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Procº nº 800/93.         
 
 2ª Secção.
 Relator:- Consº BRAVO SERRA.
 
  
 I 
 
  
 
  
 
                         1. Em 19 de Março de 1993 foi levantado por um guarda da 
 Divisão de Trânsito de Lisboa da Polícia de Segurança Pública um auto de 
 transgressão por intermédio do qual se imputava a  M...o cometimento de uma 
 infracção ao disposto no nº 7 do artº 14º do Código da Estrada.
 
  
 
                         Como a transgressora não tivesse pago voluntariamente a 
 multa correspondente àquela infracção, foi tal auto remetido ao Tribunal de 
 Polícia de Lisboa e aí, porque não foi possível efectuar a notificação da mesma, 
 o respectivo Juiz, por despacho de 2 de Dezembro de 1992, designou dia para a 
 realização da audiência, sem intervenção da M..., nomeando-lhe, desde logo, um 
 defensor oficioso, o que fez invocando o artº 11º, nº 2, do Decreto-Lei nº 
 
 17/91, de 10 de Janeiro.
 
  
 
  
 
                         2. Na citada audiência, a representante do Ministério 
 Público, invocando o 'disposto no art. 120º, nº 3, al. d) do C.P.P.', arguiu a 
 nulidade do despacho que designou dia para julgamento, uma vez que houve, 
 
 'posteriormente ao recebimento do auto de notícia, omissão de diligências 
 essenciais para a localização e subsequente notificação do arguido'.
 
  
 
                         Essa arguição foi indeferida, tendo sido lavrada 
 sentença condenatória da transgressora .
 
  
 
  
 
                         3. Dessa peça processual recorreu para o Tribunal da 
 Relação a aludida representante que, na respectiva motivação, continuou a 
 defender que, no caso, foi cometida a nulidade constante do artº 120º, nº 2, 
 alínea d), do Código de Processo Penal, já que se omitiram diligências com vista 
 a apurar do paradeiro da transgressora e, em consequência, a obter a sua 
 notificação para comparacer em julgamento.
 
  
 
  
 
                         4. A Relação de Lisboa, por acórdão de 7 de Julho de 
 
 1993, concedeu provimento ao recurso.
 
  
 
                         Para alcançar uma tal decisão, foi expendido em tal 
 aresto:-
 
  
 
            '........................................
 
            No caso 'sub judice' o M.mo Juiz 'a quo' marcou julgamento nos termos 
 do art. 11º nº 2 do D.L. 17/91 citado, não tendo havido diligências profícuas 
 para a localização e subsequente notificação do arguido.
 
 .............................................. 
 
            Sem embargo de, no caso 'sub judice', efectivamente se ter omitido 
 diligências essenciais para a localização e notificação do arguido e 
 consequentemente para a descoberta da verdade, a verdade é que o art. 11º nº 2 
 do C.P.P [querer-se-ia dizer, certamente, do D.L. nº 17/91] colide frontalmente 
 com o art. 32º da Constituição da República Portuguesa e art. 61º nº 1 a) do 
 C.P.P.
 
 .............................................. 
 
            Ora no caso 'sub judice' o julgamento foi marcado nos termos do art. 
 
 11º nº 2, como se disse, não tendo sido assim respeitado as garantias de defesa 
 que o art. 32º nº 1 da Constituição e 61º nº 1 a) do CPP ao arguido conferem.
 
            E isto porque, como também já se disse, o art. 11º nº 2 infringe 
 princípios constitucionais, além de princípios adjectivos penais.
 
            O que acarreta a inconstitucionalidade do art. 11º nº 2 citado.
 
            Conforme Acordão desta secção no P. nº 4829, : 'O legislador ao 
 consagrar a possibilidade do arguido ser julgado, sem ter sido notificado para o 
 respectivo julgamento, quando tal notificação não for possível, conduz-nos para 
 um campo de grande insegurança, com graves consequências daqui resultantes para 
 os cidadãos em geral. A primeira questão que nos é posta, consiste em saber 
 quando é que se poderá afirmar, sem grandes dúvidas, que não foi possível 
 notificar o arguido. Bastará uma simples dili- gência do Juiz, para que dela se 
 conclua que não é possível notificar o arguido, ou será necessário a realização 
 de meia dúzia delas?
 
            Procurou-se a celeridade processual em prejuízo dos direitos dos 
 cidadãos de poderem defender-se perante os Tribunais, quer comparecendo 
 pessoalmente, quer escolhendo os seus defensores, violando-se, deste modo, o 
 consagrado na lei Fundamental, no seu art. 32º'.
 
            Foi o que aconteceu, no caso ora em apreço, um arguido julgado e 
 condenado sem ter sido notificado para o julgamento, com a agravante de não ter 
 sido diligenciado proficientemente pela sua localização tendente à sua 
 notificação.
 
            Assim para além da nulidade cometida do art. 120º nº 2 do CPP que 
 invalida o despacho que designa dia para julgamento e consequente- mente a 
 sentença, o que se declara, acordam ainda em julgar inconstitucional o nº 2 do 
 art. 11º do D.L. nº 17/91 de 10 de Janeiro....
 
 .............................................' 
 
  
 
  
 
  
 
                         5. A Procuradora da República junta da Relação de Lisboa 
 solicitou a aclaração do acórdão de que acima se encontra transcrita uma parte, 
 tendo, em 16 de Novembro de 1993, sido lavrado novo aresto com o seguinte teor:-
 
  
 
            'Em esclarecimento, acordam, em virtude da declaração de 
 inconstitucionalidade do nº 2 do art. 11º do D.L. nº 17/91 de 10 de Janeiro, 
 constante do acordão de fls. 27, não aplicar a referida norma'.
 
  
 
  
 
  
 
                         6. Do acórdão prolatado em 7 de Julho de 1993, 
 esclarecido pelo proferido em 16 de Novembro do mesmo ano, recorreu para o 
 Tribunal Constitucional a mencionada Procuradora da República, tendo o Ex.mo 
 Procurador-Geral Adjunto aqui em funções apresentado alegação na qual concluiu, 
 de um lado, não ser 'inconstitucional, por violação das garantias de defesa, 
 consagradas no artigo 32º, nº 1 , da Constituição, a norma constante do nº 2 do 
 artigo 11º do Decreto-Lei nº 17/91, de 10 de Janeiro, interpretada como 
 possibilitando o julgamento do arguido (e o prosseguimento do processo até final 
 sem necessidade da sua intervenção) sem que o mesmo tenha sido notificado da 
 data do julgamento, quando se tiverem esgotado as possibilidades práticas de 
 localização da sua residência';
 
  
 
                         e, de outro, que, no caso, tendo 'o Tribunal da Relação 
 anulado o despacho que designou dia para julgamento, ao abrigo da norma 
 impugnada, nos termos do artigo 120º, nº 2, alínea d), do Código de Processo 
 Penal', passava 'a carecer de relevância a questão de inconstitucionalidade 
 normativa lateralmente dirimida', o que conduzia 'à inutilidade do presente 
 recurso de constitucionalidade'.
 
  
 
  
 II 
 
  
 
  
 
                         1. Passemos, em primeiro lugar, a analisar a questão 
 prévia suscitada pelo recorrente, ou seja, a questão de saber se a desaplicação 
 normativa operada pelo acórdão impugnado não teve, in casu, qualquer relevância 
 na decisão ali tomada, o que vale por dizer que essa desaplicação mais não 
 passaria do que um mero obiter dictum.
 
  
 
  
 
                         1.2. Não se nega que no acórdão prolatado na Relação de 
 Lisboa, como se viu, foi dito que o despacho proferido pelo Juiz do Tribunal de 
 Polícia de Lisboa, a designar dia para a realização da audiência de julgamento, 
 era nulo, visto que não foi proficientemente diligenciado no sentido da 
 localização do paradeiro da transgressora, tendo em conta a efectivação da 
 respectiva notificação.
 
  
 
                         Mas, de outra banda, facilmente se extrai do discurso 
 utilizado naquele aresto que, ainda que no presente caso fossem realizadas as 
 diligências consideráveis necessariamente adequadas à localização da 
 transgressora, se porventura essa localização não fosse possível, mesmo assim 
 não deveria ter sido designado dia para a realização da audiência de julgamento, 
 precisamente pela circunstância de a norma ínsita no nº 2 do artº 11º do D.L. nº 
 
 17//91, permissora dessa realização sem que o arguido disso tenha conhecimento, 
 ofender as garantias de defesa consagradas no nº 1 do artigo 32º da 
 Constituição.
 
  
 
                         Só assim, na verdade, é entendível o emprego, no acórdão 
 sob censura, das expressões 'Sem embargo de..., efectivamente se ter omitido 
 diligências essenciais para a localização e notificação do arguido', 'no caso 
 sub judice o julgamento foi marcado nos termos do art. 11º nº 2...não tendo sido 
 assim respeitado as garantias de defesa que o art. 32º nº 1 da Constituição', 
 
 'Foi o que aconteceu, no caso ora em apreço, um arguido julgado e condenado sem 
 ter sido notificado para o julgamento, com a agravante de não ter sido 
 diligenciado proficientemente pela sua localização tendente à sua notificação e 
 
 'Assim, para além da nulidade cometida do art. 120º nº 2 do CPP'; e isto para 
 além de, expressamente, na sequência de pedido de aclaração adrede formulado, a 
 Relação de Lisboa ter esclarecido que, no aclarando acórdão, recusou a aplicação 
 da norma sub specie constitucionis.
 
  
 
  
 
                         1.3. Significa isto, no fundo, que, mesmo entendendo que 
 um dos fundamentos do provimento do recurso interposto da decisão proferida na 
 
 1ª instância foi precisamente a consideração de ser nulo o despacho que designou 
 dia para a realização da audiência de julgamento, face à circunstância de se não 
 terem realizado todas as diligências que ao caso seriam cabidas com a finalidade 
 de obter a localização do paradeiro da transgressora e a subsequente obtenção da 
 sua notificação, o que não deixa de ser certo é que, igualmente, outro dos 
 fundamentos residiu, em verdade, na desaplicação da referida norma.
 
  
 
                         Ora, como este Tribunal já decidiu, entre outros, no seu 
 Acórdão nº 332/90 (publicado na 2ª Série do Diário da República de 19 de Março 
 de 1991), há interesse jurídico relevante no conhecimento da questão de 
 constitucionalidade sempre que esta matéria constituir um dos fundamentos 
 determinantes da decisão em recurso, ainda que essa decisão fique inalterada 
 pela subsistência de outro ou outros fundamentos.
 
  
 
  
 
                         2. Assim sendo, e porque a recusa de aplicação normativa 
 levada a cabo no acórdão recorrido não pode ser perspectivada como um mero 
 obiter dictum, decide-se, neste particular, não dar atendimento à questão prévia 
 suscitada pelo recorrente, em consequência se passando ao conhecimento do 
 objecto do recurso.
 
  
 
  
 III 
 
  
 
  
 
                         1. O artigo em que se insere a norma em causa tem o 
 seguinte teor:-
 
  
 Artigo 11.º
 
  
 Designação da data do julgamento
 
  
 
            1 - O arguido é notificado da data do julgamento com, pelo menos, 10 
 dias de antecedência e, conjuntamente, do objecto da acusação e de que deve 
 apresentar a sua defesa em audiência, podendo, ainda, em casos devidamente 
 justificados, requerer a comparência do participante, a qual é obrigatória.
 
            2 - Se não for possível notificar o arguido nos termos do número 
 anterior, o juiz nomeia-lhe defensor, a quem é feita a notificação, prosseguindo 
 o processo até final sem necessidade de intervenção do arguido.
 
            3 - Não é obrigatória a presença do arguido em julgamento, se a 
 infracção for punível unicamente com pena de multa, podendo fazer-se representar 
 por advogado e nomeando-lhe o juiz defensor caso o não tenha constituído.
 
             4 - Nos casos em que é obrigatória a comparência do arguido em 
 julgamento, se este, notificado, faltar, é designada nova data, sendo, nesta, 
 caso falte de novo, representado por defensor oficioso e julgado como se 
 estivesse presente.
 
            5 - A notificação para a audiência adiada é feita sob cominação de 
 que, em caso de não comparecimento, o arguido é representado por defensor e 
 julgado como se estivesse presente.
 
             6 - Se o julgamento for adiado por falta do arguido, a 
 responsabilidade pelas custas é agravada.
 
  
 
  
 
                         2. De harmonia com a decisão sob recurso, a norma ora em 
 apreciação, ao permitir a realização do julgamento sem a presença do arguido, 
 viola as garantias de defesa consagradas no nº 1 do artigo 32º da Constituição.
 
                         Será efectivamente assim?
 
  
 
                         É o que se irá analisar.
 
  
 
  
 
                         3. No domínio do processo criminal aplicável ao 
 julgamento das transgressões (e bem assim nos processos sumários) e numa ocasião 
 em que o regiam os preceitos constantes do Decreto--Lei nº 35.007, de 13 de 
 Outubro de 1945 (cfr. seu artº 49º, terceiro trecho), teve este Tribunal, por 
 mais de uma vez, ocasião de se debruçar sobre a compatibilidade constitucional 
 da norma que permitia a efectivação do julgamento do arguido notificado 
 editalmente para esse acto e sem que ao mesmo fosse nomeado defensor oficioso, a 
 menos que ele o solicitasse ou houvesse lugar à aplicação de medidas de 
 segurança.  Aquele debruçar culminou com a emissão do seu Acórdão nº 49/86 
 
 (publicado na 1ª Série do Diário da República de 1 de Abril de 1986), que veio a 
 declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da aludida 
 estatuição, no indicado segmento.
 
  
 
                         Claro que o que estava em causa, em primeira linha, na 
 norma então sujeita a apreciação, era a possibilidade de realização de 
 julgamento sem assistência de um defensor, direito que, no fundo, tal como foi 
 entendido, constituía uma 'dimensão formal do direito de defesa' garantido 
 constitucionalmente, ou 'um instrumento processual para garantir a substância de 
 um tal direito fundamental do arguido'.
 
  
 
  
 
                         3.1. Não se deixou, porém, nesse Acórdão e noutros que, 
 antecedentemente, foram prolatados (cfr., verbi gratia, Acórdãos números 148/85, 
 
  193/85, 196/85, 203/85, 308/85, 37/86, e 77/86, respectivamente em Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 6º Volume, 331 a 338, Diário da República, 2ª Série, de 
 
 10 de Fevereiro de 1986, Acórdãos... e vol. citados, 505 a 510, idem, 541 a 545, 
 Acórdãos..., 7º Vol., 561 a 563 e idem, 681 a 686), de fazer uma excursão sobre 
 a necessidade de audição do arguido, o que implicava que ele estivesse presente 
 na audiência, necessidade essa que, verdadeiramente, consubstanciava a 
 oportunidade de se lhe conferir uma influenciação no processo e no respectivo 
 resultado, como concretização do 'dever jurídico geral do Estado de salvaguardar 
 a dignidade humana, na sua expressão concreta de dever assegurar a garantia de 
 ser ouvido, e na garantia de um processo 'leal', de acordo com o princípio da 
 
 'igualdade de armas'' (citação de Karl-Heinz Gössel, in Boletim da Faculdade de 
 Direito, vol. LIX, 242 e segs., «A posição do defensor no processo penal de um 
 Estado de direito», feita no mencionado Acórdão nº 49//86).
 
  
 
                         Igualmente nos Acórdãos números 394/89 e 212/93 (Diário 
 da República, 2ª Série, de 14 de Setembro de 1989 e de 1 de Junho de 1993) - 
 estribando-se na doutrina nacional (sobre o ponto confronte-se a ali citada) e 
 na jurisprudência anterior deste Tribunal e na já advinda da Comissão 
 Constitucional (cfr., v.g., Parecer nº 12/78 nos Pareceres da Comissão 
 Constitucional, 5º volume, 79 a 84, a propósito dos §§ 1º a 3º do artº 418º do 
 Código de Processo Penal de 1929), se vincou que a presença do arguido a 
 julgamento - ainda que houvesse justificado motivo para a sua não comparência - 
 implicava que o mesmo viria a não dispôr de 'oportunidade para, pessoalmente, 
 expor as razões, para exercer o seu direito a ser ouvido, para, enfim, se postar 
 numa realização de imediação perante o juiz, ao qual é exigido o conhecimento da 
 sua personalidade, conhecimento esse que, sem a sua presença, é muito 
 dificilmente atingível' (palavras do Acórdão nº 212/93), o que violava os 
 direitos de defesa e, logo, as garantias que sobre ele estão constitucionalmente 
 consagradas, como também os princípios do contraditório e da procura da verdade 
 material postulados pelo processo criminal num Estado de direito.
 
  
 
                         Mas, a par disso, não se deixou - no tocante à 
 necessidade de presença do arguido na audiência - de efectuar uma ressalva das 
 situações em que em causa estavam pequenas violações ou «bagatelas penais» 
 
 (puníveis somente com pena pecuniária ou medida de segurança não detentiva), 
 ressalva que, justamente, se entendeu ser de fazer perante a mui pouco acentuada 
 ressonância ético-criminal implicada nessas mesmas situações. 
 
  
 
  
 
                         3.2. Todavia, há que realçar que, mesmo naquelas 
 situações, a legislação regente do processo  haverá de impôr a realização das 
 diligências indispensáveis à obtenção da presença do arguido ou, mais 
 propriamente, das diligências de todo indispensáveis a que o arguido venha a ter 
 conhecimento que irá ter lugar a audiência, a fim de, se o desejar e nisso tiver 
 conveniência, poder a ela estar presente.
 
  
 
                         Só assim se alcançará, nesta «abertura de excepção» à 
 regra da presença do arguido em audiência (justificada precisamente pela 
 circunstância de nos postarmos perante situações em que, verdadeiramente, estão 
 em causa questões de escassa relevância penal), a observação da necessidade, 
 adequação e proporcionalidade da objectiva restrição do direito fundamental do 
 arguido a ser ouvido em julgamento (direito esse a que, obviamente, corresponde 
 o dever jurídico geral do Estado de direito no sentido de assegurar a audição, 
 como expressão daqueloutro dever de salvaguarda da dignidade humana, dever a 
 que, por outro lado, não é alheia a exigência de o direito de punir implicar 
 tanto o sancionamento do culpado como a absolvição do inocente).
 
  
 
  
 
                         4. Perante estes parâmetros, vejamos se a norma sub 
 iuditio os respeitará.
 
  
 
                         O preceito em análise permite a realização da audiência 
 de julgamento sem intervenção do arguido, caso não seja possível obter-se a sua 
 notificação. E, nesse caso, impõe-se ao juiz a nomeação de defensor oficioso, ao 
 qual serão feitas as notificações que ao arguido cumpriria fazer.
 
  
 
                         A notificação do arguido a cuja não obtenção se refere a 
 norma do nº 2 do artº 11º do D.L. nº 17/91, é aquela a que se reporta o seu nº 
 
 1, o qual não expressa a forma concreta como deverá ela ser levada a cabo.
 
  
 
                         Daí que, atento o que se consagra no artº 2º de tal 
 diploma, se haja de lançar mão daquilo que, a propósito de notificações, se 
 prescreve no diploma adjectivo penal comum aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87, 
 de 17 de Fevereiro, não olvidando que se trata, por um lado, de uma comunicação 
 ao arguido respeitante a uma acusação (ou algo equivalente, como a remessa do 
 auto de notícia a juízo) e, por outro, de «uma convocação para comparecimento a 
 determinado acto processual».
 
  
 
                         Ora, de harmonia com a regra íserta no artº 111º, nº 2, 
 do Código de Processo Penal, a comunicação dos actos processuais [sejam eles uma 
 ordem de comparência perante os serviços de justiça, uma convocação para 
 participar em diligência processual, ou a dação de conhecimento do conteúdo de 
 um acto ou de despacho proferido no processo - cfr. alíneas a), b) e c) do nº 1 
 daquele artº 111º] é feita pela secretaria 'e é executada pelo funcionário de 
 justiça que tiver o processo a seu cargo, ou por agente policial, administrativo 
 ou pertencente ao serviço postal que for designado para o efeito e se encontrar 
 devidamente credenciado'.
 
  
 
                         De outra banda, ex vi do artº 113º, nº 1, do aludido 
 corpo de leis, as notificações efectuam-se mediante contacto pessoal com o 
 notificando e no lugar em que este for encontrado, ou mediante via postal, 
 através de carta expedida com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado 
 
 (e que, refira-se em abono da verdade, até à data ainda o não foi), que só 
 poderá ser assinado pelo notificando, previamente identificado com anotação dos 
 elementos constantes do bilhete de identidada ou de outro documento oficial 
 permissor da identificação (não interessará agora a referência aos editais e 
 anúncios, porque não aplicáveis aos casos de convocação para participar em 
 audiência).
 
  
 
                         Se, utilizando-se a via postal, o destinatário não for 
 encontrado, haverá que diligenciar no sentido de se proceder a contacto pessoal 
 
 (cfr. nº 2 daquele artigo).
 
  
 
                         Significa isto que o C.P.P., no que tange à forma de 
 comunicação de determinados actos - maxime os respeitantes à convocação para se 
 estar presente à audiência ou à dação de conhecimento da acusação - , se rodeou 
 de cautelas com vista a obter, efectivamente, essa comunicação.
 
  
 
  
 
                         4.1. Sendo isto assim, então há-de convir-se, desde 
 logo, que a não possibilidade de notificação, a que se reporta a norma em 
 apreço, só se deparará após se ter utilizado todo um amplo esquema idóneo gizado 
 com o fim de a comunicação produzir os seus efeitos e que, não obstante, não 
 alcançou o desiderato para o qual foi consagrado, sendo que não ressalta que 
 seja intúito da referida norma que o julgamento sem a presença do arguido surja 
 como um sancionamento da sua colocação como 'revel'.
 
  
 
                         Em segunda linha, não se deve escamotear que essa norma 
 
 é regente para um processo que cura de questões de diminuta relevância 
 
 ético-penal e nas quais estão em causa sancionamentos de não acentuada gravidade 
 e que não contendem com a privação de liberdade, como é a vertente situação, em 
 que em questão está a imposição de uma sanção pecuniária não «convertível» em 
 prisão por recurso ao nº 3 do artº 46º do Código Penal.
 
  
 
                         Em terceira linha, cumpre sublinhar que, de todo o modo, 
 
 é patente a intenção da norma em obter um asseguramento da defesa do arguido não 
 notificado, impondo a nomeação  de defensor.
 
  
 
                         Por último, não se deve perder de vista o facto de, como 
 acentua o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na alegação que produziu nestes autos, 
 a solução de, em casos como o presente, se não permitir o julgamento sem a 
 prévia notificação pessoal do réu, poder conduzir à extensão, a este tipo de 
 processos, do mecanismo da «contumácia» o que, perante a não grave relevância 
 penal da situação, se mostraria certamente desproporcionado, mormente tendo em 
 conta os efeitos desse mecanismo (cfr. nº 1 do artº 337º do Código de Processo 
 Penal).
 
  
 
  
 
                         4.2. A solução contida na norma em causa, ao estabelecer 
 uma excepção à regra da presença do arguido na audiência de julgamento - regra 
 essa imposta pelas próprias garantias de defesa  e pelos princípios do 
 contraditório, que devem, constitucional- mente, iluminar o processo penal, a 
 par do próprio princípio de busca da verdade material - considerando o tipo de 
 situações para que foi dirigida e os cuidados de que se rodeia, apresenta-se 
 como adequada, necessária e proporcionada e não vai, de forma intolerável, 
 ofender aquelas garantias e princípios.
 
  
 
  
 IV 
 
  
 
                         Em face do exposto, decide este Tribunal conceder 
 provimento ao recurso e, em consequência, determinar a revogação do acórdão 
 impugnado, a fim de o mesmo ser reformado em consonância com o juízo aqui 
 deixado expresso sobre a questão de constitucionalidade.
 Lisboa, 22 de Fevereiro de 1995
 Bravo Serra
 Guilherme da Fonseca
 Messias Bento
 Luis Nunes de Almeida (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
 
             Votei vencido, por entender que a norma em apreço viola o artigo 
 
 32º, nº 1, da Constituição, onde se preceitua que «o processo criminal 
 assegurará todas as garantias de defesa».
 
  
 
             Com efeito, e como este Tribunal vem afirmando contínua e 
 uniformemente, aos  cidadãos deve ser garantido um processo justo e equitativo, 
 sendo, a meu ver, totalmente incompatível com tal exigência a possibilidade 
 legal de um cidadão ser julgado e condenado, permanecendo sempre na mais 
 completa ignorância de contra ele correr termos um processo sancionatório.
 
  
 
             Se é admissível pensar que, no caso das denominadas «bagatelas 
 penais», o julgamento se possa efectuar na ausência do arguido - até por sua 
 conveniência -, o que se afigura manifestamente aberrante é que esse julgamento 
 possa ter lugar sem que o acusado saiba, sequer, que contra ele pende um 
 processo de natureza penal ou, pelo menos, sem que lhe seja concedida a 
 faculdade de requerer novo julgamento, quando lhe seja dado conhecimento pessoal 
 da condenação (cfr., sobre a matéria, várias sentenças do Tribunal Europeu dos 
 Direitos do Homem, designadamente: a sentença de 12 de Fevereiro de 1985, Caso 
 Colozza vs. Itália, cit. in Vincent Berger, Jurisprudence de la Cour Européenne 
 des Droits de l'Homme, pág. 93; a sentença de 28 de Agosto de 1991, Caso F.C.B. 
 vs. Itália, R.U.D.H., 1991, pág. 496: e a sentença de 12 de Outubro de 1992, 
 Caso T. vs. Itália, polic.) .
 
  
 José Manuel Cardoso da Costa