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Processo n.º 514/2005
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Bravo Serra
 
  
 
  
 
                         1. A 1ª Direcção de Finanças de Lisboa da Direcção-Geral 
 dos Impostos solicitou, em 19 de Março de 2002, pelo 1º Juízo Cível de Lisboa e 
 ao abrigo dos números 2 e 5 do artº 63º da Lei Geral Tributária aprovada pelo 
 Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro, e do nº 3 do artº 34º do Decreto-Lei 
 nº 262/78, de 28 de Novembro, autorização judicial para derrogação do sigilo 
 bancário relativamente a A., e B., relativamente aos quais se encontravam a 
 decorrer acções de fiscalização.
 
  
 
                         Tendo-se, por decisão de 8 de Abril de 2002, declarado 
 incompetente aquele Juízo, agravou o Representante do Ministério Público para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 23 de Janeiro de 2003, 
 concedeu provimento ao recurso.
 
  
 
                         Desse aresto agravaram os requeridos para o Supremo 
 Tribunal de Justiça que, por acórdão de 3 de Julho de 2003, negou provimento aos 
 agravos.
 
  
 
                         Do acórdão de 3 de Julho de 2003 arguiram a respectiva 
 nulidade a A., pretensão que foi indeferida por acórdão de 13 de Novembro de 
 
 2003.
 
  
 
                         Remetidos os autos à 1ª instância, foi, em 27 de Janeiro 
 de 2004, proferida sentença que, em suprimento do consentimento dos requeridos, 
 autorizou o acesso e obtenção de elementos referentes às contas bancárias de que 
 eram titulares.
 
  
 
                         Dessa sentença apelaram os requeridos para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa que, por acórdão de 2 de Novembro de 2004, negou provimento à 
 apelação.
 
  
 
                         De tal aresto pediram revista os requeridos.
 
  
 
                         Na alegação adrede produzida, o requerido B. formulou, 
 por entre outras, a seguinte «conclusão»:-
 
  
 
 “1ª O art. 63º/5 da LGT, ao abrigo do qual foi proferida a decisão recorrida, 
 integral uma norma claramente inconstitucional (v. arts. 26º, 103º/2, 112º e 
 
 168/1/i) da CRP), sendo manifestamente inaplicável in casu (v. art. 204º da CRP) 
 
 - cfr. texto n.ºs 1 a 3;
 
 ( ... )”.
 
  
 
                         O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 3 de Maio 
 de 2005, negou a revista.
 
  
 
                         Pode ler-se nesse aresto, para o que ora releva:-
 
  
 
 “( ... )
 
 1ª Questão
 Inconstitucionalidade do Art 63º nº 5 da L.G.T.
 
 *
 Na sua revista alega o requerido B. que o Art 63º nº 5 da L.G.T., ao abrigo da 
 qual autorizou a requerente a consultar as suas contas bancárias (e as dos 
 restantes requeridos), suprindo a sua autorização (que foi negada), sofre de 
 inconstitucionalidade orgânica, porquanto terá desrespeitado a autorização 
 legislativa da Assembleia da República concedida pelo Art 1º da Lei 41/98 de 14 
 de Agosto, com base na qual foi elaborado pelo Governo o D.L. 398/98 de 17/12,  
 no qual se integra.
 
 *
 Vejamos melhor
 
 *
 Nos termos do citado Art 63, os órgãos da inspecção tributária podem desenvolver 
 todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária do 
 contribuinte. Porém, o acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, 
 bancário ou qualquer outro legalmente regulado, depende de autorização judicial, 
 nos termos da legislação aplicável ... sendo certo que, estando em causa a 
 consulta de elementos abrangidos pelos ditos segredos é legítima a falta de 
 cooperação na realização da diligência que se mostra necessária à inspecção.
 Mas, como se refere no nº 5, em caso de oposição do contribuinte com fundamento 
 no segredo bancário, a diligência só poderá ser realizada mediante autorização 
 concedida pelo tribunal da comarca competente, com base em pedido fundamentado 
 da administração tributária.
 Mas será tal preceito (Art 63 nº 5) inconstitucional organicamente, como quer o 
 requerido?
 
 É verdade que a matéria de sigilo bancário e seu levantamento se relaciona 
 directamente com as garantias dos contribuintes e, por isso mesmo, se integra na 
 reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, como 
 resulta do disposto nos Arts 103º nº 2 e 165 nº 1 i) da C. R. P.
 Certo é, porém, que a Assembleia da República, nestes casos (de reserva relativa 
 de competência) pode autorizar o Governo a legislar sobre essa matéria através 
 de lei de autorização legislativa, que deve definir o objecto, o sentido, a 
 extensão e a duração da autorização (Art 165 nº 1 e 2 da C.R.P.).
 Ora, foi exactamente isso que fez a A. da República no caso concreto através da 
 lei de autorização legislativa nº 41/98 de 4 de Agosto.
 Nos termos do Art 1º dessa lei, determina-se:
 nº 1 ‘Fica o Governo autorizado a publicar uma lei geral tributária donde 
 constem os grandes princípios substantivos que regem o direito fiscal português 
 e a articulação dos poderes da Administração e das garantias dos contribuinte’
 nº 2 ‘A lei geral tributária visará aprofundar as normas constitucionais 
 tributárias e com relevância em direito tributário, nomeadamente no que se 
 refere à relação tributária, ao procedimento e ao processo, com reforço das 
 garantias dos contribuintes, da participação destes no procedimento, da 
 igualdade das partes no processo e da luta contra a evasão fiscal, definindo os 
 princípios fundamentais em sede de crimes e de contra-ordenações tributárias’
 E o Art 2º (onde se estabelece o sentido e a extensão da autorização) refere no 
 seu nº 22:
 
 ‘Para  a prossecução dos fins indicados nos artigos anteriores, o Governo fica 
 autorizado a consagrar expressamente e a aprofundar em sede de procedimento, os 
 princípios de prossecução do interesse público e da protecção do direitos e 
 interesses dos cidadãos, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da 
 imparcialidade, da decisão e do inquisitório, da colaboração da boa fé e da 
 tutela da confiança, da  eficácia dos actos, da audiência dos cidadãos, do dever 
 de fundamentação, da confidencialidade, da iniciativa da Administração e da 
 cooperação dos particulares’
 
 *
 Ora, na nossa opinião, o objectivos de luta contra a evasão fiscal e a 
 prossecução do interesse público, o desenvolvimento dos princípios da igualdade, 
 da imparcialidade, da eficácia dos actos, da iniciativa da Administração e da 
 cooperação dos contribuintes implica necessariamente a eventual quebra do 
 segredo bancário (nomeadamente para a averiguação dos crimes tributários), 
 quando a descoberta da verdade material das situações tributárias dos 
 contribuintes inspeccionados imponha a consulta de elementos bancários e essas 
 consultas não são autorizadas pelos contribuintes.
 Só assim é possível começar a controlar (e consequentemente evitar na medida do 
 possível) a evasão fiscal, que, como é sabido, é realidade bem conhecida, que em 
 muito prejudica o interesse da comunidade, e portanto, da generalidade dos 
 cidadãos contribuintes em proveito de alguns.
 Só assim se dará eficácia à almejada justiça e igualdade dos cidadãos perante a 
 Administração Fiscal.
 Trata-se, de resto, de uma questão processual, cuja solução garante o equilíbrio 
 entre os poderes da Administração (que têm de ser eficazes) e as garantias dos 
 contribuintes (que em casos como o sigilo bancário estão longe de ser absolutas, 
 antes se têm de subordinar ao interesse geral), na medida em que faz intervir o 
 tribunal comum na resolução do diferendo.
 Cremos, por isso, que a lei de autorização legislativa contempla no âmbito do 
 seu sentido e extensão a medida processual prevista no nº 5 do Art 63 da L.G.T., 
 aprovada pelo D.L.398/98 de 17/12, não se verificando a alegada 
 inconstitucionalidade orgânica.
 
 *
 Mas, por outro caminho se chegará à mesma conclusão.
 
 *
 A Lei Geral Tributária aprovada pelo D.L. 398/98, ao abrigo da Lei de 
 autorização legislativa nº 41/98, veio a ser revista pela Lei 15/2001 de 5 de 
 Junho, esta, evidentemente, da autoria da Assembleia da República, no uso da sua 
 competência própria (Art 161 c) da C.R.P.).
 Ora, a referida Lei (15/2001), além de aprovar o Regime Geral das Infracções 
 Tributárias e de alterar diversas disposições de outros diplomas, revogou todo o 
 Título V da L.G.T. e alterou os seus artigos 45, 46 e 53, republicando-o em 
 anexo.
 De facto, dispõe no seu Art 13 ‘são republicados em anexo à presente lei, dela 
 fazendo parte integrante, a lei geral tributária aprovada pelo Decreto-Lei nº 
 
 398/98 de 17 de Dezembro ...’
 Por conseguinte, na medida em que a Lei G.T. passou a fazer parte integrante da 
 Lei 15/2001, depois de revista e alterada pela Assembleia da República, é óbvio 
 que, na parte não alterada, (cujo conteúdo o legislador não podia ignorar) foi 
 
 ‘adoptada’ por aquele órgão de soberania, de modo que, se alguma 
 inconstitucionalidade orgânica existia em relação a qualquer dos seus preceitos, 
 designadamente em relação ao Art 63 nº 5, tal inconstitucionalidade desapareceu 
 com a confirmação do texto legal pelo órgão constitucionalmente competente para 
 a elaboração de leis que digam respeito às garantias dos cidadãos contribuintes.
 De contrário, podia chegar-se à situação absurda de se ter por inconstitucional, 
 por falta de autorização legislativa da Assembleia da República, determinado 
 preceito de um diploma que faz parte integrante de uma lei emanada da mesma 
 Assembleia da República
 
 *
 Não se verifica, pois, a alegada inconstitucionalidade.
 
 ( ... )”
 
  
 
                         É do acórdão de que parte se encontra extractada que, 
 pelo requerido B., vem, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 
 
 28/82, de 15 de Novembro, interposto recurso para o Tribunal Constitucional, por 
 seu intermédio visando a apreciação da “inconstitucionalidade do art. 63º/5 da 
 Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL 398/97, de 17 de Dezembro, face às normas 
 e princípios constitucionais consagrados nos arts. 26º, 103º/2, 112º e 
 
 168º/1/b), i), p) e s) e 212º da CRP”.
 
  
 
                         No requerimento de interposição de recurso o requerido 
 sustentou que o mesmo tinha “subida imediata nos próprios autos e com efeito 
 suspensivo”.
 
  
 
                         Por despacho proferido em 19 de Maio de 2005 pelo 
 Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, foi admitido o recurso, 
 sendo tal despacho silente quanto aos respectivos efeitos.
 
  
 
                         No Tribunal Constitucional o relator, no uso do poder 
 conferido pelo nº 1 do artº 78º-B da Lei nº 28/82, ponderando que o recurso de 
 revista foi admitido “com efeito meramente devolutivo”, nos termos do artº 723º 
 do Código de Processo Civil, determinou, de harmonia com o que se dispõe naquele 
 preceito, em conjugação com o prescrito no nº 3 do artº 78º da aludida Lei, que 
 
 à vertente impugnação fosse conferido efeito não suspensivo.
 
  
 
                         
 
                         2. Determinada a feitura de alegações, rematou o 
 recorrente a por si produzida com as seguintes «conclusões»:-
 
  
 
 “1ª A Lei Geral Tributária - em que se insere o normativo em análise – foi 
 aprovada pelo DL 398/98, de 17 de Dezembro, ao abrigo de autorização legislativa 
 concedida pela Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto, que não satisfaz, neste 
 particular, as exigências constitucionalmente fixadas, pois não define 
 claramente “o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização” (v. 
 art. 165°/2 da CRP; cfr. arts. 103°/2, 112°/2 e 165º/1/b), i), p) e s) da CRP) - 
 cfr. texto n.º s 1 a 3;
 
 2ª A Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto, não conferiu poderes ao Governo para regular 
 a organização e competências dos Tribunais, nos termos estabelecidos pelos arts. 
 
 165°/1/p) e 166°/2 da CRP - cfr. texto n.º 3;
 
 3ª A referida Lei de Autorização Legislativa da Assembleia da República também 
 não conferiu poderes ao Governo para regulamentar os termos em que o 
 levantamento do sigilo bancário dos contribuintes podia ser autorizado, para 
 efeitos de permitir à Administração Fiscal a devassa das suas contas bancárias, 
 para apurar a sua real situação contributiva (v. arts. 26°,103°/2 e 212° da 
 CRP), conforme é imposto pelos arts. 165º/1/b), i) e s) da CRP - cfr. texto n.º 
 s 4 e 5;
 
 4ª No caso em análise estão em causa matérias intrinsecamente relacionadas com a 
 relação jurídico-fiscal do contribuinte com a Administração Tributária (v. art. 
 
 103°/2 da CRP; cfr. fls. 3 dos autos), pelo que a competência para a sua 
 apreciação e decisão pertencia exclusivamente aos Tribunais Administrativos e 
 Fiscais, conforme resulta directamente do art. 212° da CRP - cfr. texto n.º 6;
 
 5ª A simples republicação da Lei Geral Tributária, operada pela Lei 15/2001, de 
 
 5 de Junho, sem manifestação pela Assembleia da República de vontade política ou 
 intenção legislativa de novação de todo aquele diploma nunca determinaria a 
 ratificação implícita ou sanação da inconstitucionalidade orgânica de que 
 enferma o art. 63°/5 da LGT, unicamente aprovado pelo Governo, através do DL 
 
 398/98 (cfr. art. 169° da CRP) - cfr. texto n.º s 7 e 8;
 
 6ª O art. 63°/5 da LGT integra assim uma norma claramente inconstitucional (v. 
 arts. 26°, 103°/2, 112°, 165°/1/b), i), p) e s) e 212° da CRP) - cfr. texto n.º 
 s 1 a 8.”    
 
  
 
  
 
                         Por seu lado, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto em 
 funções junto deste Tribunal, como representante da Direcção-Geral de Finanças, 
 concluiu a sua alegação dizendo:-
 
  
 
 “1 – A possibilidade de a Administração Fiscal aceder a informação protegida 
 pelo sigilo bancário, mediante autorização judicial, nos casos em que o 
 contribuinte se oponha a tal acesso, denegando o necessário consentimento (fora 
 dos casos em que é possível a derrogação pela própria administração tributária 
 do sigilo bancário) decorre inteiramente do preceituado nos nºs 2 e 4, alínea b) 
 do artigo 63º da Lei Geral Tributária, na versão resultante da Lei nº 30-G/2000, 
 de 29 de Dezembro, sendo pois impossível questionar tal regime legal na óptica 
 da respectiva inconstitucionalidade ‘orgânica’.
 
 2 – O regime constante do nº 5 do artigo 63º da Lei Geral Tributária, visando 
 regular a forma processual idónea para a Administração Fiscal obter o acesso aos 
 dados cobertos pelo sigilo, nos casos de recusa de consentimento do 
 contribuinte, tem uma dimensão exclusivamente procedimental e adjectiva, em nada 
 inovando, aliás, relativamente às possibilidades já contidas no processo de 
 suprimento do consentimento, no caso de recusa, e da admissibilidade de 
 compressão, mediante decisão judicial, do princípio da reserva da vida privada, 
 nela se incluindo o segredo bancário, já decorrentes da lei de processo civil.
 
 3 – O mecanismo de tal quebra ou compressão do segredo bancário não se situa no 
 
 âmbito da relação jurídico-fiscal, respeitando antes aos direitos de 
 personalidade do visado, pelo que não ofende o princípio da reserva material de 
 competência dos tribunais administrativos e fiscais a atribuição – em termos 
 manifestamente não inovatórios – da competência decisória aos tribunais 
 judiciais.”
 
    
 
  
 
  
 
                         Cumpre decidir.
 
  
 
  
 
                         3. Em 4 de Agosto foi publicada a Lei nº 41/98 que 
 autorizou o Governo a aprovar uma lei geral tributária de onde constassem os 
 grandes princípios substantivos que regem o direito fiscal português, a 
 articulação dos poderes da Administração e das garantias dos contribuintes, o 
 aprofundamento das normas constitucionais e com relevância no direito 
 tributário, nomeadamente no que se refere à relação tributária, ao procedimento 
 e ao processo tributário, com reforço das garantias dos contribuintes, da 
 participação destes no procedimento, da igualdade das partes no processo e da 
 luta contra a evasão fiscal, definindo os princípios fundamentais em sede de 
 crime e de contra-ordenações tributárias (cfr. seu artº 1º).
 
  
 
                         Por entre o mais e para o que agora releva, estatui-se 
 no seu artº 2º, ao se indicar o sentido e extensão da autorização concedida, que 
 o Governo ficava autorizado a regular a simulação tributária, consagrando a 
 norma de que o facto tributário era aquele que foi efectivamente realizado pelas 
 partes (cfr. nº 11), a consagrar expressamente e aprofundar, em sede de 
 procedimento, os princípios da prossecução do interesse público e da protecção 
 dos direitos e interesses dos cidadãos, da igualdade, da proporcionalidade, da 
 justiça e da imparcialidade, da celeridade, da decisão e do inquisitório, da 
 colaboração, da boa fé e da tutela da confiança, da eficácia dos actos, da 
 audiência dos cidadãos, do dever de fundamentação, da confidencialidade, da 
 iniciativa da Administração e da cooperação dos particulares (cfr. nº 22), a 
 estabelecer normas, de acordo com a Constituição e em atenção ao disposto no 
 Código do Procedimento Administrativo, sobre instrução do procedimento, meios de 
 prova e seu valor e fiscalização (cfr. nº 23), a regular o procedimento da 
 determinação da matéria colectável em vista ao apuramento da matéria colectável 
 real e do combate à evasão fiscal, com possibilidade de recurso a métodos 
 indirectos de avaliação quando se verifiquem os pressupostos de impossibilidade 
 de determinação do valor real, e com respeito do princípio da audiência do 
 contribuinte (cfr. nº 24) e a regular o processo tributário com vista não só a 
 uma maior igualdade entre as partes, mas também, e nomeadamente, à consagração 
 do princípio do inquisitório (cfr. nº 28).
 
  
 
                         Por intermédio do Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de 
 Dezembro, foi aprovada a Lei Geral Tributária, que entrou em vigor em 1 de 
 Janeiro de 1999 (cfr. artº 6º daquele diploma).
 
  
 
                         Na Lei Geral aprovada pelo dito Decreto-Lei nº 398/98, 
 ficou consagrado, no seu artº 63: –
 
  
 Artigo 63.º
 
  
 Inspecção
 
  
 
             1. Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas 
 as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos 
 contribuintes, nomeadamente:
 a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos 
 relacionados com a sua actividade ou com as dos demais obrigados fiscais;
 b) Examinar e visar os seus livros e registos de contabilidade ou escrituração, 
 bem como todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação 
 tributária;
 c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a 
 documentação sobre a sua análise, programação e execução;
 d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao 
 apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham 
 relações económicas;
 e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades 
 oficiais;
 f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício 
 da acção inspectiva.
 
             2. O acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, 
 bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de 
 autorização judicial, nos termos da legislação aplicável.
 
             3. O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os 
 adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais que 
 um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou 
 obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, 
 fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se 
 a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o 
 contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do 
 apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou 
 inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.
 
             4. A falta de cooperação na realização das diligências previstas no 
 n.º 1 só será legítima quando as mesmas impliquem:
 a) O acesso à habitação do contribuinte;
 b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou 
 qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvo consentimento do 
 titular;
 c) O acesso a factos da vida íntima dos cidadãos;
 d) A violação dos direitos de personalidade e outros direitos, liberdades e 
 garantias dos cidadãos, nos termos e limites previstos na Constituição e na lei.
 
          5. Em caso de oposição do contribuinte com fundamento nalgumas 
 circunstâncias referidas no número anterior, a diligência só poderá ser 
 realizada mediante autorização concedida pelo tribunal de comarca competente com 
 base em pedido fundamentado da administração tributária.
 
  
 
                         O artigo em causa veio a sofrer, por intermédio da Lei 
 nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, alteração de redacção dos seus números 2 e 4, 
 alínea b), vindo a ser aditados os números 6 e 7, passando eles a rezar assim: –
 
  
 
             2. O acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, 
 bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de 
 autorização judicial, nos termos da legislação aplicável, excepto nos casos em 
 que a lei admite a derrogação do dever de sigilo bancário pela administração 
 tributária sem dependência daquela autorização.
 
 ( … )
 
             4. A falta de cooperação na realização das diligências previstas no 
 n.º 1 só será legítima quando as mesmas impliquem:
 
             ( … )
 b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou 
 qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvos os casos de 
 consentimento do titular ou de derrogação do dever de sigilo bancário pela 
 administração tributária legalmente admitidos;
 
 ( … )
 
             6. A notificação das instituições de crédito e sociedades 
 financeiras, para efeitos de permitirem o acesso  elementos cobertos pelo sigilo 
 bancário, nos casos em que exista a possibilidade legal de a administração 
 tributária exigir a sua derrogação, deve ser instruído com os seguintes 
 elementos:
 a) Nos casos de acesso directo em que não é facultado ao contribuinte o direito 
 a recurso com efeito suspensivo, cópia da notificação que lhe foi dirigida para 
 o efeito de assegurar a sua audição prévia;
 b) Nos casos de acesso directo em que o contribuinte disponha do direito a 
 recurso com efeito suspensivo, cópia da notificação referida na alínea anterior 
 e certidão emitida pelo director-geral dos Impostos ou pelo director-geral das 
 Alfândegas e Impostos Especiais sobre o Consumo que ateste que o contribuinte 
 não interpôs recurso no prazo legal;
 c) Nos casos em que o contribuinte tenha recorrido ao tribunal com efeito 
 suspensivo a ainda nos casos de acesso aos documentos relativos a familiares ou 
 a terceiros, certidão da decisão judicial transitada em julgado ou pendente de 
 recurso com efeito devolutivo.
 
             7. As instituições de crédito e sociedades financeiras devem cumprir 
 as obrigações relativas ao acesso a elementos cobertos pelo sigilo bancário nos 
 termos e prazos previstos na legislação que regula o procedimento de inspecção 
 tributária.
 
  
 
                         Note-se, a título de mera informação, que aqueles 
 números 6 e 7 viram a sua redacção alterada por intermédio da Lei nº 55-B/2004, 
 de 30 de Dezembro.
 
  
 
                         Ainda a Lei nº 30-G/2000 introduziu na Lei Geral 
 Tributária um artº 63º-B, (que também veio a sofrer alteração de redacção por 
 via da mencionada Lei nº 55-B/2004) que comportava, nos seus números 1, 2 e 10, 
 o seguinte teor: –
 
  
 Artigo 63.º-B
 
  
 Acesso a informações e documentos bancários
 
  
 
             1. A administração tributária tem o poder de aceder directamente aos 
 documentos bancários, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização 
 para a sua consulta:
 a) Quando se trate de documentos de suporte de registos contabilísticos dos 
 sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade 
 organizada;
 b) Quando o contribuinte usufrua de benefícios fiscais ou de regimes fiscais 
 privilegiados, havendo necessidade de controlar os respectivos pressupostos e 
 apenas para esse efeito.
 
             2. A administração tributária tem o poder de aceder a todos os 
 documentos bancários, excepto as informações prestadas para justificar o recurso 
 ao crédito, nas situações de recusa de exibição daqueles documentos ou de 
 autorização para a sua consulta:
 a) Quando se verificar a impossibilidade de comprovação e quantificação directa 
 e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88.º, e, em geral, quando 
 estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta;
 b) Quando os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem 
 significativamente, para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento 
 que razoavelmente possam permitir as manifestações de riqueza evidenciadas pelo 
 sujeito passivo, nos termos do artigo 89.º-A;
 c) Quando existam indícios da prática de crime doloso em matéria tributária, 
 designadamente nos casos de utilização de facturas falsas, e, em geral, nas 
 situações em que existam factos concretamente identificados gravemente 
 indiciadores de falta de veracidade do declarado;
 d) Quando seja necessário, para fins fiscais, comprovar a aplicação de subsídios 
 públicos de qualquer natureza.
 
 ( … )
 
             10. para os efeitos desta lei, considera-se documento bancário 
 qualquer documento ou registo, independentemente do respectivo suporte, em que 
 se titulem, comprovem ou registem operações praticadas por instituições de 
 crédito ou sociedades financeiras no âmbito da respectiva actividade, incluindo 
 os referentes a operações realizadas mediante utilização de cartões de crédito.
 
  
 
  
 
                         3.1. Como se extrai da alegação produzida pelo 
 recorrente, começa ele por impostar a questão da inconstitucionalidade, que, na 
 sua perspectiva, parece apontar como sendo caracterizada no sentido de uma 
 inconstitucionalidade orgânica [pois só assim se compreendem as asserções, 
 constantes daquela alegação, segundo as quais “a exigência constitucional de 
 autorização legislativa específica (v. art. 165º/2 da CRP) surge reforçada no 
 presente caso”, “Dado que a norma do art. 63º/5 da LGT veio atribuir ex novo 
 competência aos Tribunais de Comarca para suprir eventual oposição do 
 contribuinte ao levantamento do sigilo bancário (cfr. art. 212 da CRP), é 
 manifesto que tal dispositivo legal só podia ser editado mediante prévia 
 autorização legislativa específica (v. art. 165º/1/p da CRP), o que não 
 aconteceu in casu (v. Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto)  e “Na verdade, tratava-se 
 de uma distribuição de competências ratione materiae, que tinha de ser precedida 
 de autorização legislativa específica”], da norma ínsita no nº 5 do artº 63º da 
 Lei Geral Tributária sustentando, em síntese, que, não tendo a Lei nº 41/98 
 conferido ao Governo poderes para regular a competência dos tribunais, não 
 poderia o Governo, em tal norma, atribuir ao «tribunal de comarca competente» os 
 poderes para autorizar, no caso de oposição do contribuinte, a consulta de 
 elementos abrangidos pelo segredo bancário.
 
  
 
                         Em primeiro lugar, há que anotar que, se, na tese do 
 recorrente, decorria do artigo 212º (recte, do nº 3 deste artigo) da 
 Constituição (versão decorrente a Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro) 
 que esta é uma matéria que tinha por objecto a dirimição dos litígios emergentes 
 das relações jurídico-fiscais, obviamente que a atribuição, levada a efeito pela 
 norma em análise, de competência aos tribunais de comarca, sem que existisse 
 credencial parlamentar para tanto, não seria configurável como algo subsumível a 
 um vício de inconstitucionalidade orgânica, mas sim a um vício de 
 inconstitucionalidade material.
 
                         
 
                         Neste particular, sublinhe-se, desde logo, que uma tal 
 questão não foi colocada no recurso de revista.
 
  
 
                         Na verdade, naquele recurso, tão só foi brandido – no 
 que se conexionava com o vício de desconformidade com a Lei Fundamental – o 
 argumento segundo o qual, estando em causa matéria (o levantamento do sigilo 
 bancário) que se relacionava directamente com as garantias dos contribuintes e 
 com a reserva da intimidade da vida privada, e porque da Lei nº 41/98 não 
 constaria qualquer referência a suprimento judicial de autorização por parte do 
 contribuinte, a norma em causa teria desbordado o objecto, sentido e extensão da 
 autorização parlamentarmente conferida, assim violando as normas dos artigos 
 
 “26º, 103º/2, 112º e 165º/1/i” da Constituição.
 
  
 
                         Perante um tal contexto, seria sustentável dizer-se que, 
 com referência à aludida questão de inconstitucionalidade decorrente da 
 atribuição de competência aos tribunais de comarca, faltaria um dos pressupostos 
 do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 
 
 28/82.
 
  
 
                         Efectivamente, como se disse no Acórdão deste Tribunal 
 nº 139/2003 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 55º volume, 
 págs. 669 a 682:-
 
  
 
 “( … )
 
          Não pode, com efeito, conhecer-se do objecto do recurso na parte em que 
 sustenta a inconstitucionalidade daquela norma por violação do artigo 30º  nº 4 
 da Constituição.
 
  
 
          É que em parte alguma das alegações que produziu perante o tribunal 
 recorrido, o recorrente suscita esta questão de constitucionalidade (só o fez no 
 requerimento de interposição do presente recurso), razão até por que o STJ se 
 não pronuncia sobre ela – em sede de inconstitucionalidade material o recorrente 
 limita-se a suscitar a aludida questão da determinabilidade da norma, questão 
 que nada tem a ver com a primeira.
 
  
 
          Dir-se-á, em contrário, que em termos de ónus de suscitação da questão, 
 este se deve ter por cumprido com a alegação de inconstitucionalidade da norma, 
 ainda que com outro fundamento, e isto até pelo poder que o artigo   da LTC 
 confere ao Tribunal Constitucional – o de julgar inconstitucional a norma por 
 fundamentos diferentes dos que vêm alegados.
 
  
 
          Mas a objecção não colhe.
 
  
 
          Com efeito, tal construção anularia por completo o fim que se visa com 
 o ónus de suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida – o de permitir que este tribunal se aperceba da 
 questão de constitucionalidade e a aprecie e resolva – devendo ainda ter-se em 
 conta o rigor com que a lei define aquele ónus no artigo 72º nº 2 da LTC 
 
 (suscitação ‘de modo processualmente adequado’).
 
  
 
          Por outro lado, o aludido poder do Tribunal Constitucional previsto no 
 artigo 79º-C da LTC apenas deve ser exercido – e aqui oficiosamente – quando o 
 Tribunal entender que se verifica inconstitucionalidade, embora por outro 
 fundamento, não tendo que hipotizar (ele próprio ou por ‘sugestão’ do 
 recorrente) todas as possíveis questões de inconstitucionalidade da norma em 
 causa, para lhe dar resposta negativa.
 
 ( … )
 
  
 
  
 
                         3.1.1. Mas, mesmo para quem não adopte um tal 
 entendimento e, consequentemente, perfilhasse a óptica de que caberia a este 
 Tribunal analisar esta concreta questão de inconstitucionalidade de que agora 
 tratamos, a resposta a ela teria de ser negativa.
 
  
 
                         De facto, não nos situamos ainda numa situação em que se 
 depara a existência de um litígio emergente de uma relação jurídico-fiscal.
 
  
 
                         A norma em apreço cura de um dos princípios do 
 procedimento tributário – o da inspecção – com vista, como no caso sucedeu, a 
 apurar a situação tributária do contribuinte (uma dada empresa e o seu 
 representante). Nessa fase, ainda não está, sequer, determinada qual seja essa 
 situação e qual a projecção que poderá ter na determinação da matéria sobre a 
 qual virá a incidir a relação jurídico-tributária.
 
  
 
                         Pode, pois, dizer-se que o suprimento de autorização 
 previsto ainda se situa a montante do estabelecimento daquela relação e, por 
 isso, não será convocável o artigo 212º da Constituição (indicada versão), já 
 que a referida relação ainda se não encontra desenhada e, consequente e 
 logicamente, ainda não surgiu qualquer litígio que eventualmente reclame, por 
 via daquele artigo, a intervenção dos tribunais fiscais. 
 
  
 
                         Se conflito existe na fase em presença, tem ele a ver 
 com possíveis direitos, liberdades ou garantias pessoais, conflito esse para 
 cuja resolução são competentes, em regra, os tribunais judiciais.
 
  
 
                         Não procede, pois o vício que, repete-se, parece ser 
 caracterizado pelo recorrente como de inconstitucionalidade orgânica, por falta 
 de autorização legislativa para cometer aos tribunais judiciais a competência 
 para suprimento da autorização para consulta de elementos abrangidos pelo sigilo 
 bancário.
 
  
 
  
 
                         3.2. É momento de equacionar a questão, suscitada pelo 
 impugnante, ligada à circunstância de, na sua tese, a Lei nº 41/98 não ter 
 conferido autorização para serem regulamentados os termos em que o levantamento 
 do segredo bancário dos contribuintes podia ser levantado.
 
  
 
                         Deverá, neste ponto, anotar-se que o que está em causa 
 
 é, e tão só, a norma do nº 5 do artº 63º da Lei Geral Tributária, que se limita 
 a regular o suprimento de autorização do contribuinte quanto à consulta de 
 elementos abrangidos pelo segredo bancário, e não, quer o nº 2 desse artigo que, 
 esse sim, prevê o acesso à informação pelos órgãos competentes da administração 
 fiscal, para efeitos de apuramento da situação tributária dos contribuintes, à 
 informação protegida pelo sigilo bancário, acesso esse para o qual é exigida a 
 autorização judicial, quer o nº 4, que só considera legítima a falta de 
 cooperação do contribuinte se a mesma implicar a consulta daqueles elementos, 
 quer o artº 63º-B da mesma Lei Geral, que confere à administração tributária o 
 poder de aceder directamente aos documentos bancários nas situações de recusa da 
 sua exibição ou de autorização para a sua consulta.
 
  
 
                         Concedendo-se, todavia, que o normativo sub iudicio não 
 deixa de estar relacionado com a derrogação do sigilo bancário, e atendendo às 
 circunstâncias de o impugnante ter efectivamente sustentado ser desarmónico com 
 a Constituição a norma do nº 5 do artº 63º da Lei Geral Tributária, norma essa 
 que veio a ser objecto de aplicação no acórdão recorrido, não deixará o Tribunal 
 de enfrentar a questão de saber se o indicado normativo padece de 
 inconstitucionalidade orgânica.
 
  
 
                         E, no tocante a este problema, de um primeiro passo, 
 hipotiza-se  que a matéria de sigilo bancário, no seu reflexo de apuramento da 
 realidade tributária dos contribuintes (e não olvidando que a obtenção de dados 
 por parte da administração fiscal também está coberta pelo dever de reserva), 
 possa ser perspectivada como sendo respeitante a direitos, liberdades ou 
 garantias, na medida em que, como tem sido sustentado por alguma doutrina, a 
 situação económica dos cidadãos espelhada nas respectivas contas bancárias, fará 
 parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, 
 constituindo o segredo bancário um corolário dessa reserva, por constituir uma 
 súmula do relacionamento entre o banqueiro e o seu cliente e respectiva conta, 
 através da qual, em geral, são processados dados de onde se pode retirar boa 
 parte do giro económico do particular que, muitas vezes, reflecte dados 
 relacionados com a sua vida privada [cfr.  Gomes Canotilho e Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 181 e 182, ao 
 analisarem em que consiste e como se deve analisar o direito à intimidade da 
 vida privada; J. M. Serrano Alberca, Comentários a la Constituicion, Madrid, 
 Civitas, 1985, 353; Parecer nº 138/83 do Conselho Consultivo da 
 Procuradoria-Geral da República, in Boletim do Ministério da Justiça, nº 342, 
 
 161; Alberto Luís, Direito Bancário, Coimbra, 1985; e, porventura com uma 
 posição um tanto divergente, Saldanha Sanches, Segredo Bancário, segredo fiscal: 
 uma perspectiva funcional, in Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e 
 Económico-Financeira, Centro de Estudos Judiciários, 25 anos, 2004, 57 e 
 seguintes, para quem, porque existe uma “proibição que incide sobre os membros 
 da Administração fiscal de dar conhecimento a terceiros da situação fiscal (e 
 por isso patrimonial)”, o fundamento do segredo bancário, para os efeitos em 
 causa, residiria na esfera da privacidade e não da intimidade da vida privada, 
 pelo que não estaríamos “e isto deve ser afirmado com muita clareza, perante uma 
 norma destinada a tutelar a nossa intimidade: pela razão pura e simples que num 
 Estado-de-Direito a devassa da intimidade (buscas domiciliárias, escutas 
 telefónicas, filmagens ou gravações que registem todos os movimentos de uma 
 certa pessoa) só pode ter lugar para investigação de crimes graves e mediante a 
 devida decisão judicial (…). Se o segredo fiscal tutela a intimidade, então 
 parece que os cidadãos se encontram obrigados a entregar periodicamente à 
 Administração Fiscal e sempre que esta o exija – mediante qualquer acto 
 administrativo tributário que pode ser produzido por qualquer funcionário – 
 dados referentes à sua intimidade. Dados referentes à intimidade dos cidadãos 
 que estes estariam obrigados a facultar à Administração fiscal e cujo 
 conhecimento deveria ser confinado aos serviços de finanças e aos inúmeros 
 funcionários da Administração fiscal mas que estes não poderiam – fraco consolo 
 
 – partilhar com mais ninguém”,  e que o “controlo da conta bancária como poder 
 administrativo que constitui uma restrição ao direito do cidadão de manter longe 
 de vistas e curiosidades externas toda a sua situação pessoal (e qualquer 
 restrição a este direito exige uma específica legitimação) é uma decisão 
 secundária. Decisão secundária no preciso sentido de ser resultado de uma outra: 
 o dever das pessoas singulares de declarar anualmente os seus rendimentos e a 
 obrigação das pessoas colectivas de franquear permanentemente os seus registos 
 comerciais ao controlo da Administração fiscal.”]
 
  
 
                         De todo o modo, com este Tribunal já teve ocasião de 
 discretear, tal como sigilo profissional, a reserva do sigilo bancário não tem 
 carácter absoluto, antes se admitindo excepções em situações em que avultam 
 valores e interesses que devem ser reputados como relevantes como, verbi gratia, 
 a salvaguarda dos interesses públicos ou colectivos (cfr. Acórdão nº 278/95, 
 publicado na II Série do Diário da República, de 28 de Julho de 1995, onde se 
 disse que “o segredo bancário não é um direito absoluto, antes pode sofrer 
 restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou 
 interesses constitucionalmente protegidos. Na verdade, a tutela de certos 
 valores constitucionalmente protegidos pode tornar necessário, em certos casos, 
 o acesso aos dados e informações que os bancos possuem relativamente às suas 
 relações com os clientes. Assim sucede com os artigos 135º, 181º e 182º do 
 actual Código de Processo Penal, os quais procuram consagrar uma articulação 
 ponderada e harmoniosa do sigilo bancário com o interesse constitucionalmente 
 protegido da investigação criminal, reservando ao juiz a competência para 
 ordenar apreensões e exames em estabelecimentos bancários”.
 
  
 
                         Sendo o controlo administrativo das movimentações 
 bancárias dos contribuintes, como método de avaliação da sua situação fiscal, 
 uma realidade recente (ou, como diz Saldanha Sanches, ob. cit., que “são esses 
 dados contidos nas contas bancárias e nos seus movimentos (ou na aquisição de um 
 bem sujeito a registo como um prédio ou um automóvel) que permitem o controlo da 
 declaração tributária do sujeito passivo e que constituem a condição sine qua 
 non de um controlo eficaz, na fase actual da evolução da relação 
 jurídico-tributária”), e postando-se como necessário – e, quantas vezes para 
 tanto como imprescindível – o conhecimento das respectivas operações, não se 
 poderá deixar de concluir que se torna justificada, para proteger o bem 
 constitucionalmente protegido da distribuição equitativa da contribuição para os 
 gastos públicos e do dever fundamental de pagar os impostos, a procura da 
 consagração de uma articulação ponderada e harmoniosa da reserva (se não da 
 intimidade da vida provada, ao menos da reserva de uma parte do acervo 
 patrimonial) acarretada pelo sigilo bancário e dos interesses decorrentes dos 
 citados dever e direito.
 
  
 
  
 
                         3.2.1. Ora, mesmo numa parametrização assim delineada do 
 sigilo bancário, poderia sustentar-se que dos acima transcritos números do artº 
 
 2º da Lei nº 41/98 sempre resultaria que o legislador parlamentar previu que na 
 lei geral tributária  editanda pelo Governo se haveriam se haveriam de gizar 
 procedimentos de onde resultasse o apuramento da real situação tributária do 
 contribuinte, o combate à simulação tributária e à evasão fiscal, a prossecução 
 do interesse público e da igualdade equitativa nos encargos tributários e ao 
 estabelecimento do princípio do inquisitório; e, desta sorte, não poderia deixar 
 de ser cogitada por aquele legislador, em face da indesmentível dificuldade de 
 se obter uma visão da realidade tributária sem o conhecimento dos dados 
 resultantes das operações bancárias dos contribuintes, a possibilidade de, no 
 diploma credenciado, entre os vários procedimentos a adoptar, se contarem os 
 adequados à aquisição daquele conhecimento que, em caso de recusa do visado, só 
 seriam cognoscíveis por determinação judicial.
 
  
 
                         Mas, mesmo para quem não perfilhe um tal entendimento da 
 lei nº 41/98, uma circunstância se depara e da qual resulta que, tendo em 
 atenção os momentos em que foi aplicada a norma sub specie – depois da entrada 
 em vigor da Lei nº 30-G/2000 – o eventual vício de inconstitucionalidade 
 orgânica de que padeceria se terá de ter como ultrapassado.
 
  
 
                         Na verdade, a Assembleia da República, ao editar aquela 
 Lei, não só alterou a redacção dos próprios números 2 e 4, alínea b) do artº 63º 
 da Lei Geral Tributária, como lhe aditou os números 6 e 7, indubitavelmente 
 ligados ao procedimento de suprimento judicial de autorização do contribuinte, 
 como ainda introduziu o artº 63º-B.
 
  
 
                         Isto vale por dizer, sem que dúvidas a esse respeito se 
 suscitem, que assumiu o competente órgão legislativo – o Parlamento – como 
 válido aquele procedimento, pois manteve inalterado o nº 5 do aludido artº 63º 
 
 (quando, com as alterações que em tal artigo introduziu, se entendesse que esse 
 preceito se não justificava, bem o poderia alterar), o que revela, de forma 
 inequívoca, uma intenção de novar a fonte legislativa que o consagrou.
 
  
 
                         Como se referiu no Acórdão deste Tribunal nº 321/2004 
 
 (in Diário da República, II Série, de 20 de Julho de 2004) se a lei de alteração 
 e um decreto-lei vier a reproduzir normas organicamente inconstitucionais, “é 
 inegável que a Assembleia da República assume ou adopta tais normas como suas ao 
 mantê-las inalteradas de forma expressa e inequívoca. E, assim sendo, tais 
 normas não podem mais ser arguidas de organicamente inconstitucionais, até 
 porque se verifica, quanto a elas, uma novação da respectiva fonte”.
 
  
 
                         A doutrina extraível daquele aresto é aplicável ao caso 
 agora em apreço, pois que, como resulta do seu próprio texto, no artº 13º da Lei 
 nº 30-G/2000, que determinou, por entre outras, alteração ao artigo 63º da Lei 
 Geral Tributária, consignou que este passaria a ter a seguinte redacção: –
 
  
 Artigo 63.º
 
  
 Inspecção
 
  
 
             1 – …………………………………………………………………………………………
 
             2 – O acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, 
 bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de 
 autorização judicial, nos termos da legislação aplicável, excepto nos casos em 
 que a lei admite a derrogação do dever de sigilo bancário pela administração 
 tributária sem dependência daquela autorização.
 
             3 – ………………………………………………………………………………………….
 
             4 – ………………………………………………………………………………………….
 
             a) ……………………………………………………………………………………………
 
   b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou 
 qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvos os casos de 
 consentimento do titular ou de derrogação do dever de sigilo bancário pela 
 administração tributária legalmente admitidos;
 
             c) ……………………………………………………………………………………………
 
             d) ……………………………………………………………………………………………
 
             5 – ………………………………………………………………………………………….
 
             6 – A notificação das instituições de crédito e sociedades 
 financeiras, para efeitos de permitirem o acesso  elementos cobertos pelo sigilo 
 bancário, nos casos em que exista a possibilidade legal de a administração 
 tributária exigir a sua derrogação, deve ser instruído com os seguintes 
 elementos:
 a) Nos casos de acesso directo em que não é facultado ao contribuinte o direito 
 a recurso com efeito suspensivo, cópia da notificação que lhe foi dirigida para 
 o efeito de assegurar a sua audição prévia;
 b) Nos casos de acesso directo em que o contribuinte disponha do direito a 
 recurso com efeito suspensivo, cópia da notificação referida na alínea anterior 
 e certidão emitida pelo director-geral dos Impostos ou pelo director-geral das 
 Alfândegas e Impostos Especiais sobre o Consumo que ateste que o contribuinte 
 não interpôs recurso no prazo legal;
 c) Nos casos em que o contribuinte tenha recorrido ao tribunal com efeito 
 suspensivo a ainda nos casos de acesso aos documentos relativos a familiares ou 
 a terceiros, certidão da decisão judicial transitada em julgado ou pendente de 
 recurso com efeito devolutivo.
 
             7. As instituições de crédito e sociedades financeiras devem cumprir 
 as obrigações relativas ao acesso a elementos cobertos pelo sigilo bancário nos 
 termos e prazos previstos na legislação que regula o procedimento de inspecção 
 tributária.
 
  
 
                         Vale isto por dizer que o órgão parlamentar, em face da 
 forma como deu a nova redacção ao artº 63º, de forma inequívoca, «fez seu» (ou 
 seja, assumiu como manutenção inalterada), no que agora importa, o nº 5, que, 
 por isso, novou como vontade legislativa.
 
  
 
                         O raciocínio agora efectuado não se ancora, pois, na 
 mera republicação da Lei Geral Tributária (a que o recorrente alude, mas visando 
 a Lei nº 15/2005).
 
  
 
  
 
                         4. Em face do que se deixa dito, nega-se provimento ao 
 recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de 
 justiça em vinte unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 2 de Novembro de 2005
 
  
 Bravo Serra
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Vítor Gomes
 Gil Galvão
 Artur Maurício