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Processo n.º 240/05                            
 
 1.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
  
 
  
 Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
 1.         Nos presentes autos, em que se investiga a prática de crime de 
 violação do segredo de justiça, previsto e punível pelo artigo 371º, n.º 1, do 
 Código Penal, requereu o representante do Ministério Público na Comarca de Faro 
 ao Juiz de Instrução Criminal, nos termos do disposto no artigo 135º, n.º 3, do 
 Código de Processo Penal, que suscitasse a intervenção do Tribunal da Relação de 
 
 Évora, a fim de se decidir sobre a quebra do sigilo profissional da jornalista 
 A. e de se determinar a correspondente prestação de depoimento, destinado a 
 revelar as fontes ligadas à investigação do inquérito n.º 1328/01.8TAFAR que 
 estiveram na origem da elaboração de uma notícia publicada por aquela jornalista 
 no jornal “B.” de 30 de Abril de 2003 (fls. 1 e seguintes).
 
  
 
             Por despacho de fls. 7 e seguinte, o Juiz de Instrução Criminal da 
 Comarca de Faro verificou a legitimidade da recusa de prestar depoimento por 
 parte da jornalista e, entendendo “ser justificada a quebra do sigilo 
 profissional”, suscitou a intervenção do Tribunal da Relação de Lisboa, ao 
 abrigo do disposto no artigo 135º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
 
             O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas emitiu o 
 parecer de fls. 37 e seguintes, no qual pediu ao Tribunal da Relação de Lisboa 
 que não impusesse à referida jornalista a quebra do sigilo legitimamente 
 invocado.
 
  
 
             O Ministério Público, por seu lado, emitiu o parecer de fls. 52 e 
 seguintes, no qual sustentou que se impunha a quebra do sigilo.
 
  
 
             O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 16 de Dezembro de 
 
 2003, viria a determinar que, com quebra de sigilo profissional, a jornalista A. 
 prestasse depoimento “nos autos de Inquérito n.º 505/03.1TAFAR, destinado a 
 revelar a fonte ou fontes ligadas à investigação do Inquérito n.º 1328/01.8TAFAR 
 que estiveram na origem da elaboração da notícia publicada pela mesma na página 
 
 26 do «B.» de 30.04.2003” (fls. 119 e seguintes).
 
  
 
  
 
 2.         Do acórdão que lhe determinou a prestação de depoimento com quebra de 
 sigilo profissional, recorreu A.para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 151), 
 tendo na motivação respectiva (fls. 152 e seguintes) concluído, entre o mais, 
 que o tribunal recorrido perfilhara “uma interpretação manifestamente 
 inconstitucional da norma constante do n.º 3 do art. 135º do CPP, por violadora 
 do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 18º, nos n.ºs 1 e 2 do art. 37º, e no n.º 1 e 
 na alínea b) do n.º 2 do art. 38º, todos da CRP, inconstitucionalidade que, para 
 todos os devidos e legais efeitos, aqui se deixa expressamente arguida” (fls. 
 
 167).
 
  
 
             O Ministério Público respondeu (fls. 186 e seguintes), sustentando 
 que devia negar-se provimento ao recurso interposto.
 
  
 
             O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 16 de Fevereiro de 
 
 2005, rejeitou o recurso interposto por A., pelos seguintes fundamentos (fls. 
 
 287 e seguintes):
 
  
 
 “[...]
 Questão prévia: 
 Admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
 O artigo 400º do Código de Processo Penal estabelece nas diversas alíneas do seu 
 n.º 1 os casos em que as decisões proferidas não admitem recurso, entre elas e 
 com particular realce, de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que 
 não ponham termo à causa.
 Por outro lado, o art. 432° do mesmo diploma estabelece os casos em que é 
 admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, entre eles, o recurso 
 de decisões das relações proferidas em 1ª instância e das decisões que não sejam 
 irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do art. 400º.
 Ora, em nenhuma destas alíneas se integra a decisão recorrenda.
 Na verdade, não se trata de decisão proferida em 1ª instância, já que se trata 
 de um recurso de acórdão a confirmar ou alterar uma decisão do Tribunal de 
 Instrução Criminal de Évora, o que a torna irrecorrível à luz do art. 400° do 
 CPP.
 Além do mais, não se trata de decisão em que estejam em causa direitos 
 fundamentais do cidadão que impliquem privação do direito à liberdade, 
 nomeadamente a prisão preventiva, nem que não estejam asseguradas todas as 
 garantias de defesa da recorrente que, neste momento, nem se mostra sequer que 
 tenha sido constituída arguida no processo, em violação do disposto no art. 32°, 
 n.º 1, da Constituição da Republica Portuguesa.
 Tratou-se, apenas e tão só, de decidir se a requerente deve ou não prestar 
 depoimento no processo de inquérito que corre termos no tribunal de instrução 
 criminal da Comarca de Évora.
 O recurso interposto não se integra, pois, em qualquer das alíneas das 
 disposições acima referidas, pelo que nos termos do art. 420°, n.º 1, do CPP, 
 conjugado com o n.º 2 do art. 414° do mesmo diploma, deve ser rejeitado por 
 inadmissível.
 Perante o exposto, tendo em conta o que vem disposto no art. 419°, n.º 4, al. a) 
 do CPP, acordam em Conferência os Juízes Conselheiros da Secção Criminal do 
 Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso interposto pela recorrente A..
 
 [...].”.
 
 3.         Deste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que lhe rejeitou o 
 recurso veio A. interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes 
 termos (fls. 298 e seguinte):
 
  
 
 “[...]
 
 - O recurso é interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro;
 
 - Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas conjugadas da 
 alínea c) do n.º 1 do art. 400º e da al. b) do art. 432º, ambos do Código de 
 Processo Penal, quando interpretadas no sentido de considerarem irrecorrível, 
 por não pôr termo à causa, a decisão do incidente de prestação de depoimento com 
 quebra de segredo profissional, prevista no n.º 3 do art. 135º do mesmo Código;
 
 - Tais normas, assim aplicadas, violam o disposto nos n.ºs 1, 4 e 5 do art. 20º 
 e no art. 32º, ambos da Constituição da República Portuguesa;
 
 - A questão de inconstitucionalidade nos termos agora definidos não foi 
 suscitada no processo, dado que a Recorrente foi confrontada com uma situação de 
 interpretação normativa inesperada, ainda para mais restrita à questão da 
 admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não tendo, assim, 
 oportunidade processual para suscitar a questão antes de esgotado o poder 
 jurisdicional deste alto Tribunal;
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
             O recurso foi admitido por despacho de fls. 300.
 
  
 
  
 
 4.         Nas alegações que apresentou neste Tribunal (fls. 320 e seguintes), 
 concluiu assim a recorrente:
 
  
 
 “1ª O Acórdão do TRE decidiu, em primeira instância, a prestação de depoimento 
 pela Recorrente com quebra do respectivo segredo profissional, pondo por isso 
 termo ao respectivo incidente;
 
 2ª Esta decisão é manifestamente desfavorável à recorrente, jornalista de 
 profissão, restringindo o seu direito fundamental (al. b) do n.º 2 do art. 38º 
 da CRP) ao segredo profissional;
 
 3ª A Recorrente tem direito a obter uma reapreciação judicial desta decisão que 
 lhe foi desfavorável;
 
 4ª A decisão do TRE não se enquadra na previsão da alínea c) do n.º 1 do art. 
 
 400º do CPP, antes cabendo na alínea a) do art. 432º do mesmo Código;
 
 5ª Ao julgar irrecorrível o acórdão do TRE, o STJ dá às referidas normas do CPP 
 uma interpretação manifestamente inconstitucional, negando à Recorrente o 
 direito a recorrer de uma decisão judicial desfavorável;
 Efectivamente,
 
 6ª Tal interpretação das normas referidas viola directamente a Constituição da 
 República Portuguesa (CRP), nos seus arts. 20º n.ºs 1, 4 e 5 e 32º, ignorando 
 pura e simplesmente a norma que permite recorrer para o STJ de decisões das 
 relações proferidas em 1ª instância, nos termos do art. 432º a) CPP;
 
 7ª A interpretação das normas do CPP acima referidas, no sentido de tornar 
 irrecorrível a decisão do TRE que se pronuncia em primeiro lugar sobre a 
 prestação de depoimento da Recorrente com quebra de segredo profissional, viola 
 manifestamente as disposições constitucionais que permitem e garantem o acesso 
 ao direito e à tutela jurisdicional efectiva e asseguram todas as garantias de 
 defesa em processo criminal;
 
 8ª A interpretação levada a cabo pelo STJ das normas conjugadas da alínea c) do 
 n.º 1 do art. 400º e da alínea b) do art. 432º, ambas do CPP, verifica-se, em 
 consequência, inconstitucional face às normas constantes do art. 20º e do art. 
 
 32º da CRP, nomeadamente no que diz respeito à possibilidade de recurso, 
 devendo, portanto, ser declaradas inconstitucionais no âmbito do presente 
 processo.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 5.         O representante do Ministério Público junto do Tribunal 
 Constitucional contra-alegou (fls. 336 e seguintes), concluindo do seguinte 
 modo:
 
  
 
 “1 - Não é convocável, a propósito do interesse de certa testemunha em processo 
 penal em ver resguardado o sigilo profissional por ela invocado, como 
 fundamento da recusa a depor, o princípio constitucional das garantias de defesa 
 do arguido.
 
 2 - Não pode inferir-se da consagração constitucional do direito de acesso à 
 justiça e aos tribunais a existência, constitucionalmente imposta, do direito 
 ao recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, relativamente ao juízo de 
 ponderação de interesses, feito pela Relação nos termos do artigo 135°, n.° 2, 
 do Código de Processo Penal, decretando a «quebra» do sigilo profissional 
 invocado.
 
 3 - Na verdade, o direito de acesso à justiça não comporta a atribuição de um 
 genérico «direito ao recurso», representando salvaguarda adequada do direito da 
 testemunha em questão a atribuição de competência para «quebrar» o sigilo 
 profissional a um Tribunal Superior, com precedência de um parecer emitido pela 
 entidade representativa dos interesses profissionais envolvidos no sigilo 
 invocado.
 
 4 - Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
 
  
 
  
 
             Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 
  
 
  
 
 6.         Constituem objecto do presente recurso de constitucionalidade – tal 
 como foi delimitado pela recorrente (supra, 3.) – as normas conjugadas da alínea 
 c) do n.º 1 do artigo 400º e da alínea b) do artigo 432º do Código de Processo 
 Penal, interpretadas no sentido de considerarem irrecorrível, por não pôr termo 
 
 à causa, a decisão do incidente de prestação de depoimento com quebra de segredo 
 profissional, prevista no n.º 3 do artigo 135º do mesmo Código.
 
  
 
             Segundo a recorrente, tais normas, nessa interpretação, violariam o 
 disposto nos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 20º e no artigo 32º, todos da Constituição, 
 que lhe confeririam o direito a obter uma reapreciação judicial de tal decisão.
 
  
 
             É o seguinte o teor dos preceitos do Código de Processo Penal 
 questionados no presente recurso:
 
  
 
 “Artigo 400º
 
 (Decisões que não admitem recurso)
 
 1.      Não é admissível recurso:
 
 [...]
 c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à 
 causa;
 
 [...].
 
  
 Artigo 432º
 
 (Recurso para o Supremo Tribunal Justiça)
 Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
 
 [...]
 b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em 
 recurso, nos termos do artigo 400º;
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
 7.         No acórdão recorrido – que é o do Supremo (supra, 2.) – considerou-se 
 que era irrecorrível a decisão da Relação que determinara à ora recorrente a 
 prestação de depoimento com quebra do segredo profissional, no âmbito de um 
 inquérito em que se investigava a prática de crime de violação de segredo de 
 justiça.
 
  
 
             E concluiu-se no sentido dessa irrecorribilidade por se entender 
 que:
 
  
 
             a) A decisão da Relação não pôs termo à causa;
 
             b) A decisão da Relação foi proferida em recurso;
 
             c) A decisão da Relação é, além disso, uma decisão em que não estão 
 em causa direitos fundamentais do cidadão que impliquem privação do direito à 
 liberdade.
 
  
 
  
 
 8.         Por sua vez, a recorrente sustenta a recorribilidade da decisão da 
 Relação que lhe determinara a prestação de depoimento com quebra do segredo 
 profissional, com base essencialmente em dois fundamentos (supra, 4.):
 
             a) A decisão da Relação deve qualificar-se como “decisão final”, que 
 pôs termo à “causa” – o incidente previsto e regulado no artigo 135º, n.º 3, do 
 Código de Processo Penal;
 
             b) A decisão da Relação foi proferida em 1ª instância, sendo deste 
 modo admissível o “duplo grau de jurisdição”.
 
  
 
  
 
 9.         Não compete ao Tribunal Constitucional sindicar a aplicação do 
 direito ordinário feita pela decisão recorrida, nem os fundamentos em que ela 
 assenta.
 
  
 
             A este Tribunal apenas cabe apreciar a conformidade constitucional 
 da interpretação perfilhada na decisão recorrida quanto às normas questionadas 
 pela recorrente. 
 
  
 
             Para melhor compreensão do que se discute no presente recurso, 
 transcreve-se o artigo 135º, n.º 3, do Código de Processo Penal (cuja 
 conformidade constitucional já foi, aliás, apreciada pelo Tribunal 
 Constitucional, no acórdão n.º 7/87, de 9 de Janeiro, publicado em Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 9º volume, 1987, p. 7 ss):
 
  
 
 “Artigo 135º
 
 (Segredo profissional)
 
 […]
 
 3. O tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente [de escusa de 
 depoimento] se tiver suscitado, ou, no caso de o incidente se ter suscitado 
 perante o Supremo Tribunal de Justiça, o plenário das secções criminais, pode 
 decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que 
 esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, 
 nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante. A 
 intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
 
 […].”.
 
  
 
             No caso em apreço, tal como previsto na lei, o Ministério Público 
 requereu ao Juiz de Instrução que suscitasse a intervenção do Tribunal da 
 Relação de Évora, a fim de que este tribunal decidisse da prestação de 
 testemunho, pela ora recorrente, com quebra do segredo profissional. O Juiz de 
 Instrução suscitou tal intervenção e a Relação ordenou a prestação de depoimento 
 com quebra do segredo profissional.
 
  
 
             O Juiz de Instrução não proferiu portanto qualquer decisão ordenando 
 a prestação de depoimento pela ora recorrente, da qual pudesse ser ou tivesse 
 sido interposto recurso para a Relação de Évora. Limitou-se a verificar a 
 legitimidade da recusa de prestar depoimento por parte da jornalista, ora 
 recorrente, e a suscitar a intervenção da Relação de Évora, tendo este tribunal 
 proferido a primeira decisão sobre a questão.
 
  
 
             Observa-se, assim, analisando o disposto no artigo 135º, n.º 3, do 
 Código de Processo Penal e o processado nos presentes autos (supra, 1.), que a 
 decisão da Relação, da qual se pretendeu interpor recurso, foi a primeira 
 decisão proferida sobre o depoimento a prestar. 
 
  
 
             O que acaba de se afirmar não significa que devia, nos termos da 
 lei, ter havido recurso do acórdão da Relação para o Supremo. 
 
  
 
             Como acima se deixou expresso, o Tribunal Constitucional não tem 
 competência – contrariamente ao que parece entender a recorrente, tendo em conta 
 a conclusão 4ª das suas alegações (supra, 4.) – para aferir se, das normas em 
 apreciação no presente recurso de constitucionalidade, decorre aquela 
 recorribilidade, pois que tal aferição ou tal interpretação do direito ordinário 
 apenas compete ao tribunal recorrido.
 
  
 
             Com as considerações precedentes, apenas se pretende significar que 
 o acórdão da Relação, do qual se pretendeu recorrer para o Supremo, não havia 
 sido proferido em via de recurso; só que esta indagação teve necessariamente de 
 ser realizada, sob pena de não poder ser apreciada a presente questão de 
 constitucionalidade, que se prende, justamente, com a eventual violação do 
 direito ao recurso. 
 
  
 
             Ora, ainda que se considere – diferentemente do que entendeu o 
 Supremo – que a decisão da Relação foi proferida em primeira instância, tal não 
 implica a procedência das razões invocadas pela recorrente. Não sendo a 
 recorrente arguida no processo, mas simples testemunha, não podem obviamente 
 invocar-se no caso, como parâmetro para aferir a constitucionalidade das normas 
 questionadas, as garantias de defesa do arguido, tal como consagradas no artigo 
 
 32º da Constituição da República Portuguesa. Apenas poderá estar em causa, como 
 sublinha o Ministério Público nas suas contra-alegações, “o direito de acesso à 
 justiça de todos os sujeitos ou intervenientes processuais que se considerem 
 prejudicados ou afectados pelas decisões proferidas nos processos em que têm 
 intervenção” (cfr. fls. 337).
 
  
 
             Sendo assim, a questão reconduz-se a saber se na decisão da Relação 
 estão em causa “direitos fundamentais do cidadão que impliquem privação do 
 direito à liberdade”.
 
  
 
             Importa começar por reconhecer, como aliás decorre do que antecede, 
 que uma decisão que determina a prestação de depoimento com quebra de segredo 
 profissional num determinado processo em que o depoente não é arguido não se 
 enquadra efectivamente na previsão do artigo 32º, n.º 1, da Constituição, que 
 apenas contempla o direito ao recurso do arguido.
 
  
 
             Não sendo aplicável, ao caso dos autos, este artigo 32º, n.º 1, na 
 parte em que prevê o direito do arguido ao recurso – pois que a ora recorrente 
 não é arguida no processo em que se ordenou que prestasse depoimento com quebra 
 de segredo profissional –, e discutindo-se tão somente o direito de acesso à 
 justiça, cabe verificar se as normas do artigo 20º, n.ºs 1, 4 e 5, da 
 Constituição, invocadas pela recorrente, exigiriam que a recorrente pudesse 
 recorrer da decisão da Relação para o Supremo.
 
  
 
             É o que se vai ver de seguida.
 
  
 
  
 
 10.       Que a recorrente não beneficiou efectivamente do direito ao recurso 
 resulta do que atrás se disse sobre a circunstância de a decisão da Relação da 
 qual pretendeu recorrer para o Supremo ter sido a primeira decisão proferida 
 sobre a questão. Mas será que a Constituição lhe confere tal direito ao recurso, 
 enquanto direito a uma reapreciação judicial da decisão que havia sido 
 proferida?
 
  
 
 10.1.    O n.º 5 do artigo 20º da Constituição, que a recorrente invoca, não tem 
 aqui manifestamente aplicação. Tal preceito estabelece que “para defesa dos 
 direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos 
 procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a 
 obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses 
 direitos”. Ora a irrecorribilidade de uma decisão não põe em causa a celeridade 
 e prioridade de uma decisão judicial, antes pode ter precisamente o efeito de 
 prosseguir esses valores.
 
  
 
 10.2.    Por outro lado, o n.º 4 do artigo 20º da Constituição apenas poderia 
 ter aplicação na parte em que assegura o direito a um processo equitativo. 
 Contudo, como a questão que importa agora resolver se prende com o direito ao 
 recurso, o preceito imediatamente aplicável é o do n.º 1, que assegura o acesso 
 aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos. 
 
  
 
 10.3.    Ora, do n.º 1 do artigo 20º da Constituição não decorre um direito 
 geral ao recurso. 
 
  
 
             Como o Tribunal Constitucional afirmou no acórdão n.º 163/90, de 23 
 de Maio (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º volume, 1990, p. 
 
 301 ss), o direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses 
 legítimos “é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a 
 que se deve chegar em prazo razoável e com observância das regras da 
 imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto 
 funcionamento do contraditório”. Mas esse acesso aos tribunais não tem que ser 
 assegurado sempre em mais de um grau de jurisdição: mesmo no domínio do processo 
 penal, “[a] Constituição não impõe [...] que o legislador consagre a faculdade 
 de recorrer de todo e qualquer acto do juiz”. 
 
  
 
             Por outro lado, disse este Tribunal, no acórdão n.º 673/95 (Diário 
 da República, 2ª Série, n.º 68, de 20 de Março de 1996, p. 3786 ss):
 
  
 
 “[...]
 Que não há aí violação do artigo 20º e mais rigorosamente do seu n.º 1, da 
 Constituição – [...] – é um dado que ressalta de posições ditas e reafirmadas 
 por este Tribunal Constitucional, apoiando‑se na doutrina e na sua já vasta 
 jurisprudência a propósito tirada, no sentido de que o direito de acesso aos 
 tribunais postulado pelo artigo 20º, n.º 1, da Lei Fundamental não garante, 
 necessariamente, em todos os casos e por si só, o direito a um duplo ou a um 
 triplo grau de jurisdição, sendo que a garantia de um duplo grau de jurisdição 
 referentemente a réus condenados em processo criminal não é imposta por aquele 
 normativo constitucional, antes decorrendo do que se preceitua no n.º 1 do 
 artigo 32º da Constituição.
 E, igualmente, tem defendido que aquela Lei não consagra um direito geral de 
 recurso das decisões judiciais (afora aquelas de natureza criminal condenatória, 
 recurso esse, porém, que deflui da necessidade de previsão de um segundo grau 
 de jurisdição, necessidade essa, repete‑se, imposta pelo n.º 1 do artigo 32º). 
 Acrescenta, todavia, com suporte na própria doutrina, que, uma vez que a 
 Constituição prevê «a existência de tribunais de recurso na ordem dos tribunais 
 judiciais» – o mesmo acontecendo na ordem dos tribunais administrativas e 
 fiscais – e que lei infra‑constitucional, designadamente os diplomas adjectivos 
 fundamentais e os que regem a organização judiciária, [...], também prevêem 
 esses órgãos de administração de justiça funcionando como tribunais também 
 vocacionados para decidir em sede de impugnação das decisões emanadas de 
 tribunais de hierarquia inferior, então não será lícito ao legislador ordinário 
 suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos ou ir até ao 
 ponto de limitar de tal modo o direito de recorrer, que, na prática, se tivesse 
 de concluir que os recursos tinham sido suprimidos (as expressões em itálico 
 são extraídas da obra Recursos em Processo Civil, de Armindo Ribeiro Mendes, 
 Lisboa 1992, pp. 100, 101 e 102; cfr., como exemplo da jurisprudência do 
 Tribunal, e com mais recente publicação, quanto ao tema em análise, o Acórdão 
 n.º 447/93, no Diário da República, 2ª Série, de 23 de Abril de 1994).
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
             É, portanto, entendimento pacífico na jurisprudência constitucional 
 que o direito de acesso à justiça não comporta o sistemático exercício do 
 direito ao recurso, visando assegurar o duplo grau de jurisdição perante todas 
 as decisões que afectem determinado interveniente processual.
 
  
 
             Logo, não é possível sustentar que do artigo 20º, n.º 1, da 
 Constituição decorre, sem mais, o direito do titular do direito ao sigilo 
 profissional, a quem foi ordenada a prestação de depoimento em processo penal 
 com quebra desse mesmo sigilo, de interpor recurso da correspondente decisão 
 judicial, para obter a reapreciação dessa decisão. 
 
  
 
             Conclui-se, deste modo, que o direito ao recurso, num caso como o 
 discutido nestes autos, se inscreve na liberdade de conformação do legislador, 
 porque a Constituição não assegura tal direito relativamente a todo e qualquer 
 acto praticado em processo penal. 
 
  
 
              A interpretação que agora se aprecia não implica, assim, violação 
 do disposto nos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 20º da Constituição.
 
  
 
  
 III
 
  
 
  
 
 11.       Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional 
 decide negar provimento ao presente recurso.
 
  
 
             Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) 
 unidades de conta.
 
  
 
  
 Lisboa, 2 de Novembro de 2005
 
  
 Maria Helena Brito
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício