra-ordenação consistente no despejo de entulhos 
 de construção civil em qualquer área pública do município prevista na alínea a) 
 do artigo 35º do mesmo diploma.
 
  
 
                                b)       consequentemente, revogar a decisão 
 recorrida, na parte impugnada.
 
  
 
                              Lisboa, 23 de Fevereiro de 1995
 
                              Ass) Alberto Tavares da Costa
 Armindo Ribeiro Mendes
 Antero Alves Monteiro Dinis
 José Manuel Cardoso da Costa