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Processo nº 360/94
 
 1ª Secção
 Rel. Cons. Tavares da Costa
 
  
 
  
 
                              Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 
  
 
                              A., B., C., D. e E., identificados nos autos, 
 foram pronunciados, por despacho do Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de 
 Lisboa, cada um deles, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes 
 previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1, e 24º, alínea c), do Decreto-Lei nº 
 
 15/93, de 22 de Janeiro, sendo a arguida D. ainda pronunciada pela prática de 
 um crime de detenção de armas proibidas, previsto e punido pelo artigo 260º do 
 Código Penal (cfr. fls. 712 e segs.).
 
  
 
                              Iniciou-se o respectivo julgamento em 7 de Março de 
 
 1994 no 2º Juízo Criminal de Lisboa e, após audição dos arguidos e inquirição 
 de duas testemunhas de acusação, foi a audiência suspensa, designando-se o dia 
 
 21 do mesmo mês para continuação dos trabalhos (acta de fls. 828 a 830).
 
  
 
                              A 15 de Março, no entanto, o ora recorrente, E., 
 atravessou requerimento em que, aludindo ao facto de o Juiz Presidente ter, na 
 audiência, referido ter sido ele próprio a ordenar a emissão de mandados de 
 busca relativos ao inquérito então instaurado, suscitou o incidente de 
 impedimento, com base no artigo 40º do Código de Processo Penal (CPP), alegando 
 estar em causa o princípio da realização do julgamento por um Tribunal 
 imparcial, decorrente do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem 
 
 (CEDH) e do princípio do acusatório, consagrado no artigo 32º, nº 5, da 
 Constituição da República (CR) - fls. 943 (e não 843 como, por lapso, consta, 
 afectando toda a paginação posterior).
 
  
 
                              No entender do arguido, deve existir separação 
 manifesta entre a acusação, a instrução e o julgamento, desde logo adiantando 
 que uma interpretação 'literal e restritiva' desse enunciado legal será 
 materialmente inconstitucional, pois que viola não só aquela norma 
 constitucional como o falado artigo 6º da CEDH.
 
                              O requerimento foi indeferido por despacho de 16 de 
 Março (fls. 946, corrigida), com a seguinte fundamentação:
 
  
 
  
 
             'Os impedimentos em processo penal estão taxativamente expressos 
 pelos artigos 39º e 40º do Código de Processo Penal.
 
  
 
              Em relação a esta última norma referida, sempre se esclarecerá que 
 só em fase de instrução e caso o juiz tenha presidido ao Debate Instrutório, 
 isto é, tenha tomado posição concreta sobre a apreciação do processo em termos 
 de ser enviado a julgamento ou arquivado, tal constituirá impedimento nos 
 termos gerais.
 
  
 
              Tal posição é reforçada se tivermos em conta que a nova Lei 
 Orgânica dos Tribunais Judiciais prevê que os Juízes das Varas Criminais 
 realizem turnos de fim de semana no Tribunal de Instrução Criminal o que na 
 
 óptica do requerente traria impedimento à 'totalidade' dos Juízes em funções 
 neste Tribunal'.
 
  
 
  
 
                              Em 21 de Março realizou-se nova audiência mas, 
 nessa mesma data, não se conformando com aquela decisão, o requerente e 
 arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 851 e 867 e segs.) 
 que foi recebido por despacho ditado para a acta da sessão de audiência de 18 de 
 Abril (fls. 888-889), a subir imediatamente nos próprios autos e com efeitos 
 suspensivos.
 
  
 
                              A Relação de Lisboa, por acórdão de 31 de Maio de 
 
 1994 (fls. 924 a 927) negou provimento ao recurso.
 
  
 
                              Inconformado, recorreu o arguido para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 
 
 15 de Novembro, consoante o entendeu o Desembargador Relator no despacho que o 
 recebeu (fls. 940 v.), alegando a inconstitucionalidade do citado artigo 40º, 
 por violação do artigo 32º, nº 1, da CR.
 
  
 
                              Apresentou oportunamente as suas alegações que 
 concluiu do seguinte modo (fls. 954 e segs.):
 
  
 
             '1º-      O Mmo. Juiz Presidente do Tribunal a quo praticou actos 
 durante o inquérito conhecendo desde essa fase os presentes autos.
 
  
 
              2º-      Não está assim assegurado o julgamento por um tribunal 
 imparcial em conformidade com o disposto no artigo 6º nº 1 da Convenção Europeia 
 dos Direitos do Homem.
 
  
 
              3º-      A expressão 'Juiz que tiver presidido ao debate 
 instrutório', contida no artigo 40º do CP Penal deve ser interpretada 
 extensivamente de modo a significar qualquer juiz que tenha praticado actos 
 durante o inquérito ou instrução.
 
  
 
              4º-      A interpretação literal do artigo 40º do CP Penal é 
 materialmente inconstitucional por infringir a estrutura do acusatório prevista 
 no artigo 32º-5 da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
              5º-      As razões de direito invocadas implicam a necessidade de 
 reformulação do Tribunal Colectivo.
 
  
 
              Deve, em consequência, conceder-se provimento ao recurso.
 
  
 
                              Por seu turno, o Senhor Procurador-Geral Adjunto 
 neste Tribunal contra-alegou, assim rematando as suas considerações:
 
  
 
             '1º-      A norma do artigo 40º do Código de Processo Penal no 
 segmento que estabelece que 'nenhum juiz pode intervir (...) no julgamento de 
 um processo a cujo debate instrutório tiver presidido' e na medida em que 
 permite a intervenção no julgamento do juiz que, na fase de inquérito, 
 autorizou uma busca domiciliária à residência do arguido, não viola qualquer 
 norma ou princípio constitucional, designadamente as garantias de defesa do 
 arguido, a estrutura acusatória do processo penal e a imparcialidade do 
 tribunal.
 
  
 
              2º-      Deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se o 
 acórdão recorrido'.
 
  
 
  
 
                              Correram-se os vistos legais, cumprindo agora 
 apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 
  
 
                   1.-       Prescreve o artigo 40º do CPP:
 
  
 
             'Nenhum juiz pode intervir em recurso ou pedido de revisão 
 relativos a uma decisão que tiver proferido ou em que tiver participado, ou no 
 julgamento de um processo a cujo debate instrutório tiver presidido'.
 
  
 
  
 
                              Ora, mostram os autos, e consigna-se no acórdão 
 recorrido, que o magistrado que se pretende afastar interveio na fase inicial 
 do inquérito, então como juiz de instrução, ao proferir um despacho, em 4 de 
 Janeiro de 1993 (fls. 11) ordenando a emissão de mandados de busca que, aliás, 
 não chegaram a ser cumpridos pois seriam executados outros, ordenados e 
 assinados posteriormente por outro magistrado (fls. 14 a 19;  22, 25 e 169).
 
  
 
                              Constitui, assim, objecto de recurso a questão da 
 constitucionalidade da norma do mencionado artigo 40º no segmento que 
 estabelece que 'nenhum juiz pode intervir [...] no julgamento de um processo a 
 cujo debate instrutório tiver presidido', na medida em que permite a 
 intervenção no julgamento de um juiz pontualmente interveniente na fase de 
 inquérito, autorizando uma busca domiciliária.
 
  
 
                              O acórdão recorrido admite que o artigo 40º não 
 deva ser interpretado literalmente.  Circunscrevendo-se ao debate instrutório, 
 aceita que haja actos jurisdicionais ocorridos no inquérito ou na instrução 
 que, pela sua importância e delicadeza, impliquem ou provoquem um conhecimento 
 mais aprofundado dos autos, de molde a permitirem se conjecture se não 
 proporcionarão um empenhamento capaz de diminuir ou, de algum modo, afectar a 
 imparcialidade exigida ao julgador criminal, como, nomeadamente, será o caso dos 
 actos mencionados no nº 1 do artigo 268º do CPP.
 
  
 
                              Não é, porém  -  observa-se  -   o que se verifica 
 no concreto caso, onde se está perante acto praticado ao abrigo do artigo 269º 
 do mesmo Código.
 
  
 
                              Para a Relação, os actos jurisdicionais previstos 
 neste último normativo, realizáveis pelo Ministério Público ou pelos órgãos de 
 polícia criminal, embora precedidos de ordem ou autorização judicial, 'não 
 assumem a mesma natureza dos do preceito anterior, que poderão envolver ou 
 traduzir uma directa intervenção do juiz, na sua consecução.  Não determinando 
 um mesmo grau de engajamento, de comprometimento ou de domínio da instrução, 
 natural é que se considerem pacificamente excluídos da norma do artigo 40º, 
 ainda que extensivamente interpretada' (sublinhado original).
 
  
 
                              Trata-se  -  ainda na perspectiva do acórdão  -  de 
 situação equiparável à controvertida questão da intervenção do juiz de pronúncia 
 no domínio do Código de 1929, decidida no sentido de nem implicar afectação da 
 imparcialidade nem violação do artigo 6º da CEDH (cita-se, a propósito, o 
 acórdão do Tribunal Constitucional nº 124/90, publicado no Diário da República, 
 II Série, de 8 de Fevereiro de 1991).
 
  
 
                              Ora, tem-se entendido, no domínio do Código de 
 
 1929, desempenhar a pronúncia uma 'pura função de garantia', pois com ela se 
 visa impedir que o arguido seja submetido a julgamento sem que haja motivo sério 
 para tanto.
 
  
 
                              Para obter esse desiderato, ou seja, para conseguir 
 que só se seja julgado quando haja motivo sério para tanto [observou-se no 
 Acórdão nº 124/90, que, nesta parte, seguiremos de perto] há que fazer passar a 
 acusação pelo crime de uma decisão judicial.  'O juiz, com a serenidade de quem 
 não participou na instrução, nem se empenhou na acusação, vai avaliar (e 
 decidir) se sim ou não existem indícios suficientes de que determinado 
 indivíduo praticou certos factos que preencham um determinado tipo legal de 
 crime.  Dizendo de outro modo.  o juiz vai apreciar o material probatório 
 carreado para o processo, a fim de decidir se sim ou não o arguido deve ser 
 submetido ao 'vexame' de um julgamento'.
 
  
 
                              O despacho de pronúncia não representa, assim, 
 qualquer antecipação de um juízo de condenação do arguido, 'tanto mais que a 
 
 única prova susceptível de conduzir à condenação é a prova que for produzida na 
 audiência de discussão e julgamento, e não aquela que o juiz de pronúncia 
 considerou suficiente para que aquele fosse submetido a julgamento'.
 
  
 
                              Deste modo, o despacho de pronúncia deve ser 
 objectivamente considerado, não devendo o arguido, nem o público em geral, ver 
 no seu autor alguém que está predisposto a condenar.
 
  
 
                              Decidiu-se, então  -  na linha do Acórdão nº 
 
 219/89, publicado no Diário da República, II Série, de 30 de Junho de 1989  -  
 não violar o princípio do contraditório o facto de o juiz autor do despacho de 
 pronúncia intervir, posteriormente, no julgamento:  de um lado, ponderou-se, 
 continua a existir  distinção entre a entidade que faz a instrução e deduz a 
 acusação e aquela que procede ao julgamento;  e, de outro lado, o juiz que 
 profere o despacho de pronúncia não deixa, mesmo aos olhos do arguido e do 
 público, de ser um juiz independente e imparcial para julgar o feito penal com 
 os contornos que a acusação lhe definiu.
 
                              Procederá esta perspectiva no caso sub judicio, 
 tendo presente, nomeadamente, a dimensão incidental e avulsa da intervenção do 
 juiz da causa no início do inquérito?
 
  
 
  
 
                   2.-       A norma constitucional do artigo 206º, segundo a 
 qual os tribunais são independentes e estão unicamente sujeitos à lei, postula 
 não só a exigência de independência dos juízes como a garantia da sua 
 imparcialidade, de modo a obter-se confiança geral na objectividade da 
 jurisdição (neste sentido, v.g., os Acórdãos deste Tribunal nºs. 135/88 e 68/90, 
 publicados no Diário da República, II Série, de 8 de Setembro de 1988 e 17 de 
 Julho de 1990, respectivamente), e, do mesmo passo, a observar-se a vertente do 
 princípio das garantias de defesa que o Estado de direito democrático deve 
 assegurar, plasmada na ausência de prejuízos ou preconceitos relativamente à 
 matéria a decidir e às pessoas afectadas pela decisão a proferir.  Na sua 
 precipitação concreta, dir-se-á dever poder recusar-se todo o juiz de quem se 
 possa temer falta de imparcialidade, de outro modo sendo de recear pela 
 preservação da confiança que os tribunais devem oferecer aos cidadãos.
 
  
 
                              Para que esses objectivos possam ser assegurados e 
 assim se preencher a cláusula geral 'residual' do nº 1 do artigo 32º da CR, 
 
 'expressão concentrada' de todas as garantias de defesa, a estrutura acusatória 
 do processo criminal, imposta pelo nº 5 do mesmo artigo 32º, exige que se 
 diferencie entre o órgão que investiga e (ou) acusa e o órgão que julga, o que 
 se concretiza  -  se densifica semanticamente  -  mediante a articulação de uma 
 dimensão processual (fases de processo) com a dimensão orgânico-subjectiva 
 
 (entidades competentes), como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira 
 
 (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 
 
 206).
 
  
 
                              Trata-se  -  desenvolvem estes autores  -  de uma 
 garantia essencial de julgamento independente e imparcial, traduzível, no plano 
 material, na distinção entre instrução, acusação e julgamento, e significativa, 
 no plano subjectivo, de diferenciação entre juiz de instrução (órgão de 
 instrução) e juiz julgador (órgão julgador) e entre estes e o órgão acusador.  
 Destacando as funções de investigação e de acusação das de julgar, posiciona-se 
 o julgador numa situação de supremacia e de independência relativamente a 
 acusador e a acusado, de modo a garantir objectividade e a denotar independência 
 
 (cfr. Germano Marques da Silva, Do Processo Penal Preliminar, Lisboa, 1990, pág. 
 
 395, e Curso de Processo Penal, I, Lisboa, 1993, pág. 33).
 
  
 
                              O citado Acórdão nº 124/90 manifesta preocupação 
 idêntica:  o arguido que haja de ser submetido a julgamento, acusado da prática 
 de uma infracção criminal, tem direito a um julgamento independente e imparcial, 
 sendo certo que as garantias de imparcialidade e a confiança geral na 
 objectividade hão-de promover-se em quadro legal que não permita ao arguido, nem 
 ao público em geral, ver no julgador alguém que está predisposto a decidir num 
 certo sentido.
 
  
 
                              De resto, é o que dispõe o falado artigo 6º da 
 CEDH, no seu nº 1, quando declara ter qualquer pessoa direito a que a sua causa 
 seja examinada, equitativa e publicamente, em prazo razoável, por um tribunal 
 independente e imparcial.
 
  
 
                              Na mesma linha, a jurisprudência do Tribunal 
 Europeu dos Direitos do Homem reflecte a exigência de um juízo imparcial não 
 apenas numa perspectiva subjectiva  -  o que o juiz pensa no seu foro íntimo em 
 determinada circunstância é uma vertente da imparcialidade que se presume até 
 prova em contrário  -  mas também numa visão objectiva, de modo a dissiparem-se 
 quaisquer reservas:  deve ser recusado todo o juiz de quem se possa temer uma 
 falta de imparcialidade, para preservar a confiança que, numa sociedade 
 democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos, como, na esteira de 
 outros arestos, aquele tribunal ponderou no caso De Cubber (cfr. Ireneu 
 Barreto, 'Notas para um Processo Equitativo - Análise do Artigo 6º da Convenção 
 Europeia dos Direitos do Homem à Luz da Jurisprudência da Comissão e do 
 Tribunal Europeu dos Direitos do Homem', in Documentação e Direito Comparado, 
 nº 49/50, 1992, págs. 69 e segs., maxime pág. 114;  acórdão sumariado nesta 
 Revista, nº 23, págs. 73 e 74, e publicado no volume 86 da Série A 'Arrêts et 
 Décisions' das Publications de la Cour Européenne des Droits de l'Homme, 1984).
 
  
 
  
 
       3.1.-    O artigo 40º do CPP é, a esta luz, um dos instrumentos legais 
 accionáveis, se postos em causa os valores ínsitos na estrutura acusatória do 
 processo criminal.
 
  
 
                              Não obstante, transparece dos autos uma consensual 
 maneira de entender o preceito, não compaginável com mera interpretação 
 literal:  a letra do preceito, cingida à situação de presidência do debate 
 instrutório, deve ser entendida como abrangendo outras situações em que um ou 
 mais membros do tribunal desempenharam no processo outras funções de modo a 
 considerar-se abalada a exigência de imparcialidade, como índice de crise da 
 confiança geral na objectividade da jurisdição.
 
                              A chave da questão reside, precisamente, neste 
 ponto.
 
  
 
  
 
       3.2.-    Com efeito, nem sempre uma acumulação subjectiva funcional 
 colocará em crise os valores acautelados.
 
  
 
  
 
                              No caso sub judicio, chega-se, por maioria de 
 razão, à conclusão que nem a imparcialidade do juiz nem a estrutura acusatória, 
 como bem entendeu o acórdão recorrido, fazem perigar esses valores.
 
  
 
                              Na verdade, em causa está, apenas, o controlo 
 judicial da existência de indícios de ocultação, em casa habitada, de quaisquer 
 objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova [Código de 
 Processo Penal, artigos 174º, nº 2, 177º, nº 1, e 269º, nº 1, alínea a)].  A 
 intervenção do juiz é exigida pela preocupação de controlar a legalidade da 
 diligência e, bem assim, garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, no 
 caso, o direito à inviolabilidade do domicílio, o que, por outras palavras, vale 
 dizer ser a intervenção do juiz, in casu, de dimensão exclusivamente 
 garantística e não de valoração de provas.
 
  
 
                              Como observa o Ministério Público, o juízo sobre a 
 concreta existência de indícios de ocultação de objectos relacionados com o 
 crime ou que possam servir de prova é frequentemente um juízo de natureza 
 perfunctória, feito a partir de segmentos de prova num momento em que o objecto 
 do processo, designadamente ao nível dos factos e respectiva imputação 
 subjectiva, está longe de ser definido, pelo que tal juízo será até, muitas 
 vezes por insuficiência de elementos probatórios, inidóneo para fundamentar 
 pré-juízos relativamente à matéria dos autos.
 
  
 
                              No caso vertente, aliás, os mandados de busca 
 foram emitidos no início do inquérito, em momento em que não havia qualquer 
 referência ao recorrente, e nem sequer foram cumpridos.
 
  
 
                              A intervenção do magistrado que agora preside à 
 audiência de julgamento foi meramente ditada pela preocupação de garantir o 
 direito à inviolabilidade do domicílio, não envolveu assunção de direcção da 
 instrução ou o exercício da acusação.  Numa palavra, a conduta do juiz que, na 
 fase inicial do inquérito ordenou a emissão de mandados de busca, aliás não 
 executados, não se mostra idónea para, aos olhos dos sujeitos processuais e do 
 público, abalar a independência e imparcialidade exigidas, nem envolve confusão 
 censurável, no ponto de vista do princípio do contraditório, entre a entidade 
 que faz a instrução, a que deduz a acusação e a que preside ao julgamento.
 
  
 
                              Não se mostra, por conseguinte, abalada a 
 imparcialidade objectiva do julgador.
 
  
 
                              Se o princípio acusatório exclui a possibilidade de 
 acumulação no mesmo órgão de funções instrutórias e decisórias, nem toda a 
 intervenção do julgador no processo, na fase de inquérito, é, por si, idónea 
 para comprometer a sua independência e imparcialidade.
 
  
 
  
 III
 
  
 
                              Em face do exposto, decide-se negar provimento ao 
 recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.
 
  
 
                              Lisboa, 23 de Fevereiro de 1995
 
                                           Alberto Tavares da Costa
 
                                          Antero Alves Monteiro Diniz
 
                                          Maria Fernanda Palma (votei a decisão 
 constante do acórdão, não me vinculando senão ao critério jurídico, extremamente 
 restrito, do caso concreto, e não me vinculando a toda a doutrina expendida na 
 jurisprudência citada)
 
                                          Armindo Ribeiro Mendes (votei a 
 decisão, não acompanhando toda a fundamentação, nomeadamente no que toca aos 
 passos transcritos do Acórdão nº 124/90)
 
                                          José Manuel Cardoso da Costa