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Procº nº 399/94.
 
 2ª Secção.
 Relator:- Consº BRAVO SERRA.
 
  
 I 
 
  
 
  
 
                         1. Em autos pendentes pelo Tribunal da Relação de 
 Lisboa, e de um aresto ali tirado, recorreu a Ré A. para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, recurso que lhe foi admitido por despacho do Desembargador Relator 
 proferido em 16 de Junho de 1993.
 
  
 
                         Por despacho, lavrado pelo mesmo Desembargador Relator 
 em 15 de Julho seguinte, foi o recurso considerado deserto por falta de 
 alegações, o que motivou que o mandatário judicial da Ré apresentasse nos autos, 
 em 20 daquele mês,  requerimento onde, de entre o mais, disse:- 
 
  
 
 '........................................ 
 
            1º Foi com surpresa que o signatário foi, hoje, notificado, no seu 
 escritório, do douto despacho judicial onde se decidia julgado deserto o 
 recurso.
 
            2º O signatário ficou estupefacto.
 
    Na verdade, o signatário não conseguiu encontrar no seu escritório qualquer 
 notificação referente à eventual admissão do recurso de agravo atempadamente por 
 si (e em nome da sua constituinte) interposto para o STJ, estando assim, 
 inteiramente convicto de que não recebeu de facto, no seu escritório qualquer 
 notificação desse teor, o que só poderá atribuir-se a erro dos CTT.
 
    Aliás se tivesse recebido tal notificação imediatamente se marcaria, na 
 respectiva agenda, o final do prazo de 8 dias que a lei processual alude para 
 este tipo de recurso.
 
            3º Nesta conformidade se requer, respeitosamente a V.ª Ex.ª:
 
            Se digne tomar as diligências necessárias junto dos CTT para se poder 
 comprovar nos autos o ora alegado pelo requerente.
 
 ........................................' 
 
  
 
  
 
                         Em 12 de Outubro seguinte fez a Ré juntar aos autos novo 
 requerimento dizendo:-
 
  
 
 '........................................ 
 
            1º Apesar do conteúdo do ofício de fls. 4.507, o signatário não 
 recebeu a carta do Tribunal, certamente por lapso dos C.T.T., uma vez que nem 
 sempre é exigido ao destinatário o preenchimento de todos os talões como o de 
 fls. 4.508, quando são recebidas várias cartas registadas no mesmo dia, como é o 
 caso vertente.
 
            2º De qualquer dos modos deve considerar-se o disposto no art.º 146º 
 nº 1 do C.P. Civil (ao restringir, como restringe o âmbito do justo impedimento) 
 material- mente inconstitucional, por violação neste caso, do disposto no art.º 
 
 32º nº 1 da Lei Fundamental.
 
            3º Nestes termos se requer a V.ª Ex.ª que seja a Ré autorizada a 
 praticar fora do prazo respectivo, atentas as razões invocadas.
 
 ........................................' 
 
  
 
  
 
                         Em 5 de Maio de 1994, o Desembargador Relator prolatou 
 despacho com o seguinte teor:-
 
  
 
 '.................................................. 
 
 *
 
             Requerimento de fls. 4502:
 
             A fls. 4999 a Ré A. interpôs recurso do acórdão condenatório.
 
             A fls. 4500, por falta de alegações, proferiu o relator despacho a 
 julgar deserto o recurso.
 
             A Ré, por intermédio do seu Ex.mo Advogado, Dr. B., vindo aos autos, 
 informa que não foi recebida, por este seu patrono, a carta registada 
 notificando-a da admissão do recurso, o 'quid' material para poder alegar e 
 manter o recurso.
 
             O Tribunal, para esclarecimento da verdade dos factos diligenciou 
 por obter fotocópia do registo da correspondência expedida para o escritório do 
 Ex.mo Advogado, a que coube o n.º 42358 - fls. 4508 e 4499.
 
             Procedeu à tomada de declarações ao Ex.mo advogado reclamante, à sua 
 empregada, C. e ao Sr. funcionário dos CTT que proce- deu à entrega da 
 correspondência, que se diz extraviada.
 
             A primeira nota que ressalta das diligências encetadas é a de que o 
 talão do registo nº 42358 - fls. 4508 - está assinado e, precisamente, pela em- 
 pregada do Ex.mo advogado.
 
             Resulta daí forte presunção, natural, que a carta foi entregue, 
 visto que em regra, segundo as normas da experiência da vida, à assinatura do 
 talão de registo está associada a correspondente entrega.
 
             Aduz a Sr.ª empregada que o facto de assim estar assinado o registo 
 não significa o recebimento da carta porque, em se tratando de vários registos, 
 
 é seu hábito assinar o primeiro e o último, deixando de o fazer quanto aos 
 outros.
 
             Contrapõe o Sr. funcionário dos CTT que é prática de serviço quando 
 são distribuídos vários registos, no rosto do primeiro, menciona em algarismos o 
 número dos que vão agrafados, pertinentes ao destinatário. E como tal não 
 sucedeu, conclui, por um lado, que um só registo foi entregue, e, por outro, que 
 a assinatura da empregada do Sr. advogado, não posta em crise, quanto à sua 
 autoria, é suficiente para estabelecer a entrega da carta.
 
             As declarações daquela Sr.ª empregada contêm, em si mesmo, aliás, o 
 germen da sua contradição e rejeição do não recebimento.
 
             Na verdade se, como diz, o primeiro talão do registo e o último, em 
 caso de pluralidade de registos, são sempre assinados por si, então não há 
 dúvida que, por um lado, o talão assinado respeita ao primeiro ou último do lote 
 dos talões; por outro que a carta foi, efectivamente, recebida, por assinado o 
 talão do registo.
 
             Se, por qualquer anomalia de funcionamento do escritório, a carta se 
 extraviou, o facto não é imputável aos CTT que o registo entregaram.
 
             O justo impedimento pressupõe a impossibilidade prática de 
 realização de um acto, por meios alheios a quem o pratica, em virtude de um 
 conjunto de circunstâncias que, com cuidado e diligência normais, não eram 
 superáveis e conduziram àquela inviabilidade - art.º 146.º n.º 1. do CPC.
 
             Recebida a carta pela Sr.ª funcionária, o extravio subsequente era 
 facto evitável, superável, pelo uso, que se não provou inviável, de mais 
 cuidado, em nosso ver, salvo o devido respeito.
 
 *
 
             O Sr. advogado da Ré suscita a questão da inconstitucionalidade 
 material do art.º 146.º n.º 1. do CPC, ao restringir o âmbito do justo 
 impedimento, por violação do art.º 32º.º n.º 1, da CRP, consagrando, para todos, 
 o direito de defesa.
 
             Reputa-se justo impedimento o evento normalmente imprevisível, 
 estranho à vontade da parte, que a impossibilita de praticar o acto por si ou 
 mandatário.
 
             O processo é uma concatenação de actos com vista à realização do 
 direito material, assumindo-se pela instrumentalidade que aquele caracteriza.
 
             Os actos processuais, com vista à consecução daquele fim, têm de 
 praticar-se dentro de certo prazo, sob pena de o postergar desta regra dar lugar 
 
 à mais completa anarquia processual.
 
             E mais do que deverem os actos processuais praticar-se dentro de 
 certo prazo, só devem admitir-se os necessários à ponderação do efeito legal 
 visado, devendo, aliás, o juiz remover todos os obstáculos à realização da 
 justiça, praticando, para tanto, os actos necessários a que o processo se 
 aproxime do fim desejado pelo legislador - art.ºs 137.º e 153.º, do CPC.
 
             O acesso à justiça, ao direito e aos Tribunais a todos é garantido, 
 dispõe o art.º 20.º, da CRP, o que impõe a definição, na lei ordinária, dos 
 actos processuais para a realização daquele princípio programático.
 
             O justo impedimento é consagrado na nossa lei, a título excepcional, 
 por uma questão de justiça material, para dar realização a situações 
 excepcionais, por ocorrências estranhas e imprevisíveis ao obrigado à prática do 
 acto.
 
             Funciona como uma válvula de escape à rigidez estabelecida na lei 
 para a prática de certos actos, assegurando, pelos limites em que funciona, a 
 realização do princípio do art.º 20.º supracitado.
 
             Um sistema processual que não contivesse limites ao funcionamento do 
 princípio do justo impedimento, introduziria a mais completa anarquia na ordem 
 processual, e, isso sim, afrontando a realização da justiça e do acesso aos 
 Tribunais, violaria o princípio constitucional apontado.
 
 *
 
             Não se vê como - o Sr. advogado não avança razões para a afirmação - 
 a instalação de limites ao funcionamento do justo impedimento prejudica o 
 direito de defesa do arguido.
 
             O direito de defesa do arguido não é elasticamente fixado na lei. 
 Deve obedecer a parâmetros e a prazos pré-estabelecidos, até por uma questão de 
 certeza e segurança do direito.
 
             Ponto é que esse direito exista. O exercício de um direito de 
 defesa, a todo o momento, lesaria o andamento normal do processo, conduziria à 
 desordem e ao caos processual, tornando o arguido vítima, ele próprio, desse 
 desmando.
 
             Não se vê, pois, como a introdução de limitações ao exercício do 
 justo impedimento contrarie o art.º 32.º n.º 1 invocado. A solução propugnada 
 pelo Sr. advogado, em nosso ver, e ressalvando opinião contrária, é que poria em 
 risco, pela descrita razão, o direito de defesa consagrado em numerosos 
 preceitos legais, tanto no CPP de 1929 como no actual.
 
 *
 
             De todo o exposto não vemos  como alterar o despacho e julgar 
 deserto o recurso, que se mantém.
 
 ..................................................' 
 
  
 
  
 
                         Notificada do transcrito despacho, fez a Ré juntar aos 
 autos requerimento por intermédio do qual manifestou a sua vontade de dele 
 recorrer para o Tribunal Constitucional, o que fez afirmando que '[a] norma cuja 
 inconstitucionalidade foi suscitada é a constante do art.º 146 nº 1 do Código de 
 Processo Civil' e que o fundamento do recurso se encontrava no 'art.º 70º nº 1 
 alínea b) e artº 72º nº 2 da Lei 28/82 de 15/11, com a redacção da Lei 85/89 de 
 
 7 de Setembro'.
 
  
 
                         Sobre esse requerimento debruçou-se o Desembargador 
 Relator nos seguintes termos:-
 
  
 
            'O despacho do relator, em essência, não assume cariz de decisão da 
 Relação, pois é alterável, modificável e provisório, pela conferência, se 
 requerida - art.º 700.º, n.º 3. do CPC.
 
            É da decisão que se profira em conferência, e do seu acórdão, pois, 
 que cabe recurso - art.º 754 b) do CPC, aplicável 'ex vi' do art.º 1.º § único 
 do CPC de 1929, à ritologia processual.
 
 *
 
            A Ré não requereu que, sobre o despacho do relator, recaísse acórdão, 
 nos termos do predito art.º 700.º n.º 3, do CPC.
 
 *
 
            Como assim, visto o disposto no art.º 70.º n.ºs 1 b) e 2 e 76.º nºs 1 
 e 2, da Lei n.º 28/82, de 15/11, não admito o recurso instaurado para o Tribunal 
 Constitucional pela Ré.
 
 .............................................' 
 
  
 
  
 
                         Do despacho imediatamente acima transcrito reclamou a A. 
 para o Tribunal Constitucional invocando:
 
  
 
 '............................................. 
 
            1º Embora a Ré não tivesse usado da faculdade prevista da Lei, de 
 que, sobre o despacho do Relator recaísse acórdão (art.º 700º nº 3 do CPC), não 
 pode, por via disso, ser prejudicada a admissão do recurso para o Tribunal 
 Constitucional.
 
            2º A possibilidade concedida no art.º 700 nº 3 do CPC, é, apenas, uma 
 faculdade que a Ré tem, quando pretenda agravar de acórdão a proferir, e não um 
 passo necessário a dar, quando do despacho do Ex.º Relator se pretende recorrer, 
 em matéria de apreciação de constitucionalidade, para o Tribunal Constitucional.
 
            3º Deste modo, por haver sido respeitado o formalismo previsto nos 
 art.ºs 70º nº 1 b), 71º, 72º, 75º e 75º A da Lei 28/82 de 15 de Novembro, 
 requer-se seja admitido o recurso em tempo interposto.
 
 .............................................' 
 
  
 
  
 
                         2. Tendo «vista» dos autos, o Ex.mo Procurador-Geral 
 Adjunto em funções neste Tribunal pronunciou-se no sentido do indeferimento da 
 presente reclamação.
 
  
 
                         Cumpre decidir.
 
  
 
  
 II 
 
  
 
  
 
                         1. Adiante-se desde já que a vertente reclamação não tem 
 razão de ser.
 
  
 
                         Na verdade, poder-se-á sintetizar a situação que se 
 apura dos autos do seguinte jeito:-
 
                         a ora reclamante, após ter sido notificada da resposta 
 dos C.T.T. a uma solicitação levada a efeito pelo Desembargador Relator do 
 Tribunal da Relação de Lisboa (solicitação essa destinada a saber se no 
 escritório do mandatário da mesma reclamante teria sido entregue uma carta, 
 enviada sob registo e promanada daquele Tribunal), veio questionar a 
 compatibilidade constitucional da norma ínsita no nº 1 do artº 146º do Código de 
 Processo Penal, afirmando que ela restringia o âmbito do justo impedimento;
 
                         aquele Desembargador Relator, por despacho de 4 de Maio 
 de 1994 (acima transcrito), entendeu, por um lado, que a norma questionada não 
 padecia do vício que pela reclamante lhe era assacado e, por outro, aplicando 
 tal disposição, considerou que, no caso, se não desenhava qualquer situação de 
 justo impedimento, motivo pelo qual mantinha um seu despacho anterior que 
 considerara deserto, por falta de alegações, um recurso interposto pela dita 
 reclamante para o Supremo Tribunal de Justiça e referente a um acórdão tirado no 
 Tribunal da Relação de Lisboa;
 
                         foi precisamente desse despacho de 4 de Maio de 1994 que 
 a reclamante pretendeu interpôr recurso para o Tribunal Constitucional 
 tocantemente à questão da incompatibilidade com a Lei Fundamental de que aquela 
 norma, no entendimento da mesma reclamante, padeceria.
 
  
 
                         
 
                         2. Como é claro, para que se possam utilizar os recursos 
 de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa previstos nos artigos 
 
 280º, números 1, 2 e 5,  da Constituição, e 70º, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de 
 Novembro, mister é que as decisões, que se pretendem censurar através dessa 
 forma impugnativa, sejam passíveis de recurso.
 
  
 
                         Daí que, inquestionavelmente, haja, em primeira linha, 
 de saber se um despacho proferido por um relator de um tribunal superior, 
 tribunal no qual as decisões são tomadas colegial ou colectivamente, é passível 
 de recurso.
 
  
 
                         A resposta a esta questão é, sem que dúvidas a esse 
 respeito se possam suscitar, patentemente negativa.
 
  
 
                         De facto, da interpretação dos preceitos constantes dos 
 números 3 e 4 do artº 700º do Código de Processo Civil claramente se extrai que, 
 ressalvada a situação contemplada no artigo 688º do mesmo corpo de leis (e não 
 era esta que estava agora em questão nestes autos), se um despacho proferido por 
 um relator de um tribunal fôr, na óptica de uma «parte», susceptível de a 
 prejudicar, não poderá essa «parte» impugnar tal despacho mediante recurso. 
 Terá, isso sim, que requerer que sobre o despacho recaia um acórdão que, e agora 
 do ponto de vista da parte que entende ser a prejudicada, a manter o mesmo 
 despacho, poderá ser objecto de recurso.
 
  
 
  
 
                         O que, aliás, bem se compreende, mormente tendo em vista 
 o que se preceitua na alínea b) do artº 754º do mesmo diploma adjectivo, que 
 decorre da já assinalada circunstância de nos tribunais superiores o poder 
 jurisdicional residir no órgão colegial.
 
  
 
                         
 
                         3. Por outro lado, acentue-se que não colhe a 
 argumentação da reclamante segundo a qual, tratando-se de recursos com vista à 
 
 'apreciação de constitucionalidade', não seria de aplicar o que deflui das 
 citadas disposições processuais civis.
 
  
 
                         É que, de uma banda, nenhuma estatuição constante da Lei 
 nº 28/82 para tanto aponta; de outra, é de ponderar que aquela Lei, no seu artº 
 
 69º, subsidiariamente manda aplicar à tramitação dos recursos para o Tribunal 
 Constitucional as normas do Código de Processo Civil; e, ainda de outra, que só 
 as decisões dos tribunais são recorríveis para este órgão de fiscalização da 
 constitucionalidade, o que aponta para que, tratando-se de um tribunal superior, 
 a decisão passível de ser impugnada há-de ser aquela que foi emitida no 
 exercício de um poder jurisdicional (e, como se disse já, esse poder, em tais 
 tribunais, está cometido ao órgão colegial).
 
  
 
                         O despacho de 4 de Maio de 1994 prolatado pelo 
 Desembargador Relator da Relação de Lisboa não era, pois, passível de recurso 
 processual comum e, consequentemente, como se vincou no Acórdão deste Tribunal 
 nº 267/91 (publicado na 2ª Série do Diário da República de 23 de Outubro de 
 
 1991), sendo os recursos 'um pedido de reponderação sobre certa decisão 
 judicial, apresentado a um órgão judiciariamente superior', 'no caso do recurso 
 de constitucionalidade podem observar-se as mesmas natureza e finalidade 
 referidas aos recursos em geral, só que agora restritas à questão de 
 constitucionalidade'.
 
  
 
  
 III 
 
  
 
  
 
                         Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando 
 a reclamante nas custas processuais e fixando a taxa de justiça em cinco 
 unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 15 de Março de 1995
 
  
 Bravo Serra
 Fernando Alves Correia
 Messias Bento
 José de Sousa e Brito
 Guilherme da Fonseca
 Luís Nunes de Almeida