 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo nº 796/93
 
 1ª Secção
 Rel. Cons. Tavares da Costa
 
  
 
  
 
                              Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
                   1.-       A. foi condenado, em processo de querela, no 2º 
 Juízo Criminal de Lisboa como co-autor material de um crime de abuso de 
 confiança previsto e punido nos termos dos artigos 300º, nºs. 1 e 2, alínea a), 
 e 30º, nº 2, do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão.
 
  
 
                              Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação 
 de Lisboa, alegando, essencialmente, circunstâncias atenuantes gerais dos factos 
 dados como provados e que, em seu entender, a 1ª Instância não teve em 
 consideração, e, bem assim, a atenuação e suspensão da pena aplicada.
 
                              A Relação, por acórdão de 30 de Junho de 1993, 
 concedeu provimento ao recurso, reduzindo a pena, no que ao ora recorrente 
 toca, a três anos de prisão e suspendendo-lhe a execução da mesma pelo período 
 de quatro anos.
 
  
 
                              Na fundamentação desenvolvida ponderou-se, 
 nomeadamente, após enunciar a matéria de facto que considera provada:
 
  
 
             'A decisão recorrida é um acórdão do Tribunal Colectivo pelo que 
 esta Relação conhece de matéria de facto e de direito (artigo 665º do Código de 
 Processo Penal de 1929).
 
  
 
              Quanto à matéria de facto em processos julgados por tribunal 
 colectivo, a competência das Relações é, porém, muito restrita, pois só lhe é 
 lícito alterar a decisão de 1ª instância quando do processo constarem todos os 
 elementos de prova ou quando se trate de factos plenamente provados por 
 documentos autênticos [artigos 712º, nº 1, alínea a) do Código de Processo 
 Civil ex vi do artigo 1º, § único do Código de Processo Penal de 1929).
 
  
 
              Qualquer elemento de prova produzido perante o Tribunal Colectivo 
 impede que as Relações alterem as respostas aos quesitos.
 
  
 
              A esta Relação só será, pois, lícito alterar as respostas se não 
 tiver sido produzida prova oralmente no julgamento.
 
  
 
              Também esta Relação só poderá anular a decisão do Tribunal 
 Colectivo quando repute deficientes, obscuras ou contraditórias as respostas 
 aos quesitos ou quando entenda ser indispensável a formulação de outros 
 quesitos (artigo 712º, nº 2, do Código de Processo Civil ex vi do artigo 1º, § 
 
 único, do Código de Processo Penal de 1929).
 
  
 
              Como resulta dos autos, a prova foi produzida perante o Tribunal 
 Colectivo por forma oral, pelo que não pode esta Relação alterar as respostas 
 dadas aos quesitos por esse Tribunal.
 
  
 
              Tais respostas resultaram da livre convicção do Tribunal e elas não 
 se mostram deficientes, obscuras ou contraditórias, como também se não mostra 
 indispensável a formulação de novos quesitos para a decisão da causa, pelo que 
 também não é de anular a decisão do Tribunal Colectivo sobre a matéria de 
 facto.
 
  
 
              Assim sendo, a matéria de facto que se dá como assente e provada é 
 a que resulta das respostas dadas aos quesitos e atrás descrita'.
 
  
 
  
 
                   2.-       O magistrado do Ministério Público junto ao 
 Tribunal da Relação, por considerar que o acórdão aplicou a norma do artigo 
 
 665º citado na interpretação que lhe foi dada pelo assento do Supremo Tribunal 
 de Justiça de 29 de Junho de 1934, cuja inconstitucionalidade com força 
 obrigatória geral foi declarada pelo Acórdão nº 401/91 do Tribunal 
 Constitucional (publicado no Diário da República, I Série-A, de 8 de Janeiro de 
 
 1992), recorreu do mesmo para este Tribunal, ao abrigo da alínea g) do nº 1 do 
 artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
 
  
 
                              Nas alegações oportunamente apresentadas neste 
 Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido do não 
 conhecimento do recurso, por não se verificar o invocado pressuposto para o 
 recurso de constitucionalidade e concluiu do seguinte modo:
 
  
 
             '1º.       O acórdão recorrido não fez aplicação da norma constante 
 do artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929, com a sobreposição 
 interpretativa do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 
 
 1934, complexo normativo já considerado inconstitucional com força obrigatória 
 geral;
 
  
 
              2º.       Na verdade, optou aquela decisão por integrar o referido 
 preceito do Código de Processo Penal através do recurso à disciplina constante 
 do artigo 712º do Código de Processo Civil, como forma de determinação dos 
 poderes da Relação, no que concerne à alteração da decisão do colectivo sobre a 
 matéria de facto;
 
  
 
              3º.       Assim sendo, e não tendo a decisão recorrida feito 
 aplicação de 'norma' já precedentemente declarada inconstitucional pelo 
 Tribunal Constitucional, não se verificam os pressupostos do recurso a que 
 alude a alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo 
 que não deverá dele conhecer-se'.
 
  
 
  
 
                              O recorrido, por sua vez, nas respectivas 
 alegações, adere, em parte, à tese defendida pelo Ministério Público no 
 Tribunal Constitucional, mas não prescinde de focar a questão de 
 constitucionalidade pois entende que, seja qual for a interpretação a dar ao 
 artigo 665º do CPP de 1929, sempre se chegará à conclusão da impossibilidade 
 efectiva de recurso, quanto à matéria de facto, resultado material esse que 
 levou o Tribunal Constitucional à censura constante do Acórdão nº 401/91.
 
  
 
                              Daí, e porque o recurso do Ministério Público lhe 
 aproveita, nos termos do artigo 74º, nº 1, da Lei nº 28/82, entender também que 
 o acórdão da Relação aplicou norma já considerada inconstitucional, 'atenta a 
 equivalência hermenêutica material entre o preceito aplicado (artigo 665º do 
 Código de Processo Penal de 1929), e o complexo normativo declarado 
 inconstitucional, composto pelo artigo 665º do CPP de 1929 com a interpretação 
 que lhe havia sido dada pelo Assento de 29 de Junho de 1934'.
 
  
 
                              Assim, em sua tese, o Tribunal da Relação, ao 
 aplicar o artigo 665º  -  ainda que sem expressa referência ao assento  -  
 aplicou norma inconstitucional, norma que 'apenas é aparentemente vigente, que 
 continua escrita mas insusceptível de aplicação porque toda a aplicação que se 
 possa fazer da norma implica um resultado que foi declarado inconstitucional'.
 
  
 
                              E, a concluir, acrescenta:
 
  
 
             'Termos em que deve o recurso do MºPº ser objecto de apreciação por 
 esse Tribunal, devendo o juízo de constitucionalidade sobre a norma que a 
 decisão recorrida aplicou (artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929, na 
 parte em que considera que 'relativamente à competência das relações em matéria 
 de facto, tem de entender-se no sentido de que as mesmas relações só podem 
 alterar as decisões dos tribunais colectivos de 1ª instância em face de 
 elementos do processo que não pudessem ser contrariados pela prova apreciada no 
 julgamento e que haja determinado as respostas aos quesitos') fundar-se em 
 determinada interpretação da mesma norma (cfr. nº 3 do artigo 80º da Lei nº 
 
 28/82), julgada inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32º, nº 1, 
 da Constituição'.
 
  
 
                              Deverão, assim, os autos  -  em sua óptica  -  
 julgada a inconstitucionalidade da norma aplicada, baixar à Relação para que 
 esta reforme a decisão em conformidade com o julgamento sobre a questão da 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
                              Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e 
 decidir.
 
  
 
  
 II
 
  
 
                   1.-       Para o magistrado do Ministério Público junto deste 
 Tribunal não se verificam, como vimos, os pressupostos do recurso de 
 constitucionalidade interposto, pelo que dele não se deverá tomar conhecimento.
 
  
 
                              É problemática a encarar de imediato.
 
  
 
                              Na verdade, fundamentou-se o recurso para o 
 Tribunal Constitucional na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, 
 segundo a qual cabe recurso das decisões dos tribunais que apliquem norma já 
 anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 
                              Alude-se ao já referenciado Acórdão nº 401/91 em 
 que o Tribunal, por maioria, declarou a inconstitucionalidade, com força 
 obrigatória geral, da norma do artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929, 
 na interpretação que lhe foi dada pelo assento do Supremo Tribunal de Justiça de 
 
 20 de Junho de 1934, por violação do disposto no artigo 32º, nº 1, da 
 Constituição.
 
  
 
                              Segundo aquele magistrado, o acórdão da Relação não 
 contrariou a decisão do Tribunal Constitucional na medida em que integrou o 
 disposto no artigo 665º, tomado isoladamente, com o estatuído no artigo 712º do 
 Código de Processo Civil, não apelando à doutrina do assento nem utilizando o 
 
 'complexo normativo' resultante do primeiro daqueles preceitos com a 
 interpretação integrativa do assento.
 
  
 
                              Com efeito, o aresto recorrido não aplicou, 
 explícita ou implicitamente, a norma em causa na interpretação declarada 
 inconstitucional.
 
  
 
                              Como transparece da passagem transcrita, a Relação 
 não utilizou a interpretação dada pelo assento ao artigo 665º mas aplicou este 
 em conjugação com o disposto no artigo 712º do Código de Processo Civil  -  ex 
 vi do artigo 1º, § único, do Código de Processo Penal de 1929  -  constituindo, 
 assim, um bloco normativo não contemplado no acórdão nº 401/91 e distinto do 
 apreciado nesse lugar.
 
  
 
                              Tanto basta para excluir o pressuposto previsto na 
 alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82:  não pode conhecer-se, na 
 verdade, do recurso de constitucionalidade interposto pelo Ministério Público 
 junto do Tribunal da Relação.
 
  
 
                   2.-       Não obstante, entendeu A., condenado pelo acórdão 
 recorrido, vir aos autos, alegando aproveitar do disposto no artigo 74º, nº 1, 
 da Lei nº 28/82, para, desse modo, suscitar igualmente a questão da 
 inconstitucionalidade da interpretação normativa levada a efeito pela Relação.
 
  
 
                              Diz-nos este preceito que o recurso interposto pelo 
 Ministério Público aproveita a todos os que tiverem legitimidade para recorrer, 
 o que, sendo exacto, não tem a virtualidade de só por si reconhecer uma dinâmica 
 de adesão ao interessado, 'fazendo sua a actividade exercida pelo recorrente' 
 
 (cfr. o artigo 683º, nº 4, do Código de Processo Civil), nem o convertendo em 
 recorrente principal, a ponto de, no fundo, poder entender-se implícito o 
 fundamento da alínea b) do nº 1 do artigo 70º.
 
  
 
                              Na realidade, se pretendia questionar nesta sede a 
 interpretação dada pelo acórdão ao impugnado complexo normativo, podia (e 
 devia) ter recorrido por sua iniciativa própria.  Assim, 'ficou pendente do 
 
 êxito (ou do inêxito) do recurso para aqui interposto pelo Ministério Público' 
 
 (cfr. o recente Acórdão nº 460/94, por publicar) não sendo agora o momento 
 oportuno para reagir (até porque não só a especificidade da tramitação do 
 recurso de fiscalização concreta implica a convocação dos elementos exigidos 
 pelo artigo 75º-A da Lei nº 28/82, o que, no caso, não se verifica, como são 
 distintos os pressupostos de recurso previstos na alínea g) e na alínea b) do nº 
 
 1 do artigo 70º, a defender-se ter sido esta chamada à colação, ao menos 
 implicitamente).
 
  
 
                              Logo, sendo assim, em nada se altera o destino a 
 dar aos autos:  o Tribunal não deve conhecer do recurso, por não verificação dos 
 pressupostos da sua admissibilidade.
 
  
 
  
 III
 
  
 
                              Em face do exposto, decide-se julgar procedente a 
 questão prévia deduzida pelo Ministério Público e, em consequência, não tomar 
 conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 
                              Sem custas.
 
                  
 
                              Lisboa, 23 de Fevereiro de 1995
 
                                           Alberto Tavares da Costa
 Armindo Ribeiro Mendes
 Antero Alves Monteiro Diniz (vencido, nos termos da declaração de voto que fiz 
 juntar ao Acórdão nº 54/95)
 
                                          Maria Fernanda Palma (vencida, nos 
 termos da declaração de voto anteriormente citada)
 
                                          José Manuel Cardoso da Costa