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Proc. nº 565/94
 
 1ª Secção
 Rel. Cons. Ribeiro Mendes
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
                                Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I
 
  
 
                                1. A., arguido preso, veio interpor reclamação 
 para o Tribunal Constitucional, nos termos do nº 4 do art. 76º da respectiva lei 
 orgânica, do despacho do Conselheiro relator do Supremo Tribunal de Justiça, de 
 fls. 5411 e verso, que não admitiu recurso de constitucionalidade por ele 
 interposto.
 
  
 
  
 
                                Invocou e seguinte:
 
  
 
  
 
 - Em 11 de Julho de 1994, o ora reclamante pediu a sua restituição à liberdade 
 
 'por extinção da prisão preventiva entretanto sofrida';
 
  
 
  
 
 - O requerimento foi indeferido pelo despacho de fls. 5407, confirmado pelo 
 despacho de fls. 5411 e vº do Conselheiro relator do Supremo Tribunal de Justiça 
 objecto da presente reclamação, não tendo nenhum desses despachos levado em 
 consideração que não transitara em julgado o despacho que havia reconhecido o 
 processo como de excepcional complexidade, por pender impugnação deste último no 
 Tribunal Constitucional, circunstância que impedia a ampliação por um ano do 
 prazo máximo de duração da prisão preventiva;
 
  
 
 - São ambíguos, na sua fundamentação, os despachos em causa, nomeadamente o 
 segundo, ao afirmar que não houve no primeiro, de indeferimento da restituição à 
 liberdade, qualquer referência vinculativa a uma certa interpretação da lei no 
 sentido sustentado pelo requerente;
 
  
 
 - Ambos os despachos referidos são nulos, por força do art. 668º, nº 1, alínea 
 b), do Código de Processo Civil;
 
  
 
 - O que está em causa é a questão da orientação conforme da jurisprudência do 
 Supremo Tribunal de Justiça que considera que, após o acórdão condenatório 
 proferido por este Tribunal, o arguido condenado deixa de estar em situação de 
 prisão preventiva, passando a cumprir pena, mesmo quando desse acórdão foi 
 interposto recurso para o Tribunal Constitucional;
 
  
 
 - No entender do reclamante, esse entendimento jurisprudencial implica uma 
 interpretação do art. 215º do Código de Processo Penal, em especial do seu nº 4, 
 que viola de forma óbvia o art. 32º, nº 2, da Constituição, bem como o princípio 
 do respeito pelo caso julgado.
 
  
 
  
 
  
 
                                Concluiu pedindo que o Tribunal Constitucional 
 ordenasse que fosse admitido o recurso rejeitado pelo Conselheiro relator no 
 Supremo Tribunal de Justiça.
 
  
 
  
 
                                O despacho foi mantido por acórdão de 10 de 
 Novembro de 1994, dando-se por reproduzidos os fundamentos do despacho de fls. 
 
 5411, de rejeição do recurso (a fls. 211 dos autos de reclamação).
 
  
 
  
 
                                2. A reclamação foi remetida ao Tribunal 
 Constitucional, tendo sido distribuída.
 
  
 
  
 
                                No seu visto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto 
 exarou parecer em que se pronunciou pela manifesta improcedência da reclamação, 
 invocando que o ora reclamante pretendeu impugnar uma decisão de não aplicação 
 de certa norma, por fundamento diverso do de inconstitucionalidade, razão por 
 que o objecto da impugnação seria não uma norma jurídica, mas uma pura decisão 
 judicial.
 
  
 
  
 
                                3. Foram corridos os vistos legais.
 
  
 
  
 
                                Cumpre conhecer do objecto da reclamação.
 
  
 
  
 II
 
  
 
                                4. 0 ora reclamante veio a obter provimento 
 parcial do recurso por si interposto do acórdão do 2º Juízo Criminal de Lisboa 
 que o condenara pela prática dos crimes de associação de delinquentes e de 
 tráfico de estupefacientes, este último na forma continuada, condenando-o o 
 Supremo Tribunal de Justiça na pena única de treze anos, um mês e quinze dias de 
 prisão (acórdão de 1 de Julho de 1993, cópia certificada a fls. 93 a 159 dos 
 presentes autos).
 
  
 
  
 
                                Na sequência da notificação deste acórdão, o ora 
 reclamante requereu a extinção da prisão preventiva e pediu a aclaração daquele 
 acórdão.
 
  
 
  
 
                                Há notícia na certidão junta aos presentes autos 
 de que o ora reclamante interpôs um outro recurso para o Tribunal 
 Constitucional, o qual não foi admitido. O processo manteve-se, por virtude de 
 diferentes requerimentos e decisões, no Supremo Tribunal de Justiça até ao 
 presente.
 
  
 
  
 
                                Em 11 de Julho de 1994, o ora reclamante veio 
 requerer de novo ao Supremo Tribunal de Justiça que o mandasse restituir à 
 liberdade, por estar preso desde 13 de Julho de 1990, tendo cumprido quatro anos 
 inteiros de prisão preventiva. Invocou que a decisão condenatória ainda não 
 estava transitada em julgado, do mesmo modo que não teria transitado em julgado 
 o despacho que declarava o processo como de excepcional complexidade (estava 
 pendente no Tribunal Constitucional reclamação pela não admissão do recurso 
 interposto do despacho que declarava o processo de excepcional complexidade). 
 Nesse requerimento, o ora reclamante suscitou a questão de inconstitucionalidade 
 de interpretação perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça do art. 215º do 
 Código de Processo Penal, em especial do seu nº 4.
 
  
 
  
 
                                O requerimento foi indeferido por despacho 
 proferido em 15 de Julho de 1994 (a fls. 5407 dos autos principais; fls. 206 dos 
 presentes autos).
 
  
 
  
 
                                O ora reclamante não impugnou este despacho 
 através de reclamação para a conferência (art. 700º, nº 3, do Código de Processo 
 Civil, preceito aplicável também em processo penal). Ao invés, dele interpôs 
 directamente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do 
 nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, fundamentando detalhadamente 
 esse requerimento (a fls. 207 a 208 vº dos presentes autos).
 
  
 
  
 
                                Sobre este recurso, recaiu o despacho reclamado, 
 a fls. 5411 e vº dos autos principais (fls. 209 e vº dos presentes autos):
 
  
 
  
 
 'O despacho de que agora se pretende interpor recurso é do seguinte teor:
 
  
 
  
 
 «A pretensão do requerente A., mesmo a aceitar-se a tese (que se não aceita em 
 harmonia com a doutrina uniformemente seguida pelas decisões deste Supremo, e na 
 qual só se tem conhecimento de um voto discordante, que é, precisamente, o 
 invocado pelo requerente) (conduziria a que) o prazo máximo de prisão seria o de 
 quatro anos e seis meses, nos termos do artigo 415º [deve haver lapso: a 
 referência deve ser ao art. 215º] do Código de Processo Penal.
 
  
 Vai, por isso, indeferido.»
 
  
 
  
 
  
 
           Como se verifica pela precedente transcrição, o despacho em causa não 
 fez a menor referência vinculativa a qualquer interpretação da lei no sentido 
 sustentado pelo recorrente, pois se baseou unicamente na circunstância de, nos 
 termos do artigo em apreço, o prazo máximo de prisão preventiva, mesmo dentro da 
 posição interpretativa assumida pelo mesmo recorrente, se não encontrar 
 excedido, na medida em que, por ter sido interposto recurso para o Tribunal 
 Constitucional, tal prazo era de 4 anos e 6 meses.
 
  
 
  
 
           Nestes termos, é manifestamente inviável o recurso, motivo pelo qual e 
 de harmonia com os artigos 70º e seguintes da Lei 28/82, o não admito.'
 
  
 
  
 
                                5. A presente reclamação não pode lograr 
 provimento.
 
  
 
  
 
                                De facto e como resulta da descrição da sequência 
 processual atrás feita, o ora reclamante pretendeu impugnar por recurso de 
 constitucionalidade um despacho do relator, sem prévia impugnação do mesmo para 
 a conferência, nos termos do art. 700º, nº 3, do Código de Processo Civil, 
 também aplicável em processo penal. Ora, face ao referido, poderá, desde logo, 
 entender-se que não se acham esgotados os recursos ordinários, nos termos e para 
 os efeitos do nº 2 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional (a 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional tem considerado que todos os meios 
 impugnatórios de decisões judiciais, recursos e reclamações, devem ser 
 esgotados, no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do nº 1 do art. 
 
 70º da Lei do Tribunal Constitucional - cfr. A Ribeiro Mendes, Recursos em 
 Processo Civil, 2ª ed., Lisboa, 1994, pág. 332; J.M. Cardoso da Costa, A 
 Jurisdição Constitucional em Portugal, 2ª ed., Coimbra, 1992, pág. 51-52, nota 
 
 50-a).
 
  
 
  
 
                                6. Mas independentemente desta questão de não 
 exaustão dos recursos ordinários, o despacho que o ora reclamante pretendeu 
 impugnar pelo recurso de constitucionalidade (não admitido) não aplicou o art. 
 
 215º do Código de Processo Penal com o sentido invocadamente inconstitucional 
 que lhe apontou o ora reclamante.
 
  
 
  
 
                                De facto, para o ora reclamante, o art. 215º do 
 Código de Processo Penal, e em especial o seu nº 4, seria 'manifestamente 
 inconstitucional, na interpretação que o S.T.J. lhe vem dando, no sentido de 
 que, mesmo havendo recurso para o Tribunal Constitucional, o arguido deixaria de 
 estar preso preventivamente mas em cumprimento de pena' (a fls. 7 dos presentes 
 autos).
 
  
 
  
 
                                Ora, no despacho de fls. 5407, o juiz relator não 
 aplicou a norma do art. 215º com o sentido alegadamente inconstitucional: 
 limitou-se a indeferir o requerido por não estar ultrapassado o prazo máximo de 
 prisão preventiva (quatro anos e seis meses), afastando in casu a orientação 
 
 (reafirmada em tese geral como obiter dictum), de que, após o acórdão 
 condenatório  do Supremo Tribunal de Justiça, havendo recurso de 
 constitucionalidade, cessa a situação de prisão preventiva e inicia-se a 
 situação de começo de execução de pena.
 
  
 
  
 
                                7. Não pode, como é evidente, o Tribunal 
 Constitucional sindicar se o prazo de prisão preventiva indicado era o 
 legalmente aplicável (o ora reclamante invocou que ainda não tinha transitado em 
 julgado o despacho que decidira que o respectivo processo se revelara de 
 excepcional complexidade, nos termos e para os efeitos do nº 3 do mesmo art. 
 
 215º, mas tal questão não pode ser apreciada na presente reclamação pelo 
 Tribunal Constitucional, muito embora se tenha oficiosamente conhecimento de que 
 a causa impeditiva de tal trânsito já não subsiste - veja-se o acórdão nº 526/94 
 da 2ª Secção, ainda inédito, deste Tribunal, proferido em outro processo de 
 reclamação, em que o reclamante era o mesmo da presente).
 
  
 
  
 
             Pode, porém, concluir-se sem dúvida que o art. 215º, nomeadamente o 
 seu nº 4, do Código de Processo Penal não foi aplicado nos autos com o sentido 
 alegadamente inconstitucional (nem tão pouco deixou de ser aplicado por força da 
 aplicação de uma qualquer outra norma de origem legal ou jurisprudencial - em 
 sentido diferente, sustentando  que o ora reclamante pretendeu, no fundo, 
 impugnar uma decisão judicial concreta através de uma espécie de 'habeas corpus' 
 contra essa decisão, num sistema que, como o nosso, não admite recurso de 
 amparo, veja-se o que consta do parecer do Ministério Público, a fls. 217 vº dos 
 autos).
 
  
 
  
 
                                8. Não estão, por isso, reunidos os pressupostos 
 necessários para a interposição do recurso, no presente caso.
 
  
 
  
 III
 
  
 
                                9. Termos em que, pelos fundamentos indicados, 
 decide o Tribunal Constitucional indeferir a presente reclamação.
 
  
 
  
 
                                Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de 
 justiça em 4 (QUATRO) unidades de conta.
 
  
 
                                Lisboa,14 de Março de 1995
 
                                             Armindo Ribeiro Mendes
 Antero Alves Monteiro Dinis
 Maria Fernanda Palma
 Alberto Tavares da Costa
 Vítor Nunes de Almeida
 José Manuel Cardoso da Costa