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Procº nº 368/94.         
 
 2ª Secção.
 Relator:- Consº BRAVO SERRA.
 
  
 
  
 I 
 
  
 
  
 
                         1. Tendo sido pela Direcção dos Serviços  de Educação e 
 Juventude do Governo de Macau enviado ao Tribunal de Contas desse Território, 
 para aposição de «Visto», o contrato além do quadro celebrado entre aquele 
 organismo e M...,  contrato esse que visava a prestação de funções, por parte 
 desta última, como técnica superior de 2ª classe do primeiro escalão da referida 
 Direcção de Serviços, foi aquele «Visto» concedido pelo Juiz da Secção de 
 Fiscalização Prévia, o que motivou que o Representante do Ministério Público 
 interpuzesse recurso para o Tribunal Colectivo que, por acórdão de 12 de Julho 
 de 1994, anulou a decisão proferida pelo aludido Juiz, em consequência recusando 
 o solicitado «Visto».
 
  
 
  
 
                         2. Para alcançar uma tal decisão por maioria recusou  o 
 Colectivo do Tribunal de Contas de Macau, por inconstitucionalidade orgânica e 
 material, a aplicação do artigo único do Decreto- -Lei de Macau nº 5/93/M, de 8 
 de Fevereiro, o que levou o Representante do Ministério Público junto daquele 
 
 órgão a interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
 
  
 
  
 
                         3. Aceite o recurso e determinada, já neste Tribunal, a 
 feitura de alegação, concluiu o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto aqui em funções a 
 por si produzida, e na qual defende que o presente recurso deferá ser 
 considerado procedente, do seguinte modo:-
 
  
 
            '1º - O regime estabelecido no artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M, 
 de 8 de Fevereiro, não inova no que se refere ao regime jurídico aplicável ao 
 pessoal dos quadros próprios do território de Macau, plasmado no Estatuto dos 
 Trabalhadores da Administração Pública de Macau (aprovado pelo Decreto-Lei nº 
 
 87/89/M, de 21 de Dezembro, no exercício da autorização legislativa constante da 
 Lei nº 9/ /89/M, de 23 de Outubro).
 
            2º - Na verdade, a norma constante daquele artigo único incide sobre 
 um aspecto específico da regulamentação do recrutamento de pessoal no exterior, 
 revogando parcialmente o nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 60/92/M, de 24 de 
 Agosto, ao estabelecer que a capaci- dade profissional dos agentes recrutados no 
 exterior não tem de obedecer aos condiciona- lismos previstos no artigo 13º, nº 
 
 1, dos Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pú- blica de Macau.
 
            3º - O estabelecimento da disciplina jurídica do recrutamento de 
 pessoal no exterior, mediante densificação e regulamentação da norma constante 
 do artigo 69º, nº 1, do Estatuto Orgânico de Macau, não se situa no âmbito da 
 competência legislativa reservada da Assembleia Legislativa de Macau, tendo, 
 aliás, o Decreto-Lei nº 60/92/M sido editado pelo Governador de Macau, no 
 exercício da sua competência legislativa própria.
 
            4º - Assim sendo, o esgotamento e caducidade da autorização 
 legislativa concedida pela Lei nº 9/88/M não pode implicar a 
 inconstitucionalidade orgânica da norma constante do re- ferido artigo único.
 
            5º - A diferenciação de regimes decorrente do artigo único do 
 Decreto-Lei nº 5/93/M não viola os princípios constitucionais da igualdade e da 
 não discriminação  do acesso à função pública, por na sua base se encontrar um 
 fundamento razoável, que constitui suporte material bastante do regime 
 instituído quanto à capacidade profissional dos agentes recruta- dos no 
 exterior.
 
            6º - Tal diferenciação é consentida pelos artigos 68º a 70º do 
 Estatuto Orgânico de Macau, que instituem uma diversidade de regimes e uma 
 tendencial estanquicidade entre os quadros do funcionalismo próprios do 
 território e os quadros dependentes dos órgãos de soberania e das autarquias da 
 República.
 
            7º - O recrutamento de pessoal no exterior, nos termos do artigo 69º, 
 nº 1, do Est tuto Orgânico de Macau e do estatuído no De- creto-Lei nº 60/92/M, 
 tem carácter excepcional e visa realizar um interesse público da Administração, 
 suprindo as carências do território em pessoal dotado das qualificações 
 necessárias ao cargo a prover.
 
            8º - O regime constante do citado artigo único do Decreto-Lei nº 
 
 5/93/M não implica tratamento discriminatório arbitrário e desrazoável para os 
 funcionários dos qudros próprios de Macau, prevendo a lei as formas e os 
 procedimentos adequados para voluntariamente poderem reingressar na função 
 pública'.
 
  
 
                         
 
                         Dada a circunstância de vários processos idênticos ao 
 presente terem já sido objecto de distribuição, por isso sendo já do 
 conhecimento dos Juízes deste Tribunal a questão que aqui haverá de tratar-se, 
 foram os «vistos» dos Juízes da Secção dispensados.
 
  
 II 
 
  
 
  
 
                         1. Uma primeira questão se poderá desde logo levantar, 
 qual seja a de saber se detem este Tribunal competência para conhecer dos 
 recursos interpostos de decisões da espécie da ora impugnada e por intermédio 
 dos quais se vise a fiscalização concreta da constitucionalidade de normas, 
 estando em causa uma decisão, emanada pelo Tribunal de Contas de Macau, para 
 cujo suporte foi decisiva a recusa de aplicação normativa fundada em razões de 
 desconformidade constitucional.
 
  
 
                         O inicial aspecto que, neste particular, se terá de 
 abordar, consiste, precisamente, em nos situarmos perante uma recusa de «Visto» 
 por parte de um Tribunal de Contas.
 
  
 
                         Ora, quanto a esse aspecto, já o Tribunal Constitucional 
 tomou posição no sentido de entender que o Tribunal de Contas, ao previamente 
 fiscalizar a legalidade  e cobertura orçamental dos documentos que acarretam 
 despesas para o Estado, estar a desempenhar 'uma função própria, típica, que lhe 
 está constitucionalmente cometida', constitutiva de 'uma verdadeira decisão 
 judicial' (cfr. Acórdãos números 214/90, in Diário da República, 2ª Série, de 17 
 de Setembro de 1990 e 251/90, sumariado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 
 
 399, 551).
 
  
 
                         Essa postura, quanto à natureza da decisão tomada pelo 
 Tribunal de Contas (o Tribunal de Contas da República - aliás o único existente 
 aquando da prolação dos citados arestos) quanto à mencionada fiscalização da 
 legalidade e da cobertura orçamental, em nada é de alterar pela circunstância de 
 nos postarmos aqui perante o Tribunal de Contas de Macau instituído pelo artº 
 
 10º da Lei nº 112/91, de 20 de Agosto, já que as funções a ele cometidas por 
 aquele normativo quanto à jurisdição e poderes de controlo financeiro no âmbito 
 da ordem jurídica de Macau e, mais concretamente, no que tange ao «Visto», são 
 idênticas às cometidas ao Tribunal de Contas da República, desta arte se não 
 divisando motivos para entender como não se tratando de uma decisão judicial 
 aquela que incide sobre a concessão ou recusa de «Visto».
 
  
 
  
 
                         2. Um outro aspecto, esse mais amplo, do particular de 
 que ora curamos, prende-se, obviamente, com a questão de saber se, aceite 
 tratar-se de uma decisão judicial, é possível a respectiva impugnação, com vista 
 ao controlo da constitucionalidade de normas, por intermédio de recurso para o 
 Tribunal Constitucional.
 
  
 
                         A resposta a uma tal questão deve ser de conteúdo 
 positivo, mormente se se tiver em consideração o que se encontra prescrito nas 
 disposições conjugadas dos artigos 292º da Constituição, 2º, 11º, nº 1, alínea 
 e), 15º, nº 2, segunda parte, 30º, nº 1, alínea a), 40º, nº 3, e 41º, estes do 
 Estatuto Orgânico de Macau aprovado pela Lei nº 13/90, de 10 de Maio, 11º e 34º 
 da Lei nº 112/91, de 29 de Agosto, e 3º do Decreto-Lei de Macau nº 17/92/M, de 2 
 de Março.
 
  
 
                         Na realidade, muito embora seja sabido que Macau não faz 
 parte integrante de Portugal (é, de facto, um território que, por enquanto, se 
 mantém sob administração portuguesa - cfr. o que se estatuía no nº 4 do artigo 
 
 5º da versão originária da Constituição e hoje se comanda no nº 1 do artigo 292º 
 da vigente versão - pelo que, utilizando as palavras de Afonso Queiró in Lições 
 de Direito Administrativo, 1976, 378, se há-de considerar como um Ausland),  
 possuindo assim uma organização político-administrativa própria não regulada 
 pela Constituição (já que essa organização foi integralmente remetida para um 
 específico estatuto), e que, em consequência, apresenta aquilo que Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira («A Fiscalização da Constitucionalidade das Normas em 
 Macau», Separata ao nº 48º da Revista do Ministério Público) designam por 
 
 «dualismo constitucional» e «ordenamental» (cfr., sobre o ponto, o Acórdão deste 
 Tribunal nº 245/90 publicado na 2ª Série do Diário da República de 22 de Janeiro 
 de 1991), o que é certo é que daquela dualidade normativa (cfr., sobre a 
 necessidade de, em primeira linha, se pesquisar no Estatuto Orgânico de Macau o 
 regime, não só da produção de normas jurídicas, mas também do respectivo 
 controlo, o Acórdão nº 292/91, publicado na 2ª Série do jornal oficial de 30 de 
 Outubro de 1991),  - maxime das acima citadas disposições, onde avulta a do artº 
 
 11º da Lei nº 112/91 - resulta que, ao menos enquanto não for tomada a 
 determinação a que se reporta o artº 75º do mencionado Estatuto, poderá 
 recorrer-se directamente para o Tribunal Constitucional das decisões lavradas 
 pelos tribunais pertencentes à organização judiciária de Macau e que recusaram, 
 com base em inconstitucionalidade, a aplicação de nomas, ou que as aplicaram 
 muito embora aquela inconstitucionali dade tivesse sido, durante o processo, 
 questionada por uma «parte».
 
  
 
                         2.1. A esta conclusão, por outro lado, não obsta o 
 estatuído nos artigos 10º, nº 6, da Lei nº 112/91 e 46º, nº 2, e 49º, nº 4, do 
 Decreto-Lei de Macau nº 19/92/M, de 2 de Março, tendo em conta o que se comanda 
 no artº 11º daquela mesma Lei, já que, quanto às decisões de outros tribunais, 
 que desaplicaram, com fundamento de inconstitucionalidade, determinada norma, 
 sempre pode haver recurso directo para o Tribunal Constitucional, 
 independentemente de essas decisões poderem comportar recurso ordinário, não se 
 vendo que, da circunstância de se tratar de um Tribunal de Contas, sejam 
 extraíveis argumentos que imponham a adopção de um outro sistema impositor de um 
 recurso prévio para o Tribunal de Contas da República, quando a recusa de 
 
 «Visto» se fundar na não aplicação, baseada num juízo de desconformidade 
 constitucional, de certa norma.
 
  
 
                         
 
                         2.2. Questão diversa das acima colocadas é, ainda, a de 
 saber se, estando equacionada a ofensa - por um preceito oriundo do poder 
 normativo próprio do Território de Macau - às normas, constantes do respectivo 
 Estatuto Orgânico, reguladoras da competência própria dos órgãos que detêm tal 
 poder, é possível ao Tribunal Constitucional proceder à análise do problema por 
 intermédio de um recurso de fiscalização concreta.
 
  
 
                         A uma tal questão responde o Tribunal afirmativamente.
 
  
 
                         E fá-lo, precisamente, pela circunstância de se não 
 afigurar curial que tivesse o legislador desejado cometer ao Tribunal 
 Constitucional competência para apreciar em abstracto a ilegalidade de quaisquer 
 normas dimanadas da Assembleia Legislativa ou do Governador [cfr. alínea e) do 
 nº 1 do artigo 11º,  alínea a) do nº 1 do artigo 30º e nº 3 do artigo 40º, todos 
 do Estatuto Orgânico de Macau], mas já não quizesse que tal tarefa lhe fosse 
 cometida quando, por uma decisão jurisdicional, foi recusada aplicação de uma 
 qualquer dessas normas com base, justamente, na existência de um descortinado 
 vício desse jaez.
 
  
 
                         Em suma, e no particular de que nos ocupamos, nada obsta 
 ao conhecimento do mérito do recurso.
 
  
 
  
 III 
 
  
 
  
 
                         1. Por intermédio do diploma em que se insere a norma 
 recusada aplicar pelo Tribunal de Contas de Macau na decisão sub judicio, 
 pretendeu-se, como ressalta do respectivo exórdio, 'esclarecer o alcance e 
 
 âmbito da aplicação' da prescrição contida no nº 1 do artº 13º do Estatuto dos 
 Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei de 
 Macau nº 87/89/M, de 21 de Dezembro, pois que, explicitou-se nesse exórdio, 
 tinham 'surgido dúvidas e interpretações divergentes, no tocante ao universo 
 pessoal de aplicação das normas atinentes à capacidade para o exercício de 
 funções públicas no território de Macau'
 
  
 
                         A norma referida no preâmbulo do D.L. de Macau nº 5/93/M 
 e que, por intermédio deste, foi pretendida esclarecer [ou seja, a norma do nº 1 
 do artº 13º do E.T.A.P.M. - e no momento só releva a sua alínea a)] proíbe o 
 desempenho das funções públicas no Território de Macau por parte dos 
 
 'funcionários na situação de licença sem vencimento de curta ou longa duração ou 
 por interesse público ou que hajam requerido a passagem a uma destas situações' 
 
 (cfr. a excepção consagrada para os funcionários aposentados dos quadros 
 próprios dos organismos dos serviços públicos de Macau, aos quais, a título 
 excepcional, é consentido o exercício de funções a título de assalariamento - 
 artº 268º do E.T.A.P.M.).
 
  
 
                         Ora, tendo em conta que o artigo único do D.L. de Macau 
 nº 5/93/M prescreve que '[a]s situações constituídas no âmbito dos quadros 
 dependentes dos órgãos de soberenia ou das autarquias da República Portuguesa, 
 nomeadamente de licença de curta ou longa duração, licença ilimitada, 
 aposentação, reforma ou reserva não constituem incapacidade para o exercício de 
 funções públicas no território de Macau, em qualquer dos regimes previstos no 
 Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo 
 Decreto-Lei nº 87/89/M, de 21 de Dezembro', torna-se claro que a interpretação 
 pretendida fazer por esse preceito foi no sentido de a incapacidade estatuída na 
 alínea a) do nº 1 do artº 13º do E.T.A.P.M. apenas se reportar aos funcionários 
 que pertençam aos quadros do Território de Macau.
 
  
 
  
 
                         2. A decisão sob censura, estribando-se numa outra 
 decisão do Tribunal de Contas de Macau, datada de 28 de Setembro de 1993, para 
 cujos fundamentos remeteu e cuja cópia se encontra junta aos autos, entendeu 
 que, sendo nítido ter o nº 1 do artº 13º vocação de aplicação a todos os 
 funcionários públicos, independentemente de se saber de onde eram oriundos, 
 então haveria de concluir-se que  o artº único do D.L. de Macau nº 5/93/M 
 procedeu a uma alteração da disciplina contida naquele primeiro normativo, ou 
 seja, veio ''abrir' aos quadros dependentes da República a possibilidade de 
 exercerem no Território funções públicas em situações que não são permitidas nos 
 quadros locais' (palavras da decisão de 28 de Setembro de 1993).  Mas, continua 
 o raciocínio da decisão recorrida, como se trata de um diploma emanado do 
 Governador de Macau e não da respectiva Assembleia Legislativa, não competindo 
 
 àquele, nos termos do Estatuto Orgânico de Macau, sem autorização do dito órgão 
 parlamentar, legislar sobre a matéria, e como, no caso, não lhe foi concedida 
 credencial legislativa, então haveria de ser-se conduzido à conclusão de que o 
 aludido D.L. de Macau nº 5/93/M enfermava de «inconstitucionalidade orgânica».
 
  
 
                         Será que colhe o raciocínio que, neste ponto, foi 
 adoptado na decisão impugnada?
 
  
 
                         Para dar resposta a esta questão, claro é que, de uma 
 parte, se terá de saber se o artigo único do D.L. de Macau nº 5/  /93/M, 
 independentemente do que se contêm no seu relatório preambular, é, em 
 substância, uma norma interpretativa do nº 1 do artº 13º do E.T.A.P.M. ou, 
 antes, algo que contém disciplina inovadora e, de outra, se a matéria de que 
 trata se inscreve na competência reservada da Assembleia Legislativa de Macau.
 
  
 
  
 
                         2.1. Tendo em conta o que se dispunha na alínea e) do nº 
 
 1 do artº 31º do Estatuto Orgânico de Macau aprovado pela Lei nº 1/76, de 17 de 
 Fevereiro, competia à Assembleia Legislativa de Macau a criação de 'novas 
 categorias ou designações funcionais ou alterar as tabelas' (cfr. Rectificação 
 publicada na 1ª Série do Diário da República de 20 de Março de 1976) que 
 definiam 'aquelas categorias e fixar os vencimentos, salários e outras formas de 
 remuneração do pessoal dos quadros' [com as alterações introduzidas pela Lei nº 
 
 13/90, de 10 de Maio, continua a persistir idêntico preceito - cfr. artº 31º, nº 
 
 1, alínea q)], pelo que, para que o Governador de Macau pudesse legislar em 
 matéria de estatuto de pessoal dos quadros próprios dos serviços públicos do 
 Território, haveria, como hoje haverá, de munir-se da cabida autorização 
 legislativa (cfr. artº 31º, nº 2, da primitiva versão do Estatuto Orgânico de 
 Macau e artº 31º, nº 3, da vigente versão).
 
  
 
                         Por isso mesmo o E.T.A.P.M. foi editado através de um 
 diploma emanado do Governador de Macau (o já referido D.L. de Macau nº 87/89/M) 
 que, para tanto, se encontrava munido de uma autorização legislativa, 
 precisamente concedida pela Lei nº 9/89/ /M, de 23 de Outubro.
 
  
 
                         Estatuto esse que, como limpidamente transparece do seu 
 artº 1º, unicamente pode aplicar-se ao pessoal dos quadros próprios do serviços 
 públicos de Macau, sendo que nem de outro modo se pode conceber se se atentar no 
 artº 68º do Estatuto Orgânico de Macau.  Consequentemente, não pode ser 
 defendido com coerência que o E.T.A.P.M. tem vocação para ser aplicado ao 
 
 'pessoal dos quadros dependentes dos órgãos de soberania ou das autarquias da 
 República', já que deste trata o artº 69º do Estatuto Orgânico de Macau, ao qual 
 confere uma disciplina base específica.
 
  
 
                         Pois bem:- Tratando-se de pessoal oriundo do ou 
 recrutado no «exterior» (cfr. terminologia usada nos Decretos-Leis de Macau 
 números 53/89/M, de 28 de Agosto, e  60/92/M, de 24 de Agosto), com a permissão 
 advinda do artº 69º do Estatuto Orgânico de Macau, o regime a que o mesmo há-de 
 obedecer já se não insere na competência relativa da Assembleia Legislativa de 
 Macau (que, como se viu, se reporta ao estatuto do pessoal dos quadros próprios 
 dos serviços públicos do Território), cabendo, por isso, na competência 
 legislativa própria do Governador de Macau.
 
  
 
                         De harmonia com o estatuído no nº 1 do artº 13º do D.L. 
 de Macau nº 60/92/M, diploma hoje regulador do recrutamento do pessoal a que se 
 refere o artº 69º do Estatuto Orgânico de Macau (isto é, o pessoal dos quadros 
 dependentes dos órgãos de soberania ou das autarquias da República que se 
 prestem ao desempenho de funções, por tempo determinado, nos serviços e 
 organismos públicos do Território de Macau) ao mesmo são, de forma supletiva, 
 aplicáveis as incapacidades previstas no artº 13º do E.T.A.P.M.
 
  
 
                         Simplesmente, inserindo-se na esfera da competência 
 legislativa do Governador de Macau a edição de normação regente do pessoal 
 recrutado no «exterior», em qualquer altura poderia ele, sem vício de 
 
 «inconstitucionalidade orgânica» (recte, sem infracção das regras definidoras da 
 competência dos órgãos legislativos do Território de Macau), editar legislação 
 que alterasse a matéria pertinente às incapacidades desse pessoal para o 
 exercício de funções públicas nos serviços e organismos do Território.
 
  
 
                         Sendo isto assim, poder-se-á sublinhar que o artigo 
 
 único do D.L. de Macau nº 5/93/M não se configura, substancialmente, como uma 
 lei interpretativa, mas sim como a estatuição de uma alteração ao regime 
 anteriormente existente (regime esse que, antes do D.L. de Macau nº 60/92/M, 
 constava do já citado D.L. de Macau nº 53/89/M, sendo que interessa aqui chamar 
 
 à colação o que preceituava o nº 4 do artº 7º do Decreto-  -Lei de Macau nº 
 
 86/84/M, de 11 de Agosto, e a nova redacção dada pelo Decreto-Lei de Macau nº 
 
 15/88/M, de 29 de Fevereiro, este último revogado pelo Decreto-Lei de Macau nº 
 
 87/89/M, aprovador do E.T.A.P.M.).
 
                         
 
                         Não obstante, e como acima se concluiu, isso não inquina 
 aquela disposição do vício de desconformidade com as normas reguladoras da 
 competência dos órgãos dotados de poder legislativo no Território de  Macau, já 
 que dispunha o Governador de competência legislativa própria para efectuar essa 
 alteração.
 
  
 
  
 
                         3. Todavia, a decisão sobre recurso, no que concerne à 
 desaplicação do normativo em causa, não se quedou pelo vício acima indicado, 
 porquanto detectou que o mesmo padecia ainda de inconstitucionalidade material 
 por violação do princípio da igualdade na sua vertente de igualdade no acesso à 
 função pública. E isso porque, de acordo com o entendimento dos Juízes 
 vencedores, a discriminação consagrada pelo artigo único do D.L. de Macau nº 
 
 5/93/M, que favorece o pessoal recrutado do «exterior» (no respeitante às 
 incapacidades para desempenho de funções nos serviços e organismos públicos do 
 Território de Macau) se baseava 'apenas na diferença do território de origem dos 
 quadros em presença' (palavras da decisão de 28 de Setembro de 1993).
 
  
 
                         Como é sabido, o princípio da igualdade não aponta no 
 sentido de que igualdade corresponda a igualitarismo, antes correspondendo a uma 
 igualdade proporcional, ou seja, exige que se tratem por igual situações 
 substancialmente iguais, e que situações substancialmente dissemelhantes sofram 
 diverso tratamento, embora proporcionadamente diferente.
 
  
 
                         Sequentemente, no equacionamento desta questão, haverá 
 que saber se, efectivamente, se poderá dizer que são idênticas as situações que 
 conduzem ao recrutamento do pessoal dos quadros próprios dos organismos do 
 serviço público do Território de Macau e ao recrutamento do pessoal do 
 
 «exterior».
 
  
 
                         A resposta afigura-se-nos clara.
 
  
 
                         3.1. Desde logo, não se pode passar em claro que é o 
 próprio Estatuto Orgânico de Macau que prevê uma dualidade de pessoal - o dos 
 serviços públicos dos quadros próprios do Território e o dos quadros dependentes 
 dos órgãos de soberania ou das autarquias da República -, pelo que este Diploma 
 Fundamental entendeu não sujeitar a um único sistema o pessoal que preste 
 serviço nos organismos dos serviços públicos de Macau.
 
  
 
                         Depois, e como se torna nítido do próprio regime 
 regulador do pessoal recrutado do «exterior» (hoje o D.L. de Macau nº 60/92/M), 
 a ele se deve recorrer a título excepcional, sendo o respectivo número 
 contingentado e tendo a prestação de serviço duração limitada, tudo com vista a 
 
 'suprir as carências do território de pessoal com qualificações necessárias ao 
 desempenho das atribuições que incumbem à Administração',  (cfr. artigos 3º e 
 
 7º).
 
  
 
                         Este desiderato de supressão das carências do Território 
 quanto a pessoal devidamente qualificado, a fim de prover à satisfação da 
 necessidades da Administração que, por recurso unicamente aos seus quadros 
 próprios, não conseguiria, aditado à circunstância de tal pessoal deter essa 
 qualificação, só por si aponta, sem que grandes dúvidas a esse respeito se 
 possam levantar, para que se não possa falar de uma substancial identidade de 
 situações no que toca ao recrutamento de pessoal de um e de outro dos quadros, 
 pois que justamente não são ambos portadores dos mesmos requisitos 
 técnico-profissionais.
 
  
 
                         E, não havendo substancial identidade de situações, é 
 legítimo, do ponto de vista constitucional e nos termos acima avançados, o 
 estabelecimento de uma diferenciação de regimes tal como o consagrado pela norma 
 em apreço que, desta sorte, não afronta o princípio da igualdade plasmado no 
 artigo 13º da Lei Básica.
 
  
 
  
 IV 
 
  
 
  
 
                         Em face do exposto, concedendo provimento ao recurso, 
 determina-se a revogação do acórdão impugnado, determinando-se a respectiva 
 reforma de harmonia com o precedente juízo tomado sobre a questão de 
 constitucionalidade.
 Lisboa, 21 de Fevereiro de 1995
 Bravo Serra
 Fernando Alves Correia
 Messias Bento
 Luis Nunes de Almeida
 Guilherme da Fonseca
 José Manuel Cardoso da Costa