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Processo: n.º 522/94.
 Requerente: Presidente da República.
 Relator: Conselheiro Sousa e Brito.
 
  
 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I — Relatório
 
  
 
 1 — Em 14 de Dezembro de 1994 o Presidente da República requereu ao Tribunal 
 Constitucional, nos termos dos n.os 1 e 3 do artigo 278.º da Constituição da 
 República e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, a fiscalização preventiva da constitucionalidade dos artigos 5.º, n.º 
 
 2, e 8.º, n.os 1, 2 e 3, do Decreto n.º 185/VI da Assembleia da República sobre 
 o «controlo público de rendimentos e património dos titulares de cargos 
 públicos», recebido em 6 do corrente na Presidência da República para 
 promulgação.
 
  
 
 2 — O Presidente da República afirma preliminarmente que o Decreto n.º 185/VI 
 foi aprovado na sequência da nova apreciação do anterior Decreto n.º 174/VI, 
 sobre a mesma matéria, por si solicitada em mensagem fundamentada ao exercer o 
 direito de veto relativamente a esse diploma, e que mantém, na sua maior parte, 
 quanto ao novo Decreto, as reservas que anteriormente formulara.  Há, todavia, 
 dúvidas de natureza jurídico-constitucional, que crê resultarem de uma opção que 
 consistiu em «tratar de forma uniforme situações e cargos que pela sua 
 especificidade exigiam, salvo melhor opinião, tratamento diferenciado».  Essas 
 dúvidas constam dos fundamentos do requerido, que são as seguintes:
 
  
 
 1 — O artigo 5.º, n.os 1 e 2, do Decreto em apreço, prevê, para o caso de 
 incumprimento culposo, a aplicação de sanções pela não apresentação das 
 declarações previstas nos artigos 3.º e 4.º, após notificação para cumprimento 
 em determinado prazo.
 Salvo quanto ao Presidente da República e ao Primeiro-Ministro, o incumprimento 
 culposo fará incorrer os infractores em declaração de perda do mandato, demissão 
 ou destituição judicial, consoante os casos, ou quando se trate da situação 
 prevista na primeira parte do n.º 1 do artigo 4.º, em inibição por período de 1 
 a 5 anos para o exercício do cargo que obrigue à referida declaração e que não 
 corresponda ao exercício de funções como magistrado de carreira.
 
 2 — As medidas sancionatórias previstas neste artigo 5.º parecem visar um efeito 
 claramente punitivo, assumindo a natureza de verdadeiras sanções penais, face ao 
 carácter de reprovação que implicitamente possuem e aos fundamentos 
 
 ético-jurídicos em que se baseiam.
 Estas sanções envolvem, para os infractores, a privação ou restrição de direitos 
 fundamentais, como sejam os direitos de participação na vida pública e de acesso 
 a cargos públicos, constantes dos artigos 48.º, n.º 1, e 50.º, n.º 1, da 
 Constituição.
 
 3 — Por sua vez, o artigo 8.º do mesmo Decreto atribui competência:
 
  
 
 — ao Tribunal Constitucional, para aplicar as sanções referidas no artigo 5.º 
 aos titulares dos cargos referidos nas alíneas b), c) (com excepção do 
 Primeiro-Ministro), d), e) (relativamente aos juízes do Tribunal Constitucional 
 e do Tribunal de Contas), f) a l) do artigo 2.º;
 
 — aos tribunais administrativos, para aplicar as sanções referidas no artigo 5.º 
 aos titulares dos cargos referidos na alínea m) do artigo 2.º;
 
 — à entidade que detém poder disciplinar, para aplicar sanções aos juízes dos 
 tribunais supremos, dos tribunais judiciais de primeira e segunda instância, dos 
 demais tribunais administrativos e fiscais, dos tribunais militares e dos 
 tribunais marítimos.
 
  
 
 4 — A opção pela atribuição de competência para a aplicação de sanções a 
 diferentes categorias de tribunais, e a entidades que detenham poder 
 disciplinar, definida apenas em função do estatuto pessoal dos titulares de 
 cargos públicos, poderá acarretar diferenciações de tratamento, sem fundamento 
 material bastante:
 
  
 
              a)   desde logo, em matéria de recurso das decisões punitivas.  Os 
 titulares de cargos públicos que vejam as suas causas julgadas nos tribunais 
 administrativos, ou pelas entidades que sobre eles tenham poder disciplinar, têm 
 asseguradas, pelo menos, duas vias de recurso das decisões que lhes apliquem 
 sanções, sendo tal garantia negada aos titulares de cargos públicos sujeitos à 
 jurisdição do Tribunal Constitucional, o que poderá configurar violação do 
 princípio constitucional da igualdade;
 
              b)   e também relativamente ao Juiz Presidente do Supremo Tribunal 
 Militar e aos juízes vogais.  As razões que levaram o legislador a sujeitar os 
 juízes do Tribunal Constitucional e do Tribunal de Contas à jurisdição do 
 Tribunal Constitucional e que, aparentemente se prendem com o modo de designação 
 e o regime de exercício dos respectivos cargos, pareceria justificar para o Juiz 
 Presidente do Supremo Tribunal Militar e para os juízes vogais, idêntico 
 tratamento, o que não se verifica.
 Para eles, a competência punitiva é cometida à entidade que detém poder 
 disciplinar, o que poderá configurar também, violação do princípio 
 constitucional da igualdade, desde logo, face ao diferente sistema de garantias 
 de independência, imparcialidade e isenção;
 
              c)   o mesmo se poderá passar relativamente aos gestores e aos 
 administradores em representação do Estado ou de pessoa colectiva pública, de 
 empresas de capitais públicos ou de economia mista.  Parece não se descortinar, 
 com efeito, fundamento material bastante para subtrair a apreciação dos seus 
 casos à competência da entidade que sobre eles detém poder disciplinar 
 
 (claramente abrangido nos poderes de tutela), pela mesma ordem de razões — 
 profissionalidade, estatuto profissional próprio e carreira — que terão levado o 
 legislador a prever tal solução para os juízes;
 
              d)   que concluir, finalmente, da situação dos magistrados de 
 carreira que exercem funções no Tribunal Constitucional e no Tribunal de Contas, 
 relativamente aos restantes juízes?
 
  
 
 5 — A opção pela atribuição de competência para a aplicação destas sanções a 
 entidades que detenham o poder disciplinar, poderá envolver também delicadas 
 questões de natureza jurídico-constitucional.
 Prendem-se tais questões com a circunstância de esta opção do legislador o ter 
 obrigado a configurar como sanções de natureza disciplinar (v. artigo 5.º, n.º 
 
 2), verdadeiras sanções de natureza penal.
 A degradação de sanções de natureza penal em sanções de natureza disciplinar em 
 função apenas das pessoas a quem se irão aplicar, poderá envolver, na 
 circunstância, não só violação do princípio constitucional da igualdade, como 
 também violação do princípio do Estado de direito democrático, na sua dimensão 
 de Estado de Justiça.
 Acresce que, a não serem configuradas como sanções disciplinares, sempre sairia 
 violado o artigo 205.º, n.º 1, da Constituição — reserva de juiz.
 
 6 — A opção pela atribuição de competência para a aplicação destas sanções aos 
 tribunais administrativos, poderá vir a ser também passível de censura 
 jurídico-constitucional, se se atentar no disposto no artigo 214.º, n.º 3, da 
 Constituição, na natureza penal das sanções e na circunstância do incumprimento 
 culposo resultar da prática (por acção ou omissão) de factos totalmente 
 estranhos ao exercício das funções, mesmo até após o termo desse exercício.
 
 7 — Problemática poderá ser também a atribuição de competência para a aplicação 
 destas sanções ao Tribunal Constitucional.
 Sendo inquestionável poder a competência do Tribunal Constitucional ser ampliada 
 por via da lei (artigo 225.º, n.º 3, da Constituição), afigura-se que tal 
 possibilidade terá sempre como limite as competências constitucionalmente 
 cometidas a outros tribunais.  Ora, no caso em apreço, a aplicação de sanções de 
 natureza penal parece estar reservada pelo artigo 213.º, n.º 1, da Constituição 
 aos tribunais judiciais, como tribunais comuns em matéria criminal.
 
 8 — No caso do infractor ser juiz, salvo tratando-se de juiz do Tribunal 
 Constitucional ou do Tribunal de Contas, o artigo 5.º, n.º 2, do Decreto, 
 qualifica o incumprimento culposo, para efeitos disciplinares, como grave 
 desinteresse pelo cumprimento do dever profissional.
 Ora, nos termos do artigo 94.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aos casos 
 de «grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais», correspondem 
 as sanções disciplinares de suspensão de exercício e de inactividade.
 Poderá resultar daqui diferente tratamento consequente apenas da opção em 
 abranger, debaixo da mesma disciplina, cargos e situações que, pela sua 
 especificidade, aí parece não caberem — relativamente aos restantes titulares de 
 cargos públicos, os quais pelo mesmo incumprimento culposo estão sujeitos à 
 aplicação de sanções bem mais pesadas.
 
 9 — Finalmente, sendo negado ao titular de cargos públicos sujeitos à jurisdição 
 do Tribunal Constitucional a garantia de recurso das decisões punitivas, a norma 
 constante do artigo 8.º, n.º 1, poderá violar o disposto no artigo 20.º, n.º 1, 
 da Constituição.
 A jurisprudência do Tribunal Constitucional vem, com efeito, reconhecendo de 
 forma uniforme que o direito fundamental de acesso aos tribunais para defesa dos 
 direitos e interesses legítimos dos cidadãos, previsto no referido artigo 20.º, 
 n.º 1, da Constituição, abrange a garantia do duplo grau de jurisdição quanto às 
 decisões relativas a quaisquer direitos fundamentais.
 
  
 Em conclusão, o Presidente da República requer «a apreciação da 
 constitucionalidade dos artigos 5.º, n.º 2, e 8.º, n.os 1, 2 e 3, do Decreto n.º 
 
 185/VI acima identificado, face às duvidas colocadas sobre a sua conformidade 
 com os princípios da igualdade e do Estado de direito democrático (artigos 13.º 
 e 2.º da Constituição), com a reserva de juiz (artigo 205.º, n.º 1, da 
 Constituição), e ainda com o disposto nos artigos 214.º, n.º 3, 225.º, n.º 3 — 
 com referência ao artigo 213.º, n.º 1 —, e 20.º, n.º 1, da Constituição da 
 República».
 
  
 
 3 — Notificado o Presidente da Assembleia da República, nos termos e para os 
 efeitos do disposto no artigo 54.º da Lei do Tribunal Constitucional, veio 
 oferecer o merecimento dos autos, juntando ainda os exemplares do Diário da 
 Assembleia da República relativos ao processo legislativo do Decreto n.º 185/VI.
 
  
 II — Fundamentação
 
  
 A)   A regularidade formal do Decreto n.º 185/VI
 
  
 
 4 — Importa, em primeiro lugar, averiguar se o processo de formação do Decreto 
 n.º 185/VI foi regular, tendo em vista que a Assembleia da República não apurou 
 a existência de maioria absoluta ao votar na generalidade o Decreto n.º 174/VI.  
 Pode, com efeito, perguntar-se se a Assembleia da República não deveria ter 
 confirmado, primeiro, por maioria absoluta, o vetado Decreto n.º 174/VI, só 
 depois podendo aprovar as alterações do mesmo, de que resultou o Decreto n.º 
 
 185/VI.  Caso se entenda que o n.º 2 do artigo 139.º da Constituição proíbe a 
 introdução de alterações em novo decreto, sem prévia confirmação do decreto 
 vetado, teria havido por isso violação da norma constitucional.  A consequência 
 seria a inconstitucionalidade formal de todas as normas do diploma, que conviria 
 apreciar, quanto a todas as normas que são objecto do processo, antes de passar 
 
 às questões de inconstitucionalidade material suscitadas relativamente a cada 
 uma dessas normas.  E caso se entendesse que, nessa hipótese, o Decreto n.º 
 
 185/VI seria não apenas inconstitucional, mas inexistente, poderia questionar-se 
 a competência do Tribunal Constitucional para o apreciar, o que seria uma 
 questão prévia, a resolver igualmente em primeiro lugar.  Caso se entenda que 
 não houve violação do n.º 2 do artigo 139.º, torna-se desnecessário apurar se a 
 consequência sancionatória da violação é a inconstitucionalidade formal ou a 
 inexistência, deixando de ser posta a referida questão de competência.
 
  
 
 5 — Esta questão da regularidade formal do processo de formação do Decreto n.º 
 
 185/VI não foi suscitada pelo Presidente da República, o que não seria, aliás, 
 obstáculo à sua apreciação pelo Tribunal (cfr. o n.º 5 do artigo 51.º da Lei n.º 
 
 28/82).  Mas foi-o perante a Assembleia da República, pelo seu Presidente, 
 depois de terminada a discussão na generalidade do Decreto n.º 174/VI, no âmbito 
 da nova apreciação do mesmo, solicitada na mensagem fundamentada do Presidente 
 da República que acompanhou o veto do diploma (e que foi publicada no Diário da 
 Assembleia da República, II Série-A, de 22 de Setembro de 1994, p. 1100).  O 
 Presidente da Assembleia da República viu-se então «confrontado com uma dúvida 
 jurídica», em face da informação dos serviços jurídicos da Assembleia de que 
 
 «não é habitual a votação na generalidade versar sobre a confirmação do diploma 
 vetado», visto que «tendo sido apresentadas propostas de alteração, não seria 
 necessária, nos termos regimentais e constitucionais, uma confirmação do decreto 
 com 116 votos favoráveis» (Diário da Assembleia da República, I Série, de 23 de 
 Novembro de 1994, p. 521).  No seguimento da discussão desta dúvida, o 
 Presidente da Assembleia declarou seguir a interpretação contrária à sua, mas 
 
 «correspondente à generalidade da doutrina aqui firmada.  Nesses termos — 
 concluiu — procederemos à votação, na generalidade, deste decreto, para, por 
 maioria simples, apurar a vontade da Câmara e, de seguida, passarmos à discussão 
 na especialidade».  O sentido da votação foi, portanto, nas anteriores palavras 
 do deputado Guilherme Silva, que declarou exprimir o entendimento da bancada do 
 PSD, «não para confirmar o decreto mas para passarmos à sua discussão na 
 especialidade» (ibidem).
 O decreto «foi aprovado com votos a favor do PSD e votos contra do PS, do PCP, 
 do CDS-PP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca 
 e Mário Tomé» (ibidem).  Seguiu-se a discussão na especialidade, em que a única 
 proposta de alteração aprovada foi a da eliminação do n.º 2 do artigo 3.º do 
 Decreto n.º 174/VI — apresentada pelo PCP, e coincidente com proposta idêntica 
 do PSD, que ficou prejudicada —, o qual dispunha:
 
  
 Artigo 3.º
 
  
 
 2 — O titular de cargo público no estado civil de casado apresenta os elementos 
 referidos nas alíneas a), b) e c) do número anterior quando sejam próprios e 
 quando, sendo comuns, deles detenha a administração.
 
  
 A aprovação desta alteração foi por unanimidade e na votação final global do 
 Decreto n.º 174/VI com as alterações já aprovadas foi o mesmo «aprovado, com 
 votos a favor do PSD e votos contra do PS, PCP, do CDS-PP e de Os Verdes» 
 
 (ibidem p. 527).  O novo Decreto resultante foi enviado ao Presidente da 
 República com o n.º 185/VI.
 Temos, assim, por certo que o Decreto n.º 185/VI foi votado sem apuramento de 
 maioria absoluta e sem confirmação, como um novo decreto, como tal foi também 
 processado, voltou à Comissão competente para efeito de redacção final (artigo 
 
 169.º, n.º 5, do Regulamento da Assembleia da República), cujo texto, foi 
 publicado com o novo n.º 185/VI no Diário da Assembleia da República (II 
 Série-A, de 9 de Dezembro de 1994) e foi enviado ao Presidente da República para 
 promulgação, nos termos do n.º 2 do artigo 170.º do Regimento, e não para 
 promulgação no prazo de oito dias a contar da sua recepção, nos termos do n.º 1 
 do mesmo artigo, como aconteceria se tivesse havido confirmação.
 
  
 
 6 — Comparando o conteúdo dos dois decretos, verifica-se que a eliminação do n.º 
 
 2 do artigo 3.º é uma alteração substancial, que visou aparentemente aceitar uma 
 das críticas do Presidente da República na sua mensagem sobre o Decreto n.º 
 
 174//VI, nomeadamente quando dizia que «do conteúdo de algumas das suas normas 
 se pode concluir que passará a ser maior a possibilidade de fugir à exigência de 
 declaração dos reais rendimentos e património dos titulares de cargos públicos — 
 o que é susceptível de pôr em causa na prática, a utilidade e eficácia de tal 
 declaração» (Diário da Assembleia da República, II Série-A, de 22 de Setembro de 
 
 1994, p. 1100).  Ora o n.º 2 do artigo 3.º foi precisamente criticado na 
 discussão parlamentar por proporcionar um meio de ocultar os reais rendimentos e 
 património dos declarantes, tendo o seu texto sido votado em Comissão só com os 
 votos dos deputados do PSD, que inicialmente também se opuseram à sua avocação 
 pelo Plenário na votação na especialidade (veja-se o Diário da Assembleia da 
 República, II Série-A, de 14 de Julho de 1994, p. 942(32) — votação do projecto 
 de lei n.º 330/VI.  Diário da Assembleia da República, I Série, de 14 de Julho 
 de 1994, p. 520 — deputado António Filipe, p. 2982 — deputado José Vera Jardim 
 
 —; cfr. ainda o Diário da Assembleia da República, I Série, de 23 de Novembro de 
 
 1994, p. 520 — deputado Narana Coissoró, p. 523 — deputado António Filipe).  É, 
 assim, de admitir, que esta disposição era visada na mensagem do Presidente da 
 República e que a maioria parlamentar concordou com esse fundamento da mensagem.
 
 7 — Tendo sido estes os factos do processo legislativo, deverá dizer-se que não 
 houve violação do artigo 139.º, n.º 2 da Constituição.
 A interpretação que a Assembleia da República seguiu, em conformidade com a sua 
 prática, corresponde à doutrina anteriormente defendida por este Tribunal no 
 Acórdão n.º 320/89 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13.º Vol., Tomo I, pp. 
 
 7 e segs.), perante dúvida então suscitada, e não repetida agora, do Presidente 
 da República.  Tem sido também defendida, antes e depois daquele acórdão, por 
 Jorge Miranda (cfr., por último, Funções, Órgãos e Actos do Estado, 1990, pp. 
 
 438 e segs.) e por Gomes Canotilho e Vital Moreira (cfr., por último, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., 1993, nota IX ao artigo 
 
 139.º) entre outros.  O argumento principal do Acórdão n.º 320/89 é o seguinte:
 
  
 Por maiores que sejam as diferenças entre a reapreciação de decretos vetados 
 
 (conforme eles tenham sido vetados nos termos do artigo 139.º, n.º 1, ou no 
 quadro dos artigos 278.º e 279.º), o facto é que, em qualquer caso, se abrem 
 três possibilidades à Assembleia da República (ou seja, à maioria interessada no 
 decreto): ou tentar confirmar o decreto com a maioria qualificada 
 constitucionalmente exigida, ou conformar-se com o veto (não insistindo na 
 confirmação ou arriscando a não obtenção desta) ou, finalmente, reformular o 
 decreto, tentando afastar os motivos que fundamentaram o veto.
 Não existe nenhuma justificação para encerrar a Assembleia da República (ou a 
 maioria parlamentar) no dilema de confirmar o decreto pela maioria 
 constitucionalmente exigida ou vê-lo rejeitado, se a não conseguir reunir.  
 Justifica-se por isso a aplicação analógica do princípio constante do artigo 
 
 279.º, quanto à possibilidade de reformulação (p. 48).
 
  
 Pode mesmo acontecer, acrescente-se, que o Presidente da República concorde com 
 a oportunidade, ou mesmo necessidade, de legislar sobre a matéria, divergindo, 
 porém, em maior ou menor medida, quanto ao conteúdo do diploma.  Mesmo que a 
 maioria parlamentar estivesse disposta a reformular o diploma de acordo com as 
 objecções do Presidente da República, estaria impedida de fazê-lo se, por 
 qualquer motivo, não obtivesse a maioria qualificada exigível para a 
 confirmação.  E, não poderia tão-pouco ser renovado na mesma sessão legislativa 
 
 (n.º 3 do artigo 170.º do Regimento da Assembleia da República).  Ainda que se 
 duvidasse que este regime legal fosse imposto pela Constituição (Gomes Canotilho 
 e Vital Moreira, ob. cit., nota IX ao artigo 170.º, in fine, parecem ter 
 dúvidas), sempre estariam subvertidos os critérios de formação democrática da 
 vontade legislativa nomeadamente previstos na Constituição, sem razão plausível. 
 
  A solução de «reabertura do processo legislativo» (Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, ibidem) é, assim, a que menos restringe a competência legislativa da 
 Assembleia sem prejudicar as competências do Presidente da República (ver, 
 quanto ao último ponto, o referido Acórdão, pp. 42, 48-9).  É, também, a que 
 mais respeita a liberdade política da maioria parlamentar na gestão da sua 
 divergência com o Presidente da República, suscitado pelo veto, e que não lhe 
 impõe o ónus injustificado de alargar a maioria quando estiver disposta a 
 aceitar as razões do veto.
 Reconhece-se que esta interpretação permite que a maioria da Assembleia 
 reformule o decreto, sem atender a todas, ou a nenhumas, objecções do Presidente 
 da República.  Abstraindo da hipótese de uma alteração das circunstâncias que 
 possa ter retirado a base a todas ou a algumas das objecções, a reformulação 
 ainda pode ter o sentido útil de adiar o conflito institucional para mais tarde, 
 sobretudo se houver razões para pensar que um segundo veto pode então ser 
 evitado, ou pode ser substituído pela fiscalização preventiva da 
 constitucionalidade, e tal parecer politicamente preferível.  Não deixam estas 
 razões de ser ainda atendíveis, dado que o Presidente da República recupera 
 então perante o novo decreto os seus poderes normais de vetar ou de requerer a 
 fiscalização preventiva.  Só haveria «fraude à Constituição» (a expressão é do 
 Conselheiro Nunes de Almeida, na declaração de voto no citado Acórdão n.º 
 
 320/89), se o «novo decreto» não tivesse qualquer novidade normativa em relação 
 ao que foi vetado, tornando ineficaz o veto, mas então seria também, por isso 
 mesmo, inconstitucional, (ou até inexistente, para alguns) violando o n.º 2 ou o 
 n.º 3 do artigo 139.º, que nessa hipótese não dispensam a maioria qualificada de 
 confirmação.
 
  
 
 8 — Estas razões, no essencial, justificam também a possibilidade de 
 reformulação especialmente prevista no n.º 3 do artigo 279.º para a hipótese de 
 veto por inconstitucionalidade.  Também aí pode a maioria parlamentar aceitar a 
 razão do veto, expurgando pura e simplesmente a norma inconstitucional ou 
 deixando caducar o projecto ou proposta de lei, opor-se através da confirmação 
 por maioria qualificada ou enveredar pela terceira via da reformulação.  Só que 
 a razão da inconstitucionalidade tem compreensivelmente mais força, porque 
 confirmada por acórdão do Tribunal Constitucional e, por isso, não só a 
 confirmação apenas tem o efeito de permitir a promulgação, que não é 
 obrigatória, como também a reformulação não dispensa o expurgo [cfr., sobre o 
 
 último ponto, o Acórdão n.º 334/94, Diário da República, II Série, de 30 de 
 Agosto de 1994, pp. 8996(10) e segs.], pelo que não pode deixar de dar inteira 
 satisfação à razão do veto.  Não é porque o expurgo de norma inconstitucional 
 pode implicar alterações na redacção ou na substância de outras normas, que se 
 admite no n.º 3 do artigo 279.º a reformulação.  Se fosse esse o fundamento só 
 seriam permitidas as alterações implicadas pelo expurgo.  Ora, no novo diploma, 
 não só todas as alterações são permitidas, como todas as suas normas, mesmo as 
 imodificadas, podem ser sujeitas a apreciação preventiva da constitucionalidade, 
 precisamente porque se quer permitir um novo diploma.  Justifica-se, portanto, a 
 analogia a partir do artigo 279.º para preencher a lacuna do artigo 139.º
 
  
 
 9 — Finalmente, não se pode dizer que a solução adoptada fomente um conflito 
 institucional entre o Presidente da República e o Parlamento, quando ela vem 
 permitir um meio de o sanar por acordo entre ambos os órgãos (de outro modo 
 dificultado), nem que assim se inicie um círculo vicioso.  O círculo só seria 
 vicioso se o decreto apresentado como novo não contivesse qualquer novidade 
 normativa, mas como então haveria violação da Constituição, a sanção jurídica da 
 violação logo quebraria o círculo ainda que com eventuais custos políticos.  Se 
 as alterações não forem aparentes, mas reais, mas ainda assim insuficientes para 
 afastar as razões do veto, então não será de prever que a maioria parlamentar 
 inicie uma rota de colisão, a não ser que esteja segura da não 
 inconstitucionalidade do diploma e da própria capacidade de o confirmar, ou que 
 pretenda indirectamente transferir o conflito político para o plano jurídico, 
 esperando uma decisão do Tribunal Constitucional na segunda volta…  Em qualquer 
 caso, sempre se quebraria o círculo.
 
  
 
 10 — É claro que o Regimento da Assembleia da República não pode ser invocado 
 contra a Constituição.  Há antes que interpretá-lo em conformidade com a 
 Constituição, o que já foi feito no Acórdão n.º 320/89, relativamente aos 
 artigos 165.º e 166.º, da redacção então vigente, de teor idêntico aos artigos 
 
 169.º e 170.º, actualmente em vigor.  Há que fazer a «conjugação» das duas 
 disposições (como disse o deputado Narana Coissoró na discussão: Diário da 
 Assembleia da República, I Série, de 23 de Novembro de 1994, p. 522), 
 entendendo-se que o n.º 3 do artigo 169.º («a votação na generalidade versa 
 sobre a confirmação do decreto da Assembleia da República») se refere às 
 hipóteses expressamente reguladas no artigo 139.º da Constituição e nos n.os 1 e 
 
 3 do artigo 170.º, deixando em aberto, tal como a letra da Constituição, a 
 possibilidade da aprovação na generalidade de um novo decreto, se forem 
 introduzidas alterações.  No n.º 2 do artigo 170.º reconhece-se, porém, que, se 
 a Assembleia introduzir alterações, o decreto é «novo», sendo enviado ao 
 Presidente da República «para promulgação» nos termos gerais do n.º 1 do artigo 
 
 139.º e não nos do n.º 2 do mesmo artigo e do n.º 1 do artigo 170.º («para 
 promulgação no prazo de oito dias») relativos a decretos confirmados.  É que o 
 decreto não se considera como confirmado, mesmo que tenha havido uma votação de 
 confirmação na generalidade, a partir do momento em que forem aprovadas 
 alterações.
 
 11 — Demonstrado que o processo legislativo do Decreto n.º 185/VI foi regular e 
 que não houve violação do n.º 2 do artigo 139.º da Constituição, é certo que não 
 há por isso, inconstitucionalidade formal do decreto, independentemente das 
 questões conceptuais e de competência do Tribunal conexas com a violação, e de 
 que o Tribunal tratou no Acórdão n.º 320/89.
 
  
 B)   A questão da inconstitucionalidade material do n.º 2 do artigo 5.º
 
  
 
 12 — Dispõe o artigo 5.º, n.os 1 e 2, do Decreto n.º 185/VI, relativo ao 
 incumprimento dos deveres por parte dos titulares de cargos públicos previstos 
 no artigo 2.º, e de apresentação da declaração dos seus rendimentos, bem como do 
 seu património e cargos sociais, nos termos do artigo 3.º, e da apresentação da 
 nova declaração pelas mesmas pessoas, nos termos do artigo 4.º:
 
  
 Artigo 5.º
 
 (Incumprimento)
 
  
 
 1 — Em caso de não apresentação das declarações previstas nos artigos 3.º e 4.º, 
 a entidade competente para o seu depósito notificará o titular do cargo a que se 
 aplica a presente lei para a apresentar no prazo de 30 dias consecutivos, sob 
 pena de em caso de incumprimento culposo, salvo quanto ao Presidente da 
 República e ao Primeiro-Ministro, incorrer em declaração de perda do mandato, 
 demissão ou destituição judicial, consoante os casos, ou quando se trate da 
 situação prevista na primeira parte do n.º 1 do artigo 4.º, incorrer em inibição 
 por período de 1 a 5 anos para o exercício de cargo que obrigue à referida 
 declaração e que não corresponda ao exercício de funções como magistrado de 
 carreira.
 
 2 — No entanto, no caso de o infractor ser juiz, a notificação é efectuada sob 
 cominação de o incumprimento culposo ser qualificado, para efeitos 
 disciplinares, como grave desinteresse pelo cumprimento do dever profissional, 
 salvo tratando-se de juiz do Tribunal Constitucional ou do Tribunal de Contas, 
 aos quais se aplica o regime geral.
 
  
 As dúvidas suscitadas pelo Presidente da República quanto ao n.º 2 têm a ver com 
 a qualificação como infracção disciplinar, quando praticada por juiz, do mesmo 
 facto ilícito que, quando praticado por qualquer outro destinatário da norma nos 
 termos do n.º 1, seria de qualificar, segundo pressupõe o Presidente da 
 República, como infracção penal.  Em consequência do n.º 2 do artigo 5.º, 
 
 «verdadeiras sanções de natureza penal», seriam configuradas como sanções de 
 natureza disciplinar.  Haveria assim uma «degradação de sanções de natureza 
 penal em sanções de natureza disciplinar em função apenas das pessoas a quem se 
 irão aplicar».  Tal implicaria:
 
  
 
 —  a violação do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da 
 Constituição), na sua dimensão de Estado de Justiça;
 
 —  a subtracção aos tribunais de competência para reprimir infracções penais, e, 
 por isso, «sempre seria violado o artigo 205.º, n.º 1, da Constituição — reserva 
 de juiz», a não serem configuradas como sanções disciplinares as sanções das 
 infracções qualificadas no n.º 2 do artigo 5.º
 
  
 Acresce que tanto a diferente qualificação do mesmo facto ilícito, como a 
 diferente natureza de sanções, uma e outra coisa em função apenas das qualidades 
 das pessoas, violaria o princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da 
 Constituição).
 Além disso, através da qualificação como infracção disciplinar de «grave 
 desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais», tornam-se aplicáveis 
 as sanções disciplinares de suspensão de exercício e de inactividade (artigo 
 
 94.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais), em vez das «sanções bem mais 
 pesadas» de perda de mandato, demissão ou destituição judicial, ou de inibição 
 por período de 1 a 5 anos para o exercício de cargo, pelo que seria de novo 
 violado o princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição).
 
  
 
 13 — Importa saber, antes de mais, se o incumprimento culposo dos deveres de 
 apresentação de declaração dos artigos 3.º e 4.º do Decreto é uma infracção 
 penal e se as penas correspondentes são de direito penal.  Todas as dúvidas 
 suscitadas acerca da constitucionalidade do artigo 5.º, n.º 2, partem 
 implicitamente do pressuposto de que há um conceito constitucional de direito 
 penal, que impõe um regime jurídico uniforme, quer de direito substantivo, quer 
 processual, das respectivas infracções.  Com efeito todas elas, excepto a última 
 dúvida sobre a igualdade de «peso» das sanções, abstraindo da sua natureza, 
 dependem logicamente: primeiro, da tese de que há limites constitucionais à 
 qualificação da referida infracção como disciplinar e ao regime de 
 correspondente sanção como sanção disciplinar, limites que só podem derivar de 
 um conceito material de direito penal; segundo, da tese de que quer as 
 infracções quer as sanções previstas no n.º 1 do artigo 5.º têm natureza penal.  
 E mesmo o «peso» dessas sanções do n.º 1 do artigo 5.º, em que se baseia o 
 
 último argumento a favor da violação do princípio da igualdade, acaba por ser 
 afastado pela natureza penal, e não apenas disciplinar das sanções.
 
 14 — Haverá sanções que pelas características que integram a sua natureza ou 
 essência são penais, correspondentes a infracções que também são essencialmente 
 penais, e que a Constituição impõe que sejam reconhecidas como tais?  O 
 Presidente da República aponta no n.º 2 do seu requerimento três características 
 essenciais do direito penal, que caracterizariam as normas do artigo 5.º:
 
  
 
 —  o «carácter de reprovação que implicitamente possuem» as sanções, que têm 
 nessa medida carácter repressivo e não preventivo;
 
 —  «os fundamentos ético-jurídicos em que se baseiam», isto é, em relação com a 
 reprovação que exprimem, a culpa referida ao facto, que é a base, critério ou 
 fundamento de um juízo ético de reprovação, reconhecido pelo direito, o que 
 pressupõe a violação de normas éticas e não meramente jurídicas; isto é, 
 seguindo uma caracterização corrente, de normas que consagram interesses ou 
 valores universais, que não são apenas funcionais de uma instituição particular;
 
 —  a sanção tem como efeito «a privação ou restrição de direitos fundamentais, 
 como sejam os direitos de participação na vida pública e de acesso a cargos 
 públicos, constantes dos artigos 48.º, n.º 1, e 50.º, n.º 1, da Constituição».
 
  
 Estas características, assim interpretadas, servem, segundo alguns (como, por 
 exemplo, Maurach-Zipf, Strafrecht, Allgemeiner Teil, I, 10.ª ed., 1983, pp. 8 e 
 segs.), de critério material de distinção entre o direito penal e o direito 
 disciplinar.  Este último teria carácter preventivo, visando a protecção dos 
 interesses particulares de certa instituição, ou grupo social — e não a defesa 
 de valores éticos ou de interesses gerais da sociedade —, com base na 
 perigosidade do agente para aqueles interesses particulares revelada no seu 
 comportamento, ou na necessidade preventiva, para os membros de instituições ou 
 grupos, da sua punição, e tendo as suas sanções como efeito a privação ou 
 modificação das posições ou direitos dos indivíduos dentro das instituições ou 
 grupos em causa, por cujos órgãos de poder seriam em primeira linha aplicadas.  
 Tal problemática esteve presente na discussão no interior da jurisprudência 
 portuguesa, sobre se a pena de demissão do cargo político que o titular exerça e 
 a medida de inibição para o exercício de qualquer outro cargo da mesma natureza, 
 previsto no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83 de 2 de Abril, a lei que o 
 Decreto n.º 185/VI visa substituir, eram sanções disciplinares (assim o acórdão 
 da Relação de Lisboa, de 21 de Janeiro de 1987, Colectânea de Jurisprudência, 
 
 12-I, pp. 152 e segs.) ou penais [assim os acórdãos da Relação de Lisboa, de 17 
 de Dezembro de 1986, ibidem, 13-V, p. 179; de 4 de Fevereiro de 1987, ibidem, 
 
 12-I, pp. 164 e segs.; de 18 de Fevereiro de 1987, ibidem, 12-I, pp. 168 e 
 segs.; do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Julho de 1987 (Proc. n.º 38 997), 
 Boletim do Ministério da Justiça, n.º 369, pp. 333 e segs.; de 8 de Julho de 
 
 1987 (Proc. n.º 39 001), ibidem, p. 339; de 28 de Julho de 1987 (Proc. n.º 39 
 
 060), ibidem, p. 398; de 28 de Julho de 1987 (Proc. n.º 39 123), ibidem, p. 414; 
 de 7 de Outubro de 1987, ibidem, n.º 370, pp. 282 e segs.; de 11 de Novembro de 
 
 1987 (Proc. n.º 39 183), ibidem, n.º 371, pp. 219 e segs.; de 25 de Novembro de 
 
 1987 (Proc. n.º 39 140), ibidem, n.º 371, pp. 236 e segs.; de 25 de Novembro de 
 
 1987 (Proc. n.º 39 189), ibidem, n.º 371, pp. 240 e segs.; de 25 de Novembro de 
 
 1987 (Proc. n.º 39 227), ibidem, n.º 371, pp. 272 e segs.; de 16 de Dezembro de 
 
 1987 (Proc. n.º 39 182), ibidem, n.º 372, pp. 291 e segs.].
 
  
 
 15 — Seja como for, cumpre reconhecer que a Constituição acolhe a distinção 
 entre o direito penal e o direito disciplinar, nomeadamente quanto à diferente 
 configuração do princípio da jurisdicionalidade, uma vez que da Constituição 
 resulta que no direito disciplinar inexiste a concentração de competência 
 jurisdicional, que se verifica em matéria crime nos tribunais comuns (artigo 
 
 213.º, n.º 1).  E não se pode dizer que a Constituição reconhece simplesmente um 
 conceito histórico de direito disciplinar, quando é certo que faz exigências ao 
 direito disciplinar desconhecidas da Constituição de 1933.
 Na verdade, a Constituição consagrou uma evolução legislativa anterior, através 
 da qual o direito disciplinar se autonomizou do direito penal.  Tanto o direito 
 disciplinar dos funcionários públicos como o dos militares derivou 
 historicamente do direito penal especial destas classes ou estados de pessoas 
 
 (cfr. Maurach-Zipf, ibidem, Stratenwerth, Strafrecht, Allgemeiner Teil, I, 3.ª 
 ed., 1981, p. 445, Jakobs, Strafrecht, Allgemeiner Teil, 2.ª ed., 1991, pp. 56 e 
 segs.).  A evolução histórica do direito disciplinar caracteriza-se precisamente 
 por um movimento liberalizador, por um lado, de descriminalização, reservando ao 
 direito penal apenas aquelas faltas que põem em perigo a defesa da sociedade no 
 seu conjunto e não apenas a funcionalidade duma instituição particular e, por 
 outro lado, de «desestatização», no sentido de que não há um superior dever de 
 fidelidade de certos «estados» de cidadãos, pelo que o comportamento fora da 
 instituição só pode relevar disciplinarmente se afectar a confiança 
 indispensável ao exercício do cargo.  Considerações semelhantes, algo atenuadas, 
 valem para as sanções disciplinares das associações de profissionais livres em 
 profissões cujo exercício depende de título ou autorização pública (advogados, 
 solicitadores, médicos, revisores de contas, etc.).
 Mas a tendência para a progressiva autonomização do direito disciplinar 
 relativamente ao direito penal é contrabalançada pelo progressivo alargamento 
 das garantias do direito penal ao direito disciplinar.  Marcos históricos desta 
 
 última evolução são, por exemplo, a inclusão do «regime geral de punição das 
 infracções disciplinares» na alínea d) do artigo 168.º da Constituição na 1.ª 
 revisão constitucional, e o acórdão do Tribunal europeu dos Direitos do Homem no 
 caso König de 28 de Junho de 1978 (Cour européenne des Droits de l’Homme, série 
 B, n.º 25, pp. 42 e segs.), que considerou que a sanção disciplinar de inibição 
 do exercício da profissão de médico estava sujeita às garantias jurisdicionais e 
 processuais do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 
 jurisprudência logo confirmada, quanto à suspensão do exercício da mesma 
 profissão, nos casos Le Compte (acórdãos de 23 de Junho de 1981, Cour européenne 
 des Droits de l’Homme, série A, n.º 48, p. 21, e de 10 de Fevereiro de 1983, 
 ibidem, série A, n.º 58, p. 15).
 Assim a Constituição reconhece expressamente a autonomia do direito disciplinar, 
 a sua diversidade institucional e a pluralidade de competências sancionatórias 
 que o caracterizam [cfr. os artigos 168.º, n.º 1, alínea d), e 282.º, n.º 3, 
 quanto ao direito disciplinar geral; 160.º, n.º 1, 163.º, n.º 1, alíneas b) e 
 c), 182.º, n.º 3, alínea b), quanto à disciplina dos deputados; 27.º, n.º 3, 
 alínea c), e 167.º, alínea d), quanto ao direito disciplinar militar; 219.º, 
 quanto ao direito disciplinar dos juízes; 220.º, n.º 3, quanto ao dos 
 funcionários de justiça; 221.º, n.º 4, quanto ao do Ministério Público; 269.º, 
 n.º 3, e 271.º, n.º 1, quanto ao dos funcionários e agentes administrativos].
 Mas é de acentuar que nas disposições de carácter geral a Constituição 
 preocupa-se em estender ao direito disciplinar as garantias do direito penal.  O 
 princípio da legalidade, em matéria de fontes de direito, é aplicável de forma 
 atenuada, na medida em que não abrange a definição integral das infracções, nem 
 da conexão entre estas e as correspondentes sanções.  Não obstante, o regime 
 geral de punição das infracções disciplinares é da reserva relativa de 
 competência legislativa da Assembleia da República [artigo 168.º, n.º 1, alínea 
 d)] e a disciplina das Forças Armadas é da reserva absoluta da mesma competência 
 
 [artigo 167.º, alínea d)].  E o princípio da retroactividade da norma mais 
 favorável, no confronto com o do respeito pelo caso julgado na hipótese do n.º 2 
 do artigo 282.º, é regulado uniformemente em matéria penal e disciplinar.
 
  
 
 16 — Em face da evolução histórica e do regime constitucional, as diferenças 
 entre o direito penal e o direito disciplinar não têm sobretudo a ver com a 
 natureza das respectivas infracções nem com os fins das sanções correspondentes 
 
 (acentuando a identidade veja-se neste aspecto cfr. Beleza dos Santos, Ensaio 
 sobre a introdução ao direito criminal, 1968, p. 113, e, em geral, sobre a 
 complementariedade dos dois ramos de direito, cfr. Stratenwerth, ob. cit., 
 ibidem; Hassemer (co-autor), Kommentar zum Strafgesetzbuch, I, 1990, pp. 103 e 
 segs.; Roxin, Strafrecht, Allgemeiner Teil, I, 1992, p. 235).  Tanto o direito 
 penal como o disciplinar têm como fins a repressão da culpa e a prevenção de 
 infracções futuras.  A delimitação do ilícito em cada ramo de direito não 
 depende só da natureza dos interesses, mas também da gravidade e da direcção das 
 ofensas.  Os interesses da Administração Pública também são penalmente 
 protegidos —, a funcionalidade da Administração é especialmente visada em certos 
 crimes, como na usurpação de funções (artigo 400.º do Código Penal) e na 
 corrupção passiva para acto ilícito (artigo 422.º do Código Penal) —, embora só 
 contra certas formas mais graves de ofensa.  Não pode haver punição disciplinar 
 sem culpa, porque o princípio constitucional de culpa tem a ver com a existência 
 de punição e não com o ramo de direito em que se pune.  A mesma privação ou 
 limitação de direitos pode ser o efeito quer de sanções penais, quer de sanções 
 disciplinares.  Assim, a demissão, a suspensão de cargo, a interdição de 
 exercício de profissão ou actividade, a incapacidade eleitoral e a incapacidade 
 para ser eleito são penas acessórias no Código Penal (artigos 66.º a 69.º) e 
 poderiam ser penas principais (como eram no Código anterior as penas especiais 
 para os empregados públicos — demissão, suspensão e censura: artigo 57.º — e as 
 penas de suspensão dos direitos políticos: artigos 60.º e 61.º).  A Constituição 
 prevê sanções disciplinares que envolvem a privação de direitos fundamentais, 
 como é caso excepcional da prisão disciplinar imposta aos militares [artigo 
 
 27.º, n.º 3, alínea c)] e de perda do mandato de deputado [artigo 163.º, n.º 1, 
 alíneas b) e c)].
 As características apontadas por alguma doutrina e pelo Presidente da República 
 como específicas do direito penal encontram-se, todas elas, no direito 
 disciplinar.
 
  
 
 17 — Não quer isto dizer que a Constituição não proíba «a degradação de sanções 
 de natureza penal em sanções de natureza disciplinar».  A especificidade do 
 direito penal é reconhecida na Constituição através de três princípios que ou 
 são exclusivos do direito penal ou têm nele uma configuração única.  São eles os 
 princípios da legalidade [artigos 29.º e 168.º, n.º 1, alínea c)], da 
 jurisdicionalidade (artigos 27.º, n.os 2 a 4, 28.º, 29.º, 31.º, 32.º e 213.º, 
 n.º 1) e da necessidade (para a defesa dos direitos ou interesses 
 constitucionalmente protegidos) ou da máxima restrição (compatível com aquela 
 defesa) das penas e das medidas de segurança (artigo 18.º, n.os 2 e 3).
 O princípio da legalidade visa garantir no direito penal um grau superior de 
 previsibilidade (tipicidade) e de restrição (reserva de lei, proibição de 
 integração, irretroactividade in pejorem partem) da aplicação das suas sanções e 
 de objectividade no julgamento e garantia de direitos do arguido e restrição no 
 seu sacrifício (in dubio pro reo) no processo penal.  O fundamento comum destes 
 desvios às regras gerais em matéria de fontes de direito, de aplicação do 
 direito e de processo jurisdicional, que tornam o direito penal um ramo de 
 direito com extremas garantias formais, é o princípio da necessidade das penas e 
 das medidas de segurança: por serem as sanções penais aquelas que, em geral, 
 maiores sacrifícios impõem aos direitos fundamentais, devem ser evitadas, na 
 existência e na medida, sempre que não seja certa a sua necessidade, a qual deve 
 ser controlada por exigências de especial responsabilização política do 
 legislador e de especial cuidado na preparação da decisão do juiz.  A 
 Constituição configura assim o direito penal como o direito sancionatório mais 
 grave, a que devem corresponder as mais graves infracções e as mais graves 
 sanções, e que tem específicas garantias formais na sua efectivação.
 As especificidades formais que o princípio da legalidade e o princípio da 
 jurisdicionalidade dão ao direito penal são assim essenciais ao seu conceito 
 constitucional.  Mas também pode haver inconstitucional degradação do direito 
 penal: assim, por exemplo, se uma infracção, com a gravidade do homicídio, não 
 fosse punida como crime, ou se a prisão fosse imposta como pena disciplinar fora 
 do direito disciplinar militar.  No primeiro caso, seria violado o direito à 
 vida (artigo 24.º da Constituição) que vincula o legislador a sancionar 
 penalmente as formas incompatíveis da sua ofensa (artigo 18.º, n.º 1).  Por esta 
 via está o legislador penal obrigado a defender as valorações ético-jurídicas 
 fundamentais da Constituição.  No segundo caso, o princípio da necessidade ou da 
 máxima restrição das penas e medidas de segurança (artigo 18.º) reserva ao 
 direito penal as sanções privativas da liberdade (artigo 27.º, n.º 2), com a 
 
 única excepção do n.º 3 do artigo 27.º
 A infracção prevista no n.º 2 do artigo 5.º do Decreto n.º 185/VI é o 
 incumprimento culposo por um juiz, que não seja do Tribunal Constitucional nem 
 do Tribunal de Contas, da obrigação da apresentação, no prazo de 30 dias 
 consecutivos à notificação do Tribunal Constitucional para o fazer, das 
 declarações previstas nos artigos 3.º e 4.º.  A cominação da pena é feita por 
 remissão, através de qualificação do incumprimento culposo como infracção 
 disciplinar de grave desinteresse pelo cumprimento do dever profissional, que é 
 falta disciplinar a que são aplicáveis as penas disciplinares de suspensão do 
 exercício de vinte a duzentos e quarenta dias e de inactividade não inferior a 
 um ano nem superior a dois (artigos 94.º e 90.º da Lei n.º 28/85, de 30 de Julho 
 
 — Estatuto dos Magistrados Judiciais).
 Estará o legislador ordinário obrigado a qualificar o facto como crime?  
 Responde-se decisivamente que não.  Trata-se de uma desobediência por omissão 
 que pode assumir a forma negligente, como é de regra nas infracções 
 disciplinares, e expressamente dispõe o Estatuto dos Magistrados Judiciais 
 
 (artigo 82.º), ao contrário do que é a regra em direito penal (artigo 13.º do 
 Código Penal).  Que a infracção do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 4/83 — 
 correspondente à do n.º 1 do artigo 5.º, mas que não abrangia outros juízes além 
 dos do Tribunal Constitucional —, abrange a mera negligência foi, aliás, a 
 interpretação que prevaleceu no Supremo Tribunal de Justiça (cfr. os citados 
 acórdãos de 8 de Julho de 1987 — Processo n.º 39 001 —, de 11 de Novembro de 
 
 1987, de 25 de Novembro de 1987 — Processo n.º 39 140 —, e ainda o acórdão de 7 
 de Abril de 1986, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 376, pp. 343 e segs.; 
 anteriormente, segundo o citado acórdão de 8 de Julho de 1987 — Processo n.º 38 
 
 997 —, a infracção só admitiria a forma dolosa e segundo o acórdão da mesma data 
 no Processo n.º 39 001 admitiria, além do dolo, também negligência grave), isto 
 não obstante considerar sujeita à jurisdição dos tribunais comuns (note-se que a 
 Lei n.º 4/83 não contém preceito correspondente ao n.º 2.º do artigo 5.º do 
 Decreto n.º 185/VI) aquela infracção como crime.  Ora o legislador não qualifica 
 em geral a desobediência negligente como crime, mas apenas a dolosa (artigo 
 
 388.º do Código Penal), e não estava certamente obrigado pela Constituição a 
 criminalizar a desobediência negligente.  Não existe tal obrigação sequer quanto 
 ao crime doloso de desobediência, não previsto em vários direitos estrangeiros 
 
 (como o francês, o alemão, o austríaco, por exemplo), que têm um quadro 
 constitucional semelhante ao nosso.  É certo que se trata aqui de uma 
 desobediência de conteúdo específico e que não está, por isso, sujeita às 
 objecções levantadas pela norma penal em branco que preveja a desobediência em 
 geral, deixando a determinação da infracção para a ordem — que não tem força de 
 lei — especificamente desobedecida (cfr. na doutrina portuguesa desde Levy Maria 
 Jordão, Comentário ao Código Penal, I, 1853, p. 212, à Comissão da Revisão do 
 Código Penal, Código Penal.  Actas e Projecto, 1993, p. 408).  Mas o ilícito da 
 não declaração obrigatória de riqueza e rendimentos não existiu entre nós até 
 
 1983, sem inconstitucionalidade por omissão, e continua a não existir, ou a 
 existir sem sanção penal, em muitos sistemas constitucionais (cfr. o «Relatório 
 e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e 
 Garantias», no Diário da Assembleia da República, II Série-A, de 17 de Fevereiro 
 de 1993, pp. 576 e segs.).
 Nesta perspectiva, a norma do n.º 2 do artigo 5.º não é uma norma penal, nem 
 tão-pouco uma norma penal degradada.  Torna-se, por isso, desnecessário 
 determinar se se inclui no conceito constitucional de direito disciplinar, ou se 
 
 é uma norma disciplinar do direito constitucional material, etc.  Deixa, em 
 qualquer caso, de ser problemática a sua não submissão ao regime constitucional 
 do direito penal, nomeadamente do ponto de vista jurisdicional, por a sua 
 aplicação não ser da competência dos tribunais judiciais.
 E, por maioria de razão, tal não submissão também não é problemática para quem, 
 numa outra perspectiva, parta do entendimento de que as infracções em causa, por 
 sua própria natureza, se apresentam como pertencentes ao tipo disciplinar, desde 
 logo porque a obrigação de entrega das declarações de património e rendimentos 
 assume um carácter meramente preventivo relativamente à eventual prática de 
 actos, esses sim, eticamente reprováveis, e porque, não se destinando tais 
 declarações, na óptica da lei, ao conhecimento público, a punição da sua falta 
 de entrega não visa tanto proteger os interesses da sociedade, em geral, ou dos 
 cidadãos, no seu conjunto, como assegurar a boa imagem e reputação perante a 
 opinião pública do grupo particular em que se integram os declarantes.  Nesta 
 mesma perspectiva, e no quadro sistemático da presente lei, o legislador 
 ordinário não só não estava obrigado a qualificar o facto como crime, como se 
 afigura mesmo mais que problemático que o pudesse, sequer, fazer.
 Não há, portanto, violação dos artigos 2.º e 205.º, n.º 1, da Constituição, 
 visto que tal violação, como se demonstrou (supra n.º 4), depende da 
 qualificação como penal, ou da natureza penal, da norma do n.º 2 do artigo 5.º
 
  
 
 18 — Mas não violará o n.º 2 do artigo 5.º o princípio da igualdade (artigo 13.º 
 da Constituição), na medida em que qualifica como infracção disciplinar a mesma 
 infracção que no n.º 1 do mesmo artigo, quando praticada por outras pessoas, é — 
 segundo pressupõe o requerente — um crime, e ainda na medida em que impõe uma 
 pena disciplinar, onde o n.º 1 impõe — sempre segundo o requerente — sanções 
 penais?
 Uma vez que a única diferença material entre a infracção do n.º 2 e a do n.º 1 é 
 a qualidade das pessoas, o carácter criminal da conduta só poderia advir das 
 sanções previstas em cada um dos dois números.  Ora há duas diferenças 
 fundamentais entre as sanções previstas em cada número: 1) ao passo que no n.º 2 
 as sanções são, por remissão, a suspensão do exercício e a inactividade, no n.º 
 
 1 a sanção é a perda de mandato, demissão ou destituição judicial, consoante os 
 casos, ou, quando se trate da não apresentação de nova declaração no prazo de 60 
 dias a contar da cessação de funções que tiverem determinado a apresentação da 
 precedente (primeira parte do n.º 1 do artigo 4.º), a inibição por período de 1 
 a 5 anos para o exercício do cargo que obrigue à referida declaração e que não 
 corresponda ao exercício de funções como magistrado de carreira; 2) enquanto que 
 as sanções do n.º 2 são aplicadas pela entidade que detém poder disciplinar, as 
 do n.º 1 são aplicadas pelo Tribunal Constitucional, excepto quando se trate de 
 gestores públicos, ou de administradores em representação do Estado ou de pessoa 
 colectiva pública de empresas de capitais públicos ou de economia mista [alínea 
 a) do artigo 2.º], porque então a competência é dos tribunais administrativos.
 Com ressalva dos problemas constitucionais que a inibição para o exercício do 
 cargo suscita e o Tribunal adiante abordará, cumpre reconhecer que, na 
 perpectiva do legislador do Decreto n.º 185/VI, tão pouco as sanções do n.º 1 
 têm carácter criminal.  Ao retirar a competência para aplicar aos tribunais 
 judiciais, contrariando a jurisprudência que se tinha firmado nesse sentido no 
 domínio da Lei n.º 4/83, o legislador terá optado por uma interpretação não 
 penal das normas do n.º 1 (aliás, a não criminalização da conduta foi defendida 
 pelo deputado Fernando Condesso, do PSD, relator do citado «Relatório da 
 Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias», lugar 
 citado, pp. 385 e 387).  Com efeito, acerca do n.º 1 do artigo 8.º podem 
 repetir-se, a favor e contra a sua natureza penal, os mesmos argumentos aduzidos 
 acerca do n.º 2.
 Não sendo, na perspectiva do Decreto n.º 185/VI, quer o n.º 2, quer o n.º 1 do 
 artigo 5.º, normas de direito penal (sem ser necessário precisar a 
 qualificação), não se verifica a diferença de qualificação segundo a qualidade 
 das pessoas como pressuposto da inquirida violação do princípio da igualdade.
 
  
 
 19 — Mas não haverá violação do princípio da igualdade por outro pressuposto, 
 nomeadamente, por as sanções cominadas para os titulares de cargos abrangidos 
 pelo n.º 1 do artigo 5.º — a perda de mandato, demissão ou destituição judicial 
 e a inibição para o exercício do cargo — serem «bem mais pesadas» que as sanções 
 cominadas para os juízes (com as sabidas excepções) no n.º 2 do mesmo artigo — 
 suspensão de exercício e inactividade?
 O argumento pressupõe, implicitamente, que a pena equivalente à demissão (ou 
 perda de mandato, ou destituição) de cargo político seria a demissão do juiz.  O 
 pressuposto é insustentável.  A demissão de um cargo político     — ou a 
 inibição para o seu exercício — que é uma pena temporária, é bem menos grave do 
 que a demissão de magistrado judicial que é uma pena permanente, que implica a 
 perda do estatuto de magistrado e dos correspondentes direitos, embora não 
 implique a perda do direito à aposentação, nem impossibilite o magistrado de ser 
 nomeado para cargos públicos ou outros que possam ser exercidos sem que o seu 
 titular reúna as particulares condições de dignidade e confiança exigidas pelo 
 cargo de que foi demitido (artigo 107.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais).  
 A questão da gravidade relativa das sanções em causa foi discutida na 
 jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça acerca da aplicabilidade da lei da 
 amnistia (Lei n.º 18/86, de 11 de Junho) à infracção do artigo 3.º da Lei n.º 
 
 4/83, tendo-se firmado a doutrina de que a demissão de cargo político era «menos 
 grave mesmo do que as penas disciplinares de inactividade e aposentação 
 compulsiva» (acórdão de 25 de Novembro de 1987 — Processo n.º 39 140 —, loc. 
 cit., p. 238), sendo uma «figura que, se terá algum parentesco com outras 
 pré-existentes, será com a sanção disciplinar de suspensão» (acórdão de 25 de 
 Novembro de 1987 — Processo n.º 39 227 —, loc. cit., p. 274).
 Deve, pois, concluir-se que a diferença de sanções entre as hipóteses do n.º 1 e 
 as do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto n.º 185/VI se justifica pela natureza dos 
 respectivos cargos — nomeadamente por os juízes serem nomeados vitaliciamente — 
 e não implica uma diferença de gravidade relativa entre sanções, nem do ipso uma 
 violação do princípio da igualdade.
 
  
 
 20 — O Presidente da República questiona ainda se a exclusão do âmbito do n.º 2 
 do artigo 5.º dos magistrados de carreira que exerçam funções no Tribunal 
 Constitucional e no Tribunal de Contas não viola o princípio da igualdade.
 A diferença fundamental reside não entre os «juízes dos restantes tribunais» e 
 outros «juristas» do Tribunal Constitucional (cfr. o artigo 224.º, n.º 2, da 
 Constituição e o artigo 13.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), ou entre os 
 juízes «providos a título definitivo» ou «em comissão permanente de serviço» do 
 Tribunal de Contas (artigo 38.º da Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro), mas entre 
 
 «todos» os juízes do Tribunal de Contas.  Com efeito, enquanto os juízes do 
 Tribunal Constitucional são designados por seis anos (artigo 224.º, n.º 3, da 
 Constituição), portanto, temporariamente, os juízes do Tribunal de Contas são 
 providos ou designados de modo definitivo ou permanente, como os restantes 
 juízes.  A demissão dos juízes do Tribunal de Contas representa, pelas razões 
 que se expuseram no número anterior, uma sanção bem mais grave do que as sanções 
 disciplinares de suspensão de exercício de vinte a duzentos e quarenta dias ou 
 de inactividade não inferior a um ano nem superior a dois, aplicáveis aos 
 restantes juízes.
 Deve, assim, considerar-se inconstitucional, por violação do artigo 13.º e 18.º, 
 n.º 2, da Constituição, a norma do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto n.º 185/VI, na 
 parte em que se refere aos juízes do Tribunal de Contas.
 
  
 
 21 — O Presidente da República levanta ainda a questão da possível ofensa do 
 princípio da igualdade por o juiz Presidente e os juízes vogais do Supremo 
 Tribunal Militar não estarem excluídos do âmbito do n.º 2 do artigo 5.º e 
 sujeitos, como os do Tribunal Constitucional e do Tribunal de Contas, à 
 jurisdição do Tribunal Constitucional.
 O Supremo Tribunal Militar é composto por presidente, sete vogais militares, 
 dois vogais relatores e, se necessário, um ou mais adjuntos (artigo 271.º do 
 Código de Justiça Militar).  O presidente é um general do Exército ou da Força 
 Aérea ou ainda um oficial general da Armada com o posto de vice-almirante ou 
 contra-almirante, no activo ou na reserva (artigo 273.º do Código).  Os vogais 
 militares são oficiais generais, no activo ou na reserva, sendo três do 
 Exército, dois da Armada e um da Força Aérea (artigo 274.º do Código).  O 
 presidente e os vogais militares exercem funções em comissão de serviço por dois 
 anos, podendo ser reconduzidos (artigo 275.º, n.º 2, do Código).
 O presidente e os vogais militares do Supremo Tribunal Militar são juízes 
 militares e seria inadequado atribuir-lhes no contexto do Decreto n.º 185/VI um 
 estatuto diferente do dos restantes juízes militares.  Ora o estatuto dos 
 restantes juízes militares dos tribunais militares revela que são oficiais dos 
 quadros permanentes do ramo das forças armadas a que pertence o tribunal, na 
 situação de activo, os quais exercem as suas funções de juízes enquanto 
 militares, isto é, as suas funções de juízes são parte integrante das suas 
 funções militares.
 E bem se compreende que assim seja, já que os tribunais militares, nos termos 
 estabelecidos na Constituição, têm a sua competência confinada ao julgamento dos 
 crimes essencialmente militares.  Mas, assim sendo, não parece razoável admitir 
 que o Decreto n.º 185/VI tenha querido incluir quer os juízes militares dos 
 tribunais militares de instância, quer os juízes militares do Supremo Tribunal 
 Militar, entre os juízes a que se refere, até porque, como vimos, estes 
 tribunais não têm competência para apreciar questões directamente relacionadas 
 com interesses patrimoniais do Estado ou para, em nome do povo, dirimir 
 conflitos entre interesses privados com uma dimensão patrimonial, pelo que 
 falecem as razões que podem ter conduzido a incluir os juízes entre as entidades 
 obrigadas a apresentar as declarações.
 Entende, portanto, o Tribunal, — diversamente do Relator — que o n.º 2 do artigo 
 
 5.º deve interpretar-se ao sentido de que não abrange os juízes militares dos 
 tribunais militares.
 
  
 C)   A questão da inconstitucionalidade do artigo 8.º, n.º 1
 
  
 
 22 — Dispõe o artigo 8.º, n.º 1, do Decreto n.º 185/VI:
 
  
 Artigo 8.º
 
 (Competência para a aplicação de sanções)
 
  
 
 1 — Compete ao Tribunal Constitucional aplicar as sanções referidas no artigo 
 
 5.º quando se trate de titulares de cargos referidos nas alíneas a) a l) do 
 artigo 2.º
 
  
 As alíneas a) a l) do artigo 2.º abrangem todos os titulares de cargos 
 abrangidos pelo Decreto n.º 185/VI, com excepção dos referidos na alínea m), que 
 são os gestores públicos e os administradores em representação do Estado ou de 
 pessoa colectiva pública de empresas de capitais públicos ou de economia mista, 
 dos quais trata o n.º 2 do artigo 8.º  Outra excepção, essa não referida no n.º 
 
 1 é a dos juízes, referidos pela alínea e) do artigo 2.º, e de que trata o n.º 3 
 do artigo 8.º, salvo tratando-se de juízes do Tribunal Constitucional ou do 
 Tribunal de Contas, aos quais se aplica o regime do n.º 1.
 
 23 — O Presidente da República questiona a constitucionalidade material do n.º 1 
 do artigo 8.º: a) por violação do artigo 213.º, n.º 1, ao atribuir ao Tribunal 
 Constitucional uma competência para aplicar sanções penais, que está reservada 
 aos tribunais judiciais; b) por violação dos artigos 20.º, n.º 1, e 13.º, por os 
 titulares dos cargos políticos sujeitos à jurisdição do Tribunal Constitucional 
 não terem garantia de recurso das decisões punitivas (violação do artigo 20.º, 
 n.º 1), ao contrário dos que vêm as suas causas julgadas em primeira instância 
 pelos tribunais administrativos, ou pelas entidades que sobre eles tenham poder 
 disciplinar (violação do artigo 13.º); c) por violação do artigo 13.º, ao 
 colocar os juízes de carreira que exercem funções no Tribunal Constitucional e 
 no Tribunal de Contas numa situação diferente da dos restantes juízes de 
 carreira, que não estão sujeitos à competência disciplinar do Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 
 24 — Antes, porém, de apreciar estes pontos, importa averiguar se o n.º 1 do 
 artigo 8.º, independentemente do seu conteúdo, é, desde logo, inconstitucional 
 por atribuir uma competência ao Tribunal Constitucional sem revestir a forma de 
 lei orgânica, violando assim o artigo 169.º, n.º 2, com referência ao artigo 
 
 167.º, alínea c), da Constituição.  Segundo o n.º 2 do artigo 169.º, reveste a 
 forma de lei orgânica o acto de legislar sobre organização, funcionamento e 
 processo do Tribunal Constitucional, previsto na alínea c) do artigo 167.º como 
 sendo da exclusiva competência da Assembleia da República.  Abrange a legislação 
 sobre processo a legislação sobre competência?
 A letra da lei é equívoca, porque a palavra «processo» tanto pode ser 
 interpretada num sentido lato (interpretação declarativa lata) que abrange a 
 competência, como num sentido restrito (interpretação declarativa restritiva) 
 que a exclui.  Assim, por exemplo, nas alíneas c) e d) do artigo 168.º pode 
 entender-se que a palavra «processo» está usada em sentido restrito, porque a 
 
 «competência dos tribunais» está prevista na alínea q) do mesmo artigo.  Mas 
 seria equivalente no resultado (a reserva relativa da competência da Assembleia 
 da República) uma interpretação declarativa lata da palavra «processo» naquelas 
 alíneas, fazendo então a alínea q) uma generalização a todos os processos 
 judiciais do regime da competência dos tribunais que já é estabelecido quanto a 
 alguns desses processos nas alíneas c) e d).  A favor desta segunda 
 interpretação pode invocar-se que a expressão «legislação do processo» e 
 semelhantes («tais como legislar sobre a matéria de processo», do artigo 168.º, 
 ou «código de processo») abrangem geralmente as normas de competências dos 
 tribunais, o que é também lógico, porque a competência do tribunal é um 
 pressuposto processual.  Assim, os códigos de processo civil e de processo penal 
 incluem tradicionalmente a matéria de competência dos tribunais. 
 No caso da expressão do artigo 167.º «legislar sobre organização, funcionamento 
 e processo do Tribunal Constitucional» há um argumento histórico no sentido da 
 interpretação declarativa lata.  O legislador constituinte de 1989, que 
 introduziu a forma de lei orgânica com o n.º 2 do artigo 169.º, não pôde deixar 
 de ter presente, ao exigir essa forma para a «lei sobre organização, 
 funcionamento e processo do Tribunal Constitucional», que a existente lei com 
 essa designação — a Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro — incluía um capítulo sobre 
 a competência do Tribunal Constitucional (Capítulo I do Título II, artigos 6.º a 
 
 11.º).  Deduz-se, portanto, que terá querido exigir a forma orgânica para 
 qualquer futura alteração ou aditamento de qualquer parte dessa lei ou para a 
 sua substituição integral, incluindo as normas sob competência.  É certo que uma 
 vontade histórica não se obtém por dedução, mas pode presumir-se na falta de 
 indicação em contrário.
 Argumentos decisivos são os lógicos e sistemáticos.  Sendo o processo um meio 
 necessário para o exercício de competência é ilógico comandar o fim, atribuindo 
 a competência, se não existirem os meios, isto é, o processo, assim como é 
 ilógico atribuir o poder para criar competência sem atribuir o poder para criar 
 o meio processual que torna possível o exercício da competência.  Seria impor 
 deveres que não podem ser cumpridos e conferir poderes que não podem ser 
 realizados.  Seria, em suma, vontade legislativa que não pretende eficácia.  
 Basta atentar nas contradições sistemáticas e nos impasses práticos resultantes. 
 
  Se a nova competência do artigo 8.º, n.º 1, fosse atribuída ao Tribunal 
 Constitucional por uma simples lei, e não fossem criadas as normas de processo 
 correspondentes através da maioria qualificada e da forma dos n.os 4 e 5 do 
 artigo 271.º da Constituição, ficaria o n.º 1 do artigo 8.º sem eficácia.  Em 
 caso de veto do Presidente da República, abria-se um conflito institucional 
 indesejável: o Presidente da República, que estaria obrigado, a promulgar a 
 simples lei, se fosse confirmada pela maioria absoluta dos deputados em 
 efectividade de funções (artigo 139.º, n.º 2), poderia, através do veto da lei 
 orgânica do processo correspondente, inviabilizar de novo a anterior 
 confirmação, por a confirmação da lei orgânica passar a exigir a maioria 
 qualificada de dois terços dos deputados presentes (artigo 139.º, n.º 3).
 A não inclusão da competência na matéria do processo implicaria outra 
 contradição axiológica: ao passo que a Constituição, quanto aos restantes 
 tribunais, considera mais importante — e, portanto, merecedora de restrições 
 formais — a matéria de competência, do que a matéria de processo, pelo que só a 
 primeira é relativamente reservada à competência legislativa da Assembleia da 
 República [artigo 168.º, alínea q)], quanto ao Tribunal Constitucional, a 
 matéria de processo estaria reservada absolutamente àquela competência 
 legislativa [artigo 167.º, alínea c)], e ainda por cima sujeita a lei orgânica 
 
 (artigo 169.º, n.º 2), enquanto que a matéria de competência só lhe estaria 
 relativamente reservada, sem excluir uma autorização legislativa ao Governo 
 
 [artigo 168.º, alínea q)].  Criar-se-ia assim a possibilidade de novos conflitos 
 institucionais: o Governo, depois de autorizado, poderia criar novas 
 competências do Tribunal Constitucional, que seriam ineficazes se não fossem 
 viabilizadas por lei orgânica, etc.
 Ora a correcta ponderação axiológica é a que valoriza a atribuição de 
 competência jurisdicional acima da regulação do processo, porque esta é 
 instrumental relativamente àquela.  Razão têm, pois, Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, quando interpretam a alínea c) do artigo 167.º dizendo que «por maioria 
 de razão, deve considerar-se aqui incluída também a definição da sua 
 competência, para além da constitucionalmente fixada (cfr. artigo 225.º, n.º 3)» 
 
 (ob. cit., p. 664).  Por este fundamento, já no domínio da revisão 
 constitucional de 1982 se devia entender que a alínea e) do n.º 2 do artigo 
 
 213.º remetia para a alínea h) do artigo 167.º [correspondente, sem alterações, 
 
 à actual alínea c)] e não para a alínea q) do artigo 168.º  A exigência de lei 
 orgânica na revisão de 1989 só veio acentuar a improcedência da interpretação 
 contrária.
 Não se diga que não é permitido alargar por analogia (e o argumento por maioria 
 de razão pode considerar-se como argumento analógico) as hipóteses de lei 
 orgânica, ou de reserva absoluta de competência legislativa, previstas na 
 Constituição.  Mesmo que se admitisse um princípio da tipicidade na matéria, ou 
 que se considerasse a reserva absoluta como excepcional, isso não afectaria a 
 validade de argumentos por maioria ou identidade de razão, e de raciocínios por 
 analogia, para interpretar, apenas proibiria a integração de lacunas e, 
 portanto, o uso desses ou outros argumentos, para as integrar.  Ora quando se 
 diz que no artigo 167.º a matéria de «processo» inclui a de competência está-se 
 a tomar em sentido amplo uma expressão «matéria de processo» que tem vários 
 significados e em que a interpretação não faz mais do que «declarar o sentido 
 linguístico coincidente com o pensar legislativo».  Fala-se então de 
 interpretação extensiva, a qual se destina a «corrigir uma formulação estrita de 
 mais».  O legislador, exprimindo o seu pensamento, introduz um elemento que 
 designa espécie, quando queria aludir ao género.  A interpretação extensiva 
 
 «supõe que há desconformidade entre a letra e o pensamento da lei», pelo que 
 
 «há-de ter por efeito operar uma rectificação do sentido verbal» (transcrevem-se 
 as expressões usadas por Francesco Ferrara, traduzido por Manuel de Andrade em 
 Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis — Interpretação e Integração das 
 Leis, 2.ª ed., 1963, pp. 147, 150, 148 e 149, e que definem a terminologia 
 tradicional).  Só deixa de haver interpretação quando o pensamento legislativo 
 
 «não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que 
 imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil).  Só para lá da 
 interpretação há lacunas a integrar.
 Ora os argumentos por maioria de razão e, em geral, por analogia, são 
 indispensáveis tanto para interpretar como para integrar.  Como instrumentos da 
 interpretação são eles que permitem incluir num conceito as classes de casos de 
 inclusão duvidosa, por pertencerem à periferia (Begriffshof na linguagem de 
 Heck) e não ao núcleo (Begriffskern) do conceito, o que se faz por valerem para 
 aqueles as mesmas razões que fundamentam o regime legal dos casos nucleares (de 
 cuja abrangência pelo conceito não se duvida), e isto, precisamente, por 
 argumentos analógicos de identidade ou maioria de razão.  Foi assim que se 
 incluiu a classe em questão das normas sobre competência na legislação sobre 
 matéria de processo.  Assim se faz usualmente em direito quando se interpreta.  
 No caso em crise o resultado da interpretação cabe num dos sentidos possíveis 
 das palavras da lei, segundo as regras da linguagem, pelo que o resultado da 
 interpretação não implica a rectificação dessas palavras: a interpretação é, 
 pois, declarativa.
 Assente que o conceito de matéria de processo do Tribunal Constitucional na 
 alínea c) do artigo 167.º abrange a competência, seria necessário que o n.º 1 do 
 artigo 8.º do Decreto n.º 185/VI, que atribui uma competência ao Tribunal, 
 revestisse a forma de lei orgânica.  Ora dos trabalhos preparatórios resulta 
 como se viu (supra, n.º 5), que este decreto foi votado sem o formalismo próprio 
 da lei orgânica.  O n.º 1 do artigo 8.º é, portanto, inconstitucional, por 
 violação do artigo 169.º, n.º 2, com referência ao artigo 167.º, alínea c), da 
 Constituição.
 Tendo concluído pela inconstitucionalidade formal do n.º 1 do artigo 8.º por 
 violação do artigo 169.º, n.º 2, com referência ao artigo 167.º, alínea c), da 
 Constituição torna-se desnecessário averiguar de outros fundamentos de 
 inconstitucionalidade, desta vez material.
 
  
 D)   A questão da inconstitucionalidade do artigo 8.º, n.º 2
 
  
 
 25 — Dispõe o n.º 2 do artigo 8.º do Decreto n.º 185/VI:
 
  
 Artigo 8.º
 
 (Competência para a aplicação de sanções)
 
  
 
 2 — Em relação aos titulares de cargos referidos na alínea m) do artigo 2.º, a 
 competência é dos tribunais administrativos.
 
  
 O Presidente da República questiona a constitucionalidade do n.º 2 do artigo 
 
 8.º, por dois fundamentos: a) violação do artigo 214.º, n.º 3, da Constituição, 
 pela atribuição de competência para a aplicação destas sanções aos tribunais 
 administrativos, se se atentar «na natureza penal das sanções e na circunstância 
 do incumprimento culposo resultar da prática (por acção ou omissão) de factos 
 totalmente estranhos ao exercício de funções, mesmo até após o termo do 
 exercício»; b) por violação do artigo 13.º, por não se descortinar fundamento 
 material bastante para «subtrair a apreciação destes casos à entidade que sobre 
 aqueles gestores e administradores detém poder disciplinar (claramente 
 abrangidos nos poderes de tutela), pela mesma ordem de razões — 
 profissionalidade, estatuto profissional próprio e carreira — que terão levado o 
 legislador a prever tal solução para os juízes».
 
  
 
 26 — O argumento para afirmar a violação do artigo 214.º, n.º 3, que atribui aos 
 tribunais administrativos o julgamento das acções e recursos contenciosos que 
 tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações 
 jurídico-administrativas, parte da natureza penal da sanção, pelo que a decisão 
 sobre a sua aplicação nunca poderia dirimir um litígio emergente das relações 
 jurídico-administrativas.
 Ressalva-se novamente a questão da constitucionalidade da sanção de inibição 
 para o exercício do cargo, de que se tratará adiante.  Quanto à sanção de 
 destituição judicial de cargo, é também concebida não como uma sanção penal, mas 
 como uma sanção de tipo disciplinar, que deriva ou emerge da relação jurídica 
 que está na base do exercício das funções.  Quanto a ela não há, pois, violação 
 do artigo 214.º, n.º 3, da Constituição.
 Por outro lado, a subtracção dos casos dos gestores e administradores à 
 competência da autoridade que sobre eles exerce poder de tutela e a sua sujeição 
 
 à competência dos tribunais administrativos não viola o princípio da igualdade 
 por diferença da atribuição da mesma competência, para os juízes, à entidade que 
 detém poder disciplinar, ou seja, ao Conselho Superior de Magistratura para os 
 juízes dos tribunais judiciais (artigos 219.º, n.º 1, da Constituição e 111.º do 
 Estatuto dos Magistrados Judiciais), ao Conselho Superior dos Tribunais 
 Administrativos e Fiscais para os juízes de jurisdição administrativa e fiscal 
 
 (artigos 219.º, n.º 2, da Constituição e 98.º do Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 
 de Abril).  Com efeito, os tribunais administrativos oferecem garantias de 
 imparcialidade que não existem nos órgãos administrativos da tutela mas que de 
 certo modo se encontram nos Conselhos Superiores e outros órgãos com competência 
 disciplinar em relação aos juízes de outros tribunais (artigo 219.º, n.º 3, da 
 Constituição).  Ora a similitude de garantias é mais relevante nesta matéria 
 
 (cfr. o n.º 3 do artigo 219.º da Constituição) do que quaisquer semelhanças que 
 possa haver entre os órgãos de tutela administrativa e os órgãos disciplinares 
 dos juízes.  Não há, por consequência, violação do princípio da igualdade.
 
 27 — Importa averiguar agora da constitucionalidade do n.º 2 do artigo 8.º, no 
 que respeita à atribuição de competência para aplicar a sanção de inibição para 
 o exercício do cargo, prevista no n.º 1 do artigo 5.º  Com efeito, a «inibição 
 por período de 1 a 5 anos para o exercício do cargo a que se aplica a presente 
 lei» implica a inelegibilidade do agente incumpridor para qualquer dos cargos 
 electivos previstos no artigo 2.º (Presidente da República, Deputado à 
 Assembleia da República, deputado da Assembleia Legislativa Regional, deputado 
 ao Parlamento Europeu, presidentes e vereadores de Câmaras Municipais).  Em 
 geral, deverá entender-se que as disposições conjugadas dos artigos 2.º, 18.º, 
 n.º 2, 48.º, n.º 1, 50.º, n.º 1, e 213.º, n.º 1, proíbem a criação, excepto como 
 sanção de direito penal, das sanções de inibição para o exercício de cargo 
 público.
 Desde logo, quanto aos cargos electivos, como se disse no Acórdão n.º 602/89 
 
 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14.º Vol., 1989, p. 561), a capacidade 
 eleitoral passiva é apenas um aspecto do direito político fundamental de 
 sufrágio, activo e passivo, que deriva do princípio democrático (cfr. os artigos 
 
 1.º, 2.º, 3.º, 10.º, 49.º e 50.º, n.os 2 e 3, da Constituição).  O princípio 
 democrático vale universalmente para todos os cidadãos (artigo 12.º), pelo que o 
 direito de sufrágio está histórica e essencialmente ligado ao princípio do 
 sufrágio universal: todos os cidadãos têm, em princípio, igual direito a 
 participar na formação da vontade geral (cfr. o artigo 6.º da Declaração dos 
 Direitos do Homem e do Cidadão de 1791 e o artigo 21.º da Declaração Universal 
 dos Direitos do Homem).  O direito de sufrágio passivo é verdadeiro direito 
 subjectivo público fundamental: o Estado deverá nomeadamente garantir o direito 
 
 à candidatura segundo os princípios do sufrágio universal, livre e pessoal e o 
 direito à manutenção e exercício, sem prejuízo pessoal, do mandato.  Dada a 
 homogeneidade tendencial entre o direito de sufrágio activo e passivo, há uma 
 obrigação do Estado de estender o âmbito pessoal do exercício do direito em toda 
 a medida jurídica e realmente possível.
 Não se diga que o n.º 3 do artigo 50.º permite expressamente as restrições ao 
 acesso a cargos electivos necessários para garantir a isenção e independência de 
 exercício dos respectivos cargos.  Segundo o preceito, a isenção e a 
 independência são relativas ao exercício do cargo.  Trata-se do específico cargo 
 e, portanto, terão de verificar-se específicos interesses e relações do cidadão 
 que não garantem isenção e imparcialidade na gestão ou representação dos 
 interesses que incumbe ao titular do cargo electivo.  É uma incompatibilidade 
 que tem o regime de uma inelegibilidade.  O artigo 50.º, n.º 3, não autoriza, 
 portanto, uma inelegibilidade para todos os cargos electivos previstos na 
 Constituição.  Qualquer outra causa de ineligibilidade terá em face do artigo 
 
 50.º, n.º 3, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, que estar expressamente 
 prevista na Constituição.  Ora a Constituição expressamente prevê no n.º 4 do 
 artigo 30.º a possibilidade de perda de direitos políticos como pena acessória 
 e, por identidade de razão, a possibilidade dessa perda como pena principal.  
 Não prevê nem, portanto, permite outras causas de perda de direitos políticos.
 Isto vale para a inibição para o exercício de cargo público que não seja 
 electivo, igualmente previsto no n.º 1 do artigo 50.º, que é uma dimensão 
 essencial do direito geral de participação na vida pública (artigo 48.º, n.º 1). 
 
  Está também aqui em jogo uma dimensão essencial do princípio democrático 
 
 (artigo 2.º).
 Ora deve considerar-se que a perda genérica do acesso a cargo público só pode 
 estatuir-se por previsão expressa na Constituição, salvo como pena criminal.  A 
 inibição para o exercício de cargo público tem como efeito a negação de uma 
 parte constitutiva do estatuto de cidadão, a capacidade para o acesso e 
 exercício de cargos públicos num Estado de direito democrático, e de uma forma 
 genérica.  Assemelha-se, deste ponto de vista, como privação parcial da 
 liberdade, à prisão, que priva o cidadão da sua liberdade, como capacidade 
 genérica do exercício de direitos, e que a Constituição proíbe, em princípio, 
 que seja cominada por lei fora do direito penal (cfr. o artigo 27.º, n.º 2, da 
 Constituição).  Este argumento vale, assim, mesmo para quem não partilhe a 
 interpretação restritiva da parte final do n.º 3 do artigo 50.º, que atrás se 
 expôs.
 Temos, portanto, que a norma do artigo 8.º, n.º 2, na parte em que atribui aos 
 tribunais administrativos competência para aplicar a sanção da inibição para o 
 exercício de cargo público viola as disposições conjugadas dos artigos 2.º, 
 
 18.º, n.º 2, 48.º, n.º 1, 50.º, n.º 1, e 213.º, n.º 1, da Constituição.
 
  
 E)   A questão da inconstitucionalidade do artigo 8.º, n.º 3
 
  
 
 28 — Dispõe o n.º 3 do artigo 8.º:
 
  
 Artigo 8.º
 
 (Competência para a aplicação de sanções)
 
  
 
 3 — Em relação aos juízes, a competência é da entidade que detém poder 
 disciplinar, salvo tratando-se de juízes do Tribunal Constitucional ou do 
 Tribunal de Contas, aos quais se aplica o regime do n.º 1.
 
  
 O Presidente da República questiona a constitucionalidade do n.º 3 do artigo 8.º 
 quanto aos juízes em geral, supondo o carácter penal das sanções a aplicar, por 
 violação do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição e ainda, quanto aos juiz 
 Presidente e juízes Vogais do Supremo Tribunal Militar por não estarem 
 submetidos à jurisdição do Tribunal Constitucional, por violação do princípio da 
 igualdade (artigo 13.º da Constituição).
 Já atrás se apreciaram estes fundamentos.  As sanções a aplicar não têm carácter 
 penal (supra n.os 14 a 17).  Os juízes militares dos tribunais militares não 
 estão abrangidos pela norma do artigo 5.º, n.º 1 (supra n.º 21).  Falecem, pois, 
 estes dois fundamentos de inconstitucionalidade.
 Importa, contudo, averiguar outros fundamentos (artigo 51.º, n.º 5, da Lei n.º 
 
 28/82).
 
  
 
 29 — Demonstrado atrás (supra n.º 24) que a atribuição ao Tribunal 
 Constitucional de uma competência não directamente prevista na Constituição por 
 uma lei que não revista a forma de lei orgânica viola o artigo 169.º, n.º 2, com 
 referência ao artigo 167.º, alínea c), há que concluir pela 
 inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 8.º do Decreto n.º 185/VI na medida em 
 que atribui ao Tribunal Constitucional competência para aplicar as sanções 
 previstas no n.º 1 do artigo 5.º aos juízes do Tribunal de Contas.
 Quanto à competência do Tribunal Constitucional para aplicar sanções 
 qualificadas como disciplinares aos seus próprios juízes, ela já resulta do 
 artigo 25.º da Lei n.º 28/82, pelo que o n.º 3 do artigo 8.º não é 
 inconstitucional nessa medida.  É-o, porém, consequencialmente, na medida em que 
 atribui tal competência relativamente à medida de inibição para o exercício de 
 cargo público, por violação das disposições conjugadas dos artigos 2.º, 18.º, 
 n.º 2, 48.º, n.º 1, 50.º, n.º 1, e 213.º, n.º 1, da Constituição, conforme se 
 fundamentou anteriormente (supra n.º 27).
 
  
 III — Conclusão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
 
  
 
        a)   Não se pronunciar pela inconstitucionalidade das referidas normas 
 por violação do artigo 139.º, n.º 2, da Constituição;
 
        b)   Pronunciar-se pela inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 5.º, na 
 parte em que se refere aos juízes do Tribunal de Contas, por violação dos 
 artigos 18.º, n.º 2, e 13.º da Constituição;
 
        c)   Não se pronunciar pela inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 5.º, 
 na parte em que se refere aos juízes que não exercem funções no Tribunal de 
 Contas, interpretada tal norma no sentido de que ela não abrange os juízes 
 militares dos tribunais militares;
 
        d)   Pronunciar-se pela inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 8.º, por 
 violação do artigo 169.º, n.º 2, com referência ao artigo 167.º, alínea c), da 
 Constituição;
 
        e)   Pronunciar-se pela inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 8.º, na 
 parte em que atribui competência aos tribunais administrativos para aplicar a 
 sanção de inibição para o exercício de cargo, prevista no n.º 1 do artigo 5.º, 
 por violação das disposições conjugadas dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 48.º, n.º 
 
 1, 50.º, n.º 1, e 213.º, n.º 1, da Constituição;
 
        f)   Não se pronunciar pela inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 8.º 
 na parte restante;
 
        g)   Pronunciar-se pela inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 8.º, na 
 parte em que atribui ao Tribunal Constitucional competência para aplicar as 
 sanções previstas no n.º 1 do artigo 5.º aos juízes do Tribunal de Contas, por 
 violação do artigo 169.º, n.º 2, com referência ao artigo 167.º, alínea c), da 
 Constituição;
 
        h)   Pronunciar-se pela inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 8.º, na 
 parte em que atribui ao Tribunal Constitucional competência para aplicar a 
 medida de inibição para o exercício do cargo, prevista no n.º 1 do artigo 5.º, 
 aos juízes do mesmo Tribunal, por violação das disposições conjugadas dos 
 artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 48.º, n.º 1, 50.º, n.º 1, e 213.º, n.º 1, da 
 Constituição;
 
         i)   Não se pronunciar pela inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 8.º 
 na parte restante.
 
  
 Lisboa, 16 de Fevereiro de 1995. — José de Sousa e Brito [com declaração de voto 
 quanto à interpretação fixada na alínea a)] — Bravo Serra [vencido quanto à 
 decisão constante das alíneas b), d), e), g) e h), conforme declaração de voto 
 junta] — Antero Alves Monteiro Diniz [vencido relativamente às decisões das 
 alíneas a), e), f) e i), conforme declaração de voto junta] — Fernando Alves 
 Correia [vencido quanto às decisões das alíneas b), d), e), g) e h), pelas 
 razões constantes da declaração de voto do primitivo relator, Ex.mo Conselheiro 
 Bravo Serra] — Maria Fernanda dos Santos Martins da Palma Pereira [vencida 
 quanto às decisões constantes das alíneas a), c), f) e i), nos termos da 
 declaração de voto junta] — Maria da Assunção Esteves [vencida quanto às alíneas 
 b), d), e) e h), pelo essencial das razões da declaração de voto do Ex.mo Sr. 
 Conselheiro Bravo Serra] — Luís Nunes de Almeida [vencido quanto à alínea a), 
 nos termos da declaração de voto junta] — Alberto Tavares da Costa [vencido 
 quanto às alíneas c), f) e i), nos termos da declaração de voto do Ex.mo 
 Conselheiro Monteiro Diniz, quanto a esta parte] — Guilherme da Fonseca [vencido 
 quanto às alíneas c), f) e i), nos termos da declaração de voto junta] — Vítor 
 Nunes de Almeida [vencido quanto às decisões constantes das alíneas b), d), e), 
 g) e h), pelos fundamentos constantes da declaração de voto do Ex.mo Conselheiro 
 Bravo Serra] — Messias Bento [vencido quanto às alíneas b), d), e), g) e h), 
 pelo essencial das razões da declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Bravo 
 Serra, primitivo relator] — Armindo Ribeiro Mendes [vencido quanto às alíneas a) 
 e c), nos termos da declaração de voto junta]    — José Manuel Cardoso da Costa 
 
 [com declaração de voto junta, relativa às alíneas d), e) e h) da decisão].
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 Não posso concordar com a interpretação segundo a qual o n.º 2 do artigo 5.º do 
 Decreto n.º 185/VI não abrange os juízes militares dos tribunais militares.  
 Estes juízes integram tribunais que são órgãos de soberania, que administram a 
 justiça em nome do povo tal como outros tribunais descritos no artigo 211.º da 
 Constituição (cfr. artigo 205.º).  Respondem disciplinarmente como todos os 
 juízes, pelo artigo 219.º da Constituição.  E estão sujeitos à competência 
 disciplinar do Supremo Tribunal Militar, em última instância, que é também a 
 primeira e única para os próprios juízes militares do Supremo Tribunal Militar, 
 como se deduz do artigo 240.º, n.º 3, do Código de Justiça Militar (interpretada 
 sistematicamente, em vista dos artigos 218.º, n.º 2, e 219.º, n.º 3, da 
 Constituição, por um lado, e artigo 239.º do Código de Justiça Militar, por 
 outro).  Todos eles exercem funções em comissão de serviço por dois anos, 
 podendo ser reconduzidos (cfr. artigos 237.º — juízes militares dos tribunais 
 militares de instância — e 275.º, n.º 2 — presidente e vogais do Supremo 
 Tribunal Militar).  Não são, portanto, juízes ocasionais, ou eventuais, mas sim 
 juízes em comissão de serviço duradoura, e nada justifica que não estejam 
 igualmente obrigados a apresentar declaração sobre o rendimento, património e 
 cargos sociais.
 Fora da extensão do conceito de «juízes» do n.º 2 do artigo 5.º ficam apenas os 
 referidos juízes ocasionais, como são os substitutos de juízes [artigo 88.º, n.º 
 
 1, alínea b), da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais — Lei n.º 38/87, de 23 de 
 Dezembro] e os juízes sociais (cfr. o artigo 201.º, n.º 2, da Constituição e o 
 Decreto-Lei n.º 156/78, de 30 de Junho). — José de Sousa e Brito.
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 Não acompanhei o Acórdão, de que a presente declaração faz parte integrante, no 
 que respeita ao respectivo conteúdo decisório ínsito nas alíneas b), d), e), g) 
 e h), cumprindo, brevitatis causa, expor as razões da minha discordância.
 Assim:
 
  
 
 1 — Quanto à detectada inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do 
 artigo 5.º do Decreto n.º 185/VI da Assembleia da República.
 Segundo a tese que fez vencimento, aquela norma, ao excluir os juízes do 
 Tribunal de Contas da previsão da aplicação da sanção, qualificada 
 disciplinarmente como grave desinteresse pelo cumprimento do dever profissional  
 
         — sanção essa estabelecida para os juízes dos tribunais das outras 
 ordens judiciárias e que poderá acarretar para estes a imposição de pena de 
 suspensão de exercício de vinte a duzentos e quarenta dias ou de inactividade 
 não inferior a um ano nem superior a dois —, sujeitando, pois, os primeiros ao 
 regime geral — o que implicará a possibilidade de lhes ser aplicada a pena de 
 demissão — violará o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da 
 Constituição, dado que esta última sanção «é bem mais grave» do que aqueloutras 
 que resultam da qualificação dada pelo preceito em apreço.
 Antes do mais, a meu ver, torna-se necessário sublinhar que, como decorre do 
 artigo 38.º, n.º 1, da Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro, os juízes do Tribunal de 
 Contas que tenham vínculo à função pública, podem ser nomeados em comissão 
 permanente de serviço, o que vale por dizer que, uma vez nomeados, conquanto 
 percam o concreto lugar funcional no qual anteriormente exerciam, nem por isso 
 deixam de conservar aquele vínculo, o que implica que, igualmente, não deixam de 
 fazer parte da carreira a que pertenciam.
 Ora, relativamente a juízes nomeados nessas condições, torna-se claro que, caso 
 lhes venha a ser aplicável a sanção prevista no regime geral pelo incumprimento 
 do dever de apresentação da declaração previsto no artigo 3.º do Decreto, isto 
 
 é, a pena de demissão, esta só incidirá sobre o cargo de juiz do Tribunal de 
 Contas, não tendo repercussão na carreira a que pertençam, à qual, obviamente, 
 podem regressar.
 Diferentes são, porém, as situações dos juízes daquele Tribunal que não tenham 
 vínculo à função pública ou, tendo-o, não optaram por nomeação em comissão 
 permanente de serviço, antes tendo preferido serem nomeados a título definitivo.
 Daí que seja cabido perguntar se, concernentemente a estes juízes — e só a eles 
 
 —, não terá razão de ser a descortinada enfermidade da norma sob apreciação em 
 confronto com a Constituição.
 Entende o subscritor da presente declaração que esses juízes, nomeados a título 
 definitivo, hão-de estar incluídos na designação de juiz a que se reporta o 
 primeiro troço do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto (e que, simpliciter, se poderá 
 tomar no sentido de «juiz de carreira»), o que equivale a dizer que a expressão 
 juiz… do Tribunal de Contas, utilizada na parte final dessa norma, só deve 
 abranger aqueles juízes que, mantendo vínculo à função pública, foram nomeados 
 para esse Tribunal em comissão permanente de serviço.
 Só assim, na verdade, de um ponto de vista sistemático e coerente, se explica 
 que o legislador parlamentar tivesse consagrado, no tocante à aplicação do 
 regime geral, uma equiparação entre os juízes do Tribunal de Contas e do 
 Tribunal Constitucional.
 Significa isto, na minha interpretação, que os juízes do Tribunal de Contas 
 nomeados em comissão permanente de serviço, vêm, afinal, a sofrer de idêntico 
 tratamento ao conferido aos juízes dos outros tribunais que desempenham funções 
 no Tribunal Constitucional e que, quanto aos juízes nomeados a título definitivo 
 naquele primeiro Tribunal, também eles têm tratamento semelhante aos «juízes de 
 carreira».  De onde, perante essa interpretação, se não divisar desigualdade de 
 tratamento passível de ser inserida como infracção ao princípio postulado pelo 
 artigo 13.º da Constituição.
 
  
 
 2 — Quanto à descortinada violação do n.º 2 do artigo 169.º, com referência à 
 alínea c) do artigo 167.º, um e outro da Constituição, por parte do n.º 1 do 
 artigo 8.º do Decreto e do n.º 3 do mesmo artigo 8.º, na parte em que atribui ao 
 Tribunal Constitucional competência para aplicar as sanções previstas no n.º 1 
 do artigo 5.º aos juízes do Tribunal de Contas.
 O Tribunal, no vertente aresto, entendeu, por maioria, que, por uma 
 interpretação declarativa, o conceito do vocábulo processo usado na alínea c) do 
 artigo 167.º da Constituição, haveria de abarcar a própria competência do 
 Tribunal Constitucional.
 Penso, todavia, que, pese embora o devido respeito pelos argumentos avançados 
 para suportar uma tal conclusão, ela não é de seguir.
 Efectivamente, na minha óptica, o legislador constituinte, aquando da Revisão do 
 Diploma Básico operada em 1989, tinha desde logo dado por assente, pois que, 
 quanto a este ponto, isso era inquestionável, que as competências fundamentais 
 ou, se se quiser, essenciais, do Tribunal Constitucional estavam, elas mesmas, 
 já fixadas na própria Constituição (através dos artigos 213.º, 278.º, 280.º, 
 
 281.º e 283.º na versão decorrente da revisão de 1982 e, na presente versão, dos 
 artigos 225.º, 278.º, 280.º e 283.º).
 Uma tal fixação impunha, como é límpido, que esse núcleo essencial de atribuição 
 de funções a um órgão revestido de uma importância tal como a detida pelo 
 Tribunal Constitucional, haveria de congregar, para a respectiva definição, um 
 alargado consenso de uma significativa maioria parlamentar, como é a exigida 
 para se poder levar a cabo uma revisão constitucional, pois que só durante uma 
 tal fase — a da revisão — poderiam ser tocados os poderes cognitivos que se 
 incluam no aludido núcleo.
 Por outro lado, e porque aquela atribuição, despojada das regras processuais 
 necessárias ao seu desenvolvimento e efectivação, poderia, na prática, redundar 
 numa atribuição dificilmente exequível, é perfeitamente compreensível que o 
 legislador constituinte de 1989, ao gizar a figura das leis orgânicas, para as 
 quais fez exigência de maiores requisitos, quer para a sua votação na 
 especialidade, quer para a votação final global (cfr. n.os 4 e 5 do artigo 171.º 
 da Constituição), entendesse que aquelas regras haveriam de constar dessa 
 categoria de leis, justamente com o propósito de impedir que, mercê de uma mera 
 maioria simples e conjuntural do Parlamento, pudessem alcançar-se desígnios de 
 
 «diminuição» ou, no limite, de despojamento da competência nuclear do Tribunal 
 Constitucional, que desejou ver-lhe consignada e quis que por ele fosse levada a 
 efeito.
 Claro que a própria Constituição não arredou a possibilidade de ao Tribunal 
 Constitucional virem, por lei, a ser atribuídas outras competências [cfr. alínea 
 e) do n.º 2 do artigo 213.º da versão de 1982 e n.º 3 do artigo 225.º da actual 
 versão]. Só que, na minha perspectiva, não se incluindo essas funções naquele já 
 referido núcleo, não se justificaria, de todo, que o respectivo processo 
 legislativo visando essa atribuição fosse rodeado das cautelas e cuidados 
 inerentes ao processo de feitura das leis orgânicas, este sim justificado, como 
 acima se disse, para salvaguardar a eficácia do desenvolvimento da competência 
 nuclear do citado órgão de administração de justiça.
 Daí que tenha para mim que o termo processo utilizado na alínea c) do artigo 
 
 167.º da Constituição não comporte o sentido de competência.  Sequentemente, no 
 seu modo de ver, poderá a Assembleia da República, por simples lei (não se 
 impondo, pois, que revista a forma de lei orgânica), determinar, ao abrigo do 
 n.º 3 do artigo 225.º e da alínea q) do n.º 1 do artigo 168.º, ambos da Lei 
 Fundamental, a atribuição de outras funções ao Tribunal Constitucional, não se 
 me deparando, em consequência, que, in casu e quanto às normas ora em questão, 
 haja ferimento do n.º 2 do artigo 169.º, por referência à alínea c) do artigo 
 
 167.º
 Aliás, estranha-se até a circunstância de este Tribunal ter já tomado decisões 
 relativas a determinados casos regulados pelas Leis n.os 64/93, de 26 de Agosto 
 
 (Regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos 
 políticos e altos cargos públicos), e 72/93, de 3 de Novembro (Lei do 
 Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais), Leis que, 
 inequivocamente, não revestiram a forma de leis orgânicas nem como tal foram 
 sujeitas ao cabido processo de formação, e que cometeram a este órgão de 
 administração de justiça as funções de proceder à análise, fiscalização e 
 sancionamento das declarações dos titulares de cargos políticos (artigo 10.º, 
 n.º 2, da Lei n.º 64/93) e a apreciação das contas dos partidos e aplicação de 
 sanções aos mesmos pelo incumprimento das normas reguladoras do respectivo 
 financiamento (artigos 13.º e 14.º da Lei n.º 72/93).
 Aquela tomada de decisões representou, assim, a aceitação, por parte do Tribunal 
 Constitucional, da competência que lhe foi deferida pelas citadas Leis e que, 
 anteriormente, o não era minimamente.  E, o que é certo é que, não obstante, 
 como se disse, tais diplomas não revestirem a forma de leis orgânicas, nem por 
 isso o Tribunal, então, se declarou incompetente com base na circunstância de os 
 normativos atribuidores de competência padecerem de vício de 
 inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 169.º, n.º 2, com 
 referência ao artigo 167.º, alínea d), um e outro da Lei Fundamental.
 A actual postura da maioria que fez vencimento no Acórdão representa, desta 
 sorte, uma verdadeira incongruência com as decisões anteriores aqui indicadas.
 
  
 
 3 — Quanto à pronúncia de inconstitucionalidade da norma do artigo 8.º, n.º 2, 
 do Decreto, na parte em que atribui aos tribunais administrativos competência 
 para aplicar a sanção de inibição para o exercício do cargo e a que se reporta o 
 n.º 1 do artigo 5.º do mesmo Decreto, e da norma do citado artigo 8.º, n.º 3, na 
 parte em que atribui ao Tribunal Constitucional competência para aplicar aquela 
 sanção aos respectivos juízes.
 Os titulares de cargos públicos, cuja enunciação consta das várias alíneas do 
 artigo 2.º do Decreto, são pessoas que, ou são titulares de órgãos de soberania, 
 ou são pessoas cujos cargos ou exercício de funções depende da confiança 
 política de quem os nomeia ou designa, actuando, em consequência, tendo em 
 vista, nomeadamente, a prossecução de interesses de ordem «política».
 Ora, não sendo, nem podendo ser, a Constituição indiferente à circunstância de 
 as instituições relevantes do Estado de direito democrático que consagrou e, bem 
 assim, de o desempenho de funções por parte dos respectivos membros, suportes ou 
 titulares, deverem ser apresentados e pautados de forma transparente e com a 
 máxima lisura — e como tal tidos pelos cidadãos e pela própria comunidade (cfr. 
 
 «Relatório e Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, 
 Liberdades e Garantias», publicado na já citada II Série-A, n.º 21, do Diário da 
 Assembleia da República de 17 de Fevereiro de 1993) —, é perfeitamente 
 compreensível que se erija em dever apontado a quem desempenha esses cargos e 
 que, ao fim e ao resto, são o suporte humano visível e imediatamente apreensível 
 da realidade de tais instituições, a pública demonstração dos seus interesses 
 económicos aquando do início do desempenho e, igualmente, no momento da cessação 
 de funções.
 Esse dever impõe-se, assim, do ponto de vista deontológico-político, como 
 consequência dos interesses de fidúcia e transparência políticas que devem ser 
 inerentes ao poder democrático.
 Esta corte de considerações é, de todo o modo, também aplicável à sanção 
 consagrada para as situações a que se reporta a primeira parte do n.º 1 do 
 artigo 4.º do Decreto n.º 185/VI.
 Contudo, não pode passar em claro que esta última sanção é aplicável a quem, 
 tendo cessado o desempenho de um dos cargos mencionados nas alíneas b) a d) e f) 
 a m) do artigo 2.º, não apresenta a declaração de rendimentos, património e 
 cargos sociais, impedindo-o, por um período de um a cinco anos, de exercer as 
 funções correspondentes aos cargos previstos naquele artigo, à excepção do 
 consignado na alínea e).
 Este efeito, sem dúvida privativo dos direitos do sancionado a, por si, tomar 
 parte da vida política e na direcção dos assuntos públicos do País e de aceder a 
 cargos públicos (e que não é desencadeado por intermédio de uma actividade 
 administrativa, por isso que a aplicação da sanção é da competência, ou do 
 Tribunal Constitucional, ou dos tribunais administrativos), é, ainda, uma 
 consequência do incumprimento do dever «político» da apresentação da declaração 
 de rendimentos, património e cargos sociais, revelando-se proporcionado a um tal 
 incumprimento um sancionamento que, ao fim e ao resto, reside na não futura 
 designação para cargos de «natureza ou confiança política» (atente-se em que não 
 impede o futuro desempenho do cargo de juiz) por um período que um órgão 
 independente e imparcial, como é um tribunal, vai adequar ao condicionalismo 
 objectivo e subjectivo rodeador daquele incumprimento entre limites que, em 
 abstracto, não são de perspectivar como exagerados, sendo que a finalidade da 
 apresentação da declaração tem, claramente, a ver com o propósito de, no 
 exercício dos cargos públicos, se imporem comportamentos garantísticos da 
 isenção e independência aos quais, como resulta do que se disse já, a 
 Constituição não pode ser alheia.
 A isto adito que não é para mim problemático que o legislador constituinte 
 alguma vez tivesse tido a intenção de, relativamente aos titulares de cargos 
 electivos ou de cargos públicos que denotaram uma actuação incompatível com uma 
 fidúcia política decorrente de uma apresentação transparente, proibir que fossem 
 tomadas medidas legais visando impedir a futura acessão a cargos idênticos por 
 banda de titulares que assim procederam.
 Isso seria, no mínimo, um desacautelamento do valor democrático da transparência 
 que, seguramente, aquele legislador não quis nem quererá.
 A sanção sub specie afigura-se, deste modo, como limitada àquilo que é o 
 necessário à salvaguarda dos assinalados valores de isenção e independência, não 
 descortinando, em face do contexto em que discorri, qualquer ofensa de regras ou 
 princípios constitucionais por parte das normas neste ponto tratadas. — Bravo 
 Serra.
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 
 1 — Dissenti do acórdão nas soluções por ele adoptadas relativamente às matérias 
 constantes das alíneas a), c), f) e i), da respectiva decisão, votando vencido 
 quanto a tais questões com base na fundamentação que a seguir, de modo sumário, 
 se deixa exposta.
 
  
 
 2 — Numa linha de entendimento iniciada no Acórdão n.º 320/89, Diário da 
 República, I Série, de 4 de Abril de 1989, e continuada no Acórdão n.º 13/95, 
 Diário da República, II Série, de 9 de Fevereiro de 1995, através de declarações 
 de voto ali apresentadas, continuo a entender que, na sequência do veto oposto 
 nos termos do artigo 139.º, n.º 1, da Constituição, a Assembleia da República 
 fica constitucionalmente obrigada por força da regra do n.º 2 do mesmo preceito, 
 a confirmar o respectivo decreto por maioria absoluta dos Deputados em 
 efectividade de funções, no caso de o pretender manter ainda que com alterações, 
 de maior ou menor relevância formal ou substancial.
 E assim sendo, sustentei que todas as normas do Decreto n.º 185/VI, por 
 deficiência procedimental, padeciam de inconstitucionalidade formal decorrente 
 de ofensa ao disposto no artigo 139.º, n.º 2, da Constituição.
 
  
 
 3 — Do mesmo modo, não acompanhei o acórdão quando interpretou a norma do artigo 
 
 5.º, n.º 2, do Decreto n.º 185/VI, em termos de não abranger os juízes militares 
 dos tribunais militares.
 E não acompanhei, por ter por seguro que aquele diploma ao elencar os juízes 
 entre os titulares dos cargos públicos para efeitos da aplicação do seu regime, 
 procurou abranger no seu âmbito de incidência, sem excepções, os juízes de todas 
 as categorias de tribunais que, como órgãos de soberania, se acham previstos no 
 texto constitucional.
 Com efeito, não se observa qualquer específica razão para os juízes militares 
 dos tribunais militares, ficarem isentos do cumprimento dos deveres de 
 apresentação das declarações impostas a todos os demais juízes, não se 
 apresentando como procedentes e juridicamente sustentáveis as razões que 
 serviram de base ao entendimento em contrário perfilhado no acórdão.
 E assim sendo, ao lado dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça e dos tribunais 
 judiciais de primeira e segunda instância (nos quais se compreendem os juízes 
 dos tribunais marítimos), do Supremo Tribunal Administrativo e dos demais 
 tribunais administrativos e fiscais, do Tribunal de Contas e do Tribunal 
 Constitucional, hão-de incluir-se os juízes dos tribunais militares (artigos 
 
 211.º, 212.º, 214.º, 216.º, 224.º e 215.º da Constituição).
 Os tribunais militares — Tribunais militares de instância e Supremo Tribunal 
 Militar — dispõem de uma composição não homogénea, já que são integrados por 
 juízes militares e juízes não militares, isto é, juízes de direito com a 
 denominação de juízes auditores nos tribunais militares de instância e vogais 
 relatores no Supremo Tribunal Militar (artigos 232.º, 233.º, 246.º, 271.º e 
 
 277.º do Código de Justiça Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 141/77, de 9 
 de Abril, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 285/78, de 8 de Setembro).
 Ora, os juízes militares dos tribunais militares — oficiais dos quadros 
 permanentes do ramo das forças armadas a que pertence o tribunal de instância, 
 na situação de activo, ou, no caso do Supremo Tribunal Militar, oficiais 
 generais, no activo ou na reserva — exercem o respectivo cargo público em regime 
 de comissão de serviço por dois anos, dispondo enquanto tal das garantias que 
 lhes são constitucionalmente asseguradas.
 Mesmo quando se aceite a solução adoptada no acórdão no sentido de que as 
 funções jurisdicionais «são parte integrante das suas funções militares», o que 
 não se tem por adquirido, ainda assim não se descortina fundamento bastante e 
 adequado, face ao quadro normativo que rege a sua actividade enquanto juízes 
 militares, para justificar aquele entendimento, que conduziu, em direitas 
 contas, à rejeição aos juízes militares do estatuto de juízes titulares de um 
 cargo público, com a consequente degradação da sua actividade ao nível de um 
 mero serviço militar despojado da autonomia que caracteriza a função 
 jurisdicional.
 E por tudo isto votei no sentido de a norma em causa abarcar também os juízes 
 militares dos tribunais militares, os quais haveriam de harmonia, aliás, com o 
 expresso entendimento manifestado no pedido — relativamente aos juízes do 
 Supremo Tribunal Militar — de ser objecto de apreciação e de pronúncia por parte 
 deste Tribunal.
 
  
 
 4 — O acórdão pronunciou-se pela inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 8.º, 
 do Decreto, do n.º 2 do mesmo artigo, na parte em que atribui competência aos 
 tribunais administrativos para aplicar a sanção de inibição para o exercício de 
 cargo, prevista no n.º 1 do artigo 5.º, aos gestores públicos e aos 
 administradores em representação do Estado ou de pessoa colectiva pública de 
 empresas de capitais públicos ou de economia mista e ainda do n.º 3 do mesmo 
 preceito na parte em que atribui competência ao Tribunal Constitucional para 
 aplicar as sanções e a medida de inibição para o exercício de cargo previstas no 
 n.º 1 do artigo 5.º aos juízes do Tribunal de Contas.
 Ora, como consequência da quase integral inutilização das regras de competência 
 previstas naquele preceito, o quadro normativo remanescente, relativamente aos 
 titulares de cargos públicos enumerados no artigo 2.º do Decreto, ficou 
 circunscrito aos juízes do Supremo Tribunal de Justiça, dos tribunais judiciais 
 de primeira e segunda instância, do Supremo Tribunal Administrativo e dos demais 
 tribunais administrativos e fiscais [alínea e)] e aos gestores públicos e aos 
 administradores em representação do Estado ou de pessoa colectiva pública de 
 empresas de capitais públicos ou de economia mista [alínea m)], estes apenas na 
 parte respeitante às sanções previstas na primeira parte do n.º 1 do artigo 5.º
 Manifestei por isso o entendimento de que, face aos objectivos proclamados na 
 Assembleia da República como propósito essencial do diploma em apreciação, e 
 ficando este despojado do seu núcleo estatuidor essencial — assim, com efeito, 
 não podia deixar de se considerar a exclusão do seu âmbito de todos os titulares 
 dos cargos políticos ali compreendidos — justificava-se uma pronúncia de 
 inconstitucionalidade consequencial reportada às normas remanescentes do decreto 
 em causa. — Antero Alves Monteiro Diniz.
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 I)    A questão da inconstitucionalidade formal de todas as normas do decreto 
 por violação do artigo 139.º, n.º 2, da Constituição.
 
  
 Votei a inconstitucionalidade formal do Decreto n.º 185/VI da Assembleia da 
 República, por entender que viola o artigo 139.º, n.º 2, da Constituição.
 Existindo veto político, a Constituição impõe a confirmação do diploma vetado 
 por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.  Só a introdução 
 de alterações substanciais justifica a abertura de um novo processo legislativo. 
 
  Mudanças formais (como, por exemplo, meros aperfeiçoamentos de redacção ou 
 sistematização) não dispensam o mecanismo da confirmação.
 A exigência de confirmação do diploma vetado, quando não sofra alterações 
 substanciais, é uma decorrência da separação de poderes e da articulação entre 
 os poderes do Presidente da República e da Assembleia da República, tal como é 
 configurada constitucionalmente.
 A possibilidade de, através de alterações, se impedir ad perpetuam o 
 encerramento de um processo legislativo e se permitir o exercício reiterado do 
 veto político contraria os fins constitucionais dos institutos do veto político 
 e da confirmação e seria fonte de graves conflitos entre órgãos de soberania.
 Ao admitir-se, porém, que a Assembleia da República altere substancialmente o 
 decreto vetado, dispensando-se então a confirmação, está a reconhecer-se, 
 apenas, que a sua competência em determinada matéria não é precludida pelo veto 
 presidencial.  A Assembleia da República poderá, evidentemente, acatar o veto, 
 excluindo as soluções censuradas pelo Presidente da República [cfr. o Acórdão 
 n.º 320/89, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13.º Vol., Tomo I (1989), pp. 7 
 e segs., Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Actos do Estado, 1990, pp. 438-9, e 
 Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 
 
 3.ª ed., 1993, p. 600].
 O «acatamento do veto», de que depende a dispensa de confirmação, não obrigará a 
 Assembleia da República a adoptar, positivamente, quaisquer soluções sugeridas 
 pelo Presidente da República.  Mas deverá traduzir-se, necessariamente, na 
 superação de todas as críticas que fundamentaram o veto, através da aprovação de 
 normas materialmente inovatórias ou da simples eliminação das normas censuradas.
 No caso em apreço, o «novo decreto» da Assembleia da República não elide todas 
 as críticas que fundamentaram o veto do Presidente da República.  Na verdade, o 
 veto fundamentou-se em três críticas, facilmente identificáveis na mensagem 
 dirigida pelo Presidente da República à Assembleia da República (Diário da 
 Assembleia da República, II Série-A, de 22 de Setembro de 1994):
 
  
 
        a)   «… do conteúdo de algumas… normas (do diploma)… pode concluir-se que 
 passará a ser maior a possibilidade de fugir à exigência de declaração dos reais 
 rendimentos e património dos titulares dos cargos públicos…»;
 
        b)   «… o decreto… parece não assegurar cabalmente a possibilidade de 
 controlo público daqueles rendimentos e património…»;
 
        c)   «o decreto… parece estar em contradição com recentes medidas 
 legislativas aprovadas pelo Governo e pela Assembleia da República, que visam 
 reforçar os mecanismos de prevenção, fiscalização e combate à corrupção e à 
 criminalidade económica e financeira».
 
  
 Ora, o decreto em questão apenas introduziu uma alteração substancial ao decreto 
 vetado (elimina o n.º 2 do artigo 3.º).  Deste modo, é elidida apenas a primeira 
 das três críticas que fundamentaram o veto [cfr., supra, alínea a)] mas não as 
 restantes.
 Assim se compreende que o Presidente da República haja requerido a este Tribunal 
 a fiscalização preventiva da constitucionalidade do decreto, ao abrigo do n.º 1 
 do artigo 278.º da Constituição, «sem prejuízo» das reservas anteriormente 
 formuladas e mantidas «na sua maior parte».  Subsistindo o regime censurado, não 
 está em causa, substancialmente, um novo decreto, que exima a Assembleia da 
 República da confirmação prevista no n.º 2 do artigo 139.º da Constituição.  
 Relativamente a este decreto continuam a valer as razões determinantes do veto 
 do Presidente da República.
 Por conseguinte, considero que o diploma está globalmente ferido de 
 inconstitucionalidade formal.
 II)   A questão da inconstitucionalidade material da norma constante do artigo 
 
 5.º, n.º 2, na parte em que se refere aos juízes, qualificando o incumprimento 
 culposo dos deveres de declaração previstos no artigo 3.º, para efeitos 
 disciplinares, como grave desinteresse pelo cumprimento do dever profissional.
 
  
 A questão de constitucionalidade que o artigo 5.º, n.º 2, do Decreto n.º 185/VI 
 suscita resulta da qualificação como mero pressuposto de sanções disciplinares 
 da violação culposa dos deveres de declaração previstos no artigo 3.º do mesmo 
 Decreto.  Tal qualificação pode contender com a reserva da função jurisdicional 
 
 (artigo 205.º, n.os 1 e 2, da Constituição) e com o princípio da igualdade 
 
 (artigo 13.º).  Isso sucederá se se concluir que o ilícito em causa é de 
 natureza penal ou, pelo menos, de natureza não disciplinar (reclamando, em ambos 
 os casos, as garantias inerentes à jurisdicionalidade) e que foi ilegitimamente 
 degradado em ilícito disciplinar quando praticado por juízes (que não sejam do 
 Tribunal Constitucional ou do Tribunal de Contas).
 O Tribunal pronunciou-se pela não inconstitucionalidade material do artigo 5.º, 
 n.º 2, fazendo as seguintes considerações:
 
  
 
        a)   as infracções em causa não consubstanciam um ilícito penal, na 
 perspectiva do legislador, quer sejam praticadas por juízes de carreira nas suas 
 funções naturais, quer sejam praticadas por quaisquer outros titulares de cargos 
 políticos ou públicos;
 
        b)   tais infracções não deverão sequer ser qualificadas como crimes e, 
 consequentemente, não poderão ser pressuposto de sanções penais, por força dos 
 próprios limites materiais do direito penal consagrados na Constituição (por 
 este motivo será inconstitucional a sanção de inibição para o exercício de 
 cargo, decretada no n.º 1 do artigo 5.º);
 
        c)   uma vez afastada a qualificação como ilícito penal da violação dos 
 deveres de declaração do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto n.º 185/VI, não se 
 colocaria qualquer escolho à sua remissão para o ilícito disciplinar — o 
 Tribunal não teria, assim, de averiguar a natureza material do ilícito nem de 
 questionar noutra perspectiva a violação da reserva da função jurisdicional.
 
  
 A minha divergência com o Tribunal inicia-se na alínea c) da lógica 
 argumentativa utilizada.
 Entendo que as infracções previstas no artigo 5.º, n.os 1 e 2, não são penais 
 
 (quer do ponto de vista do ser legal quer na perspectiva do dever ser 
 constitucional), por força dos próprios limites materiais do direito penal 
 derivados dos artigos 1.º, 13.º e 18.º, n.º 2, da Constituição.  Não haverá, 
 neste caso, qualquer obrigação de criminalizar e, pelo contrário, a 
 criminalização não será admissível constitucionalmente.
 Manifesta-se, assim, a necessidade de não contaminar o direito penal, como 
 
 última ratio da política social do Estado de direito democrático, com os 
 interesses conjunturais no reforço da imagem de luta contra a corrupção.  
 Segundo esta lógica, também a desobediência, a que as infracções em causa se 
 assemelham, não pode ser incriminada senão restritivamente, por força do 
 princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança (artigo 18.º, n.º 
 
 2, da Constituição).
 Penso ainda que a criminalização não pode visar apenas assegurar as garantias 
 processuais dos respectivos agentes ou uma superior protecção dos titulares dos 
 interesses lesados (independentemente do seu valor).  A criminalização deve 
 basear-se na gravidade objectiva do ilícito (lesão de bens jurídicos essenciais) 
 e no seu relevo ético (prévio).
 Todavia, considero que a qualificação como ilícito disciplinar da violação dos 
 deveres de declaração prescritos para os juízes, nos termos do artigo 5.º, n.º 
 
 2, só se justificaria se tal violação se projectasse directamente no 
 funcionamento dos tribunais a que eles pertençam.  Ora, a violação daqueles 
 deveres representa, diferentemente, um perigo para a confiança da comunidade, no 
 seu todo, nos tribunais, enquanto órgãos de soberania (artigo 205.º, n.º 1, da 
 Constituição).  Não está em causa o incumprimento de deveres inerentes ao 
 exercício das funções dos juízes, por mais amplamente que elas sejam entendidas. 
 
  Trata-se, portanto, de um ilícito atípico de direito público, que não se inclui 
 na experiência histórica mais próxima do direito disciplinar (recebido pela 
 Constituição).
 
 É precisamente neste ponto que me afasto da orientação seguida pelo Tribunal, já 
 que considero essencial questionar as consequências da não inclusão destas 
 infracções no ilícito disciplinar.  Entendo que é indispensável discutir se a 
 reserva da função jurisdicional se aplica neste caso, apesar de tal ilícito não 
 ser penal.
 A meu ver, a atribuição a órgãos disciplinares da competência para julgar um 
 ilícito público de natureza externa e não interna, como o disciplinar, subverte 
 os critérios e a lógica responsabilizadora daquele ilícito (em que não está em 
 causa o incumprimento de deveres funcionais).  Através da recondução destas 
 infracções ao ilícito disciplinar, afastam-se as garantias de defesa dos agentes 
 e da própria sociedade que reclama a aplicação das sanções.
 Deste modo, a reserva da função jurisdicional é autonomamente exigida pela 
 necessidade de contraditório entre a sociedade e o infractor, não dependendo da 
 qualificação das infracções como crimes.
 Esta afirmação não é desmentida pelo facto de a reserva não cobrir outras formas 
 de direito sancionatório público acolhidas pela Constituição, como o direito de 
 mera ordenação social.  Na realidade, o direito de mera ordenação social (a que, 
 aliás, são conferidas algumas garantias do processo criminal — artigo 32.º, n.º 
 
 8, da Constituição) tem uma génese histórica determinada, associada ao seu 
 primitivo carácter de ilícito penal administrativo e bagatela penal e foi 
 acolhido constitucionalmente nesse pressuposto.  Não se pode inferir da sua 
 existência (que corresponde ao reconhecimento excepcional de competência para 
 aplicar sanções públicas às autoridades administrativas, em primeira instância) 
 uma possibilidade geral de atribuir a órgãos não jurisdicionais a competência 
 para aplicar sanções públicas atípicas.
 Finalmente, não aderi à interpretação do Tribunal segundo a qual os juízes 
 militares dos Tribunais Militares não estariam abrangidos pelo n.º 2 do artigo 
 
 5.º do Decreto n.º 185/VI.  Considero que o tipo de ilícito em causa, 
 consubstanciando uma relação de confiança e de credibilidade entre a sociedade e 
 os titulares dos cargos públicos enquadra os juízes militares.
 Na realidade, não são razões decisivas a favor de uma interpretação restritiva 
 nem o facto de as funções desses juízes serem parte integrante das suas funções 
 militares nem o facto de as competências dos tribunais militares estarem 
 confinadas, em regra (cfr. o artigo 215.º da Constituição), ao julgamento de 
 crimes essencialmente militares.
 A especialidade do estatuto e das funções de tais juízes não significa que as 
 matérias que são objecto da sua competência não se refiram a conflitos sobre a 
 lesão de bens essenciais da sociedade e, que, por esse motivo, tais funções não 
 tenham de se fundamentar na mesma relação de confiança e de credibilidade com a 
 sociedade em que deve assentar o exercício de funções pelos restantes juízes.
 Assim, mesmo que se considere que a intenção legislativa foi qualificar o 
 ilícito em causa como disciplinar (ou pelo menos não penal), não se pode 
 concluir que tal intenção contraria a inclusão dos juízes militares.  Na 
 realidade, a ratio legis é a referida protecção jurídica da confiança e da 
 credibilidade dos titulares dos cargos públicos da qual não se excluem, de modo 
 algum, os juízes militares.
 
  
 III)  A questão da inconstitucionalidade material das normas constantes do 
 artigo 8.º, n.os 2 e 3.
 
  
 Votei vencida quanto à decisão de não inconstitucionalidade material da norma 
 constante do artigo 8.º, n.º 2, na medida em que entendo que ela viola o artigo 
 
 214.º da Constituição.  O ilícito em causa (que não é, seguramente, 
 disciplinar), protege uma relação de confiança dos cidadãos nos titulares de 
 cargos públicos e não se caracteriza como relação jurídica administrativa: não 
 são afectados os interesses específicos da Administração Pública, mas, como se 
 disse, os interesses gerais da sociedade.
 Votei vencida relativamente à decisão de não inconstitucionalidade material da 
 norma constante do artigo 8.º, n.º 3, uma vez que tal norma atribui à entidade 
 que detém o poder disciplinar a competência para aplicar as sanções, pelas 
 razões que me levam a negar que as correspondentes infracções possuam natureza 
 disciplinar. — Maria Fernanda Palma.
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 Votei vencido, quanto à alínea a) das conclusões, por entender que ocorre 
 inconstitucionalidade formal ou procedimental de todas as normas impugnadas do 
 Decreto n.º 185/VI, sobre o «controlo público de rendimentos e património dos 
 titulares de cargos públicos», por não ter sido dado cumprimento ao preceituado 
 no artigo 139.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, que exige o 
 voto da maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções para a 
 confirmação dos diplomas vetados pelo presidente da República.
 As razões deste entendimento encontram-se expressas na declaração de voto que 
 juntei ao acórdão tirado no Processo n.º 521/94, respeitante à fiscalização 
 preventiva da constitucionalidade do Decreto n.º 183/VI, atinente às alterações 
 
 à Lei de Imprensa, e reiteram a posição por mim já anteriormente assumida na 
 declaração de voto que juntei ao Acórdão n.º 320/89 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 13.º Vol., pp. 29 e segs.). — Luís Nunes de Almeida.
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 
 1 — Votei vencido quanto às alíneas c), f) e i), por entender que o vício de 
 inconstitucionalidade material se devia alargar a todo o conteúdo das normas dos 
 artigos 5.º, n.º 2, e 8.º, n.os 2 e 3, do Decreto n.º 185/VI da Assembleia da 
 República sobre o «controlo público dos rendimentos e património dos titulares 
 de cargos públicos», doravante só Decreto, não se confinando a 
 inconstitucionalidade das mesmas normas apenas às «partes» que constam das 
 alíneas b), e), g) e h) da decisão.
 
 É que, contrariamente à perspectiva adoptada pelo acórdão, partindo da distinção 
 entre o direito penal e o direito disciplinar, para terminar pela conclusão de 
 que «a norma do n.º 2 do artigo 5.º não é uma norma penal, nem tão-pouco uma 
 norma penal degradada», entendo que a infracção aí prevista, e que é também a 
 infracção prevista no n.º 1, se deve qualificar como infracção criminal ou, no 
 mínimo, de natureza criminal.  Daí a violação dos artigos 2.º, 205.º, n.º 1, e 
 
 213.º, n.º 1, da Constituição, ou seja, a violação do princípio do Estado de 
 direito democrático, na sua dimensão de Estado de Justiça, e do princípio da 
 reserva de juiz, talqualmente se posicionou o requerente.
 Este o tronco comum do entendimento que acho preferível — desde logo, por ser 
 coerente, diversamente do que acontece com a tese do acórdão, perfilhando uma 
 diferente qualificação das sanções (perda de mandato, demissão ou destituição 
 judicial, por uma banda, e inibição para o exercício de cargo público, de outra 
 banda) — e que suporta com a mesma base o juízo de inconstitucionalidade 
 material das citadas normas do Decreto.
 
  
 
 2 — Com o Decreto em causa pretendeu o legislador substituir a vigente Lei n.º 
 
 4/83, de 2 de Abril, sobre a mesma matéria do controlo público da riqueza dos 
 titulares de cargos públicos — cargos políticos, na linguagem daquela Lei — e, 
 na aparência, o que se modificou foi o modo de sancionar o incumprimento dos 
 deveres por parte daqueles titulares, previstos nos artigos 3.º (apresentação da 
 declaração dos seus rendimentos, bem como do seu património e cargos sociais) e 
 
 4.º (apresentação da não declaração pelas mesmas pessoas).
 
 É que, enquanto o artigo 3.º daquela Lei prevê a aplicação da «pena de demissão 
 do cargo político que o titular exerça e a medida de inibição para o exercício 
 de qualquer outro cargo da mesma natureza pelo período de 1 a 5 anos» (n.º 1), 
 acrescendo a responsabilidade disciplinar cominada no n.º 2 do mesmo preceito, 
 se «o infractor exercer profissionalmente funções públicas de natureza não 
 política», o artigo 5.º do Decreto estabelece as medidas de «declaração de perda 
 do mandato, demissão ou destituição judicial» e «inibição por período de 1 a 5 
 anos» para o exercício de cargo público (n.º 1) e a responsabilização 
 disciplinar, «no caso de o infractor ser juiz» salvo «tratando de juiz do 
 Tribunal Constitucional ou do Tribunal de Contas, aos quais se aplica o regime 
 geral» (n.º 2).
 Mas, na substância das coisas e no que aqui importa, a modificação é só 
 aparente.
 Na verdade, a entender, como entendo, que a infracção prevista no artigo 3.º da 
 Lei n.º 4/83 — e é a expressão aí utilizada — é uma infracção criminal, como foi 
 perfilhado predominantemente pelos Tribunais de Relação e pelo Supremo Tribunal 
 de Justiça (jurisprudência de que dá notícia abundante o acórdão e que nunca foi 
 questionada sob o prisma da desconformidade com a Constituição), não vejo que se 
 possam colher do Decreto indícios que levem a uma descaracterização do 
 incumprimento dos deveres a que estão submetidos os titulares de cargos 
 públicos.
 Pelo contrário, parece até que a descaracterização briga com o incumprimento, 
 tal como ele é agora modelado no Decreto.
 Na verdade, enquanto que no regime vigente da Lei n.º 4/83, a iniciativa pessoal 
 da apresentação das declarações é do interessado, e não há qualquer intervenção 
 dos serviços (artigos 5.º da Lei e 14.º do Decreto Regulamentar n.º 74/83, de 6 
 de Outubro), sendo infracção «a não apresentação culposa» das declarações, na 
 
 óptica do Decreto, a falta de apresentação só se consuma como «incumprimento 
 culposo» depois do interessado ser notificado pela «entidade competente para o 
 seu depósito» para «a apresentar no prazo de 30 dias consecutivos (…)».
 Daqui decorre uma típica desobediência a uma notificação, sempre culposa, uma 
 
 «desobediência de conteúdo específico», talqualmente refere o acórdão, 
 perfeitamente assimilável ao crime de desobediência previsto no artigo 388.º do 
 Código Penal, mesmo a entender, como entende o acórdão, que «o legislador não 
 qualifica em geral a desobediência negligente como crime, mas apenas a dolosa».  
 Efectivamente, se o destinatário do dever não o cumpre — e pode não cumprir por 
 negligência, como actualmente é um sentido possível da Lei n.º 4/83 —, não se 
 compreende, no quadro normativo do Decreto, que mantenha a situação de 
 incumprimento depois de notificado oficialmente para cumprir o dever (e, por 
 isso, com o Decreto não se pode falar em actuação negligente, mas sempre em 
 actuação dolosa).
 Quer dizer: o legislador do Decreto caracterizou mais gravemente o 
 
 «incumprimento culposo», por via da solução da notificação do interessado 
 subsequente ao incumprimento originário (e daí a norma do n.º 3 do artigo 5.º do 
 Decreto, impondo que «as Secretarias Administrativas das entidades em que se 
 integrem os titulares de cargos a que se aplica a presente lei, comunicarão ao 
 Tribunal Constitucional a data do início e cessação de funções»).
 Se é assim, não pode falar-se em descaracterização do incumprimento.  Pelo 
 contrário, ele foi mais fortemente caracterizado, cabendo no tipo legal do crime 
 de desobediência (talqualmente acontece para as falsas declarações, pois o 
 artigo 6.º do Decreto, diversamente da Lei n.º 4/83, prevê a punição «pelo crime 
 de falsas declarações, nos termos da lei»).  E até pode chamar-se à colação o 
 crime de responsabilidade de titular de cargo político previsto no artigo 25.º 
 da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, a respeito da recusa de cooperação, pois 
 também aqui se pode, no fundo, ver na atitude do destinatário da notificação uma 
 recusa de cooperação.
 Compreende-se, aliás, que assim seja, que releve o plano criminal, atentos os 
 valores que o direito criminal quer proteger com as sanções criminais.  A partir 
 desses especiais valores e atento o seu especial modo de protecção chega-se ao 
 ilícito criminal de justiça (cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal, I, pp. 10 e 
 segs.) e não custa admitir, à semelhança, pelo menos, do que se passa com a 
 vigente Lei n.º 4/83, que cabe perfeitamente o «incumprimento culposo» 
 tipificado no Decreto na caracterização daquele ilícito.
 
 É esse o sentido do legislador do Decreto que no artigo 1.º garante o «acesso ao 
 conteúdo» das declarações «visando-se reforçar a transparência no exercício 
 daqueles cargos (os cargos públicos) e o prestígio das instituições», propósitos 
 que não se encontram enunciados na Lei n.º 4/83.
 Como se lê no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Novembro de 1987, 
 
 «quando o político omite a declaração ou a afasta da realidade, está, desde 
 logo, a diminuir senão a destruir o bem destrutível que é a confiança dos 
 governados na correcção dos governantes; ele está a fugir já da necessária 
 transparência na sua situação económico-financeira; só com isso, está a 
 dificultar o controlo da sua riqueza» (Boletim, n.º 371, p. 220).
 Ora, tais valores, que não podem desligar-se do quadro constitucional do Estado 
 de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Lei Fundamental, e da 
 democracia política que lhe subjaz, assumem uma dignidade bastante para serem 
 tratados tais como os especiais valores que o direito criminal de justiça (neste 
 se compreendendo os crimes de responsabilidade previstos especialmente na Lei 
 n.º 34/87) visa proteger.  E, desde logo, a constatação de que, se a 
 desobediência, no elenco dos crimes contra a autoridade pública, merece assento 
 no Código Penal como tipo legal de crime especialmente previsto, não se vê 
 porque uma «desobediência de conteúdo específico», envolvendo o incumprimento de 
 uma ordem emanada do Tribunal Constitucional não deva merecer idêntico 
 tratamento como infracção criminal.  Há, pois, aqui uma antijuricidade com 
 relevância criminal, que se vai exprimir na infracção tipificada na Lei n.º 4/83 
 e que passa para o Decreto, até com valor reforçado.
 Não é obstáculo a esta conclusão o tipo de medidas sancionatórias previstas no 
 Decreto, aí se acrescentando, a par da demissão e da inibição para o exercício 
 de cargo público estabelecidas na Lei n.º 4/83, a perda de mandato e a 
 destituição judicial, pois, como reconhece o acórdão, o Código Penal prevê a 
 pena de demissão e a «interdição da profissão ou actividades» (artigos 66.º e 
 
 69.º), entre as penas acessórias, mas «poderiam ser penas principais» (linguagem 
 do acórdão), sendo que se não revela atingido o limite constitucional das penas 
 que vem consagrado no artigo 30.º da Lei Fundamental e é respeitada a reserva de 
 competência legislativa fixada no artigo 168.º, n.º 1, alínea c), da mesma Lei.  
 Além de que a perda do mandato e a destituição judicial se configuram como 
 medidas expulsivas, assimilando-se, como tais, à demissão, dependendo apenas a 
 aplicação de qualquer delas da natureza do cargo público ocupado pelo infractor 
 
 («consoante os casos» — diz o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto).
 Não se diga também que a inclusão dos juízes [alínea e) do artigo 2.º do 
 Decreto] diversamente do que acontece com a Lei n.º 4/83, entre os «titulares de 
 cargos públicos», para os submeter à mesma disciplina desses titulares, poderia 
 oferecer dificuldades, pois os juízes não gozam de impunidade, quando 
 infractores, no plano da responsabilidade criminal (artigo 218.º da 
 Constituição).  Ponto é que se respeite o foro competente para apurar tal 
 responsabilidade.  Além de que, à face da Lei n.º 4/83, os juízes do Tribunal 
 Constitucional «membros do Tribunal Constitucional», nos termos do artigo 4.º, 
 n.º 1, alínea g) — estão já sujeitos, sendo infractores, à pena de demissão e à 
 medida de inibição, pelo menos, e nunca ninguém fez reparo algum a esta solução.
 O que importa, como já ficou dito, é a caracterização da infracção criada pelo 
 Decreto — e não pode falar-se em inovação substancial de sentido diverso 
 relativamente à Lei n.º 4/83 —, tudo apontando para uma ilicitude com relevância 
 criminal.  A fonte da valoração jurídica que, neste caso do controlo da riqueza 
 de titulares de cargos públicos, aponta para a     ilicitude criminal e para a 
 correspondente sanção criminal vai buscar-se ao   próprio desígnio legislativo 
 que se contém no artigo 1.º do Decreto,          criando-se o tipo legal de 
 infracção do artigo 5.º, n.º 1, e assim se visando «assegurar o controlo da 
 situação financeira do político, a fim de garantir, ante a opinião pública, o 
 bom nome dele e de evitar futuras imoralidades» (nas palavras do acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Novembro de 1987, Boletim, n.º 371, p. 
 
 240).
 Como se lê na mensagem do Presidente da República citada no acórdão: «O carácter 
 exemplar e a função pedagógica das condutas dos titulares de cargos públicos 
 são, nesta matéria, uma exigência da credibilidade política e um dos elementos 
 fundamentais da relação de confiança que se deve estabelecer entre os cidadãos e 
 os seus representantes legítimos».
 
  
 
 4 — De igual modo, não se pode extrair nenhum argumento válido da circunstância 
 do legislador do Decreto (artigo 8.º) atribuir a competência para a aplicação 
 das sanções previstas no artigo 5.º ao Tribunal Constitucional, aos tribunais 
 administrativos e aos órgãos de disciplina (relativamente aos juízes), com o que 
 se veria uma descaracterização da ilicitude criminal apontada.
 
 É que, não é a partir das regras de competência que se chega àquela fonte de 
 valoração jurídica, antes é a qualificação do facto ilícito e a sua expressão de 
 antijuricidade que se vai reflectir na opção dessas regras, ferindo-as 
 eventualmente de invalidade.
 A criminalização derivada da gravidade objectiva do ilícito, com a lesão de bens 
 jurídicos essenciais ligados ao valor da transparência da vida pública, 
 constituindo um dos pilares do Estado de direito democrático, e eticamente 
 fundada, como é o caso presente, é que vai brigar com as regras legais de 
 competência para aplicação de sanções criminais.
 
 5 — De tudo o resumidamente exposto, e ponderando o tronco comum da 
 criminalização do «incumprimento culposo» e das sanções para ele cominadas, 
 temos que as normas do n.º 2 do artigo 5.º e dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 8.º são 
 materialmente inconstitucionais, porque ferem o princípio da reserva da função 
 jurisdicional ou da reserva do juiz:
 
  
 
 —  quando se desgradua o ilícito, que é criminal, em ilícito disciplinar, em 
 relação aos juízes infractores (n.º 2 do artigo 5.º);
 
 —  quando se atribui a competência ao Tribunal Constitucional, aos tribunais 
 administrativos e aos órgãos de disciplina, em relação aos juízes, para 
 aplicação de medidas que são sanções criminais (n.os 1, 2 e 3 do artigo 8.º). — 
 Guilherme da Fonseca.
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 
 1 — Votei vencido relativamente às decisões constantes das alíneas a) e c) do 
 acórdão.
 Brevemente indicarei os fundamentos do meu voto dissidente nestes pontos.
 
  
 
 2 — Entendi que todo o Decreto n.º 185/VI (e, portanto, as normas objecto das 
 dúvidas de constitucionalidade suscitadas pelo Presidente da República no 
 presente processo de fiscalização preventiva de constitucionalidade) estava 
 afectado de vício procedimental que acarretava a respectiva 
 inconstitucionalidade, por violação do artigo 139.º, n.º 2, da Constituição.
 As razões de tal juízo constam da primeira parte da declaração de voto que 
 juntei ao Acórdão n.º 13/95 (publicado no Diário da República, II Série, n.º 34, 
 de 9 de Fevereiro de 1995, pp. 1564-1565), visto que, no processo em que foi 
 preferido esse acórdão, se procedeu igualmente à fiscalização preventiva de 
 constitucionalidade de um Decreto da Assembleia da República, o Decreto n.º 
 
 183/VI, em que ocorrera situação perfeitamente idêntica: tendo havido um veto do 
 Presidente da República, emitido nos termos do artigo 139.º, n.º 1, da 
 Constituição, a Assembleia reformulou o anterior Decreto vetado, alterando 
 apenas um preceito, sem previamente o ter confirmado nos termos do artigo 139.º, 
 n.º 2, da Constituição.  Dada a identidade de situações, impõe-se, por razões de 
 economia, remeter para o que consta da identificada declaração de voto.
 Entre a situação apreciada pelo referido Acórdão n.º 13/95 e a presente pode 
 encontrar-se uma única diferença, a qual, porém, carece de qualquer relevo para 
 implicar a modificação da posição por mim assumida naquele processo: é que, no 
 Decreto n.º 183/VI, a alteração introduzida revestiu-se de carácter pontual e de 
 pormenor, dificilmente se podendo dizer que o órgão parlamentar se preocupou com 
 o teor do veto político do Presidente da República ou que tinha procurado ir ao 
 encontro de alguma das suas críticas, ao passo que, no presente caso, a 
 modificação revestiu-se de evidente relevância, como se demonstra no texto do 
 acórdão.
 A diferença detectada não põe em causa, porém, a afirmação feita nessa 
 declaração de voto — na esteira da declaração de voto do Conselheiro Luís Nunes 
 de Almeida — de que a tese maioritária do Tribunal, acolhida desde o Acórdão n.º 
 
 320/89 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13.º Vol., Tomo 1, pp. 29 e 
 segs.), propicia uma fraude à Constituição.  Remete-se, para a demonstração de 
 tal afirmação, para a citada declaração de voto por mim subscrita.
 
  
 
 3 — Considerei também — contra a opinião que fez vencimento — que o Decreto n.º 
 
 185/VI pretendeu igualmente abranger os juízes dos tribunais militares, 
 nomeadamente, os juízes militares do Supremo Tribunal Militar, como se pressupõe 
 no pedido do Presidente da República (bem como os restantes juízes dos outros 
 tribunais militares, acrescento).
 A tese maioritária, porém, chegou à conclusão surpreendente de que a melhor 
 interpretação do decreto em causa, em especial dos seus artigos 5.º e 8.º, 
 indiciava o propósito de o legislador não ter querido impor aos juízes militares 
 o dever de apresentação das declarações previstas nos artigos 3.º e 4.º do mesmo 
 diploma.  A teleologia do decreto apontaria, assim, para a exclusão dos mesmos 
 juízes militares do âmbito de aplicação deste.  Do estatuto dos juízes dos 
 tribunais militares de instância — que têm de ser oficiais no activo — 
 resultaria que as suas «funções de juízes enquanto militares, isto é, as suas 
 funções de juízes são parte integrante das suas funções militares», o que 
 acarretaria, segundo a tese vencedora, a sua exclusão de um regime pensado para 
 os juízes comuns.  Ainda segundo a mesma tese, como os tribunais militares têm a 
 sua competência confinada ao julgamento dos crimes militares, não têm 
 
 «competência para apreciar questões directamente relacionadas com interesses 
 patrimoniais de Estado ou para, em nome do povo», dirimir conflitos entre 
 interesses privados com uma dimensão patrimonial», pelo que faleceriam as razões 
 que pudessem ter conduzido o legislador a incluir os juízes militares entre as 
 entidades obrigadas a apresentar as declarações.
 
  
 
 4 — Parece-me que é, no mínimo, temerária tal afirmação peremptória, constante 
 do acórdão.
 Face ao articulado do Decreto n.º 185/VI, o intérprete há-de presumir que o 
 legislador «consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimir o seu 
 pensamento em termos adequados» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
 Ora, nos termos do artigo 2.º do Decreto n.º 185/VI, são titulares de cargos 
 públicos, para os efeitos do diploma, entre outros, «os juízes» [alínea e)].  O 
 artigo 4.º, n.º 3, estabelece que, em relação aos juízes, a declaração a que se 
 refere o artigo 3.º é actualizada cada quatro anos.  Só ficam excluídos do dever 
 de actualização periódica os juízes «cujo mandato esteja temporalmente 
 determinado».  No artigo 5.º, n.º 2, quando o infractor, no caso de não 
 apresentação das declarações previstas nos artigos 3.º e 4.º, for um juiz, a 
 notificação, feita pela entidade competente para o depósito, para a entrega 
 dessa declaração em prazo subsequente à omissão, determinado na lei, «é 
 efectuada sob cominação de o incumprimento culposo ser qualificado, para efeitos 
 disciplinares, como grave desinteresse pelo cumprimento do dever profissional, 
 salvo tratando-se de juiz do Tribunal Constitucional ou do Tribunal de Contas, 
 aos quais se aplica o regime geral».  Por último, o artigo 8.º, n.º 3, estatui 
 que, em relação aos juízes, «a competência é da entidade que detém poder 
 disciplinar, salvo tratando-se de juízes do Tribunal Constitucional ou do 
 Tribunal de Contas, aos quais se aplica o regime do n.º 1».
 Da interpretação sistemática deste conjunto de disposições resulta para mim 
 claro que o legislador pretendeu abranger todos os juízes dos tribunais 
 estaduais consagrados constitucionalmente: juízes dos tribunais judiciais (onde 
 se incluem os juízes dos tribunais marítimos), dos tribunais administrativos e 
 fiscais, do Tribunal de Contas, dos tribunais militares e do Tribunal 
 Constitucional (artigos 211.º e 225.º da Constituição).  De facto, só os juízes 
 destes tribunais podem ser qualificados como titulares de cargos públicos, sendo 
 certo que exercem esses cargos com permanência, sem limite de tempo ou por    
 períodos determinados.
 Não são manifestamente abrangidos pelo Decreto n.º 185/VI os árbitros (juízes de 
 tribunais arbitrais — cfr. artigo 211.º, n.º 2, da Constituição e artigos 6.º e 
 seguintes da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto), nem, claro, os jurados, os juízes 
 sociais e os assessores técnicos que podem esporadicamente intervir na 
 administração da justiça (artigo 210.º da Constituição; quanto aos jurados, 
 veja-se o disposto no Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de Dezembro; quanto aos 
 juízes sociais, veja-se o Decreto-Lei n.º 156/78, de 30 de Junho, e a Lei n.º 
 
 7/79, de 9 de Fevereiro).  De facto, no caso dos tribunais arbitrais 
 voluntários, estes não são órgãos estaduais, não dispondo de competência 
 própria, sendo os árbitros leigos escolhidos normalmente por convenção das 
 partes ou segundo regras estabelecidas na lei.  No caso dos jurados, juízes 
 sociais e assessores técnicos, estamos perante pessoas que colaboram com a 
 justiça estadual de forma acidental, quer enquanto leigos representantes da 
 comunidade capazes de proceder a uma «especial ponderação dos valores sociais 
 ofendidos» (caso dos jurados e dos juízes sociais), quer enquanto pessoas 
 tecnicamente qualificadas que auxiliam os tribunais estaduais no julgamento de 
 certas matérias (veja-se, por exemplo, o disposto no artigo 649.º do Código de 
 Processo Civil; ou, no que toca aos tribunais marítimos, o disposto no artigo 
 
 2.º, n.º 2, da Lei n.º 35/86, de 4 de Setembro).  Como referem Gomes Canotilho e 
 Vital Moreira, as três matérias reguladas no artigo 210.º da Constituição, sendo 
 embora distintas, têm um «ponto comum: a participação de cidadãos alheios à 
 magistratura judicial na função jurisdicional, incluindo na função de julgar» 
 
 (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, pp. 
 
 802-803).
 Como é evidente, estes leigos não exercem funções com carácter permanente (não 
 se considera o caso de eventuais árbitros de tribunais arbitrais permanentes, 
 figura sem relevo prático em Portugal) e, o que é determinante, não são 
 titulares de cargos públicos na função jurisdicional, pelo que não lhes pode ser 
 aplicável o disposto no Decreto n.º 185/VI, se vier a tornar-se lei.
 
  
 
 5 — Os tribunais militares, previstos no artigo 215.º da Constituição, são 
 compostos por juízes militares e, ainda por juízes togados (juízes auditores nos 
 tribunais militares de instância; vogais relatores no Supremo Tribunal Militar — 
 artigos 270.º e 271.º do Código de Justiça Militar, aprovado pelo Decreto-Lei 
 n.º 141/77, de 9 de Abril; o último destes artigos tem a redacção introduzida 
 pelo Decreto-Lei n.º 285/78, de 11 de Setembro).  Nos termos constitucionais, 
 incumbe aos tribunais militares uma função essencialmente repressiva (artigo 
 
 205.º, n.º 2, da Constituição), na medida que lhes compete julgar os crimes 
 essencialmente militares ou outros crimes dolosos equiparáveis àqueles que, por 
 motivo relevante, a lei lhes venha a confiar.  Além disso, a lei pode 
 atribuir-lhes competência para aplicação de medidas disciplinares (artigo 215.º 
 da Constituição).
 Ora, segundo a tese que fez vencimento, só os juízes togados estariam obrigados 
 a entregar as declarações previstas nos artigos 3.º e 4.º do Decreto n.º 185/VI. 
 
  Os juízes militares estariam isentos de tais deveres, na medida em que se 
 sustenta estarem excluídos do âmbito de aplicação do próprio diploma.
 Todavia, os juízes militares, oficiais dos quadros permanentes do ramo das 
 forças armadas a que pertence o tribunal de instância, na situação de activo, 
 ou, no caso do Supremo Tribunal Militar, oficiais generais, no activo ou na 
 reserva, são juízes nomeados por períodos de tempo determinado (dois anos      — 
 cfr. artigos 235.º, 237.º, 273.º, 274.º e 275.º do Código de Justiça Militar), 
 desempenhando indiscutivelmente um cargo público. O Presidente do Supremo 
 Tribunal Militar é mesmo nomeado pelo Presidente da República, sob proposta do 
 Conselho Superior de Defesa Nacional, por iniciativa do Chefe de 
 Estado-Maior-General das Forças Armadas [artigo 29.º, n.º 2, alínea a), da Lei 
 de Defesa Nacional — Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro].
 O Decreto n.º 185/VI, ao incluir os juízes dos tribunais estaduais entre os 
 titulares de cargos políticos sujeitos ao dever de apresentação de declarações 
 de património e rendimentos, não operou qualquer delimitação entre as diferentes 
 espécies de juízes, em termos de excluir algumas delas do âmbito do diploma.  
 Criou, todavia, um regime geral para o comum dos juízes e um regime excepcional, 
 no que toca às consequências da omissão definitiva do dever de apresentação das 
 declarações previstas nos artigos 3.º e 4.º e no que toca à entidade com 
 competência sancionatória, aplicável apenas quanto aos juízes de dois tribunais 
 
 (o Tribunal Constitucional e o Tribunal de Contas).
 Face ao que acaba de dizer-se, não se compreende o fundamento último da tese 
 maioritária ao pretender introduzir, no propósito do legislador, uma distinção 
 de regime entre juízes dos tribunais militares, consoante sejam militares de 
 carreira ou juízes oriundos dos tribunais judiciais.  Não se vê, de facto, que o 
 estatuto militar brigue com o exercício ad tempus de funções judicativas pelos 
 militares que integram os tribunais militares e ainda se encontrem no activo ou 
 se encontrem já na reserva.  Por outro lado, dificilmente se poderá sustentar 
 que a lei está pensada para tutelar o prestígio social e aumentar as garantias 
 de isenção apenas dos juízes que têm de apreciar questões directamente 
 relacionadas com interesses patrimoniais do Estado ou para, em nome do povo, 
 dirimir conflitos entre interesses privados com uma dimensão patrimonial.  Com 
 tal critério, dificilmente se poderia compreender que juízes com competência 
 numa jurisdição especializada em questões de constitucionalidade — como é o caso 
 dos juízes do Tribunal Constitucional — devessem estar sujeitos aos deveres 
 previstos nos artigos 3.º e 4.º do Decreto n.º 185/VI.
 A solução interpretativa da maioria que fez vencimento acaba, em última análise, 
 por degradar injustificadamente o estatuto dos juízes militares, equiparando-os, 
 na prática, a assessores técnicos dos «verdadeiros juízes», que são os togados.  
 Mas, como é evidente, nada autoriza tal solução face ao estatuto unitário dos 
 juízes dos tribunais militares.
 
  
 
 6 — Do que fica resulta para mim como claro que os juízes dos tribunais 
 militares, sejam eles juízes militares, sejam, antes, juízes togados (juízes 
 auditores ou, no Supremo Tribunal Militar, vogais relatores) estão sujeitos, aos 
 deveres de entrega das declarações previstas no decreto como os restantes juízes 
 dos tribunais judiciais, administrativos e fiscais, ficando igualmente sujeitos, 
 em caso de incumprimento, culposo, ao poder disciplinar da entidade que detém 
 esse poder (artigo 8.º, n.º 3, do Decreto; artigo 219.º, n.º 3, da 
 Constituição).
 
 7 — Tratando-se de juízes togados, a entidade com poder disciplinar sobre estes 
 
 é o Conselho Superior da Magistratura (artigo 219.º, n.º 1, da Constituição).  A 
 solução do decreto em matéria de competência nada tem de censurável, como se 
 demonstrou no acórdão (cfr. artigos 247.º e 279.º, n.º 2, do Código de Justiça 
 Militar).
 Relativamente aos juízes militares do Supremo Tribunal Militar, o Código de 
 Justiça Militar é omisso quanto ao respectivo regime disciplinar.  Os juízes 
 militares dos tribunais militares de instância não podem ser sancionados 
 disciplinarmente durante o exercício das suas funções judicativas por actos 
 praticados fora do exercício de funções (o artigo 239.º, n.º 2, do Código de 
 Justiça Militar estatui que, sendo um juiz militar arguido de infracção 
 disciplinar fora do exercício das suas funções, o respectivo procedimento 
 disciplinar é «interrompido» até ao termo da sua comissão).
 A verdade é que o Código de Justiça Militar não regula a questão da 
 responsabilidade disciplinar dos juízes militares por infracções disciplinares 
 cometidas no exercício das respectivas funções, sendo à primeira vista tentador 
 afirmar que a aparente lacuna deverá ser preenchida pela aplicação do 
 Regulamento de Disciplina Militar (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/77, de 9 de 
 Abril).
 Não cabe agora apreciar a compatibilidade constitucional de tal solução em 
 termos gerais.
 
  
 
 8 — Restritamente e no que toca à apreciação do Decreto n.º 185/VI, tenho para 
 mim como inadmissível que a referida responsabilidade disciplinar pudesse ser 
 atribuída à hierarquia do ramo das Forças Armadas a que pertencesse o respectivo 
 juiz militar.  É que, na verdade, a competência disciplinar sobre os juízes só 
 deve constitucionalmente caber a um tribunal, em regra àquele a que pertence o 
 presumido infractor (solução que a lei ordinária consagra quer quanto ao 
 Tribunal Constitucional, quer quanto ao Tribunal de Contas: cfr. artigo 25.º da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, quanto ao primeiro; artigo 41.º da Lei do 
 Tribunal de Contas, Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro, quanto ao segundo) ou, 
 então, a um órgão constitucionalmente autónomo (caso do Conselho Superior de 
 Magistratura no que toca aos tribunais judiciais; caso do Conselho Superior dos 
 Tribunais Administrativos e Fiscais, relativamente aos tribunais dessa ordem — 
 artigo 219.º, n.os 1 e 2, da Constituição).  Acresce que, no que toca à 
 competência para a aplicação de medidas disciplinares militares, a Constituição 
 permite à lei ordinária que atribua tal competência directamente aos tribunais 
 militares (artigo 215.º, n.º 3), solução que aqui haveria de ser consagrada por 
 maioria de razão.
 Por isso, entendi que sofre de inconstitucionalidade o artigo 8.º, n.º 3, do 
 Decreto n.º 185/VI, no segmento em que, segundo a melhor interpretação, atribui 
 
 à hierarquia militar, nos termos do Regulamento de Disciplina Militar, 
 competência para sancionar os juízes militares que não tenham cumprido 
 definitivamente os deveres previstos nos artigos 3.º, 4.º e 5.º do diploma, por 
 violação do princípio constitucional de igualdade (artigo 13.º da Constituição), 
 na medida em que cria uma solução diversa, com menores garantias de 
 imparcialidade, sem haver fundamento material justificador da mesma.
 Igualmente, e por se tratar de cargos exercidos por períodos determinados de 
 tempo, entendo que o regime do Decreto n.º 185/VI, na parte aplicável a todos os 
 juízes dos tribunais militares, é inconstitucional quanto à sanção cominada, 
 visto que lhes deveria ter sido imposto, também a eles, o regime de demissão, 
 aplicável aos juízes do Tribunal Constitucional (mas não aos juízes do Tribunal 
 de Contas, dado o juízo de inconstitucionalidade a que se chegou no acórdão, 
 nessa parte também por mim subscrito).  Há, assim, manifesta violação do 
 princípio da igualdade.
 Por último, sempre se dirá que das omissões inconstitucionais do legislador não 
 pode retirar-se, claro, a conclusão de que este pretendeu não abranger os juízes 
 dos tribunais militares… — Armindo Ribeiro Mendes.
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO  DE  VOTO
 
  
 
 1 — Também votei a alínea d) da decisão — tal como, de resto, a generalidade das 
 demais, sem prejuízo de um ou outro ponto, na especialidade, da fundamentação 
 delas, e correspondente desenvolvimento argumentativo, que, merecendo-me embora 
 alguma dúvida (ou até distanciamento), não justificaria em todo o caso o 
 destaque de uma declaração de voto.
 Quanto à matéria da mencionada alínea d), porém, cumpre-me dizer que o meu voto 
 decorre, fundamentalmente, da circunstância de ter já assumido explicitamente 
 noutra sede («Sumários» de Direito Constitucional, II, Faculdade de Direito de 
 Coimbra, ano lectivo de 1983/84 e seguintes) o entendimento de que, na alínea c) 
 
 [antes, alínea h)] do artigo 167.º da Constituição, se inclui também a definição 
 da «competência» do Tribunal Constitucional.  Advertido agora, de novo, para o 
 problema, esse entendimento já não se me apresenta como tão linear — sendo que, 
 nomeadamente, parte da argumentação que em seu abono se invoca no acórdão não se 
 me afigura especialmente probante.  Seja como for, tendo vindo a ser aquela a 
 minha posição, desde logo não devia alterá-la nesta outra sede e neste momento 
 
 (em que a questão se pôs pela primeira vez ao Tribunal); ao que acresce, de 
 resto, que, no puro plano doutrinário, o que me fica é, não propriamente a 
 convicção contrária, mas antes um estado de dúvida.
 
 2 — Votei vencido quanto às alíneas e) e h) da decisão, pelo essencial das 
 razões aduzidas a esse respeito na declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Bravo 
 Serra, que assim acompanho, nessa parte.  Apenas me permitirei acrescentar que, 
 a meu ver, para tais razões bem se encontrará fundamento constitucional 
 explícito, seja directo ou indirecto, na parte final do artigo 50.º, n.º 3, da 
 Lei Fundamental — norma da qual se faz, no acórdão, uma interpretação que julgo 
 excessiva —, em conjugação, se se quiser (e muito provavelmente), com a 
 referência do artigo 120.º, n.º 2, da Constituição. — José Manuel Cardoso da 
 Costa.
 
  
 
 (1)   Acórdão publicado no Diário da República, I Série-A, de 10 de Março