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Processo n.º 695/03
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 
  
 
  
 
 1.       Na Relação de Coimbra foi proferido acórdão em 26 de Junho de 2003 que, 
 na parte que agora interessa considerar, assim decidiu: 
 
  
 
 '[...] 
 Retêm-se, como ocorrências de facto relevantes para a sua abordagem, que se 
 operou a fusão, por incorporação, do ‘A., S.A.’ no ‘A., SGPS, S.A’, por 
 escritura pública lavrada no dia 19 de Dezembro de 2002, no Cartório Notarial do 
 Porto, com registo da referida fusão, por inscrição, em 20.12.2002, da 
 Conservatória do Registo Comercial do Porto, através da apresentação n.º 
 
 3/20021220 - cfr. docs. a fls. 279 e seguintes - com a consequente transmissão 
 do património da sociedade incorporada (A., S.A.) para a sociedade incorporante 
 
 (A., SGPS).
 Como se tem dito em diversas intervenções, nomeadamente na apreciação de vários 
 recursos interpostos pela ora Requerente, é pacífico e inquestionável que se 
 consagra no art. 30° /3 da C.R.P. o princípio da intransmissibilidade das penas, 
 decorrendo da lei a aplicação subsidiária às contra-ordenações laborais do 
 regime geral das contra-ordenações e a este, na parte substantiva, do regime do 
 Cód. Penal.
 Porém, quer esse proclamado princípio, quer a morte do agente, que, nos termos 
 do Cód. Penal (arts. 127º e 128°) é causa de extinção do procedimento criminal e 
 da pena, não poderiam conduzir,  in casu, à pretendida conclusão da 
 Recorrente/requerente.
 Ressalvado o respeito devido por entendimento diverso, que se conhece, 
 relembramos que o referido Comando Constitucional se refere exclusivamente às 
 penas (‘A responsabilidade penal e insusceptível de transmissão’), como tal se 
 entendendo as sanções aplicadas em processo criminal.
 Por outra banda, em termos sistemáticos, enquadra-se no Título II, que dispõe 
 sobre ‘Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais’...
 A razão deste consagrado princípio da intransmissibilidade das penas no domínio 
 do Direito Criminal afigura-se-nos intuitiva: toda a censura penal tem como 
 suporte axiológico-normativo referencial a culpa concreta do agente, 
 reportando-se necessariamente ao homem, à pessoa física, enquanto ser dotado de 
 razão e liberdade.
 
 (Aplicável, sem excepção, no direito criminal, às pessoas singulares, o mesmo 
 cede claramente, no que concerne ao regime sancionatório das contra-ordenações, 
 do que pode encontrar-se exemplo acabado, v.g., no domínio das contra-ordenações 
 tributárias, cujos processos de execução por não pagamento de coimas prosseguem 
 não apenas contra o devedor originário mas também contra os seus sucessores - 
 cfr. arts. 148°, n.º1, b), 153°/1 e 155°/1, todos do Cód. P. Tributário).
 Daí que, como dimana do art. 11° do Cód. Penal, apenas as pessoas singulares 
 sejam, por princípio, passíveis de responsabilidade criminal.
 
 Às excepcionadas circunstâncias em que o legislador prevê a punição criminal de 
 pessoas colectivas correspondem naturalmente penas pecuniárias e, em casos 
 contados, medidas de segurança...
 
 ...E ainda assim, como suporte teleológico/pragmático para tal necessidade 
 político-criminal de sancionamento, lançando mão de uma ‘ficção de culpa’ ou, 
 como ensina Figueiredo Dias, de um pensamento filosófico analógico, que 
 considere as pessoas colectivas capazes de acção e de culpa jurídico-criminais - 
 apud Maia Gonçalves, Cód. Penal Português, 1990/89.
 Em síntese, diremos que as previstas excepções ao princípio da 
 personalização/individualização da responsabilidade criminal encontrarão 
 fundamento em ponderosas razões de índole político-criminal, com o aceitável 
 objectivo de perseguir um certo tipo de infracção/delinquência que, de outro 
 modo, se frustraria ou passaria simplesmente impune...
 A morte, como causa extintiva da responsabilidade criminal, não pode ser outra 
 coisa que não a morte biológica, o fim do ciclo da vida dos seres humanos.
 E porque o fundamento para a punição das pessoas colectivas é diverso, como 
 acima explicitado, a mesma lógica justificará a extinção da sua 
 responsabi1idade!
 Ela terá de decorrer expressamente de determinação normativa.
 A solução que demandamos para o caso consta aliás da Lei, concretamente do 
 Código das Sociedades Comerciais - arts. 97º , n.ºs 1 e 4, 112°, a), 141° e 
 
 146°.
 Duas ou mais sociedades podem fundir-se mediante a sua reunião numa só, 
 realizando-se a fusão mediante a transferência global do património de uma ou 
 mais sociedades para a outra e a atribuição aos sócios daquelas de partes, 
 acções ou quotas desta, através da constituição de uma nova sociedade, para a 
 qual se transferem globalmente os patrimónios das sociedades fundidas.
 Com a inscrição da fusão do Registo Comercial extinguem-se as sociedades 
 incorporadas…transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade 
 incorporante.
 Cremos pois ser irrefutável que, praticada uma infracção pela sociedade 
 incorporada, a responsabilidade passa a ser da sociedade incorporante, como se 
 por si tivesse sido cometida, transmitindo-se-lhe, por força da lei, como 
 obrigação daquela.
 Com a prevista possibilidade de fusão de sociedades, o legislador não quis 
 seguramente - como aconteceria no caso, se outro fosse o entendimento - 
 viabilizar a impunidade e permitir actuações mais ou menos desviantes 
 relativamente às injunções normativas, tanto mais que aqui, diversamente do 
 
 âmbito do Direito Criminal, basta a ‘imputação do facto à responsabilidade 
 social do seu autor’
 Concluindo, diremos que, não estando legalmente determinado que o «fim» da 
 sociedade infractora conduza à extinção da sua responsabilidade 
 contra-ordenacional, é a sua sucessora a responsável, como manda o art. 112°, 
 a), do CSC.
 III
 Nos termos sobreditos - e considerando o decidido parte integrante do Acórdão 
 que antecede - delibera-se indeferir a pretensão formulada. [...]'
 
  
 Inconformado, o banco A., SA., recorreu deste acórdão para o Tribunal 
 Constitucional  'na parte em que:
 I
 Considerou que o artigo 112.º, a) do Código das Sociedades Comerciais, ao 
 determinar a extinção da sociedade fundida, não deixa de transmitir para a 
 sociedade incorporante todos os direitos e obrigações da sociedade extinta, 
 incluindo a responsabilidade por infracções contra-ordenacionais cometidas por 
 esta.
 Tal interpretação do referido artigo 112.º, a) do Código das Sociedades 
 Comerciais, é materialmente inconstitucional por violação do artigo 30.º, n.º 3 
 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que implica uma 
 sub-rogação da responsabilidade contra-ordenacional, incluída na referida norma 
 constitucional.
 II
 O supra referido Acórdão do Tribunal da Relação da Coimbra é recorrível, por ter 
 aplicado normas inconstitucionais, artigo 70º , n.º 1, alínea b) da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro.
 O Recorrente tem legitimidade para recorrer, nos termos do n.º 1, alínea b) e do 
 n.º 2 do artigo 72° da citada Lei n.º 28/82.
 Pretende-se pois que o Tribunal aprecie a inconstitucionalidade do artigo 112.º, 
 a) do Código das Sociedades Comerciais.
 O Recorrente considera que foi violado o artigo 30º, n.º 3 da CRP. [...]'
 
  
 O recurso foi admitido. A recorrente concluiu a sua alegação nos seguintes 
 termos:
 
  
 
 1.  A fusão, por incorporação, de uma sociedade comercial noutra, com a 
 consequente transmissão do património da sociedade incorporada em favor da 
 sociedade incorporante, após o registo da referida fusão na inscrição feita na 
 competente Conservatória do Registo Comercial, conduz à extinção da sociedade 
 incorporada ex vi do disposto no artigo 112° alínea a) do Código das Sociedades 
 Comerciais.
 
 2. Com a extinção da sociedade incorporada, extingue-se também a 
 responsabilidade contra‑ordenacional.
 
 3. Nos termos do disposto no artigo 2° do Regime Geral das Contra-Ordenações 
 Laborais, aprovado pela Lei nº 116/99 de 4 de Agosto, a estas contra-ordenações 
 aplica-se subsidiariamente o regime geral das contra-ordenações que consta do 
 Dec-Lei nº 433/82 de 27 de Outubro com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei 
 n° 356/89 de 17 de Outubro e pelo Dec-Lei n° 244/95 de 14 de Setembro.
 
 4. De harmonia com o preceituado no artigo 32° do citado Dec-Lei n° 433/82, as 
 normas do Código Penal aplicam-se no que respeita à fixação do regime 
 substantivo das contra-ordenações.
 
 5. Nos termos do artigo 127° do Código Penal a responsabilidade criminal 
 extingue-se pela morte.
 
 6. E nos termos do artigo 128° do mesmo Código a morte do agente extingue, tanto 
 o procedimento criminal, como a pena ou a medida de segurança.
 
 7. O princípio da não transmissibilidade da responsabilidade criminal ou 
 contravencional consagrado nas citadas disposições do Código Penal, e no artigo 
 
 30° n.º 3 da Constituição da República, aplica-se também no âmbito do direito 
 contra-ordenacional ex vi do disposto nos supra referidos artigos 2° do regime 
 aprovado pela Lei n.° 116/99 e 32° do Dec-Lei n° 433/82.
 
 8.  O que quer dizer que, também nas contra-ordenações, a morte do agente (se se 
 tratar de uma pessoa singular) ou a sua extinção (se se tratar de uma pessoa 
 colectiva) têm como consequência a extinção da responsabilidade e do 
 procedimento contra-ordenacionais.
 
 9. O que bem se compreende por não haver contra-ordenação sem negligência e a 
 negligência, como elemento subjectivo da infracção, não poder separar-se da 
 pessoa do agente.
 
 10. Tendo-se extinguido o agente da infracção noticiada, nos termos supra 
 mencionados, extinguiu-se também, e simultaneamente, a responsabilidade pela 
 contra-ordenação a que o auto de noticia alude, bem como o respectivo 
 procedimento contra-ordenacional (citados artigos 30°, n.º 3, da Constituição da 
 República e 127° e 128° do Código Penal, aplicáveis por força do disposto nos 
 artigos 2° do regime aprovado pela Lei n.° 116/99 e 32° do Dec-Lei n° 433/82, 
 supra referidos).
 
 11. A condenação da sociedade incorporante conduziria sempre a uma situação em 
 que a entidade jurídica condenada nem sequer havia sido acusada no processo, o 
 que não deixa de ser contrário a princípios basilares do direito constitucional 
 e criminal.
 
 12. O artigo 112.º, alínea a), parte final do Código das Sociedades Comerciais, 
 quando estatui a transmissão de todos os 'direitos e obrigações para a sociedade 
 incorporante ou para a nova sociedade', reporta-se apenas aos direitos e 
 obrigações de natureza cível e não penal ou contra-ordenacional.
 
 13. O artigo 112.º, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais, quando 
 interpretado no sentido defendido no Acórdão sob recurso, isto é, de que a 
 responsabilidade por contra-ordenações imputadas à sociedade incorporada se 
 transmite para a sociedade incorporante é materialmente inconstitucional, por 
 violação do artigo 30.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.
 Termos em que com o douto suprimento de V.Exas deve ser julgado inconstitucional 
 o artigo 112° alínea a) do Código das Sociedades Comerciais quando interpretado 
 no sentido de que a responsabilidade por contra-ordenações imputadas à sociedade 
 incorporada se transmite para a sociedade incorporante, por violação do artigo 
 
 30.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 Por seu turno, o representante do Ministério Público neste Tribunal, em 
 contra-alegação, concluiu:
 
  
 Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
 
 1 - Sendo diferente a natureza do direito penal e do direito de mera ordenação 
 social, os princípios fundamentais inerentes ao primeiro têm aplicação no 
 segundo.
 
 2 - As normas e os princípios constitucionais com relevo em matéria penal valem, 
 no essencial, no campo contra-ordenacional.
 
 3 - A não transmissão da responsabilidade penal consagrada no artigo 30°, n° 3 
 da Constituição abarca a matéria referente às sanções aplicadas pela prática de 
 contra-ordenações.
 
 4 - Sendo realidades diferentes, não são automaticamente aplicáveis às pessoas 
 colectivas todas as normas e regras de que são fundamentalmente destinatárias as 
 pessoas singulares, tendo-se que atender à específica natureza e características 
 daquelas.
 
 5 - A fusão por incorporação de uma sociedade noutra, sendo algo 
 substancialmente diferente da sua dissolução com liquidação, não é equiparável à 
 morte de pessoa singular, para efeitos de extinção de responsabilidade penal ou 
 contra-ordenacional.
 
 6 - Não viola, por isso, a norma constitucional da insusceptibilidade da 
 transmissão da responsabilidade, aceitar que a recorrente tem que responder pela 
 prática da contra-ordenação cometida pela sociedade que incorporou.
 
 7- Termos em que deverá improceder o presente recurso.
 
  
 
 2.      Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir. 
 
  
 Visa a sociedade recorrente a apreciação da constitucionalidade da norma contida 
 no artigo 112º alínea a) do Código das Sociedades Comerciais, interpretada no 
 sentido de que a extinção da sociedade fundida não deixa de transmitir para a 
 sociedade incorporante todos os direitos e obrigações da sociedade extinta, 
 incluindo a responsabilidade por infracções contra-ordenacionais cometidas por 
 esta, interpretação normativa que violaria, no entender da recorrente, o 
 disposto no artigo 30º n.º 3 da Constituição.
 
  
 Sobre esta matéria tem o Tribunal Constitucional jurisprudência firme. 
 Assim, no acórdão 153/04 de 16 de Março de 2004, desta 1ª Secção 
 
 (http://www.tribunalconstitucional.pt) ponderou-se: 
 
  
 
  
 
 '[...]*/-
 
 5. O artigo 112º, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo 
 Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de Setembro, dispõe como segue:
 
  
 
 “Artigo 112º
 
 (Efeitos do registo)
 Com a inscrição da fusão [de sociedades] no registo comercial:
 a) Extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova 
 sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e 
 obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade;
 
 [...].”
 
  
 Decorre da delimitação do objecto do recurso a que procedeu o recorrente (supra, 
 
 2. e 3.) que a questão de constitucionalidade de que cumpre apreciar se cinge à 
 norma do referido artigo 112º, alínea a), interpretada no sentido de que, com a 
 inscrição da fusão de sociedades no registo comercial, se extingue a sociedade 
 incorporada, transmitindo-se a responsabilidade por infracções 
 contra-ordenacionais cometidas por esta para a sociedade incorporante.
 Segundo o recorrente, tal interpretação ofenderia o disposto no artigo 30º, n.º 
 
 3, da Constituição, que determina que a responsabilidade penal é insusceptível 
 de transmissão.
 
 [...] 
 
 8. Analisado, nos seus traços gerais, o instituto da fusão de sociedades, o seu 
 processo e os seus efeitos (transmissão de direitos e obrigações), vejamos agora 
 se a interpretação perfilhada pelo tribunal recorrido de algum modo afronta a 
 proibição constitucional de transmissão da responsabilidade penal e 
 contra-ordenacional, como sustenta o recorrente.
 Interessa analisar, para este efeito, o artigo 30º, n.º 3, da Constituição.
 A propósito deste artigo 30º, n.º 3, que na anterior redacção estatuía a 
 insusceptibilidade de transmissão das penas (e não da responsabilidade penal, 
 como agora sucede), afirmam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição 
 da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 197-198):
 
 “As penas são intransmissíveis (n.º 3), estando sujeitas ao princípio da 
 pessoalidade, o que implica: (a) extinção da pena e do procedimento criminal com 
 a morte do agente; (b) proibição da transmissão da pena para familiares, 
 parentes ou terceiros; (c) impossibilidade de subrogação no cumprimento das 
 penas. A intransmissibilidade das penas não obsta à transmissibilidade de certos 
 efeitos patrimoniais conexos das penas (indemnização de perdas e danos 
 emergentes de um crime), nos termos da lei civil (cfr. Cód. Penal, art. 128º).”
 Um dos problemas que, a propósito do referido artigo 30º, n.º 3 – quer na sua 
 redacção anterior, quer na sua redacção actual –, imediatamente se coloca, é o 
 de saber se a proibição nele contemplada se estende também à responsabilidade 
 contra-ordenacional, até porque o artigo 32º, n.º 10, na sua letra, se limita a 
 assegurar ao arguido, nos processos de contra-ordenação, os direitos de 
 audiência e defesa (nada dispondo sobre a questão da transmissão da 
 responsabilidade).
 Todavia, este problema só assumiria autêntica relevância no caso de se concluir 
 que tal proibição se justificaria perante situações em que, não obstante a 
 extinção da personalidade jurídica da sociedade que praticou a infracção, “são 
 aproveitados os elementos pessoais, patrimoniais e até imateriais” dessa 
 sociedade (cfr. Raúl Ventura, ob. cit., p. 230).
 Ao colocar a questão deste modo, não se pretende afirmar que a proibição 
 constitucional de transmissão da responsabilidade penal apenas poderia ter 
 relevância nos casos em que se comprovasse não existir fuga ou tentativa de fuga 
 a essa responsabilidade: dito de outro modo, não pode ser invocado contra a tese 
 do recorrente o argumento segundo o qual tal tese permitiria fugas à 
 responsabilidade penal.
 Com efeito a questão é outra. E traduz-se em saber se a proibição estabelecida 
 no artigo 30º, n.º 3, da Constituição – admitindo, por hipótese, a sua extensão 
 aos casos de responsabilidade contra-ordenacional – tem em vista situações em 
 que o “transmissário” só formalmente é um terceiro, pois que, de facto, o agente 
 da infracção como que se perpetua, por via da incorporação ou absorção 
 verificada, nesse transmissário. 
 Ora, só é possível responder a tal questão se se atender à teleologia da 
 proibição de transmissão da responsabilidade penal. Que terá o legislador 
 constituinte pretendido evitar com tal proibição? Que sujeitos terá querido 
 proteger?
 
 9. Parece evidente que, com tal proibição – que se encontra reflectida nos 
 artigos 127º e 128º do Código Penal –, se dá ainda guarida ao princípio da 
 culpa, decorrente da dignidade da pessoa humana (artigo 1º da Constituição). 
 Responsabilizar alguém por facto praticado por outrem significaria prescindir, 
 em relação ao visado, da verificação do dolo ou negligência e da censurabilidade 
 da própria conduta. A pena ficaria desprovida de qualquer finalidade de 
 prevenção, retribuição ou ressocialização, perdendo qualquer fisionomia 
 distintiva. 
 Tão justificada se apresenta a proibição que dificilmente se encontram, na 
 doutrina, teorizações a propósito dela. Apenas o princípio da individualidade da 
 responsabilidade criminal (cfr. artigo 11º do Código Penal), também relacionado 
 com o da pessoalidade das penas, tem merecido maiores desenvolvimentos.
 Ora, no caso de fusão por incorporação, a transmissão da responsabilidade 
 contra-ordenacional à sociedade incorporante só formalmente é uma transmissão. 
 Como sustenta o Ministério Público nas suas contra-alegações (supra, 4.), “a 
 fusão por incorporação de uma pessoa colectiva noutra não conduz a uma 
 verdadeira extinção da sociedade equiparável à morte de pessoa singular, já que 
 subsiste a realidade sociológica que justifica a responsabilização pela prática 
 da contra-ordenação”. 
 A circunstância de, nos casos de fusão por incorporação, não existir liquidação 
 
 (nem dissolução, se com este termo se pretender significar a abertura do 
 processo de liquidação) da sociedade incorporada, aliada à do aproveitamento dos 
 elementos pessoais, patrimoniais e imateriais da sociedade extinta, permite 
 concluir que tal realidade não merece a protecção dispensada pela norma do 
 artigo 30º, n.º 3, ainda que se admita a sua aplicação no âmbito da 
 responsabilidade contra-ordenacional.
 Com isto não se nega a aplicação da norma do artigo 30º, n.º 3, às pessoas 
 colectivas. Apenas se rejeita a sua aplicação automática a situações de extinção 
 de pessoas colectivas que substancialmente não sejam equivalentes à morte de 
 pessoas singulares e que, por isso, não possam estar abrangidas pelo fim de 
 protecção daquela norma. 
 III
 
 10. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional 
 decide:
 a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 112º, alínea a), do Código das 
 Sociedades Comerciais, interpretada no sentido de que, com a inscrição da fusão 
 de sociedades no registo comercial, se extingue a sociedade incorporada, 
 transmitindo-se a responsabilidade por infracções contra-ordenacionais cometidas 
 por esta para a sociedade incorporante;
 
 [...] '
 
  
 Decisão idêntica foi retomada nos acórdãos 160/2004, 161/2004 e 200/2004 
 
 (http://www.tribunalconstitucional.pt).
 Por exemplo, no primeiro dos citados arestos ponderou o Tribunal Constitucional, 
 a propósito da norma que constitui o objecto do presente recurso – o citado 
 artigo 112º alínea a) do Código das Sociedades Comerciais –, o seguinte:
 
  
 
 '[...] 
 Foi efectivamente esta a norma legal invocada pela decisão recorrida para cobrir 
 a solução de transmissibilidade da responsabilidade contra-ordenacional, e é 
 esta norma, com esse sentido, que tem de ser aferida pelo padrão constitucional, 
 que a entidade recorrente sedia no n.º 3 do artigo 30º da Constituição – a qual 
 determina, desde a última revisão constitucional, que “A responsabilidade penal 
 
 é insusceptível de transmissão.”
 A evolução do texto constitucional – que anteriormente previa a 
 insusceptibilidade de transmissão de “penas” – não se ficou, porém, a dever a 
 qualquer intenção de transcender o domínio do direito penal (como, aliás, 
 resulta claramente também da nova redacção), mas sim evitar que o princípio da 
 intransmissibilidade se confinasse às situações em que a decisão de aplicação da 
 lei penal transitara em julgado, sobrevindo apenas na fase da aplicação da pena.
 Ora, não obstante a doutrina e a jurisprudência constitucionais irem no sentido 
 da aplicação, no domínio contra-ordenacional, do essencial dos princípios e 
 normas constitucionais em matéria penal, não deixa de se admitir, como se 
 escreveu no citado Acórdão n.º 50/03, a “diferença dos princípios 
 jurídico-constitucionais que regem a legislação penal, por um lado, e aqueles a 
 que se submetem as contra-ordenações”. Diferença, esta, que cobra expressão, 
 designadamente, na natureza administrativa (e não jurisdicional) da entidade que 
 aplica as sanções contra-ordenacionais (como se decidiu no Acórdão n.º 158/92, 
 publicado no DR, II Série, de 2 de Setembro de 1992) e na diferente natureza e 
 regime de um e outro ordenamento sancionatório (cfr. v. g. Acórdãos n.ºs 245/00 
 e 547/01, publicados, respectivamente, no DR, II Série, de 3 de Novembro de 2000 
 e de 9 de Novembro de 2001).
 Nestes termos, a intransmissibilidade de um juízo hipotético ou definitivo de 
 censura ética, consubstanciado numa acusação ou condenação penal, não tem de 
 implicar, por analogia ou identidade de razão – que não existe – a 
 intransmissibilidade de uma acusação ou condenação por desrespeito de normas sem 
 ressonância ética, de ordenação administrativa.
 Nem sequer se pode, pois, a partir da referida norma, obter um padrão 
 constitucional previsto a partir do qual se pudesse censurar o referido 
 entendimento do artigo 112º, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais. Não 
 o impõe, também, o artigo 30º da Constituição, referido aos “Limites das penas e 
 medidas de segurança”; não o impõe o artigo 32º, n.º 10, da Constituição, que 
 estende apenas os direitos de audiência e defesa do arguido aos processos de 
 contra-ordenação e a quaisquer outros processos sancionatórios; e não o impõe a 
 lógica de tutela do arguido que justificou a jurisprudência constitucional em 
 matérias como o princípio da legalidade, ou a aplicação da lei mais favorável 
 
 (v.g., Acórdãos n.ºs 227/92 e 547/01, publicados, respectivamente, no DR, II 
 Série, de 12 de Setembro de 1992 e de 15 de Julho de 2001).
 Mais do que verificar a desconformidade de um certo sentido da norma impugnada 
 em relação ao parâmetro invocado, conclui-se, pois, pela inexistência do 
 pretendido parâmetro, aplicável para o efeito pretendido. E, nestes termos, que 
 improcede totalmente o segundo recurso intentado.[...]'
 
  
 
  
 Resulta, assim, do exposto que é constante a jurisprudência deste Tribunal no 
 sentido de que a norma do artigo 112º alínea a) do Código das Sociedades 
 Comerciais, na contestada interpretação, não é contrária ao disposto no artigo 
 
 30º n.º 3 da Constituição; em aplicação da mencionada doutrina, cumpre aqui 
 formular idêntico juízo de constitucionalidade.
 
  
 
 3.       Em consequência, decide-se negar provimento ao recurso.
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20UC.
 
  
 
  
 Lisboa, 2 de Novembro de 2005
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos
 Maria Helena Brito
 Artur Maurício