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Processo n.º 182/05 
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Gil Galvão 
 
  (Conselheira Maria dos Prazeres Beleza)
 
  
 
  
 Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I – Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, A., ora 
 recorrente, foi acusado, pelo Ministério Público, da prática de um crime de 
 emissão de cheque sem provisão - previsto e punido nos termos do artigo 11º, n.º 
 
 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, com referência aos 
 artigos 313º e 314º, alíneas a) e c) do Código Penal de 1982, na versão 
 originária, a que correspondia uma pena de prisão de 1 a 10 anos -, o qual se 
 teria consumado, segundo a acusação, em 28 de Fevereiro de 1994. Entretanto, por 
 despacho de 30 de Outubro de 1995, de fls. 54, o arguido foi declarado contumaz.
 
  
 
 2. Por despacho de 7 de Dezembro de 2004, de fls. 137 e seguintes, foi 
 indeferido o requerimento, apresentado pelo arguido, no sentido de ser declarado 
 extinto, por prescrição, o procedimento criminal, afirmando-se, para o que agora 
 releva, o seguinte:
 
 “No caso em apreço, o arguido, no seu requerimento, sustenta que a declaração de 
 contumácia, no Código Penal de 1982 que é a legislação aplicável, não integra 
 uma causa de suspensão da prescrição.
 Sucede, porém, que no Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 10/2000, já supra 
 referido, reconheceu-se que a declaração de contumácia do arguido implica a 
 suspensão do procedimento criminal no domínio de vigência do Código Penal de 
 
 1982 e do Código de Processo Penal de 1987.
 Assim, decidiu-se neste Acórdão, com pertinência para o que ora se decide, que 
 
 «ao preceituar-se no n.º 1 do artigo 119º ‘para além dos casos especialmente 
 previstos na lei’ não se pode deixar de considerar abrangidos quer aqueles casos 
 que de momento já se encontrem previstos em leis, quer aqueles que, de futuro, 
 venham a ser consagrados em diplomas legais. Na verdade, nada impede que, desde 
 logo, se preveja a possibilidade de, em normas avulsas ou não, se venha a 
 consagrar situações que determinem suspensão da prescrição do procedimento 
 criminal. (...) Dizendo o artigo 336º do Código de Processo Penal que a 
 declaração de contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo 
 até à apresentação do arguido, só poderá querer ter tido em vista aquela 
 suspensão relacionada com a prescrição do procedimento criminal. O efeito visado 
 coincide com o previsto no artigo 119º, n.º 3: desde o momento de declaração da 
 contumácia até àquele em que caduca – n.º 3 do artigo 336º – a prescrição não 
 corre».
 Quer isto dizer que o facto de ser desconhecido à data da entrada em vigor do 
 Código Penal de 1982 o instituto da contumácia, tal circunstância por si só não 
 legitima a orientação de que o n.º 1 do artigo 119º não se podia referir ao 
 mesmo.
 
 É esta, aliás, a solução mais consentânea com a interpretação do legislador, que 
 no Código Penal de 1995 veio consagrar na alínea c) do n.º 1 do artigo 120º que 
 no caso de vigorar declaração de contumácia tal pressupõe a suspensão da 
 prescrição em curso.
 Pelo exposto, conclui-se que, no caso vertente, a declaração de contumácia do 
 arguido (fls. 54 e 55) suspendeu a verificação da prescrição, pelo que, se 
 indefere tal fundamento, invocado pelo arguido, como causa de extinção do 
 procedimento criminal.”
 
  
 
 3. Inconformado, veio o ora recorrente, afirmando renunciar “ao direito de 
 interpor recurso ordinário”, recorrer para o Tribunal Constitucional, “ao abrigo 
 do disposto na alínea b) do n.º 1, n.º 2 e n.º 4 do artigo 70º da Lei n.º 28782, 
 de 15 de Novembro”, para apreciação da inconstitucionalidade:
 
 “- material das normas contidas nos artºs 335º e 337º do Código de Processo 
 Penal de 1987, conjugadas com o n.º 1 do art.º 119º do Código Penal de 1982 
 
 (versão originária) na interpretação adoptada segundo a qual a declaração de 
 contumácia constitui causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, 
 por violação dos princípios da legalidade e tipicidade consagrados nos n.ºs 1 e 
 
 3 do artigo 29º da CRP e dos princípios do poder punitivo do Estado baseado em 
 critérios objectivos e protecção dos arguidos contra abusos processuais, 
 consagrados no n.º 4 do artigo 20º, n.º 1 do artigo 27º e n.º 1 do artigo 30º da 
 CRP;
 
 - orgânica da norma contida no art.º 336º (actualmente artºs 335º e 337º) do 
 Código de Processo Penal aprovado pelo DL 78/87 de 17 de Fevereiro no uso da 
 autorização conferida pela Lei n.º 43/86 de 26 de Setembro, por violação do n.º 
 
 2 do art.º 112º e da al. c) do n.º 1 e n.º 2 do art.º 165º da CRP.”
 
  
 
 4. Notificado para o efeito, o recorrente apresentou as respectivas alegações, 
 que concluiu da seguinte forma:
 
 “1. Os artigos 335º e 337º do Código de Processo Penal de 1987 na redacção da 
 Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, e artigo 336º na versão originária do mesmo 
 diploma, conjugadas com o n.º 1 do artigo 119º do Código Penal de 1982 (versão 
 originária), na interpretação que lhes é dada pelo tribunal recorrido, segundo a 
 qual a declaração de contumácia constitui causa de suspensão do procedimento 
 criminal, viola o disposto no n.º 4 do artigo 20º, n.º 1, do artigo 27º, n.º 1, 
 do artigo 30º, n.º 2 do artigo 112º e da alínea c) dos n.ºs 1 e 2 do artigo 165º 
 da Constituição da República Portuguesa,
 
 2. e estão, por isso, feridos de inconstitucionalidade material e orgânica,
 
 3. o que deve ser declarado por este Tribunal Constitucional.
 
 4. Ao aplicar as normas deles constantes, o douto despacho do Tribunal Judicial 
 da Comarca de Braga violou o disposto no artigo 204º da Lei Fundamental.”
 
  
 
 5. O Ministério Público, por seu turno, formulou as seguintes conclusões: 
 
 “1 – As causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal não foram 
 definidas no Código Penal de 1982, de forma taxativa e fechada, admitindo-se a 
 existência de outras especialmente previstas na lei.
 
 2 – Entre estas, encontra-se a declaração de contumácia estabelecida 
 inicialmente no artigo 336º do Código de Processo Penal de 1987, implicando a 
 suspensão dos termos ulteriores do processo e que viria a ser expressamente 
 consagrada, a partir da reforma do Código Penal de 1995, no seu artigo 120º, n.º 
 
 1, alínea c).
 
 3 – A suspensão dos termos ulteriores do processo não comportando qualquer 
 ambiguidade, abrange necessariamente a suspensão do prazo prescricional em 
 curso, sob pena de deixar de ter sentido o regime de contumácia consagrado a 
 partir de 1987 e sem que isso implique violação de normas ou princípios 
 constitucionais.
 
 4 – A existência legal de uma causa suspensiva do prazo de prescrição verificada 
 em data posterior à prática do facto criminoso, mas aplicada a processo pendente 
 não merece a censura constitucional, mesmo na dimensão da exigência da não 
 retroactividade «in pejus».
 
 5 – Atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, não é de 
 conhecer a invocada inconstitucionalidade orgânica, uma vez que qualquer que 
 fosse o sentido da decisão, nenhum efeito útil teria na decisão da questão de 
 mérito relativa à prescrição do procedimento criminal, sendo que a declaração de 
 contumácia ocorreu já na vigência da reforma de 1995, que a consagrou 
 expressamente como causa suspensiva do prazo de prescrição, na alínea c) do n.º 
 
 1 do artigo 120º do Código Penal.
 
 6 – Termos em que não deverá proceder o presente recurso”.
 
  
 
 6. Admitindo-se, porém, como plausível que o Tribunal Constitucional viesse a 
 não tomar conhecimento do objecto do recurso, foi, pela relatora, proferido o 
 seguinte despacho:
 
 “1. [...], afirmando renunciar “ao direito de interpor recurso ordinário”, veio 
 recorrer para o Tribunal Constitucional, “ao abrigo do disposto na alínea b) do 
 n.º1, n.° 2 e n.° 4 do artigo 70° da Lei n.º 28782, de 15 de Novembro”, para 
 apreciação da inconstitucionalidade :
 
 “- material das normas contidas nos art.ºs 335° e 337° do Código de Processo 
 Penal de 1987, conjugadas com o n. ° 1 do art.º 119° do Código Penal de 1982 
 
 (versão originária) na interpretação adoptada segundo a qual a declaração de 
 contumácia constitui causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, 
 por violação dos princípios da legalidade e tipicidade consagrados nos n. ºs 1 e 
 
 3 do artigo 29° da CRP e dos princípios do poder punitivo do Estado baseado em 
 critérios objectivos e protecção dos arguidos contra abusos processuais, 
 consagrados no n.° 4 do artigo 20º n. ° 1 do artigo 27°e n.º1 do artigo 30°da 
 CRP;
 
 - orgânica da norma contida no artº 336° (actualmente art.ºs 335° e 337} do 
 Código de Processo Penal aprovado pelo DL 78/87 de 17 de Fevereiro no uso da 
 autorização conferida pela Lei n. ° 43/86 de 26 de Setembro, por violação do n.º 
 
 2 do art.º 112° e da al. c) do n.° 1 e n.º2 do artº165°da CRP.”
 
 2. Como resulta da leitura do requerimento de interposição de recurso, das 
 alegações apresentadas no Tribunal Constitucional e do requerimento de fls. 133, 
 o recorrente refere inconstitucionalidade que invoca aos “artigos 335° e 337° do 
 Código de Processo Penal de 1987 na redacção da Lei n. ° 59/98, de 25 de Agosto, 
 e artigo 336° na versão originária do mesmo diploma, conjugadas com o n. ° 1 do 
 artigo 119° do Código Penal de 1982 (versão originária)”.
 
 É, porém plausível que o Tribunal Constitucional apenas possa considerar objecto 
 do presente recurso a questão de constitucionalidade que lhe é colocada enquanto 
 se refere somente às normas dos artigos 119°, n.º1, do Código Penal de 1982, e 
 do artigo 336°, n.º 1, da versão originária do Código de Processo Penal de 1987, 
 já que foram estes os preceitos aplicados na decisão recorrida (artigo 79°-C da 
 Lei n° 28/82).
 
 3. Para além disso, verifica-se que o recorrente suscita duas questões de 
 inconstitucionalidade, relativamente às normas conjugadas do n.º 1 do artigo 
 
 119° do Código Penal de 1982, na versão originária, e do n.º 1 do artigo 336° do 
 Código de Processo Penal, também na versão originária do mesmo diploma, na 
 interpretação segundo a qual a declaração de contumácia constitui causa de 
 suspensão do procedimento criminal.
 Acusa as referidas normas, em primeiro lugar , de inconstitucionalidade 
 material, por violação do disposto nos artigos 29°, n.ºs 1 e 3 , e 20°, n.º 4, 
 
 27°, n.º 1, e 30°, n.º 1, da Constituição; e, em segundo lugar, de 
 inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto nos artigos 112°, n.º 
 
 2, e 165°, n.º 1, alínea c), e n.º 2, da Constituição.
 No primeiro caso, o que estaria em causa, segundo o recorrente, seriam os 
 
 “princípios da legalidade e da tipicidade na sua exigência de proibição de 
 retroactividade in pejus” e “dos princípios do poder punitivo do Estado baseado 
 em critérios objectivos e protecção dos arguidos contra abusos processuais, 
 consagrados no n.º 4 do artº. 20 n.º 1 do artº 27° e n.º 1 do art.º 30°da Lei 
 Fundamental”.
 No segundo caso, o que o recorrente questiona é a circunstância, de ao 
 interpretar-se, como alegadamente faz a decisão recorrida, o artigo 336°, n.º 1, 
 do Código de Processo Penal de 1987, na versão originária, nos termos do qual a 
 declaração de contumácia “implica a suspensão dos termos ulteriores do processo 
 até à apresentação ou à detenção do arguido”, como implicando também a suspensão 
 da prescrição, por se tratar de um dos “casos especialmente previstos na lei” a 
 que se refere o citado artigo 119°, n.º 1, do Código Penal, na versão 
 originária, se estar a atribuir àquele artigo 336°, n.º 1, “uma dimensão 
 normativa que não se encontra compreendida na Lei de Autorização Legislativa n.º 
 
 43/86, de 26 de Setembro”.
 
 4. Nos acórdãos n.ºs 331/2003 (Diário da República, II série, de 17 de Outubro 
 de 2003) e 336/2003 desta mesma 3ª Secção, o Tribunal Constitucional 
 pronunciou-se no sentido de não poder conhecer de recursos cujo objecto era uma 
 questão semelhante à que agora está em apreciação.
 Recorrendo ao primeiro dos acórdãos, estava em causa o “complexo normativo 
 constituído pelos artigos 335º e 337º, estes da versão originária do Código de 
 Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78(87, de 17 de Fevereiro, e 120º 
 n.º 1, alínea d), este da versão originária do Código Penal aprovado pelo 
 Decreto-Lei n.º 400/82, na interpretação de harmonia com a qual a declaração de 
 contumácia pode ser equiparada à marcação do cia para o julgamento em processo 
 de ausentes “. Entendeu-se, então, não se tratar de uma questão normativa, 
 susceptível de ser apreciada pelo Tribunal Constitucional.
 Admite-se, nos mesmos termos, a hipótese de decidir não conhecer da questão da 
 inconstitucionalidade material agora colocada.
 
 7. Finalmente, o recorrente aponta, ainda, a inconstitucionalidade orgânica da 
 norma do n.º 1 do artigo 336° do Código de Processo Penal. Tendo em conta os 
 termos em que a questão é colocada pelo recorrente, considera-se plausível que 
 venha a entender-se que se verifica a mesma dificuldade apontada para o 
 conhecimento da inconstitucionalidade material.
 
 8. Nestes termos, convidam-se as partes a pronunciar-se sobre a eventualidade de 
 se não conhecer do objecto do recurso, pelo menos parcialmente, de acordo com o 
 disposto no n.º 1 do artigo 704° do Código de Processo Civil (aplicável por 
 força do artigo 69° da Lei n° 28/82).”
 
  
 
 7. O Ministério Público veio então reiterar o que afirmara nas contra-alegações, 
 
 “no sentido do não conhecimento da invocada inconstitucionalidade orgânica e da 
 não procedência do recurso relativamente à inconstitucionalidade material”. 
 Acrescentou, todavia, que “a seguir-se [...] um entendimento semelhante ao que 
 foi obtido na jurisprudência citada do Tribunal Constitucional, admite-se como 
 plausível o não conhecimento do objecto do recurso, nos termos que foram 
 expostos”.
 
  
 
 8. O recorrente, por seu turno, veio sustentar o conhecimento do recurso, 
 objectando que “no caso em apreço não se pretende a verificação da concreta 
 constitucionalidade da decisão judicial, mas sim a das normas jurídicas contidas 
 nos art.ºs 119º n.º 1 do Código Penal de 1982 e do art.º 336º n.º 1 da versão 
 originária do Código de Processo Penal de 1987, na interpretação e com o sentido 
 e alcance que o Tribunal a quo lhes atribuiu.”
 
  
 
 9. Tendo havido mudança de relator por vencimento, cumpre formular a decisão do 
 Tribunal Constitucional.
 
  
 
  
 II – Fundamentação.
 
  
 
 10. Como resulta da leitura do requerimento de interposição de recurso, das 
 alegações apresentadas no Tribunal Constitucional e do requerimento de fls. 133, 
 o recorrente refere a inconstitucionalidade que invoca aos “artigos 335º e 337º 
 do Código de Processo Penal de 1987 na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de 
 Agosto, e artigo 336º na versão originária do mesmo diploma, conjugadas com o 
 n.º 1 do artigo 119º do Código Penal de 1982 (versão originária)”. Acontece, 
 porém, que decisão recorrida aplicou apenas as normas constantes dos artigos 
 
 119º, n.º 1, do Código Penal de 1982, e 336º, n.º 1, da versão originária do 
 Código de Processo Penal de 1987.
 
  
 Assim sendo, independentemente da questão de saber se deveria ou não ter sido 
 aplicada a norma do artigo 120º, n.º 1, c), do Código Penal, na redacção 
 decorrente da reforma de 1995, como sustenta o Ministério Público, tendo em 
 conta a data da declaração de contumácia, o facto é que, tendo a decisão 
 recorrida indeferido o requerimento de extinção do procedimento criminal, por 
 prescrição, à luz do disposto no artigo 119º, n.º 1, do Código Penal de 1982, na 
 versão originária, o Tribunal Constitucional apenas pode considerar objecto do 
 presente recurso as questões de constitucionalidade que lhe são colocadas 
 enquanto se referem somente às normas dos artigos 119º, n.º 1, do Código Penal 
 de 1982, e do artigo 336º, n.º 1, da versão originária do Código de Processo 
 Penal de 1987.
 
  
 
 11. Admitido o recurso, definido o seu objecto e não obstante ter sido 
 determinada a produção de alegações, cumpre, porém, antes de mais, na sequência 
 do parecer emitido pela relatora inicial e das respostas do recorrente e do 
 Ministério Público, decidir se dele se pode conhecer.
 
  
 O recorrente suscita duas questões de inconstitucionalidade, relativamente às 
 normas supra citadas, na interpretação segundo a qual a declaração de contumácia 
 constitui causa de suspensão do procedimento criminal. Acusa as referidas 
 normas, em primeiro lugar, de inconstitucionalidade material, por violação dos 
 
 “princípios da legalidade e da tipicidade na sua exigência de proibição de 
 retroactividade in pejus” e “dos princípios do poder punitivo do Estado baseado 
 em critérios objectivos e protecção dos arguidos contra abusos processuais”, 
 consagrados nos artigos 29º, n.ºs 1 e 3 , e 20º, n.º 4, 27º, n.º 1, e 30º, n.º 
 
 1, da Constituição; e, em segundo lugar, de inconstitucionalidade orgânica, por 
 violação do disposto nos artigos 112º, n.º 2, e 165º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, 
 da Constituição, questionando a circunstância, de ao interpretar-se, como 
 alegadamente o faz a decisão recorrida, o citado artigo 336º, n.º 1, nos termos 
 do qual a declaração de contumácia “implica a suspensão dos termos ulteriores do 
 processo até à apresentação ou à detenção do arguido”, como implicando também a 
 suspensão da prescrição, por se tratar de um dos “casos especialmente previstos 
 na lei” a que se refere o citado artigo 119º, n.º 1, do Código Penal, na versão 
 originária, se estar a atribuir àquele artigo 336º, n.º 1, “uma dimensão 
 normativa que não se encontra compreendida na Lei de Autorização Legislativa n.º 
 
 43/86, de 26 de Setembro” 
 
  
 Vejamos.
 
  
 
 11.1. Questão semelhante à que agora está em análise, no que se refere à 
 inconstitucionalidade material, foi apreciada nos acórdãos n.ºs 331/2003 (Diário 
 da República, II série, de 17 de Outubro de 2003) e 336/2003 (disponível na 
 página Internet do Tribunal em 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) desta mesma 3ª Secção, nos 
 quais o Tribunal Constitucional se pronunciou no sentido de não poder conhecer 
 de recursos. Fundamentou-se assim, neste último, a decisão:
 
 “[Parecer do relator]:
 
 «[...]
 
 2. Na verdade, entende-se que não é questão de inconstitucionalidade normativa, 
 susceptível de ser apreciada pelo Tribunal Constitucional, a que se refere à 
 forma ou ao modo como o direito ordinário é interpretado, isto é, a um processo 
 interpretativo que, por não ter respeitado os limites da interpretação da lei 
 criminal ou fiscal, decorrentes do princípio da legalidade, constante dos n.ºs 1 
 e 3 do artigo 29º da Constituição, conduz a uma aplicação analógica ou extensiva 
 de determinados preceitos, ultrapassando o campo semântico dos conceitos 
 jurídicos empregues pelo legislador. Esse entendimento teve expressão no Acórdão 
 n.º 674/99 (publicado na 2ª Série do Diário da República de 25 de Fevereiro de 
 
 2000) e em jurisprudência maioritária posteriormente reafirmada, que aqui se 
 acolhe integralmente, por manter inteira validade.
 Escreveu-se, a este propósito, no referido acórdão:
 
 “ [...]
 Com efeito, o recorrente não questiona que o conteúdo da norma, com a 
 interpretação adoptada, seja compatível com o texto constitucional – 
 nomeadamente, não questiona que a norma em causa pudesse proceder, por opção 
 expressa do legislador, à referida incriminação quando ocorresse apenas reserva 
 mental de incumprimento. O que vem questionado pelo recorrente nos presentes 
 autos é tão-só que o julgador possa alcançar esse mesmo conteúdo normativo 
 através de um processo interpretativo, já que, ao fazê-lo através de uma forma 
 desrespeitadora dos limites fixados à interpretação da lei criminal, viola 
 necessariamente o princípio da legalidade penal. Ou seja, não se questiona que o 
 comportamento do recorrente possa ser objecto de uma incriminação, apenas se 
 questiona se ele preenche efectivamente o tipo legal do crime de burla. 
 Conclui-se, assim, inequivocamente, que o que vem impugnado pelo recorrente não 
 
 é a norma, em si mesma considerada, mas antes, a decisão judicial que a aplicou, 
 por via de um processo interpretativo constitucionalmente proibido.
 Ora, tal questão – por não respeitar a uma inconstitucionalidade normativa, mas 
 antes a uma inconstitucionalidade da própria decisão judicial - excede os 
 poderes de cognição do Tribunal Constitucional, uma vez que, entre nós, não se 
 encontra consagrado o denominado recurso de amparo, designadamente na modalidade 
 do amparo contra decisões jurisdicionais directamente violadoras da 
 Constituição.
 De todo o modo, mesmo que se entendesse que este Tribunal ainda era competente 
 para conhecer das questões de inconstitucionalidade resultantes do facto de se 
 ter procedido a uma constitucionalmente vedada integração analógica ou a uma 
 
 «operação equivalente», designadamente a uma interpretação «baseada em 
 raciocínios analógicos» (cfr. declaração de voto do Consº Sousa e Brito ao 
 citado Acórdão nº 634/94, bem como o já mencionado Acórdão nº 205/99), o que 
 sempre se terá por excluído é que o Tribunal Constitucional possa sindicar 
 eventuais interpretações tidas por erróneas, efectuadas pelos tribunais comuns, 
 com fundamento em violação do princípio da legalidade. 
 Aliás, se assim não fosse, o Tribunal Constitucional passaria a controlar, em 
 todos os casos, a interpretação judicial das normas penais (ou fiscais), já que 
 a todas as interpretações consideradas erróneas pelos recorrentes poderia ser 
 assacada a violação do princípio da legalidade em matéria penal (ou fiscal). E, 
 em boa verdade, por identidade lógica de raciocínio, o Tribunal Constitucional, 
 por um ínvio caminho, teria que se confrontar com a necessidade de sindicar toda 
 a actividade interpretativa das leis a que necessariamente se dedicam os 
 tribunais – designadamente os tribunais supremos de cada uma das respectivas 
 ordens –, uma vez que seria sempre possível atacar uma norma legislativa, quando 
 interpretada de forma a exceder o seu «sentido natural» (e qual é ele, em cada 
 caso concreto?), com base em violação do princípio da separação de poderes, 
 porque mero produto de criação judicial, em contradição com a vontade real do 
 legislador; e, outrossim, sempre que uma tal interpretação atingisse norma sobre 
 matéria da competência legislativa reservada da Assembleia da República, ainda 
 se poderia detectar cumulativamente, nessa mesma ordem de ideias, a existência 
 de uma inconstitucionalidade orgânica.
 Ora, um tal entendimento – alargando de tal forma o âmbito de competência do 
 Tribunal Constitucional – deve ser repudiado, porque conflituaria com o sistema 
 de fiscalização da constitucionalidade, tal como se encontra desenhado na Lei 
 Fundamental, dado que esvaziaria praticamente de conteúdo a restrição dos 
 recursos de constitucionalidade ao conhecimento das questões de 
 inconstitucionalidade normativa.
 
 [...]”.
 
 3. Esta jurisprudência foi produzida no âmbito de um recurso de fiscalização 
 concreta de inconstitucionalidade fundamentado na alínea b), do n.º 1, do art.º 
 
 70º da Lei n.º 28/82, em que a decisão recorrida aplicou uma 'norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo'. Ela é, todavia, 
 inteiramente transponível para o caso dos autos, em que, ao invés, nos 
 encontrarmos face a uma situação de 'recus[a] de aplicação de qualquer norma, 
 com fundamento em inconstitucionalidade' e, consequentemente, no âmbito de um 
 recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade fundamentado na alínea 
 a), do nº 1, do art.º 70º da mesma Lei. Na verdade, não deixaria de constituir 
 uma situação anómala se o Tribunal considerasse que uma determinada questão não 
 
 é de inconstitucionalidade normativa, susceptível de ser apreciada pelo Tribunal 
 Constitucional, se suscitada no âmbito de um recurso de fiscalização concreta de 
 inconstitucionalidade fundado na referida alínea b), do n.º 1, do art.º 70º da 
 Lei n.º 28/82, mas já assim não entendesse se da alínea a) se tratasse.
 Ora, na verdade e em rigor, o que a decisão recorrida considerou violador da 
 Constituição foi o facto de uma determinada interpretação das normas constantes 
 dos artigos 335º e 337º do Código de Processo Penal (versão de 1987), conjugadas 
 com a da alínea d), do n.º 1, do artigo 120º do Código Penal (versão de 1982), 
 já tentada nos tribunais, ter sido obtida através de um processo interpretativo 
 
 'extensivo' ou 'analógico', do qual resultou, a final, um entendimento que 
 extravasa o campo semântico dos conceitos utilizados pelo legislador, o que, 
 conflituaria com o princípio da legalidade consagrado nos n.ºs 1 e 3 do artigo 
 
 29º da Constituição. A ser assim, verifica-se que, na decisão recorrida, o que é 
 confrontado com a Constituição não é o resultado normativo obtido, mas sim o 
 referido processo interpretativo, que terá conduzido alguns tribunais àquela 
 interpretação. Mas então haverá que concluir que, também neste caso, não 
 estaremos perante uma questão de inconstitucionalidade normativa.»
 
 [...]
 Essencialmente, e como resulta do parecer do relator, a decisão em crise 
 considerou ofensiva da Lei Fundamental determinada interpretação das normas 
 
 ínsitas nos artigos 335º e 337º do Código de Processo Penal (versão citada 
 naquele mesmo despacho), em conjugação com o art.º 120º, n.º 1, alínea d) do 
 Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82 (interpretação essa que teria 
 sido tentada por alguns tribunais), já que a mesma teria sido alcançada por meio 
 de um processo que conduziria a uma aplicação «extensiva», «analógica» ou 
 
 «actualista» que, por força do princípio da legalidade penal, ultrapassava o 
 campo semântico dos conceitos que o legislador utilizou ao redigir aqueles 
 preceitos.
 Mas, se isto é assim, então há que concluir que é o próprio processo 
 interpretativo que porventura teria sido levado a efeito pelas decisões dos 
 tribunais que «tentaram» a dita interpretação que é o questionado pelo despacho 
 ora recorrido. E, neste contexto, nenhuma diferença se depara relativamente aos 
 casos em que este Tribunal (embora não unanimemente) tem considerado como não 
 podendo constituir uma questão de inconstitucionalidade normativa sobre a qual 
 possam recair os seus poderes cognitivos e que têm tradução no já citado Acórdão 
 n.º 674/99. É que, como se reafirma, não cabe no âmbito do controlo normativo 
 cometido ao Tribunal Constitucional a verificação da ocorrência de uma alegada 
 interpretação, seja ela ‘criativa’ ou ‘extensiva’, de uma norma penal, em 
 invocada colisão com os princípios da legalidade e da tipicidade.”
 
  
 Esta jurisprudência é integralmente transponível para os presentes autos, pelo 
 que, reiterando-a, haverá que concluir pela impossibilidade de conhecimento do 
 recurso, a isso não obstando o facto de o recorrente alegar ainda, sem que, 
 todavia, fundamente minimamente tal alegação, a violação dos “princípios do 
 poder punitivo do Estado baseado em critérios objectivos e protecção dos 
 arguidos contra abusos processuais, consagrados no n.º 4 do artigo 20º, n.º 1 do 
 artigo 27º e n.º 1 do artigo 30º da CRP”, limitando-se apenas a acrescentá-la à 
 acusação de violação dos princípios da legalidade e da tipicidade.
 
  
 
 11.2. O recorrente invoca, ainda, a inconstitucionalidade orgânica da norma do 
 n.º 1 do artigo 336º do Código de Processo Penal por considerar que, ao fazer-se 
 a interpretação constante da decisão recorrida, se está a atribuir àquele artigo 
 
 336º, n.º 1, “uma dimensão normativa que não se encontra compreendida na Lei de 
 Autorização Legislativa n.º 43/86, de 26 de Setembro”. Constata-se, porém, que 
 se verificam aqui, rigorosamente, pelo menos, as mesmas dificuldades que foram 
 apontadas para fundamentar a impossibilidade de conhecimento da questão da 
 inconstitucionalidade material, o que, tendo em conta os termos em que a questão 
 
 é colocada pelo recorrente, implica também o não conhecimento da questão da 
 inconstitucionalidade orgânica.
 
  
 
 12. Assim sendo, não pode efectivamente o Tribunal Constitucional conhecer do 
 objecto do recurso, por se entender que as questões colocadas perante este 
 Tribunal não são questões de constitucionalidade normativa, não cabendo nos 
 poderes de cognição do mesmo.
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 (dez) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 2 de Novembro de 2005
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Vencida em parte, nos
 termos de declaração junta)
 Vítor Gomes (Vencido em parte, nos termos da declaração junta).
 Artur Maurício
 
  
 Declaração de voto
 
  
 Como primitiva relatora, pronunciei-me no sentido do conhecimento da 
 inconstitucionalidade material e  no sentido da inconstitucionalidade, por 
 entender que a interpretação adoptada na decisão recorrida excede o sentido 
 possível das “palavras da lei” – no caso, no n.º 1 do artigo 336º do Código de 
 Processo Penal (versão relevante). Ler na expressão “implica a suspensão dos 
 termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido” a 
 consagração de um caso de suspensão da prescrição do procedimento criminal 
 ultrapassa o sentido possível da letra da lei, interpretada com as limitações 
 próprias da lei penal “incriminadora”.
 
  
 Julgaria, pois, inconstitucional a norma do artigo 336º, n.º 1, do  Código de 
 Processo Penal de 1987, na redacção originária, conjugada com a norma do artigo 
 
 119º, n.º 1, do Código Penal de 1982, também na sua versão originária, quando 
 interpretada no sentido de a declaração de contumácia constituir causa de 
 suspensão de prescrição do procedimento criminal, por violação do princípio da 
 legalidade penal (n.º 1 do artigo 29º da Constituição).
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 
  
 
  
 Declaração de voto
 
  
 
             Votei, em divergência com o entendimento que fez vencimento, que o 
 Tribunal deveria conhecer do objecto do recurso no que respeita à alegada 
 inconstitucionalidade orgânica, por não considerar que procedam as mesmas razões 
 que foram apontadas para não tomar conhecimento da questão da 
 inconstitucionalidade material (O Ministério Público opôs a tal conhecimento 
 razões de outra natureza, que foram afastadas no n.º 10 do acórdão, que 
 acompanho). 
 Determinado o sentido com que a norma foi aplicada no caso concreto, é o sentido 
 normativo assim adquirido que cumpre confrontar com a autorização legislativa 
 para saber se o legislador autorizado poderia editá-la com tal conteúdo. A 
 circunstância de o Tribunal não poder sindicar, por desrespeito aos limites 
 constitucionais de interpretação da lei penal, o processo interpretativo 
 mediante o qual o tribunal da causa alcançou esse sentido normativo é 
 irrelevante para as operações que lhe cumpre efectuar na averiguação da 
 inconstitucionalidade orgânica. Esse conteúdo passa, então, a apresentar-se ao 
 Tribunal como um dado indiscutível do direito ordinário; constitui, para efeitos 
 do presente processo, a norma imputável ao legislador autorizado, não colocando 
 o seu confronto com a lei de autorização legislativa, no que respeita à 
 submissão ao valor paramétrico dessa lei, problemas distintos daqueles que se 
 deparariam se aquela outra questão não tivesse sido debatida. 
 
  
 Vítor Gomes