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Processo n.º 642/05                            
 
 1.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
  
 
  
 Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
 1.         No Tribunal Central de Instrução Criminal, foi decretada a prisão 
 preventiva de A., ora recorrente, indiciado pela prática de um crime de 
 associação criminosa e de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e 
 punido nos termos das disposições conjugadas do artigo 299º do Código Penal, do 
 artigo 23º, n.º 1, n.º 2, alíneas a), b) e c), n.º 3, alíneas a), e) e f), e n.º 
 
 4, do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 25 de Janeiro, e dos artigos 89º, 103º, n.º 1, 
 alíneas a), b) e c), 104º, n.º 1, alíneas d) e e), e n.º 2, da Lei n.º 15/2001, 
 de 5 de Junho (despacho de 23 de Dezembro de 2004, conforme certidão a fls. 66 e 
 seguintes dos presentes autos).
 
  
 
             Tendo em vista preparar o recurso do despacho que decretou a prisão 
 preventiva, o arguido requereu cópias das seguintes peças processuais: auto do 
 seu interrogatório perante o Juiz de Instrução; despacho que decretou a sua 
 prisão preventiva, meios de prova (ou súmula dos mesmos que permita apreender o 
 seu sentido e a apresentação da defesa respectiva) em que se funda o despacho 
 que determinou a sua prisão preventiva (requerimento que consta de fls. 71).
 
  
 
             O Procurador da República, no Departamento Central de Investigação e 
 Acção Penal, pronunciou-se nos seguintes termos (fls. 73): 
 
  
 
 “[...]
 Nos termos do artº 89º nº 2 do CPP, não tendo ainda sido deduzida acusação, como 
 
 é o caso, o arguido só pode ter acesso a essas peças através de fotocópias que 
 ficam avulsas na secretaria.
 Assim, defere-se ao requerido determinando-se que fiquem avulsas na secretaria 
 fotocópias de fls. 1867 a 1870, na parte que se refere ao despacho que 
 determinou a detenção do arguido, 2339 a 2343 e 2346 a 2352.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
             A., considerando que “tais elementos são manifestamente 
 insuficientes para preparar a defesa e o recurso”, apresentou novo requerimento 
 
 (fls. 75 e seguinte), do seguinte teor:
 
  
 
 “[...]
 a) Foi requerida a V. Ex.a que – em ordem a preparar a sua defesa e o recurso do 
 despacho que decretou a prisão preventiva – lhe fossem facultadas cópias do seu 
 auto de interrogatório, do despacho que decretou a prisão e dos meios de prova 
 
 [em] que se funda tal despacho;
 b) O Senhor Procurador da República deferiu apenas que lhe fosse permitido o 
 acesso ao auto de interrogatório, ao despacho que ordenou a detenção, à promoção 
 do Ministério Público após aquele interrogatório e ao despacho que decretou a 
 prisão preventiva, através de fotocópias que ficaram avulsas na secretaria e que 
 já foram consultadas pelo signatário;
 c) Tais elementos são manifestamente insuficientes para preparar a defesa e o 
 recurso, faltando designadamente – e tendo por referência o auto de 
 interrogatório e o despacho que decretou a prisão preventiva – o acesso às 
 declarações prestadas por [...], [...] e [...], bem como dos técnicos de contas 
 não identificados referidos no despacho que decretou a prisão preventiva; 
 falta-lhe ainda o acesso ao relatório intercalar 5 que lhe foi parcialmente 
 exibido durante o interrogatório, bem como as listagens de fls. 1160 a 1162 e 
 ainda os comprovativos dos depósitos dos alegados lucros na conta do B., para 
 além dos comprovativos das alegadas vendas fictícias;
 d) Deve ser deferido o acesso do arguido a todos esses elementos, nos termos já 
 consagrados por jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Tribunal Europeu 
 dos Direitos do Homem, assim se fazendo a adequada leitura do art. 141º n.º 4 do 
 CPP, em consonância com o disposto no art. 28º nº 1 e 32º n.º 1 da CRP;
 e) Por outro lado, deve ser facultado ao arguido cópia do despacho que decretou 
 a prisão preventiva, bem como o seu antecedente interrogatório e promoção do 
 Ministério Público, já que tais elementos não se podem considerar compreendidos 
 no âmbito do art. 89º nº 2 do CPP;
 f) Assim sendo, requer-se que – com a maior urgência uma vez que está a decorrer 
 o prazo para o recurso – seja deferido o acesso do arguido aos elementos acima 
 referidos na alínea c) e que lhe seja facultada cópia das peças supra referidas 
 na alínea e);
 g) Acresce que não é ao Senhor Procurador da República que cabe deferir ou 
 indeferir o que ora se requer, uma vez que está em causa a obtenção de elementos 
 necessários à preparação do recurso – e da defesa em geral – de um despacho de 
 V. Ex.a, pelo que deve ser o juiz de instrução a decidir acerca desta matéria.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
             O Juiz de Instrução indeferiu o requerido, nos seguintes termos 
 
 (fls. 78 e 78 v.º):
 
  
 
 “[...]
 Ao contrário do entendimento […] exposto pelo arguido A., entendo que os 
 elementos a que se refere nas alíneas c) e d) têm necessariamente de se 
 considerar compreendidos no elenco dos que não lhe podem ser facultados, segundo 
 a interpretação que fazemos do n.º 2 do artigo 89º do CPP.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
 2.         A. interpôs recurso deste despacho, tendo na motivação respectiva 
 apresentado, para o que agora releva, as seguintes conclusões (fls. 1 e 
 seguintes destes autos):
 
  
 
 “[...]
 D) O arguido tem direito a conhecer os elementos de prova (ou uma súmula 
 relevante dos mesmos) em que se funda o despacho que decreta a sua prisão 
 preventiva, os quais devem ser facultados (mesmo que apenas para consulta) ao 
 seu mandatário, a fim de que este possa preparar a sua defesa e interpor os 
 recursos competentes.
 E) Por outro lado, não pode ser posto em causa o direito a que lhe seja 
 facultada cópia do despacho que decreta essa prisão preventiva, bem como do seu 
 auto de interrogatório, sendo intolerável que esses elementos só lhe possam ser 
 facultados para consulta.
 F) É o que decorre da aplicação directa do art. 28º n.º 1 da CRP – o arguido tem 
 o direito de conhecer as razões concretas em que se funda a sua prisão 
 preventiva –, bem como do art. 32º nº 1 da CRP – o processo assegura todas as 
 garantias de defesa, incluindo o recurso.
 
 É ainda o que decorre de uma adequada leitura do art. 89º n.º 2 do C.P.P., 
 devidamente conjugado com os arts. 61º n.º 1-f) e h) e 141º nº 4 do C.P.P..
 G) Como é manifesto, no caso dos autos, os elementos a que se reporta a alínea 
 c) do requerimento supra referido no nº 4 são indispensáveis para que o arguido 
 conheça e possa contraditar os elementos de prova em que se funda a sua prisão 
 preventiva.
 H) Assim sendo, o despacho recorrido fez uma errónea aplicação do art. 89º n.º 2 
 do C.P.P., devidamente conjugado com os arts. 61º n.º 1-f) e h) e 141º n.º 4 do 
 C.P.P., lidos à luz das garantias consagradas no art. 28º n.º 1 e 32º n.º 1 da 
 CRP.
 I) A interpretação do art. 89º n.º 2 do C.P.P., devidamente conjugado com os 
 arts. 61º n.º 1-f) e h) e 141º n.º 4 do C.P.P., no sentido de que, sob a 
 invocação genérica do regime de segredo de justiça previsto naquele art. 89º n.º 
 
 2 do C.P.P., pode ser negado ao arguido preso preventivamente – para o efeito de 
 este apresentar a sua defesa e preparar o recurso dessa prisão – o acesso a 
 consultar os elementos de prova (ou súmula dos mesmos) em que concretamente se 
 funda tal prisão preventiva, é inconstitucional por violação do art. 28º n.º 1 e 
 
 32º n.º 1 da CRP.
 
 [...].”.
 
             O Ministério Público, no Departamento Central de Investigação e 
 Acção Penal, apresentou a resposta de fls. 37 e seguintes, em que concluiu:
 
  
 
 “[...]
 
 1) O despacho sob censura não violou os preceitos legais invocados pelo 
 recorrente, dos quais fez justa, adequada e criteriosa aplicação;
 
 2) Dos autos resultam fortes indícios de que o arguido foi autor de factos 
 susceptíveis de integrarem a prática dos crimes de associação criminosa e de 
 fraude fiscal qualificada.
 
 3) Esses indícios estão suportados em prova documental, testemunhal e nos 
 relatórios elaborados pela Administração fiscal que reconstituem os vários 
 esquemas da fraude carrossel detectada, com o apoio de documentação e 
 informações enviadas pelas autoridades estrangeiras, no âmbito de Cartas 
 Rogatórias expedidas, umas já cumpridas e outras em cumprimento;
 
 4) No interrogatório a que foi submetido o recorrente foi confrontado com os 
 factos que lhe são imputados, tendo-lhe sido dados a conhecer os elementos de 
 prova (inquirições e relatórios), na parte que se lhe referiam, indiciadores da 
 sua responsabilidade na prática dos factos em investigação, assim se dando 
 cumprimento ao comando do n.º 4 do art. 141° do CPP, com a apresentação, em 
 súmula, dos elementos de prova contra si recolhidos.
 
 5) Não é possível facultar ao arguido o acesso a essas peças processuais por as 
 mesmas dizerem também respeito a variados indivíduos e empresas também 
 intervenientes na fraude, cuja disponibilização ao arguido, nesta fase, 
 comprometeria irremediavelmente a investigação;
 
 6) Não foi negado ao recorrente o direito a consultar as peças processuais 
 mencionadas no art. 89° n. 2 do CPP, as quais estiveram à sua disposição, para 
 esse efeito, na secretaria;
 
 7) «A limitação que a lei estabelece quanto ao local do exame – a secretaria e 
 não o escritório do advogado – não cerceia a defesa, dada a possibilidade de 
 consulta do processo e de utilização de cópias das peças que interessam à 
 defesa. Tal limitação apenas releva no aspecto da menor comodidade que nalguns 
 casos representa para o advogado a impossibilidade de consultar o processo no 
 escritório, o que não se traduz numa redução do direito de defesa do arguido».
 
 8) A não entrega ao arguido dessas cópias não o impediu de recorrer do despacho 
 que manteve a prisão preventiva;
 
 9) O art. 89° n.º 2 do CPP é claro no sentido de apenas permitir o acesso 
 através de consulta na secretaria;
 
 10) Tal interpretação não viola, nem o princípio do contraditório, nem os 
 direitos de defesa do arguido;
 
 11) «Na fase processual de inquérito impera a regra do segredo de justiça – art. 
 
 86º n.º 1 do C. P. Penal, atentos os valores por este protegidos, mormente o 
 interesse público na boa administração da justiça e no êxito da investigação 
 criminal;
 
 12) A abertura do acesso irrestrito aos autos na fase de inquérito poderá vir a 
 ser fatal para a própria investigação, face a todos os malefícios susceptíveis 
 de virem a acontecer aos indícios probatórios ainda não completamente adquiridos 
 e garantidos nos autos»;
 
 13) O despacho recorrido não violou qualquer preceito legal, designadamente os 
 arts. 89° n.º 2, 61° n.º 1 f) e h) e 141° n.º 4, todos do CPP e 28° n.º 1 e 32° 
 n.º 1 da CRP.
 
 14) Assim, ao invés do que defende o recorrente, o despacho recorrido não violou 
 qualquer norma legal, pelo que não merece qualquer censura, devendo, pois, ser 
 mantido.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
             No Tribunal da Relação de Lisboa, o Ministério Público concluiu 
 também no sentido do não provimento do recurso, pelas razões invocadas na 
 resposta apresentada no Departamento Central de Investigação e Acção Penal. 
 
  
 
  
 
 3.         Tendo sido entretanto interposto recurso pelo arguido do despacho que 
 decretou a prisão preventiva, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu negar 
 provimento a tal recurso e manter a decisão recorrida (acórdão de fls. 97 a 108 
 destes autos).
 
  
 
  
 
 4.         O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu então um primeiro acórdão em 
 que decidiu não tomar conhecimento do recurso interposto pelo arguido do 
 despacho que não lhe facultou, nos termos pretendidos, o acesso aos elementos do 
 processo. 
 
             Na sequência de invocação pelo arguido da nulidade desse primeiro 
 acórdão, veio a ser tirado novo acórdão, em que a Relação negou provimento a tal 
 recurso (acórdão de 23 de Junho de 2005, a fls. 120 e seguintes).
 
  
 
             Neste segundo acórdão, o Tribunal da Relação de Lisboa começou por 
 enunciar assim as questões a resolver:
 
  
 
 “[...]
 Consequentemente, cumpre agora apreciar se a) devia ter sido entregue ao 
 recorrente cópia do despacho que impôs a medida de coacção de prisão preventiva; 
 b) acesso a determinados elementos de prova, ou súmula relevante dos mesmos.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
             Quanto à primeira questão, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa:
 
  
 
 “[...]
 A primeira conclusão é a de que tendo o Il. Mandatário tido acesso aos elementos 
 constantes do despacho que determinou a aplicação ao arguido da medida de 
 coacção de prisão preventiva, conforme expressamente admite, o arguido teve 
 acesso, através do seu Advogado aos elementos indiciários por nós supra 
 enunciados, com os detalhes pormenorizados que nos impedimos de transcrever 
 neste acórdão para evitar a violação do direito ao bom nome dos demais 
 implicados e a violação do segredo de justiça em relação à matéria em 
 investigação. Assim sendo, o arguido não esteve impedido de se defender, 
 conforme pretende, muito menos de exercer o contraditório em sede de recurso, e 
 de avaliar e contraditar os indícios constantes dos autos.
 Redundante seria admitir que apenas quando fosse notificado do despacho tomava 
 conhecimento da matéria de facto nele enunciada. Embora entendamos que pode/deve 
 ser facultada ao arguido recorrente cópia do despacho que ordenou a sua prisão 
 preventiva e dos fundamentos desse despacho, e que essa notificação não 
 pode/deve ser confundida com a possibilidade de consulta do mesmo despacho e 
 referidos fundamentos na secretaria sob pena de se violar o direito a um 
 processo justo e equitativo entendido este como, tanto quanto possível nesta 
 fase processual, «due and fair», entendemos igualmente que essa omissão ficou 
 sanada com a consulta do referido despacho pelo Il. Mandatário do arguido 
 recorrente.
 Com efeito, o arguido havia sido notificado pessoalmente do despacho, bem como o 
 defensor oficioso presente no acto.
 Não tendo sido facultada ao arguido a cópia do despacho e tendo, após, o Il. 
 Mandatário tido acesso, por consulta directa aos fundamentos do mesmo despacho, 
 entendemos não lhe assistir razão quando insiste que não está habilitado a 
 defender-se por não ter tido acesso aos fundamentos do mesmo despacho que 
 determinou a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva.
 Entendemos igualmente que ficou sanada qualquer violação que até aí tivesse 
 ocorrido do direito de defesa do arguido, designadamente, do seu direito a 
 exercer o contraditório quanto aos fundamentos do despacho de prisão preventiva.
 Nessa medida, ainda que por fundamentos muito diversos dos expendidos no 
 despacho recorrido, entendemos que este não é de revogar.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
             Relativamente ao segundo problema enunciado, pronunciou-se assim o 
 Tribunal da Relação de Lisboa:
 
  
 
 “[...]
 Quanto à questão da súmula dos meios de prova e do acesso aos meios de prova, 
 entendemos igualmente que não assiste razão ao arguido e recorrente já que tendo 
 tido acesso ao despacho que aplicou ao arguido a medida de coacção de prisão 
 preventiva teve necessariamente acesso à súmula dos meios de prova que 
 fundamentam, nesta fase processual, os indícios contra ele reunidos.
 Muito concretamente, no que à listagem de movimentos bancários efectuados na 
 conta de [...], no B., não pode o arguido ignorar, após consulta do referido 
 despacho na Secretaria, conforme o seu Mandatário expressamente admite, que a 
 mesma listagem indicia depósitos efectuados na conta da pessoa com que o arguido 
 refere estar casado, pelo que se entende que estando ainda o processo em 
 investigação essa listagem detalhada lhe não deve ser facultada.
 O arguido sabe como foi essa listagem interpretada e, consequentemente, sabe 
 como deve impugná-la.
 Assim, embora em abstracto, no domínio dos princípios que devem reger o processo 
 penal, assista parcialmente razão ao arguido recorrente, o certo é que uma vez 
 consultado pelo Il. Mandatário o auto de interrogatório do qual consta uma 
 súmula dos factos acerca dos quais o arguido foi interrogado, o conjunto das 
 respostas dadas pelo arguido, e as questões concretas que lhe foram colocadas em 
 relação à listagem de fls. 1161 e 1162, questões essas que permitem concluir 
 como é a mesma listagem interpretada pela entidade que dirige o inquérito, 
 sanada ficou a violação do direito de defesa do recorrente por omissão do dever 
 de notificação do despacho recorrido e fundamentação respectiva, e ultrapassada 
 ficou a questão sobre o acesso aos meios de prova (possível, diríamos nós) nesta 
 fase de inquérito (considerado que foi como constitucional).
 Embora com fundamentos diversos dos dele constantes, o despacho recorrido é de 
 manter.
 O recurso improcede, pois.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
 5.         A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC, para apreciação das questões de 
 inconstitucionalidade que assim enunciou (requerimento de fls. 132 e seguintes): 
 
 
 
  
 
 “[...]
 O acórdão recorrido interpreta o art. 89° n.º 2 do C.P.P., devidamente conjugado 
 com o art. 121º n.º 1 alínea b) do C.P.P., no sentido de que, muito embora possa 
 e deva ser facultada ao arguido cópia do despacho que ordenou a sua prisão 
 preventiva, bem como do seu próprio auto de interrogatório, sob pena de se 
 violar o direito a um processo justo e equitativo, deve ser considerada sanada 
 tal omissão se o arguido os pôde consultar através do seu mandatário.
 
 […]
 Por outro lado, o acórdão recorrido interpreta o art. 89° n.º 2 do C.P.P., 
 devidamente conjugado com os arts. 61° n.º 1 alíneas f) e h) e 141° n.º 4 do 
 C.P.P., no sentido de que pode ser negado ao arguido preso preventivamente – 
 para o efeito de este apresentar a sua defesa e apresentar o recurso dessa 
 prisão – o acesso a consultar os elementos de prova (ou súmula dos mesmos) em 
 que concretamente se funda tal prisão preventiva, se do auto do interrogatório 
 consta uma súmula dos factos acerca dos quais o arguido foi interrogado e se, 
 das questões concretas colocadas, é possível concluir qual é a interpretação do 
 Ministério Público acerca de um comportamento do arguido tido como relevante 
 
 (porventura até, o mais relevante) para o efeito da sua eventual incriminação, 
 caso em que se considera satisfeito o direito de defesa do arguido.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
             Segundo o entendimento do recorrente, tais interpretações normativas 
 seriam inconstitucionais por violação dos artigos 28º, n.º 1, e 32º, n.º 1, da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
             O recurso foi admitido por despacho de fls. 138 v.º.
 
  
 
  
 
 6.         Nas alegações que produziu perante o Tribunal Constitucional (fls. 
 
 143 e seguintes), concluiu assim o recorrente:
 
  
 
  
 
 “A - A primeira questão  tem a ver com a implícita interpretação normativa do 
 acórdão recorrido – relativa ao art. 89º n.º 2 do C.P.P., devidamente conjugado 
 com o art. 121º n.º 1-b) do C.P.P. –  no sentido de que, muito embora possa e 
 deva ser facultada ao arguido cópia do despacho que ordenou a sua prisão 
 preventiva, bem como do seu próprio auto de interrogatório, de forma a assegurar 
 um processo equitativo, se deve considerar sanada tal omissão se o arguido os 
 pode consultar através do seu mandatário.
 B - A lógica do acórdão recorrido é a seguinte: se a consulta das peças em 
 apreço foi efectuada, não há razão prática que justifique a invocação de um 
 prejuízo pelo facto de as cópias não terem sido facultadas.
 C - Mas não é assim. É do senso comum compreender que é diferente a recolha de 
 notas que uma consulta permite e a disponibilidade do texto integral do 
 documento sobre o qual se trabalha. E este acesso integral é uma mera 
 decorrência lógica do princípio segundo o qual deve ser dado ao arguido 
 conhecimento pleno do que lhe é imputado e justifica a sua prisão.
 D - Tal interpretação normativa viola, assim, o art. 28º n.º 1 e o art. 32º n.º 
 
 1 da C.R.P. – bem como os arts. 5º n.º 2 e 6º n.ºs 1 e 3-a) e b) da C.E.D.H. –, 
 porque admite, sem justificação razoável, que não se faculte ao arguido cópia de 
 elementos fundamentais para o exercício da sua defesa, o que põe em causa o 
 núcleo essencial das garantias que aqueles preceitos legais visam acautelar.
 E - A segunda questão tem a ver com a implícita interpretação normativa – 
 relativa ao art. 89º n.º 2 do C.P.P., devidamente conjugado com os arts. 61º n.º 
 
 1 alíneas f) e h) e 141º n.º 4 do C.P.P. –  no sentido de que pode ser negado ao 
 arguido preso preventivamente – para o efeito de este exercer a sua defesa e 
 apresentar recurso dessa prisão – o acesso a consultar os elementos de prova (ou 
 súmula dos mesmos) em que concretamente se funda tal prisão preventiva, se do 
 auto do interrogatório consta uma súmula dos factos acerca dos quais o arguido 
 foi interrogado e se, das questões concretas colocadas, é possível concluir qual 
 
 é a  interpretação do Ministério Público acerca dos comportamentos do arguido em 
 causa para o efeito da sua eventual incriminação, caso em que se considera 
 satisfeito o direito de defesa do arguido.
 F - No fundo, o acórdão recorrido vem sustentar que, se o arguido – no decurso 
 do 1º interrogatório judicial – se pôde aperceber das questões concretas que lhe 
 são imputadas pelo M.P., já não lhe assiste o direito a consultar os concretos 
 elementos de prova em que se funda a indiciação que levou à sua prisão 
 preventiva, estando satisfeito o direito da defesa.
 G - Mas não é assim. Para o exercício do direito de defesa, quando alguém está 
 preso preventivamente, não basta conhecer os factos concretos que lhe são 
 imputados, exigindo-se ainda o conhecimento dos concretos elementos de prova que 
 fundam tais imputações, em que assenta o juízo que levou à sua prisão 
 preventiva, de forma a poder refutá-los, completá-los ou esclarecê-los, segundo 
 o melhor critério que a defesa venha a definir.
 H - Tal proposição devia ser pacífica na comunidade jurídica portuguesa, 
 sobretudo depois da jurisprudência do Tribunal Constitucional no caso «Casa Pia» 
 
 – cfr. acórdãos n.ºs 580/03 e 594/03.
 I - O critério normativo em causa naqueles arestos do T.C. – nos segmentos 
 relevantes para o efeito – é precisamente o que ora está em discussão: a questão 
 do acesso pelo arguido aos concretos elementos de prova em que se funda a 
 indiciação que levou à sua prisão, na ausência da apreciação em concreto da 
 existência de inconveniente grave nessa comunicação.
 J - Aquela interpretação normativa – que acaba por reduzir o direito da defesa 
 ao conhecimento dos factos imputados, suprimindo-lhe o direito ao conhecimento 
 dos elementos de prova de tais factos em que se funda a sua prisão – viola, 
 assim, o art. 28º n.º 1 e o art. 32º n.º 1 da C.R.P. – bem como os arts. 5º n.º 
 
 2 e 6º n.ºs 1 e 3-a) e b) da C.E.D.H. –, porque restringe, sem qualquer 
 justificação razoável, o acesso a elementos imprescindíveis para o exercício do 
 direito de defesa, o que põe em causa o núcleo essencial das garantias que 
 aqueles preceitos legais visam acautelar.
 Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, declarando-se a 
 inconstitucionalidade dos preceitos legais em causa, quando interpretados nos 
 sentidos implícitos assinalados.”. 
 
  
 
  
 
             O representante do Ministério Público junto do Tribunal 
 Constitucional contra-alegou (fls. 158 e seguintes), tendo concluído do seguinte 
 modo:
 
  
 
 “[…]
 
 1º - Não é inconstitucional a interpretação normativa do nº 2 do artigo 89º do 
 Código de Processo Penal que considera precludida a omissão de entrega ao 
 arguido de cópia do auto de interrogatório e do despacho que lhe aplicou a 
 medida de prisão preventiva com fundamento em que o respectivo defensor teve 
 acesso a tais elementos mediante consulta na secretaria, sem que tal envolvesse 
 prejuízo substancial ou relevante para o exercício do direito de defesa.
 
 2º - A Relação, no acórdão recorrido, não realizou interpretação normativa 
 traduzida em denegar, em abstracto, ao arguido o acesso aos elementos 
 probatórios em que assentou o despacho impositivo da medida de coacção de prisão 
 preventiva, limitando-se a considerar que, no caso concreto, a súmula de tais 
 elementos – que lhe foi facultada no decurso do interrogatório – é suficiente 
 para harmonizar, em concreto, o exercício do direito de defesa com as 
 necessidades da investigação em curso.
 
 3º - Termos em que deverá improceder o presente recurso.”.
 
  
 
  
 
 7.         Tendo em conta que nas contra-alegações, o Ministério Público 
 sustenta que no acórdão recorrido não foi efectivamente aplicada a norma 
 constante do artigo 121º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal – o que 
 pode constituir questão prévia susceptível de obstar ao conhecimento de parte do 
 objecto do presente recurso –, foi determinada a notificação do recorrente para 
 se pronunciar sobre essa questão (despacho de fls. 164).
 
  
 
             O recorrente respondeu através do requerimento de fls. 166 e 
 seguinte (170 e seguinte):
 
  
 
 “[…]
 a) O acórdão recorrido considerou sanada a violação do direito de defesa – 
 traduzida no facto de não ter sido facultada ao arguido cópia dos elementos em 
 causa – pela circunstância de o seu mandatário ter podido consultar tais 
 elementos na secretaria do Tribunal;
 b) Na óptica do Recorrente, ao utilizar tal critério normativo, o Tribunal, 
 ainda que apenas implicitamente, recorreu ao critério normativo subjacente ao 
 art. 121° n.º 1-b) do C.P.P., devidamente conjugado com o art. 89° n.º 2 do 
 mesmo diploma legal;
 c) O art. 121° n.º 1-b) considera sanada a nulidade se o participante processual 
 tiver aceite os efeitos do acto anulável, o que, na óptica do Recorrente, o 
 Tribunal entendeu implicitamente que também seria aplicável à situação análoga 
 em que, tendo o Recorrente direito às cópias em apreço, se teria satisfeito com 
 a consulta das peças processuais em pauta;
 d) Não vislumbra o Recorrente que o Tribunal tenha recorrido à solução análoga 
 que vigora no ordenamento processual em sede de notificações aos sujeitos 
 processuais – como sustenta o Ministério Público –, já que aqui está em causa a 
 situação particular do acesso – integral e efectuado de uma forma cómoda e 
 adequada – a elementos imprescindíveis para o exercício do direito de defesa do 
 cidadão preso preventivamente;
 e) Em qualquer caso, o que releva é o critério normativo aplicado – tenha ou não 
 sido considerado implicitamente o art. 121° n.º 1-b) do C.P.P. –, como tem 
 julgado a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que tem apreciado a 
 inconstitucionalidade de critérios normativos distintos daqueles que foram 
 invocados nos recursos interpostos.
 Termos em que não procede a questão prévia suscitada.”.
 
  
 
  
 
             Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II
 
  
 
  
 
 8.         Tal como delimitado no respectivo requerimento de interposição, o 
 presente recurso tem como objecto duas interpretações normativas que o 
 recorrente considera terem sido perfilhadas no acórdão recorrido quanto ao 
 artigo 89º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
 
  
 
             O artigo 89º, n.º 2, do Código de Processo Penal dispõe como segue:
 
  
 
 “Artigo 89º
 
 (Consulta de auto e obtenção de certidão e informação 
 por sujeitos processuais)
 
 [...]
 
 2. Se, porém, o Ministério Público não houver ainda deduzido acusação, o 
 arguido, o assistente, [...], só podem ter acesso a auto na parte respeitante a 
 declarações prestadas e a requerimentos e memoriais por eles apresentados, bem 
 como a diligências de prova a que pudessem assistir ou a questões incidentais em 
 que devessem intervir, sem prejuízo do disposto no artigo 86º, n.º 5. Para o 
 efeito, as partes referidas do auto ficam avulsas na secretaria, por fotocópia, 
 pelo prazo de três dias, sem prejuízo do andamento do processo. O dever de 
 guardar segredo de justiça persiste para todos. 
 
 [...].”.
 
  
 
             Segundo o entendimento do recorrente, a norma do artigo 89º, n.º 2, 
 do Código de Processo Penal seria inconstitucional, por violação dos artigos 
 
 28º, n.º 1, e 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, nas seguintes 
 dimensões interpretativas:
 
  
 
             a) quando, em conjugação com o artigo 121º, n.º 1, alínea b), do 
 Código de Processo Penal, é interpretada “no sentido de que, muito embora possa 
 e deva ser facultada ao arguido cópia do despacho que ordenou a sua prisão 
 preventiva, bem como do seu próprio auto de interrogatório, sob pena de se 
 violar o direito a um processo justo e equitativo, deve ser considerada sanada 
 tal omissão se o arguido os pôde consultar através do seu mandatário”;
 
  
 
             b) quando, em conjugação com os artigos 61°, n.º 1, alíneas f) e h), 
 e 141°, n.º 4, do Código de Processo Penal, é interpretada “no sentido de que 
 pode ser negado ao arguido preso preventivamente – para o efeito de este 
 apresentar a sua defesa e apresentar o recurso dessa prisão – o acesso a 
 consultar os elementos de prova (ou súmula dos mesmos) em que concretamente se 
 funda tal prisão preventiva, se do auto do interrogatório consta uma súmula dos 
 factos acerca dos quais o arguido foi interrogado e se, das questões concretas 
 colocadas, é possível concluir qual é a interpretação do Ministério Público 
 acerca de um comportamento do arguido tido como relevante (porventura até, o 
 mais relevante) para o efeito da sua eventual incriminação, caso em que se 
 considera satisfeito o direito de defesa do arguido”.
 
  
 
  
 
 9.         Relativamente à primeira questão suscitada pelo recorrente (supra, 
 
 8., a)), salienta-se, antes de mais, que o tribunal recorrido não aplicou 
 efectivamente a norma do artigo 121º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo 
 Penal, ainda que em conjugação com o artigo 89º, n.º 2, do mesmo Código. Na 
 verdade, não só o artigo 121º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal não 
 se encontra referido no texto do acórdão recorrido, como também o tribunal 
 recorrido não aventou a hipótese de ter sido cometida alguma irregularidade que 
 pudesse considerar-se sanada nos termos previstos em tal preceito, que se 
 reporta à “aceitação expressa” – que manifestamente se não verificou – “dos 
 efeitos do acto anulável”.
 
  
 
             Tem assim razão o Ministério Público, quanto a esta questão prévia.
 
  
 
             A primeira interpretação normativa questionada no presente recurso – 
 e efectivamente perfilhada na decisão recorrida – terá, assim, de reportar-se 
 exclusivamente ao artigo 89º, n.º 2, do Código de Processo Penal. 
 
  
 
  
 
 10.       Quanto a essa primeira interpretação normativa – relacionada com a 
 questão do acesso à cópia do despacho que ordena a prisão preventiva e do auto 
 de interrogatório do arguido –, observe-se que o recorrente conclui no sentido 
 da sua desconformidade constitucional porque, na sua perspectiva, é diferente 
 recolher notas através da consulta de um documento e dispor do texto integral do 
 próprio documento.
 
  
 
             Sendo óbvia a existência desta diferença, aquilo que se deve, 
 todavia, perguntar é se essa diferença significou para o ora recorrente, no caso 
 concreto, uma compressão dos seus direitos de defesa, em suma, um prejuízo. 
 
  
 Não seria, na verdade, constitucionalmente conforme, à luz do disposto nos 
 artigos 28º, n.º 1, e 32º, n.º 1, da Constituição, admitir que a ofensa do 
 direito do recorrente ao acesso a certas cópias pudesse considerar-se inócua – 
 atendendo a que lhe fora facultada a consulta de fotocópias na secretaria –, se, 
 no caso concreto, subsistisse algum prejuízo a considerar.
 
  
 Com efeito, dos referidos preceitos constitucionais decorre que não seria de 
 considerar irrelevante a ofensa que acarretasse algum prejuízo para o arguido.
 
  
 Sucede, porém, que o tribunal recorrido deu como assente a inexistência de 
 prejuízos para o arguido. Aliás, o recorrente não invocou no presente recurso a 
 subsistência de prejuízos.
 
  
 Não havendo prejuízos a considerar, não se vê em que medida a interpretação 
 normativa em apreciação violou os mencionados direitos fundamentais do 
 recorrente, pelo que o recurso improcede, nesta parte.        
 
  
 
  
 
 11.       Vejamos agora a segunda interpretação normativa, relacionada com a 
 questão do acesso aos elementos de prova em que se funda a prisão preventiva 
 
 (supra, 8., b)).
 
  
 
             Segundo o recorrente, tal interpretação normativa seria 
 inconstitucional, pois que “para o exercício do direito de defesa, quando alguém 
 está preso preventivamente, não basta conhecer os factos concretos que lhe são 
 imputados, exigindo-se ainda o conhecimento dos concretos elementos de prova que 
 fundam tais imputações, em que assenta o juízo que levou à sua prisão 
 preventiva, de forma a poder refutá-los, completá-los ou esclarecê-los, segundo 
 o melhor critério que a defesa venha a definir” (fls. 151).
 
  
 
             Em suma, e de acordo com o recorrente, a segunda interpretação 
 normativa perfilhada pelo tribunal recorrido “reduz o direito da defesa ao 
 conhecimento dos factos imputados, suprimindo-lhe o direito ao conhecimento dos 
 elementos de prova de tais factos em que se funda a sua prisão” (fls. 152).
 
  
 
             Não procede, porém, também aqui, a argumentação do recorrente. 
 
  
 Com efeito, o tribunal recorrido não considerou que ao ora recorrente apenas 
 assistia o direito ao conhecimentos dos factos que lhe eram imputados, tendo 
 entendido diversamente que também lhe assistia o direito ao conhecimento dos 
 meios de prova aptos a demonstrar tais factos e que esse direito, no caso 
 concreto, havia sido exercido. E havia sido exercido precisamente aquando do 
 acesso ao despacho que decretara a prisão preventiva e do acesso ao auto de 
 interrogatório, pois que, nestes momentos, acedera o arguido à súmula dos meios 
 de prova.
 
  
 
             Ora, não tendo o tribunal recorrido negado ao recorrente o direito 
 ao conhecimento dos meios de prova aptos a demonstrar os factos por que vinha 
 indiciado, mas apenas considerado que esse direito fora exercido em certos 
 momentos processuais, improcede também a alegada violação dos artigos 28º, n.º 
 
 1, e 32º, n.º 1, da Constituição pela segunda interpretação normativa que 
 cumpria apreciar. 
 
  
 
  
 III
 
  
 
  
 
 12.       Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional 
 decide negar provimento ao recurso.
 
             Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) 
 unidades de conta.
 
  
 
  
 Lisboa, 2 de Novembro de 2005
 
  
 Maria Helena Brito
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício