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Processo n.º 931/03
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1.A., melhor identificada nos autos, intentou no Tribunal de Trabalho de Lisboa, 
 em 13 de Julho de 1998, acção emergente de contrato de trabalho, em processo 
 comum sob a forma ordinária, contra B. e C., melhor identificados nos autos, 
 para obter, como pedido principal, da 1.ª demandada, a quantia de 5 258 992$00, 
 com juros de mora à taxa legal, e da 2.ª, a sua reintegração, sob cominação de 
 sanção pecuniária compulsória, 1 958 650$00 de importâncias já vencidas e ainda 
 as importâncias vincendas, com juros de mora, e ainda, a título subsidiário, a 
 condenação da 1.ª demandada no pagamento da quantia de 7 217 642$00, vencida até 
 
 31 de Maio de 1998, e remunerações vincendas, acrescidas de juros de mora à taxa 
 legal e, como segundo pedido subsidiário, a condenação da 1.ª demandada a 
 pagar-lhe a compensação de caducidade do contrato de trabalho no valor de 2 762 
 
 100$00, férias e subsídio de férias no valor de 356 400$00, acrescidos de juros 
 de mora à taxa legal desde a citação.
 Seguidos os trâmites legais, foi em 23 de Junho de 2000 proferida sentença no 
 
 2.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, que julgou a acção (resultante das 
 repercussões sobre o contrato de trabalho da destruição, em virtude de incêndio, 
 do estabelecimento onde prestava a sua actividade de caixeira) totalmente não 
 provada e improcedente, absolvendo as demandadas dos pedidos formulados.
 A autora conformou-se com a sentença na parte que julgou improcedente o pedido 
 principal, mas recorreu dela quando aos dois pedidos subsidiários que formulara, 
 encerrando assim as suas alegações:
 
 «1. A Ré B. após o incêndio de 25.8.88 emitiu e fez entrega no CRSS de várias 
 declarações comprovando que estava impossibilitada em consequência do incêndio 
 de pagar à trabalhadora recorrente as remunerações devidas. 
 
 2. Declarações que repetiu sucessivamente pelo menos até ao mês de Junho de 
 
 1989. 
 
 3. E salvo tais declarações, a Ré B. nunca mais voltou a entrar em contacto com 
 a A., nunca mais lhe deu quaisquer instruções, lhe fez qualquer comunicação ou a 
 notificou do que quer que fosse (n.° 5 da matéria de facto da sentença).
 
 4. Aquelas declarações entregues pela recorrida no CRSS significam 
 inequivocamente o reconhecimento pela recorrida que com o incêndio o contrato de 
 trabalho se não extinguiu e permaneceu plenamente em vigor.
 
 5. Com efeito só faz sentido declarar que se está impossibilitada de “pagar a 
 retribuição devida”, se ela se reportar a um contrato de trabalho em vigor que 
 obriga ao pagamento da retribuição. 
 
 6. O incêndio só poderia ser causa de caducidade de contrato de trabalho no 
 momento imediatamente a seguir, nunca decorrido um ano ou mesmo vários anos 
 sobre a sua ocorrência, pois lhe faltaria de todo o requisito da actualidade. 
 
 7. Mesmo para os autores que não exigem um comportamento declarativo da entidade 
 empregadora para que a caducidade possa operar, não podem deixar de convir que 
 se ela fizer declarações em que silencia a caducidade e se afirma a manutenção 
 em vigor do contrato de trabalho, tal não pode deixar de constituir causa de 
 exclusão da caducidade.
 
 8. Aliás a recorrida não estava impedida de substituir o estabelecimento que 
 ardera, de abrir outro ou outros novos, tanto mais quanto dinheiro lhe não 
 faltava uma vez que por virtude do incêndio recebeu vultuosa indemnização da sua 
 companhia seguradora.
 
 9. Até por isso a definitividade da impossibilidade suposta pela caducidade 
 nunca é óbvia e notória e exige sempre que seja expressamente declarada pela 
 entidade empregadora, como sustenta e bem Bernardo Lobo Xavier. 
 
 10. O contrato da recorrente, parece-nos incontroverso, permaneceu em vigor para 
 além do incêndio de 25.8.88, pelo que ela tem direito a todas as retribuições 
 que entretanto se venceram e a entidade empregadora, relapsa, lhe não pagou. 
 
 11. Na hipótese remota, cremos, de o 1.° pedido subsidiário não proceder, a 
 recorrente tem direito à indemnização de antiguidade como compensação pela 
 caducidade resultante de facto surgido na esfera da entidade empregadora. 
 
 12. Indemnização que se reconhecia já no art.º 113.º da LCT de 1969 e que, 
 embora silenciada no Dec.-Lei n.º 372-A/75, não pode deixar de entender-se que 
 subsiste, tanto mais que, como salienta Bernardo Lobo Xavier, tratando-se de um 
 problema de risco “não pode deixar de entender-se a cargo da entidade patronal”. 
 
 
 
 13. Aliás tal resulta hoje, cremos que em termos inequívocos, do n.º 2 do art.º 
 
 6.° da LCCT em vigor, que reconhece ao trabalhador, em caso de extinção da 
 entidade colectiva empregadora, o direito a uma compensação, que por igualdade 
 de razão não pode deixar de aplicar-se aos demais casos de caducidade por facto 
 da esfera da entidade empregadora. 
 
 14. Com efeito, se por força do n.° 3 do art.º 43.º da LCCT, a caducidade do 
 contrato a termo por denúncia da entidade empregadora dá direito a uma 
 compensação a favor do trabalhador, por maioria de razão tal compensação não 
 poderá deixar de ser devida no caso de caducidade de contrato sem termo. 
 
 15. De resto o n.° 2 do art.º 62.º da CR consagra o princípio da justa 
 indemnização que tem sido entendido com carácter de generalidade extensível a 
 todos os casos de extinção de direitos, incluindo os decorrentes dos contratos 
 de trabalho. 
 
 16. A antiguidade a considerar para cálculo da compensação deverá reportar-se à 
 data da sentença da 1.ª instância, no mínimo à data da contestação da Ré 
 recorrida, ou seja quando ela pela 1.ª vez invocou a caducidade do contrato de 
 trabalho.” 
 Contra-alegou a 1.ª recorrida, concluindo deste modo as suas alegações:
 
 “I – No primeiro pedido subsidiário, regressa-se à tese de que as declarações 
 emitidas pela Recorrida para a Segurança Social, a seguir ao incêndio do Chiado 
 em 25 de Agosto de 1988, ao atestarem até 14.08.89, conforme o modelo exigido, 
 que a sua incapacidade para receber os trabalhadores era absoluta sem 
 acrescentar, para além do modelo-impresso, que era definitiva, significaram a 
 continuidade do vínculo laboral até à presente data… 
 Além de que jamais a Recorrida comunicou aos seus ex-trabalhadores que os seus 
 contratos de trabalho tinham cessado por caducidade a não ser no decurso de 
 várias acções judiciais que alguns intentaram contra a ora Recorrida.
 Donde o direito de a trabalhadora demandante receber todas as retribuições 
 vencidas entretanto e vincendas.
 II – Ora, e em primeiro lugar, as normas de natureza temporária e excepcional 
 resultantes do referido incêndio foram evoluindo, acabando por serem 
 disciplinadas pelo D.L. n.° 79-A/89 de 13/03 (Regime Geral de Protecção no 
 Desemprego), reconhecendo que as situações de impossibilidade definitiva 
 decorriam da primitiva situação. Aliás, o D.L. n.° 13/2000, de 21/02, ao 
 atribuir um subsídio a fundo perdido, segundo critério a adoptar pela C.M.L., 
 aos trabalhadores à data do incêndio do Chiado, reconheceu a impossibilidade 
 absoluta e definitiva de certos empregadores terem recebido prestações de 
 trabalho. 
 III – Nos casos de força maior, que implicam a destruição notória e total do 
 estabelecimento, jamais a jurisprudência portuguesa exigiu um comportamento 
 declarativo do empregador manifestando aos trabalhadores a caducidade dos 
 respectivos contratos de trabalho, até porque os próprios o verificam de 
 imediato e a própria entidade patronal em relação a parte deles nem sabe onde se 
 encontram.
 IV – Por consequência, o contrato individual de trabalho com a Recorrente não 
 subsistiu a partir de 25/08/88, não devendo a Recorrida à Recorrente 
 retribuições vencidas ou vincendas a partir daquela data.  
 V – Também quanto a indemnizações por antiguidade (2.° pedido subsidiário) não 
 são devidas aos trabalhadores, não se aplicando, a tais casos de força maior, a 
 teoria do risco imputável ao empregador.”
 Por acórdão de 21 de Fevereiro de 2001, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu 
 anular o julgamento e actos subsequentes no que toca aos pedidos subsidiários 
 formulados contra a 1.ª demandada, determinando a ampliação da matéria de facto, 
 com formulação de novos quesitos.
 Procedido a novo julgamento, e ampliada essa matéria de facto, foi proferida 
 nova sentença no 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa em 21  de Janeiro 
 de 2002, que julgou improcedente o 1.º pedido subsidiário e procedente o 2.º, 
 condenando os B., a pagar à demandante € 13 777,30 a título de compensação pela 
 cessação do contrato de trabalho, € 888,90 a título de férias e subsídio de 
 férias, e € 888,90 relativos aos proporcionais de férias, subsídio de férias e 
 de Natal.
 Recorreram a referida demandada, e, a título subordinado, a autora, para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 20 de Novembro de 2002, 
 julgou procedente a apelação da primeira e improcedente a apelação da segunda, 
 absolvendo a demandada também do 2.º pedido subsidiário.
 Ainda inconformada, recorreu a demandante para o Supremo Tribunal de Justiça 
 suscitando a inconstitucionalidade do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 
 
 16 de Julho, na interpretação que negue ao trabalhador o direito à compensação 
 pela extinção do contrato de trabalho por caducidade, por facto surgido na 
 esfera da entidade empregadora.
 Contra-alegou a demandada, pugnando pela improcedência do recurso.
 Por acórdão de 26 de Novembro de 2003 foi negada a revista, considerando-se não 
 terem sido violados os princípios constitucionais invocados: o do Estado de 
 direito democrático, o da segurança no emprego, o do direito ao trabalho e o 
 direito à justa indemnização.
 
 2.Trouxe então a autora recurso para o Tribunal Constitucional para ver 
 apreciada a conformidade constitucional da norma do artigo 8.º do Decreto-Lei 
 n.º 372-A/75, em face do “princípio geral do direito à justa indemnização que se 
 consagra no artigo 62.º/2 da CRP”, recurso, esse, “interposto ao abrigo da al. 
 b) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC”.
 Determinada a produção de alegações, a recorrente encerrou as suas com 
 conclusões do seguinte teor:
 
 «1. Cremos poder afirmar que é uma constante do nosso ordenamento laboral o 
 direito de compensação do trabalhador pela caducidade do seu contrato em 
 resultado de facto surgido na esfera da entidade empregadora, ainda que sem 
 culpa deste. 
 
 2. Aflorava no art.º 113.º da LCT aprovada pelo Dec.-Lei n.º 49408, e era 
 expressamente afirmado no n.° 2 do art.º 29.º do Dec.-Lei n.º 372-A/75. 
 
 3. A revogação desta norma pelo legislador do Dec.-Lei n.º 84/76, foi apenas 
 aparente, visto que só pode ter-se devido a lapso, uma vez que a intenção 
 daquele era apenas e tão-só, para além de integrar os despedimentos colectivos, 
 suprimir o despedimento por motivo atendível.
 
 4. Não reparou que o n.° 2 do dito 29.º só na aparência tinha a ver com o 
 despedimento por motivo atendível, mas ia bem além deste concretizando o 
 principio da justa indemnização do trabalhador pela caducidade do seu contrato. 
 
 5. A confrontar com o procedimento do legislador do Dec.-Lei n.º 874/76 ao 
 revogar por só manifesto e indubitável a Secção IV, do Cap. III, da LCT, como 
 desde logo jurisprudência e doutrina não deixaram de reconhecer. 
 
 6. Tal princípio ressurge por forma expressa no RJCCT aprovado pelo Dec.-Lei n.º 
 
 64-A/89, art.º 6.º, n.ºs 2 e 3, e nem o legislador pró-patronal do recente 
 Código do Trabalho ousou tocar-lhe pelo que o manteve no seu art.º 390.º. 
 
 7. Entendemos pois que o princípio explicitado na norma do n.° 2 do art.º 29.º 
 do Dec.-Lei n.º 372-A/75, não obstante a sua revogação expressa, se manteve, até 
 porque a não ser assim se criaria uma lacuna sem disposição expressa que a 
 colmatasse, e cujo preenchimento se teria de fazer recorrendo a princípios 
 gerais do direito laboral.
 
 8. Aliás tal princípio voltou a ser explicitado logo na Lei dos Despedimentos 
 que se lhe seguiu, aprovada pelo Dec.-Lei n.º 64-A/89, art.º 6.º, n.ºs 2 e 3.
 
 9. De qualquer modo a compensação à trabalhadora sempre seria devida por 
 aplicação do princípio geral da justa indemnização de que se faz eco o art.º 
 
 62.º, n.º 2, da CRP.
 
 10. Devendo ainda entender-se que como bem diz Bernardo Gama Lobo Xavier 
 
 (Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XX, n.° 1, Janeiro/Março de 1973) 
 
 é sobre o empresário que recai “o risco da contraprestação devida pelas 
 prestações perdidas, e cuja expectativa era juridicamente tutelável”. 
 
 11. Conforme aliás o princípio geral da justa indemnização que, afirmado no 
 art.º 62.º/2 da CRP relativamente à propriedade privada, se entende como valendo 
 com carácter de generalidade, no sentido amplo de “direitos patrimoniais 
 privados” (Meneses Cordeiro, Manual …, p. 845). 
 
 12. O que significa que não obstante a revogação aparente pelo legislador do 
 Dec.-Lei n.º 84/76 o princípio da justa indemnização se considera se manteve 
 
 ínsito no art.º 8.º do Dec.-Lei n.º 372-A/75. 
 
 13. Deste modo não pode deixar de se reconhecer à trabalhadora direito a ser 
 compensada pela perda da sua longa antiguidade ao serviço, em resultado da 
 extinção por caducidade do seu contrato de trabalho. 
 
 14. Pelo que a sua negação envolve uma interpretação inconstitucional do 
 preceito que viola frontalmente o principio do art.º 62.º/2 da CRP e 
 reflexamente ainda os princípios dos art.ºs 2.º, 53.º, 58.º e 59.º da CRP.»
 Por sua vez, a recorrida apresentou as seguintes conclusões para as suas 
 alegações:
 
 «a) O princípio da justa indemnização ínsito n.° 2 do art.º 62.º da C.R.P., 
 respeita à requisição e à expropriação por utilidade pública de propriedade 
 privada. Ainda que se entenda dever enquadrar o conceito de propriedade privada 
 no sentido amplo de “direitos patrimoniais privados”, sempre a justa 
 indemnização decorre de actos da autoridade pública ou privada, mas nunca de 
 meros factos imprevisíveis e insuperáveis como é a situação de força maior. 
 b) Do princípio do Estado de direito democrático (art.º 2.° da C.R.P.) apenas se 
 pode postular que o Estado e outras entidades públicas intervenham no apoio a 
 trabalhadores, cujas empresas viram a sua capacidade produtiva destruída por 
 situação de força maior. Aliás, assim aconteceu no caso sub iudice. 
 c) O princípio da segurança no emprego (art.º 53.° da C.R.P.) verte-se na 
 proibição de despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou 
 ideológicos. Mas não há segurança que prevaleça sobre a destruição do 
 estabelecimento sem culpa do empregador. 
 d) O direito ao trabalho (art.º 58.° da C.R.P.) e à justa retribuição (art.º 
 
 59.°) pressupõe que os meios produtivos não sejam destruídos por razões alheias 
 
 à vontade do empregador.»
 Cumpre agora apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 3.É a seguinte a redacção da norma impugnada, que constitui o único artigo do 
 Capítulo III do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho (Regime da Cessação do 
 Contrato de Trabalho), epigrafado “Cessação do contrato individual de trabalho 
 por caducidade”:
 
 “Artigo 8.°
 
 1. O contrato de trabalho caduca nos casos previstos nos termos gerais de 
 direito, nomeadamente: 
 a) Expirando o prazo por que foi estabelecido; 
 b) Verificando-se impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o 
 trabalhador prestar o seu trabalho ou de a empresa o receber; 
 c) Com a reforma do trabalhador.
 
 2. Nos casos previstos na alínea b) do n.° 1, só se considera verificada a 
 impossibilidade quando ambos os contraentes a conheçam ou devam conhecer.”
 Do teor desta norma parece resultar que ela é alheia à questão substantiva em 
 discussão nos autos: a da existência, ou não, de um direito de compensação do 
 trabalhador pela extinção do contrato de trabalho.
 Porém, tendo em conta que a norma de onde tal direito se podia directamente 
 derivar – a do n.º 2 do artigo 29.º do mesmo diploma – fora expressamente 
 revogada pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 84/76, de 28 de Janeiro, e também se 
 discutiu nos autos a validade dessa revogação (invocando-se como paralelo a 
 revogação – sem “razões plausíveis”, como reconheceu o legislador do Decreto-Lei 
 n.º 398/93, de 2 de Novembro – da Secção IV do Capítulo IV da Lei do Contrato 
 Individual de Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro 
 de 1969), admitiu-se que, na ausência de outro suporte legal, a questão da 
 indemnização, qualquer que fosse a fórmula do seu cálculo, podia ser discutida a 
 propósito dos efeitos da caducidade aí prevista. Até porque a autora invocou que 
 
 é “uma constante de todo o nosso direito laboral a consagração do direito de 
 compensação do trabalhador que vê extinguir-se o seu contrato de trabalho por 
 facto surgido na esfera da entidade empregadora, ainda que sem culpa desta”. A 
 demandada, por sua vez, contrapôs que “não se está perante uma situação de 
 encerramento definitivo do estabelecimento em sentido estrito e técnico, mas 
 perante a destruição de um estabelecimento por caso de força maior. Ora, a 
 doutrina sempre veio distinguindo esses dois tipos de situações, subsumíveis na 
 figura da impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador 
 prestar a sua actividade ou de a empresa o receber”. E reconheceu, mais adiante, 
 que a solução podia estar inscrita no próprio instituto da caducidade: “A 
 caducidade do contrato de trabalho, pela verificação da impossibilidade 
 superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou 
 de a empresa o receber, determina a obrigação de indemnizar a contraparte se 
 houver culpa da parte que o originou; caso contrário, não se gera o dever de 
 indemnizar, salvo nos casos expressamente previstos na lei, e que devem ser 
 encarados como excepções”.
 Tomar-se-á, pois, conhecimento do recurso quanto à interpretação relativa à 
 atribuição de indemnização, a propósito da norma do artigo 8.º do Decreto-Lei 
 n.º 372‑A/75, sendo, aliás, que a tal norma se reduzia, como se disse, o 
 Capítulo referente à cessação do contrato de trabalho por caducidade.
 Por outro lado, importa notar que não cumpre a este Tribunal Constitucional 
 tomar posição sobre qual a solução preferível, face ao direito aplicável, ou 
 sobre a qualificação jurídica da situação de facto feita no tribunal a quo. 
 Antes, como se escreveu no acórdão n.º 186/2000,
 
 “O que compete a este Tribunal esclarecer é, pois, tão-só se a interpretação, 
 melhor ou pior, adoptada pelas instâncias, formulada na decisão recorrida e 
 identificada pelo recorrente como objecto de recurso, padece da 
 inconstitucionalidade que lhe foi imputada - ou, eventualmente, de outra (cfr. 
 artigo 79.°-C da Lei do Tribunal Constitucional - Lei n.° 28/82, de 15 de 
 Novembro).” 
 Assim, apenas se apreciará a conformidade constitucional de uma certa 
 interpretação das normas aplicadas à situação dos autos, vigentes à data da 
 caducidade do contrato de trabalho da recorrente. Não está em causa, 
 nomeadamente, o confronto da situação dos autos com regimes posteriores – como o 
 resultante do “Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e 
 da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo”, aprovado pelo 
 Decreto-Lei n.º 64‑A/89, de 27 de Fevereiro, ou o do Código de Trabalho, em 
 vigor.
 Na verdade, do quadro legal aplicável nos autos resultava, conforme se decidiu, 
 a não atribuição de uma compensação pela extinção do contrato de trabalho na 
 sequência da destruição do local onde esse trabalho era prestado, por razões não 
 imputáveis a qualquer das partes – mais concretamente, a impossibilidade 
 superveniente, absoluta e definitiva, resultante de caso fortuito (incêndio do 
 Chiado) de a empresa receber a prestação laboral. É a esta razão que se refere a 
 recorrente quando alude a “facto surgido na esfera da entidade empregadora, 
 ainda que sem culpa desta”.
 Por outras palavras, está em causa a constitucionalidade da norma do artigo 8.º 
 do Decreto-Lei n.º 372‑A/75, de 16 de Julho, interpretada no sentido de que a 
 caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e 
 definitiva, resultante de caso fortuito, de a empresa receber a prestação 
 laboral não tem como efeito uma obrigação de indemnização dos trabalhadores, a 
 cargo da entidade empregadora.
 
 4.Para a referida apreciação da constitucionalidade não se afigura decisiva a 
 invocada existência, no nosso ordenamento jurídico-laboral, de um “direito de 
 compensação do trabalhador pela caducidade do seu contrato em resultado de facto 
 surgido na esfera da entidade empregadora, ainda que sem culpa deste”. Na 
 verdade, o que poderia ser decisivo, isso sim, era a circunstância de esse 
 invocado princípio ter consagração no nosso ordenamento constitucional – 
 designadamente, na “Constituição laboral”.
 Porém, no plano constitucional, o que a recorrente invoca é, antes, um 
 
 “princípio geral da justa indemnização de que se faz eco o art.º 62.º da CRP”. 
 Tendo presente que esta disposição se refere expressamente à “requisição e 
 expropriação por utilidade pública”, fácil é perceber, dada a evidente falta de 
 analogia de situações, que não é nesta norma que se poderá encontrar expressão 
 para tal regra jurídico-laboral. Tal falta de analogia resulta evidente, quer 
 considerando que o artigo 62.º se refere ao direito de propriedade (e não à 
 impossibilidade da prestação laboral, ou da sua recepção),       quer que prevê 
 uma obrigação de indemnização por requisição ou expropriação por utilidade 
 pública. Existem diferenças significativas entre esta e a obrigação de 
 indemnização em resultado da perda de postos de trabalho por caso fortuito ou de 
 força maior não imputável ao empregador, as situações em questão, que não podem 
 deixar de ser relevantes: a requisição e a expropriação são voluntariamente 
 actuadas, e justificadas por um fim de interesse público, ao passo que a causa 
 da perda do posto de trabalho é involuntária e injustificada; a obrigação de 
 indemnização que se invoca recai sobre o Estado (que, aliás, também indemnizou 
 os afectados pelo incêndio do Chiado), ou, mais precisamente, sobre quem 
 requisita ou expropria, ao passo que a que se pretende obter recai sobre a 
 entidade empregadora, a quem se não pode imputar o desaparecimento do local de 
 trabalho; na requisição e na expropriação interfere-se com o direito de 
 propriedade (como referido na epígrafe do artigo 62.º da Constituição), sem 
 prejuízo da sua extensão a outros direitos patrimoniais, e priva-se o seu 
 titular desse direito ou da sua fruição, ao menos temporariamente, ao passo que 
 a perda de um emprego contende, não com um direito, mas com uma posição num 
 contrato sinalagmático, em que se perde uma prestação mas se evita igualmente a 
 contra-prestação.
 Conclui-se, pois, pela inexistência de qualquer violação do artigo 62.º da 
 Constituição, pela interpretação normativa em análise.
 
 5.A conclusão a que se chegou quanto à causa, quanto ao devedor, e quanto à 
 justificação da obrigatoriedade constitucional da indemnização, não impedem o 
 Tribunal de confrontar a norma em análise com outros princípios ou dispositivos 
 constitucionais – nomeadamente os dos artigos 58.º e 59.º da Lei Fundamental 
 
 (cfr. artigo 79.º-C da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, aditado pela Lei n.º 
 
 85/89, de 7 de Setembro). Ponto é que deles se possa fazer derivar uma obrigação 
 de indemnização, a cargo do empregador, em resultado da perda de postos de 
 trabalho por caso fortuito ou de força maior não imputável a este. Nesse 
 sentido, a alusão que a recorrente faz aos artigos 2.º (“Estado de direito 
 democrático”), 53.º (“Segurança no emprego”), 58.º (“Direito ao trabalho”) e 
 
 59.º (“Direito dos trabalhadores”), poderia servir de indicação quanto a 
 possíveis fundamentações alternativas de um princípio indemnizatório 
 constitucionalmente consagrado para situações de perda de postos de trabalho por 
 causas não imputáveis nem ao trabalhador, nem à entidade patronal.
 Entende-se, porém, que também não se verifica violação destes parâmetros 
 constitucionais.
 Assim, quanto ao princípio do Estado de direito democrático, para além de haver 
 que recordar, como o Tribunal tem repetido, que este tem uma sua função 
 essencialmente reassuntiva do que a Constituição prevê em outros dispositivos 
 constitucionais, mesmo que se pudesse ainda fundar nele a necessidade de 
 previsão de um “direito geral à reparação de danos” (assim Gomes Canotilho/Vital 
 Moreira, Constituição da República Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 63, 
 anotação V ao artigo 2.º), ou, genericamente, de um mecanismo geral de reparação 
 de danos, sempre a imposição de tal obrigação de indemnização, para se poder 
 afirmar a sua obrigatoriedade constitucional, haveria de pressupor, pelo menos, 
 um comportamento do obrigado a ressarcir, para poder sobre ele recair, e não de 
 resultar de um caso fortuito (ou, mesmo, de um motivo de força maior).
 
 6.Em segundo lugar, quanto à garantia da segurança no emprego, a própria 
 Constituição a concretiza proibindo os despedimentos sem justa causa ou por 
 motivos políticos ou ideológicos. Ora, ainda que o princípio não se esgote 
 nessas dimensões negativas (e como dizem Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. 
 cit., p. 289, anotação X ao artigo 53.º), é certo que “[o] seu âmbito de 
 protecção abrange todas as situações que se traduzem em precariedade da relação 
 de trabalho”. Trata-se “de proibir acções ou comportamentos (nomeadamente: o 
 despedimento)” (ibidem, p. 287, anotação IV ao mesmo artigo 53.º), não de 
 impedir efeitos decorrentes de factores ou circunstâncias incontroláveis e não 
 imputáveis à entidade empregadora, mas antes de um caso fortuito como um 
 incêndio. De resto, o que a recorrente invoca e pretende, depois de se ter 
 conformado com a improcedência dos seus pedidos principais, é, já não a 
 manutenção do seu emprego, mas antes uma indemnização pela sua perda – e é, 
 pois, algo que já se encontra como que “a jusante” do que é garantido pelo 
 princípio, por se admitir que se extinguiu o seu contrato de trabalho.
 No que toca à invocação do direito ao trabalho, é certo que nele se contempla, 
 de facto, “um direito a uma compensação por não satisfação do direito ao 
 trabalho, o que abrange não só o direito ao subsídio de desemprego (…) mas 
 também às indemnizações em caso de encerramento definitivo do estabelecimento, 
 de rescisão pelo trabalhador em virtude da violação das suas garantias, etc.” 
 
 (ob. cit., p. 315, anotação II ao artigo 58.º da Constituição). Porém, na 
 ausência de determinação constitucional sobre o alcance e limites de tal 
 indemnização, em caso de encerramento definitivo do estabelecimento, é sem 
 dúvida ao legislador que cabe a sua configuração, designadamente, delimitando as 
 situações (atendendo, por exemplo, aos fundamentos do encerramento) em que ela é 
 de impor. Ora, o legislador do Decreto-Lei n.º 84/76, mal ou bem, decidiu 
 suprimir a norma que regulava tal indemnização em caso de perda de posto de 
 trabalho “por encerramento da empresa”. E, na medida em que essa opção 
 legislativa não está sujeita a parâmetros constitucionais específicos mais 
 limitadores, e na medida em que da existência de obrigações indemnizatórias em 
 situações imputáveis à entidade patronal se não pode extrair argumento algum em 
 favor da sua atribuição em situações que lhe não são imputáveis, também deste 
 princípio constitucional se não pode fazer derivar o pretendido juízo de 
 desconformidade com a Constituição.
 Por último, também as disposições do artigo 59.º da Constituição se revelam 
 alheias à construção de um direito indemnizatório com fundamento não imputável à 
 entidade empregadora, tal como pretendido pela recorrente. É verdade que a 
 alínea e) do n.º 1 desse artigo prevê a existência de um direito à assistência 
 material, quando os trabalhadores se encontrem involuntariamente em situação de 
 desemprego – mas esse direito foi efectivado no caso, mercê da intervenção do 
 Estado, até 22 de Dezembro de 1990. A previsão, a favor dos trabalhadores, do 
 direito a uma outra indemnização – pela perda de uma espécie de “direito real 
 sobre o posto de trabalho adquirido” – é algo que está para além da previsão do 
 legislador constitucional, e que o legislador ordinário não estava, portanto, 
 obrigado a contemplar à altura dos factos.
 Improcedendo a argumentação da recorrente na parte em que pretendeu transferir 
 para o plano constitucional a consagração de um suposto princípio 
 jurídico-laboral – que não compete a este Tribunal decidir se existe ou não 
 nesse ordenamento –, improcede também, para o fim em vista, que é a obtenção de 
 um juízo de inconstitucionalidade, a alegação da existência de um lapso do 
 legislador (revogatório), que implicaria a manutenção do regime previsto no n.º 
 
 2 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho. Isto, não porque o 
 Tribunal não se pudesse pronunciar sobre essa questão, mas, simplesmente, porque 
 essa questão lhe não foi dirigida enquanto questão de constitucionalidade, e 
 dela não pode cuidar noutra sua dimensão.
 E conclui-se, assim, que deve ser negado provimento ao presente recurso.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
 a)   Não julgar inconstitucional a norma do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 
 
 372‑A/75, de 16 de Julho, na interpretação de que da caducidade do contrato de 
 trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, resultante de 
 caso fortuito, de a empresa receber a prestação laboral não decorre uma 
 obrigação de indemnização dos trabalhadores, a cargo da entidade empregadora;
 b)   Por conseguinte, confirmar a decisão recorrida e condenar a recorrente em 
 custas, fixando-se em 20 (vinte) unidades de conta a taxa de justiça.
 
  
 Lisboa, 2 de Novembro de 2005
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma (vencida, nos termos de
 declaração de voto junta)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 Declaração de voto
 
  
 Apesar de a presente pronúncia do Tribunal Constitucional se referir apenas ao 
 plano da constitucionalidade – não se atendo à polémica sobre a interpretação 
 correcta do direito ordinário – tem sentido considerar‑se que não existia ao 
 tempo, de acordo com os princípios gerais do Direito do Trabalho e com a 
 polémica doutrinal que se configurava em redor dos efeitos da caducidade do 
 contrato de trabalho, uma lógica interpretativa estabilizada e pacífica que 
 permitisse subtrair as consequências da perda do posto de trabalho devido a 
 facto (embora fortuito) proveniente da esfera de risco da empresa a uma 
 protecção idêntica à que resultaria da caducidade devida a despedimento 
 colectivo ou falência.
 Nestes termos, entendo que razões de igualdade na protecção jurídica deveriam 
 levar a não isolar as situações de caso fortuito na esfera de risco do 
 empregador‑empresa a qualquer compensação indemnizatória, em situações de grande 
 desequilíbrio entre a entidade empresarial e os trabalhadores, pelo menos quando 
 não estejam em causa micro‑empresas.
 
 É esta lógica que levará, segundo me parece, o Código do Trabalho actualmente em 
 vigor a não distinguir, para efeitos de compensação indemnizatória, as várias 
 situações de caducidade imputáveis à esfera do empregador (artigos 401º, 404º e 
 
 409º do Código do Trabalho).
 A redução do problema de constitucionalidade à tónica do caso fortuito 
 corresponde a uma descrição do problema a partir de uma distinção que não se 
 justifica em termos de igualdade na protecção jurídica.
 
  
 Maria Fernanda Palma