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Processo n.º 997/04
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
 (Conselheira Fernanda Palma)
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 no art. 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua 
 actual versão, do despacho proferido pelo Presidente da Relação do Porto, de 6 
 de Julho de 2004, que lhe indeferiu a reclamação, deduzida nos termos do art. 
 
 405º do Código de Processo Penal (CPP), contra despacho do Tribunal de Instrução 
 Criminal do Porto que não lhe admitiu o recurso interposto de decisão que 
 indeferiu a produção de prova oferecida no requerimento de abertura de 
 instrução.
 
  
 
             2 – No processo n.º 3127/00.5JAPRT (Instrução 197/03 – 3º A), 
 pendente no referido tribunal de instrução criminal, em que figura, entre 
 outros, como arguido, o ora recorrente requereu a abertura de instrução, pedindo 
 a inquirição como testemunhas de diversas pessoas e a notificação de diversas 
 entidades para estas juntarem aos autos os documentos que referiu.
 
             A Juíza de Instrução Criminal, por despacho de 27 de Outubro de 
 
 2003, indeferiu a produção da prova requerida, considerando, em resumo, que a 
 produção de parte da prova testemunhal não era, sequer, legalmente admissível 
 
 (caso da prova testemunhal traduzida na audição dos co-arguidos), e que, no 
 tocante às demais, se verificava situação prevista no art. 291º, n.º 1, do CPP, 
 por as diligências instrutórias se lhe afigurarem completamente inúteis para a 
 decisão instrutória, servindo apenas para protelar o processo.
 
  
 
             3 – Desta decisão, o arguido, ora recorrente, interpôs recurso para 
 a Relação do Porto.
 
             A Juíza de Instrução Criminal não admitiu, porém, esse recurso 
 
 (despacho de fls. 37), por haver considerado que, face ao disposto no art. 291º, 
 n.º 1, do CPP, “apenas da reclamação apresentada ao JIC daquele despacho 
 
 [referido no preceito] é possível recorrer-se”.
 
  
 
             4 – Inconformado com este despacho de rejeição do recurso, o ora 
 recorrente reclamou, nos termos do art. 405º do CPP, para o Presidente da 
 Relação do Porto, suscitando, no respectivo articulado, entre o mais, a 
 inconstitucionalidade da norma constante do art. 291º, nº 1, 2ª parte, do CPP, 
 
 “na parte em que estatui a irrecorribilidade do despacho que indefere 
 diligências instrutórias requeridas pelo arguido”, por violação do disposto no 
 art. 32º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
             5 – Esta reclamação, bem como a inconstitucionalidade nela 
 suscitada, foram desatendidas pelo despacho ora recorrido que se fundamentou nas 
 seguintes considerações:
 
  
 
 «Segundo art. 399º do CPP, 'É permitido recorrer ... dos despachos cuja 
 irrecorribilidade não estiver prevista na lei.'. O que não é mais do que uma 
 explanação do princípio constitucional do duplo grau de jurisdição. Este, na 
 verdade, decorre de preceitos vários da CRP, entre outros: art. 20º ('A todos é 
 assegurado o acesso ao direito...'; art. 32º-nº 1 ('...assegura todas as 
 garantias de defesa, incluindo o recurso'; art. 32º-nº 5 (... tem estrutura 
 acusatória... e os actos instrutórios subordinados ao princípio do 
 contraditório'; art. 209º-nº 1-a) - '... existem ... tribunais judiciais de 1ª e 
 de 2ª instância;'. 
 Daí que, quando surge uma norma que restringe princípios gerais, deve atentar-se 
 nesse segmento por forma a retirarem-se as respectivas ilações. Porém, uma delas 
 
 é, precisamente, quando estamos perante uma excepção e porque é excepção, não a 
 devemos destruir e, muito menos, conferir-lhe interpretações de vertente 
 extensiva. Daí que se imponha a sua aplicação só em circunstâncias muito 
 especiais.
 Sendo a regra não haver recurso do despacho em causa, desde logo, como excepção 
 que é, deve constituir um travão para interpretações 'extensivas' e, muito 
 menos, 'analógicas'. E, sabendo isso o Legislador, não consagrou regime especial 
 e até mesmo retirou o regime geral, é porque é sua intenção, positivamente, ... 
 não conceder outro regime, pelo que não pode concluir-se pela existência duma 
 lacuna da lei.
 Quanto a lacunas, face aos argumentos invocados - mas nem se alega a sua 
 existência - convirá recordar que 'lacuna' é a lei não prever a situação e, não 
 a prevendo, não a regula. Ora, como vimos, a situação é perfeitamente vulgar, o 
 legislador previu-a, como veremos.
 Se a lei proíbe o recurso do despacho em causa é porque e na medida em que 
 aceita que está, efectivamente, cumprido o requisito para a admissão da 
 instrução - 'comprovação judicial'. Daí que a exigência da admissibilidade de 
 recurso dessa mesma decisão é extravasar o que se consigna no art. 286º-nº 1.
 Não são, pois, necessárias interpretações, seja de que índole for, uma vez que 
 só há necessidade de interpretar uma lei quando ela não é clara - e esta é mais 
 do que inequívoca - no sentido, como na letra. O Reclamante é que careceu de se 
 sustentar em interpretações para concluir, como concluiu. Como, pois, pretender 
 uma tal interpretação... extensiva?
 E, sendo como é, uma decisão intercalar, na medida em que não constitui uma 
 decisão sobre a verificação real da prática dos factos ilícitos, culpa e pena, 
 porque é que se invoca o direito constitucional do recurso?
 Que nem é isso que a CRP consagra in totum, ou seja, que toda e qualquer decisão 
 judicial pode e deve gozar do duplo grau de jurisdição. Designadamente, o art. 
 
 32º-nº 1.
 O CPP regula o regime de recursos e, embora começando por determinar a regra 
 geral da sua admissibilidade, pelo art. 399º, o certo é que o mesmo normativo 
 restringe: 'cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei'.
 E tal diploma não mereceu oposição, a nível das inconstitucionalidades, neste 
 segmento, aquando da sua aprovação geral.
 Há opiniões em sentido contrário, sem dúvida, mas em situações muito 
 específicas, e apenas por votos isolados, não maioria - com força, pois, de 
 meras 'opiniões'. 
 De facto, o art. 291º-nº 1 dispõe: 'O juiz indefere, por despacho irrecorrível, 
 os actos requeridos que não interessarem à instrução ou servirem apenas para 
 protelar o andamento do processo'; e, de imediato, acrescenta, em alternativa: 
 
 'e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que considera úteis, sem prejuízo da 
 possibilidade de reclamação'. Goza o juiz de plenos poderes de decisão sobre a 
 conveniência das diligências a realizar. É a uma decisão dessa natureza que a 
 lei retira o duplo grau de jurisdição. Como este é um direito de âmbito geral, 
 só são admissíveis excepções quando a lei for de sentido inequívoco. O que é o 
 caso.
 O que se requer tão-pouco pode ser objecto de recurso por força do que se dispõe 
 no art. 400º-nº 1-b): 'Não é admissível recurso ... De decisões que ordenam 
 actos dependentes da livre resolução do tribunal' - no que versa ao despacho de 
 indeferimento de provas.
 Se se pretende, como o art. 286º-nº 1 faz pretender, que deve haver uma 
 
 'comprovação «judicial» da decisão de deduzir acusação, então tal poderia e 
 deveria ocorrer aquando do despacho a proferir ao abrigo do art. 311º. O que não 
 acontece, tendo sido mesmo eliminada a hipótese de apreciação ao nível de 
 indícios. O Legislador acaba, portanto, por dar e retirar. Mas é o Legislador 
 quem dá e tira.
 Neste sentido, continuamos a entender que a “instrução” é um dos grandes 
 factores do insucesso dos Tribunais. E o mais grave é que tudo começa pela 
 concessão da lei, ao estabelecer, como princípio, além do mais, que a “instrução 
 visa a «comprovação» judicial da decisão de deduzir acusação”. Desde logo, com a 
 inultrapassável contradição de que quem detém a titularidade da acção penal é o 
 MP ou então o Assistente. Quando afinal retiram-se poderes ao juiz do 
 julgamento, tudo se concedendo para que o «julgamento» se processe antes e por 
 quem não é o órgão naturalmente consagrado para tal.
 No fundo e com toda a clareza, o que a Reclamação pretende é evitar um 
 julgamento. À nossa secretária não param de chegar 'reclamações', todas elas à 
 volta da mesma questão e sob o fundamento quase comum: o arguido goza do direito 
 constitucional de não ser julgado a não ser - somos obrigados quase a concluir - 
 quando há a 'certeza' de que vai ser condenado. Ora, tal constitui todo um 
 desvirtuamento de todo um sistema adjectivo penal, que consagra o momento 
 adequado para uma tal decisão a 'audiência de julgamento'.
 E aí que fica definido o princípio da 'presunção de inocência', valendo a 
 acusação como 'acusação', a pronúncia como 'pronúncia', mantendo-se aquele 
 princípio até ao julgamento com plena validade e significado, terminando pela 
 condenação ou mantendo-se, com absoluto vigor, além do que lhe advém da natureza 
 definitiva.
 Além de que poderão sobrevir circunstâncias várias que eliminam a necessidade de 
 se interpor recurso - quanto mais não seja a própria absolvição.
 Causa perturbações e incómodos? Aceita-se. Todavia, incómodos, não são 
 fundamento de admissão do recurso. Sem dúvida que a lei pretende evitar o 
 julgamento, mas quando está reunido um conjunto fáctico-penal que aponta para 
 uma forte dose de obstar à condenação a final. Não podemos esquecer que o que é 
 verdadeiramente importante, mesmo quando se invoca a presunção de inocência, é 
 
 ... uma condenação sem que estejam garantidos todos os direitos de defesa. E... 
 condenação ainda não houve.
 Não se fale em 'honra' e 'bom nome': são valores constitucionais, mas com 
 repercussões noutros campos, jamais de um julgamento eventualmente 
 desnecessário. Este até pode traduzir-se num meio de confirmar esse bom nome: 
 alguém é denunciado, constituído arguido, acusado, pronunciado e julgado e o 
 Tribunal, com toda a pompa e circunstância, 'absolve e manda em paz, por se ter 
 provado que não cometeu o crime - para que conste'. Alarme social com o 
 julgamento... mas afinal agora até reivindica-se a quebra do segredo de justiça, 
 mesmo na fase do inquérito?!
 Celeridade processual? Também, sem dúvida, que é a causa da opção do legislador. 
 Esta atinge-se, ao contrário do que se alega e reclama, pelo prosseguimento dos 
 autos, nada obstando que as questões suscitadas sejam, de novo, suscitadas em 
 sede de contestação e rol para julgamento.
 Na grande maioria dos casos, com a admissão do recurso, a celeridade corre 
 sempre os maiores senão todos os riscos.
 No caso vertente, o processo já se encontra em plena fase de julgamento, mas 
 ainda aqui andamos por questões interlocutórias.
 Economia processual? Quem nos garante que nem vem a ser necessário interpor o 
 recurso? Economia ... princípio que preocupa o julgador, quando afinal é por 
 demais esgotado por quem afinal impede o regular processamento. Criou-se o 
 Estado de Direito e toda a razão da sua subsistência visa, em 1ª linha, a defesa 
 dos direitos dos ... lesados. O que se pretende com a interrupção - retrocesso, 
 em boa verdade – é que o procedimento criminal corra o seu curso normal. 
 Portanto, há que conceder 'direitos' com as maiores cautelas e reservas.
 De nada vale, pois, valorar o princípio da Economia Processual ao ponto de lhe 
 conferir prioridade, quando todo o diploma é inovador na preferência consagrada 
 
 à celeridade.
 De qualquer maneira, para o TC não há ofensa dos direitos constitucionais se 
 alguém for sujeito a julgamento, ainda que, posteriormente, se venha a decidir a 
 extinção da instância por uma qualquer questão prévia que obste ao conhecimento 
 do mérito da causa crime, porquanto não está constitucionalmente consagrado 
 qualquer direito a não ser submetido a julgamento.
 
 'As garantias de defesa…” ... Reza, expressamente, o acórdão que 'Não há 
 ofensa... ', pelo que respondida fica a alegação de que 'viola os direitos de 
 defesa'.
 Medidas de coacção… sem dúvida, mas isso são questões meramente acessórias e que 
 até já existem numa fase muito anterior à própria instrução e quando a recolha 
 de prova ainda não teve o acompanhamento jurisdicional.
 Se sobrevém uma alteração legislativa em determinado segmento e não há 
 acompanhamento noutro, é apenas porque o Legislador assim entendeu, pelo que não 
 pode pretender-se uma alteração das decisões, ainda que a nível da CRP, a ponto 
 de se exigir agora apagar a legislada irrecorribilidade. Mantenha-se, pois, a 
 
 'leitura' da Lei 59/98, de 2-8, nos seus estritos limites que a mesma oferece.
 Nem há contradição alguma, nem tão-pouco necessidade de 'conjugação' de normas, 
 funcionando cada uma no respectivo segmento concreto: é irrecorrível o despacho 
 que indefere as diligências, como poderia ser admissível recurso se assim 
 entendesse o Legislador; como pode também ser irrecorrível o despacho de 
 pronúncia se conforme com a acusação, também como poderia ser recorrível, se 
 fosse essa a opção do Legislador. Opções, portanto, sob o prisma de funcionar o 
 regime adjectivo com vista ao seu fim último - o julgamento.
 Se, eventualmente, houve omissão de pronúncia, também é absolutamente 
 irrelevante no que versa ao recurso do despacho que indefere diligências. Em 
 processo penal, as nulidades são tratadas em conjunto com a decisão de que a 
 mesma pode enfermar só quando elas ocorrem na sentença - não em fase intercalar. 
 Conforme o que se dispõe no art. 379º-nº 2.
 E a 'subversão' do regime adjectivo é tal que até agora se pretende que, em sede 
 de reclamação, se admita recurso e se defina o seu momento de subida. 
 Convenhamos... 
 Há que rectificar conceitos, colocando-os na escala dos 'direitos', sim, mas que 
 tenham sido concedidos, de facto, pela lei. E, se atentarmos na natureza das 
 regras que regulam o regime dos recursos, não deve considerar-se um direito, 
 mas, sim, o que a lei entendeu por mais conveniente para o processo - que não 
 propriamente para as partes.
 Os considerandos presentes contribuem para nos assinalar um caminho. E esse é o 
 de que o despacho sobre admissibilidade de diligências é, de facto, 
 irrecorrível. E é-o, porque o Legislador pretende que, uma vez recolhida a 
 prova, no local, no momento e por quem é o titular do seu regular exercício, 
 deve partir-se para o julgamento. Que irá debruçar-se sobre a 'acusação'.
 A 'comprovação judicial' nem deve constituir uma bandeira com a força que se lhe 
 quer atribuir. É que ela vale por si. Como lei adjectiva que é. Não... 
 constitucional. Na verdade, não lobrigamos qualquer preceito no diploma 
 constitucional que confira a obrigatoriedade da instrução, ainda que a título de 
 direito, como 'comprovação'. E - repare-se - bem ao contrário do direito 
 anterior ... à Revolução de Abril, Aí, sim, havia uma instrução com juiz, havia, 
 duas instruções. Obrigatoriamente. Com a querela ' provisória' e 'definitiva'. 
 Mas… no CPP de 1929».
 
  
 
             6 – Desta decisão, o reclamante interpôs recurso para o Tribunal 
 Constitucional, pedindo a apreciação da “inconstitucionalidade da norma contida 
 no artigo 291º, nº 1, 2ª parte, do Código de Processo Penal, que determina a 
 irrecorribilidade do despacho de indeferimento de todas as diligências 
 instrutórias requeridas por um arguido”.
 
  
 
             7 – Alegando sobre o objecto do recurso, no Tribunal Constitucional, 
 assim concluiu o recorrente o seu discurso argumentativo:
 
  
 
 «1ª A Lei nº 59/98, de 2 de Agosto, veio introduzir, na 2ª parte do nº 1 do 
 artigo 291º do CPP, o vocábulo «irrecorrível», com referência ao despacho que 
 indefere o requerimento de diligências instrutórias, passando assim este 
 preceito legal a dispor que «o juiz indefere, por despacho irrecorrível, os 
 actos requeridos que não interessarem à instrução ou servirem apenas para 
 protelar o andamento do processo (...), sem prejuízo da possibilidade de 
 reclamação».
 
  
 
 2ª: A norma prevista actualmente na 2ª parte do nº 1 do artigo 291º do CPP, na 
 parte em que determina a irrecorribilidade do despacho sub iudice, é 
 inconstitucional, por violar as garantias de defesa do arguido, consagradas 
 constitucionalmente, no art. 32º, nºs 1 e 2, da Constituição, designadamente o 
 direito ao recurso, o princípio da presunção de inocência do arguido e o direito 
 
 à não submissão a julgamento sem que tenha havido uma efectiva comprovação 
 judicial da existência de indícios suficientes da prática de um crime.
 
  
 
 3ª: Todos os argumentos, acima expostos, que determinam a inconstitucionalidade 
 da norma da 2ª parte do nº 1 do artigo 291º do CPP, por violação do artigo 32º, 
 nºs 1 e 2, da Constituição, são potenciados pelo facto de ser também 
 irrecorrível o despacho que pronuncia o arguido nos exactos termos da acusação.
 
  
 
 4ª: A recorribilidade do despacho que indeferisse diligências probatórias 
 requeridas pelo arguido foi expressamente considerada, pelo Tribunal 
 Constitucional, como pressuposto essencial da não inconstitucionalidade do 
 artigo 310º, nº 1, do CPP, o que bem demonstra a sua importância para o cabal 
 exercício dos direitos de defesa do arguido.
 
  
 Por todo o exposto, uma correcta ponderação dos interesses constitucionalmente 
 protegidos leva à conclusão da inconstitucionalidade da 2ª parte do nº 1 do 
 artigo 291º do CPP, por violação do art. 32º, nºs 1 e 2, da Constituição, na 
 parte em que estatui a irrecorribilidade do despacho que indefere diligências 
 instrutórias requeridas pelo arguido, pelo que a norma em causa deverá ser 
 declarada inconstitucional».
 
             
 
             8 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional, 
 contra-alegou e, após apelar para a jurisprudência anterior que citou, concluiu 
 do seguinte jeito:
 
  
 
 «1 - O direito ao recurso, incluído nas garantias de defesa do arguido, não 
 implica que todas as decisões proferidas pelo juiz, ao longo de todas as fases 
 do processo penal, sejam recorríveis, podendo a lei delimitar tal direito, 
 quando não estiver em causa a aplicação de medidas coactivas, privativas da 
 liberdade, ou a decisão final condenatória.
 
 2 - Não constitui limitação ou restrição de tal direito ao recurso o regime que 
 se traduz em denegar a possibilidade de recorrer de actos praticados na fase de 
 instrução, nomeadamente quando estiver em causa uma valoração prudencial pelo 
 juiz das provas a produzir ou a avaliação da suficiência dos indícios existentes 
 contra o arguido.
 
 3 - Termos em que deverá improceder o presente recurso».
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
  
 
             9 – A primeira questão que poderá colocar-se é a de saber se a 
 dimensão normativa do art. 291º, n.º 1, segunda parte, do CPP, cuja 
 constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada, foi efectivamente 
 aplicada pela decisão agora recorrida.
 
             E tal dúvida tem sentido na medida em que o despacho da Juíza de 
 Instrução Criminal, que rejeitou a interposição de recurso da decisão que 
 indeferiu a realização de diligências probatórias, pedidas no requerimento de 
 instrução pelo arguido, admite, expressamente, que se possa recorrer, não dessa 
 decisão, mas da reclamação que contra ela seja apresentada, nos termos do mesmo 
 preceito, e o despacho do Presidente da Relação do Porto (PRP) conclui, após 
 longa fundamentação, pelo indeferimento da “reclamação (…) apresentada (…), por 
 não ter sido admitido o recurso do despacho de indeferimento de todas as provas 
 oferecidas no requerimento de abertura da instrução”. 
 
             Poder-se-á, assim, cogitar se o despacho de indeferimento do PRP, ao 
 confirmar o decidido anteriormente quanto à não admissão do recurso, não está a 
 aderir, também, à tese expendida no despacho por ele sindicado, de ser 
 admissível recurso, não do despacho de indeferimento da realização das provas 
 pedida pelo arguido, mas da decisão da reclamação que ele apresente sobre o 
 mesmo despacho.
 
             Considerando, todavia, que a questão de inconstitucionalidade que o 
 ora recorrente lhe colocou, no articulado da reclamação, foi a da 
 inconstitucionalidade da norma constante do art. 291º, n.º 1, 2ª parte, do CPP, 
 que “determina a irrecorribilidade do despacho que indefere diligências de 
 instrução requeridas pelo arguido, no requerimento de instrução”, sem que, aí, 
 se tenha feita qualquer restrição no sentido de que do despacho que indefere 
 diligências instrutórias não cabe recurso imediato, mas antes reclamação, sendo 
 o recurso possível apenas da decisão que a indefira, e que a argumentação em que 
 se abona a decisão agora recorrida não releva, em qualquer sentido, a 
 possibilidade de apresentação de tal reclamação, é de concluir que o despacho do 
 PRP acolheu a interpretação de que do despacho de indeferimento de diligências 
 de instrução nunca cabe recurso, seja imediato, seja mediante prévia reclamação 
 para o JIC.
 
             Temos, assim, de concluir que a norma constitucionalmente sindicada, 
 que foi definida pelo recorrente, corresponde à efectiva ratio decidendi da 
 decisão ora recorrida.
 
             Objecto do recurso de constitucionalidade é, pois, a norma do art. 
 
 291º, n.º 1, segunda parte, do CPP na interpretação segundo a qual determina a 
 irrecorribilidade do despacho que rejeita, por inutilidade e por servirem apenas 
 para protelar o andamento do processo, a realização de diligências probatórias 
 pedida pelo arguido no requerimento de instrução.
 
  
 
             10 – É o seguinte o texto deste preceito na parte que agora 
 interessa:
 
             
 
             'O juiz indefere, por despacho irrecorrível, os actos requeridos, 
 que não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do 
 processo e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que considera úteis, sem 
 prejuízo da possibilidade de reclamação'.
 
  
 
             O Tribunal Constitucional já se pronunciou várias vezes sobre a 
 questão de constitucionalidade desta norma, quer na hipótese de as diligências 
 cuja rejeição rejeitadas serem requeridas pelo arguido (caso, pelo menos, dos 
 Acórdãos nºs 371/2000, 375/2000, 459/2000 e 78/2001, publicados, os três 
 primeiros, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, respectivamente, 47º vol. , 
 p. 701, 47º vol., p. 745, e 48º vol., p. 317, e o último disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt, tendo-se este louvado nos argumentos aduzidos nos 
 anteriores), quer na hipótese de essas diligências serem requeridas pelo 
 assistente (Acórdãos nºs 176/2002 e 464/2003, publicados no Diário da República, 
 II Série, de 7 de Junho de 2002 e de 5 de Janeiro de 2004).
 
  
 
             A dimensão normativa que constitui objecto do recurso corresponde à 
 que foi confrontada com a Lei Fundamental naqueles primeiros arestos. Também 
 aqui está sob censura constitucional o entendimento normativo segundo o qual, 
 nos termos do artigo 291º, n.º 1, do CPP, não é admissível recurso do despacho 
 do juiz de instrução que, por inutilidade e por apenas servir para protelar o 
 andamento do processo, rejeita a realização de diligências probatórias 
 requeridas pelo arguido, no requerimento de instrução.
 
  
 
             Ora, sobre essa questão de constitucionalidade, afirmou-se, inter 
 alia, o seguinte no Acórdão n.º 371/2000:
 
  
 
   «[…]
 
               Especificamente acerca do confronto entre a norma então objecto de 
 recurso com o artigo 20º, nº 1, da Constituição, bem como com o direito ao 
 recurso e a um duplo grau de jurisdição, remeteu-se então para a doutrina do 
 Acórdão n.º 265/94 (Diário da República, II Série, de 19 de Julho de 1994), na 
 parte em que se referira:
 
               ‘A Constituição da República não estabelece em nenhuma das suas 
 normas a garantia de existência de um duplo grau de jurisdição para todos os 
 processos das diferentes espécies.
 
               É certo que a Constituição garante a todos o «acesso ao direito e 
 aos tribunais, para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo 
 a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos» (artigo 20º, nº 1) 
 e, em matéria penal, afirma que «o processo criminal assegurará todas as 
 garantias de defesa» (artigo 32º, nº 1). Destas normas, porém, não retira a 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional a regra de que há-de ser assegurado o 
 duplo grau de jurisdição quanto a todas as decisões proferidas em processo 
 penal.
 
               A garantia do duplo grau de jurisdição existe quanto às decisões 
 penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação 
 do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros 
 direitos fundamentais.
 
               Sendo embora a faculdade de recorrer em processo penal uma 
 tradução da expressão do direito de defesa (veja-se, nesse sentido, o Acórdão nº 
 
 8/87 do Tribunal Constitucional, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º 
 vol., p. 235), a verdade é que como se escreveu no Acórdão nº 31/87 do mesmo 
 tribunal, «se há-de admitir que essa faculdade de recorrer seja restringida ou 
 limitada em certas fases do processo e que, relativamente a certos actos do 
 juiz, possa mesmo não existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo 
 essencial dessa mesma faculdade, ou seja, o direito de defesa do arguido»’.
 
               Sobre a questionada regra da irrecorribilidade, quando confrontada 
 com o «princípio da plenitude das garantias de defesa», recordou-se o afirmado 
 no Acórdão nº 610/96 (Diário da República, II Série, de 6 de Julho de 1996), em 
 que se escrevera:
 
               ‘[...] o que se questiona no presente recurso é se o desígnio de 
 celeridade, que é consagrado constitucionalmente, legitima a irrecorribilidade 
 de certas decisões instrutórias: justamente os despachos de pronúncia que não 
 alteram os factos constantes da acusação do Ministério Público. E a resposta a 
 esta questão indica que a celeridade não só é compatível com as garantias de 
 defesa, podendo coincidir com os fins de presunção de inocência, como é 
 instrumental dos valores últimos do processo penal – a descoberta da verdade e a 
 justa decisão da causa –, próprios de um Estado democrático de direito.
 
               [...]
 
               Apenas é irrecorrível, portanto, a decisão instrutória que 
 pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público.
 
               Ora, este regime especial não é arbitrário, encontrando fundamento 
 na existência de indícios comprovados, de modo coincidente, em duas fases do 
 processo: pelo Ministério Público, dominus do inquérito, e pelo juiz de 
 instrução. E o Ministério Público é configurado constitucionalmente como uma 
 magistratura autónoma (artigo 221º, nº 2, da Constituição), sendo concebido, no 
 processo penal, como um sujeito isento e objectivo que pode, nomeadamente, 
 determinar o arquivamento do inquérito em caso de dispensa da pena, propugnar, 
 findo o julgamento, a absolvição do arguido e interpor recurso da decisão 
 condenatória em exclusivo benefício do arguido [...].
 
               Acrescentou-se, ainda:
 
               A lei assegura, como lhe compete para dar cumprimento aos 
 objectivos constitucionais, que o arguido tenha possibilidade de recorrer de uma 
 decisão condenatória. Multiplicar as possibilidades de recurso ao longo do 
 processo seria comprometer outro imperativo constitucional: o da celeridade na 
 resolução dos processos-crime (artigo 32º, nº 2, in fine, da Constituição da 
 República Portuguesa). Ou seja, entre assegurar sempre o duplo grau de 
 jurisdição, arrastando interminavelmente o processo, e permitir apenas o recurso 
 das decisões condenatórias, permitindo uma melhor fluência do processo, o 
 legislador optou decididamente pela segunda via.
 
               Esta opção foi aliás confirmada pela revisão constitucional de 
 
 1997, que aditou ao nº 1 do artigo 32º o segmento ‘incluindo o recurso’. Como se 
 escreveu no Acórdão nº 101/98 (inédito) deste Tribunal, a intenção do legislador 
 constituinte não foi ‘significar que haveria de ser consagrada, sob pena de 
 inconstitucionalidade, a recorribilidade de todas as decisões jurisdicionais 
 proferidas em processo criminal, mas sim que do elenco das garantias de defesa 
 que tal processo há-de assegurar se contará a possibilidade de impugnação das 
 decisões judiciais de conteúdo condenatório, na esteira do que já era entendido 
 pela jurisprudência deste órgão de fiscalização’ (veja-se também, no mesmo 
 sentido, o Acórdão nº 299/98, inédito). O arguido pode sempre, pois, recorrer da 
 decisão condenatória que lhe seja dirigida, e aí contestar todos os vícios que 
 derivem de uma má apreciação de qualquer questão interlocutória.
 
               E, assim, concluiu-se que «a irrecorribilidade da parte do 
 despacho de pronúncia que decide questões prévias ou incidentais não é contrária 
 
 à Constituição da República Portuguesa.»
 
               6. Pois bem: os argumentos então aduzidos, que mantêm inteira 
 validade, são inteiramente transponíveis para a questão de constitucionalidade 
 que agora nos ocupa, conduzindo igualmente a um juízo de não 
 inconstitucionalidade da norma ora objecto de recurso».
 
  
 
             Por seu lado, escreveu-se no Acórdão n.º 375/2000:
 
  
 
   «A instrução não constitui uma fase de obrigatória verificação, antes é 
 colocada na disponibilidade do arguido ou do assistente, com vista à 
 
 ‘comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito 
 em ordem a submeter ou não a causa a julgamento’, conforme se prescreve no nº 1 
 do artigo 286º. É essa a sua vocação e (...) não constitui julgamento prévio da 
 causa.
 
   Ao requerer a instrução, poderá o arguido indicar os actos que pretende sejam 
 levados a cabo, os meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito 
 e os factos que através de uns e outros se espera provar, como resulta do nº 2 
 do artigo 287º, que mais acrescenta não poderem ser indicadas mais de 20 
 testemunhas. O momento culminante desta fase, ao qual se pré-ordenam as 
 diligências a fazer, é o debate instrutório - cuja realização foi determinada no 
 caso concreto - pois que com ele se visa ‘permitir uma discussão perante o juiz, 
 por forma oral e contraditória, sobre se, do decurso do inquérito e da 
 instrução, resultam indícios de facto e elementos de direito suficientes para 
 justificar a submissão do arguido a julgamento’ (artigo 299º, nº 1). Com certeza 
 que o arguido poderá em resultado desse debate obter satisfação da sua possível 
 pretensão de não ser submetido a julgamento, mas do debate, quando dele não 
 resulta a dispensa de julgamento, não pode derivar decisão condenatória nem o 
 despacho de pronúncia tem efeito condenatório.
 
   4. - Não se nega que os actos de instrução, requeridos pelo arguido, 
 constituam uma garantia de defesa do mesmo, pois poderão condicionar a própria 
 realização do julgamento.
 
   Acusado o agente do crime, a instrução surge como meio colocado ao seu dispor 
 para infirmar a acusação que sobre ele impende, e assim, para, pelo menos em 
 alguma medida que lhe venha a ser favorável, contribuir de forma imediata para o 
 sentido do despacho de pronúncia ou, mais relevantemente para ele, de não 
 pronúncia, que a final haverá de ser proferido pelo juiz.
 
   Mas mesmo neste plano, «a Constituição não estabelece qualquer direito dos 
 cidadãos a não serem submetidos a julgamento, sem que previamente tenha havido 
 uma completa e exaustiva verificação de existência das razões que indiciem a sua 
 presumível condenação. O que a Constituição determina no nº 2 do artigo 32º é 
 que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de 
 condenação’. (cf. Acórdão nº 474/94, publicado nos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 28º vol., pág. 402, transcrevendo o Acórdão nº 31/87, publicado 
 nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º vol.)
 
   As coisas são assim considerada a posição do arguido. Vistas as coisas na 
 perspectiva da ordenação funcional do processo, se não for requerida a instrução 
 
 - uma vez que esta é facultativa (nº 2 do artigo 286º) - o processo é submetido 
 ao juiz para o exclusivo efeito do artigo 311º do Código de Processo Penal. A 
 instrução não elimina a necessidade de uma decisão do juiz, antes a difere no 
 tempo para entretanto permitir inserir na marcha da tramitação elementos de 
 contraditório sobre se se justifica a submissão do arguido a julgamento (cf. 
 artigo 298º).
 
   Nesta perspectiva, a instrução não perde a natureza de fase preparatória de um 
 acto decisivo na estrutura do processo que aprecia os indícios de facto e os 
 elementos de direito até então reunidos do ponto de vista da sua suficiência 
 para neles se fundar um julgamento. É essa a sua destinação principal e é por 
 isso que, embora seja facultativa, por depender da iniciativa das partes, uma 
 vez decidida a sua abertura, também nela o próprio juiz poderá praticar ou 
 ordenar oficiosamente actos que considerar úteis (nº 1 do artigo 291º, já 
 transcrito, bem como artigo 299º). 
 
   5. - O intérprete inserido no espírito do sistema terá de concluir que a 
 finalidade principal não deverá ser prejudicada por meios postos ao dispor do 
 arguido que este, legitimamente, operará com vista a defender-se da acusação. A 
 opção legislativa não merecerá porém censura se às garantias de defesa de que o 
 arguido pode lançar mão, relacionadas com a contradita e demonstração da 
 insubsistência da prova ou da inaplicabilidade das disposições incriminatórias, 
 estiver assegurada efectivação no desenvolvimento do processo. Nomeadamente, é 
 legítimo ao legislador reservar para a efectivação de certas garantias a 
 instância ou fase processual que julgar adequada e entender que essa é a fase de 
 julgamento. A razão é simples: só verdadeiramente nesta fase terminal é que o 
 arguido se vê confrontado directamente com a eventualidade de contra ele ser 
 decidida uma condenação.
 
   Assim sendo, os actos de instrução inserem-se em uma cadeia de momentos todos 
 eles encaminhados para a decisão final, que, uma vez obtida, apaga a autonomia 
 relativa de cada um dos actos e momentos antecedentes. Cada fase desempenha uma 
 determinada função que aproveita, complementa, aperfeiçoa e corrige, quando 
 necessário, o que anteriormente foi sendo carreado para o processo, e a decisão 
 final acaba por consumir, no seu sentido último, que é a absolvição ou a 
 condenação, todos os elementos que para ela relevaram. Precisamente porque assim 
 
 é, a fase do julgamento é aquela em que a defesa do arguido requer o mais 
 elevado grau de garantias, para além do respectivo núcleo essencial e, 
 nomeadamente, nos termos da jurisprudência do Tribunal, o ‘direito de recorrer 
 da sentença condenatória e dos actos judiciais que privem ou restrinjam a 
 liberdade do arguido ou afectem outros direitos fundamentais seus’ (cf. Acórdão 
 nº 474/94, citado, ibidem, pág. 400).
 
   No caso, a norma em apreciação não incorre em vício por violação do artigo 32º 
 da Constituição, nem nela se encontra uma restrição do conteúdo essencial das 
 garantias de defesa do arguido, situadas, atendendo ao perfil do caso concreto e 
 ao que vem alegado, no asseguramento do princípio do contraditório (nº 5 do 
 artigo 32º). Essas garantias, de conteúdo imediatamente processual, impõe-se que 
 sejam perspectivadas na unidade funcional do processo, e não necessariamente em 
 cada fase separada daquela ou daquelas que se lhe poderão seguir. Na procura de 
 uma solução em que à partida surge afastada a conversão da instrução em 
 antecipação de julgamento, o legislador ponderou em termos adequados a 
 utilização de meios de defesa pelo arguido, não procedendo sequer a uma sua 
 restrição em sentido próprio, antes, limitando-os no quid plus que os mesmos 
 constituem, se se tiver presente qual a vocação própria da instrução.
 
   […]
 
   […] o indeferimento da inquirição de testemunhas não foi, como também não é no 
 plano da lei adjectiva, óbice à determinação da marcação de debate instrutório, 
 que não se pode entender que se torna inútil apenas por ter sido rejeitada a 
 audição de testemunhas. Não sendo antecipação do julgamento, será incongruente 
 transpor para ele, na íntegra, o regime aplicável à produção da prova na fase 
 final. E não será legítimo desvalorizar o debate, por definição de estrutura 
 contraditória, como meio de defesa por si só, realizado como é sob a direcção 
 
 (artigo 301º do Código) e na presença do juiz, com a presença e participação das 
 partes, as quais, no seu decurso, poderão inclusivamente requerer ‘a produção de 
 provas indiciárias suplementares que se proponham apresentar, durante o debate, 
 sobre questões concretas controversas’ (nº 2 do artigo 202º). Aí se dá tradução 
 
 à exigência contida no nº 5 do artigo 32º da Constituição.
 
   Acresce que o legislador condiciona a aplicação da norma constante do artigo 
 
 291º, nº 1, do Código, sempre exigindo ao juiz a verificação de que os actos 
 requeridos não interessam à instrução ou servem apenas para protelar o andamento 
 do processo. Por outro lado, admite a reconsideração da decisão tomada, por via 
 de reclamação a apresentar pelo requerente.
 
   Na opção legislativa a ponderação realizada pelo legislador entre a posição do 
 arguido e a exigência de consideração do processo como unidade funcional por si 
 só pode justificar a solução encontrada. Nesta perspectiva, esta solução 
 situa-se na mesma linha da irrecorribilidade do despacho de pronúncia que acolhe 
 os termos da acusação do Ministério Público. Por outro lado, é aqui relevante o 
 princípio constitucional da celeridade do processo (artigo 20º, nº 4, da 
 Constituição), o qual exige que se evite que o andamento do processo seja 
 protelado «por constantes envios do processo à segunda instância para apreciação 
 de decisões interlocutórias» (Ac. cit., ibidem, pág. 401).
 
   A Constituição, relativamente à instrução, institui uma garantia em sentido 
 próprio, visando dar ao arguido, em conformidade com a estrutura acusatória do 
 processo, a possibilidade de infirmar a prova com base na qual poderá ser 
 acusado, em concreto, estabelecendo que os actos instrutórios que a lei 
 determinar estarão subordinados ao princípio do contraditório (artigo 32º, nº 
 
 5). Tal comando constitucional não chegou a ser posto em crise pelo direito 
 aplicado na decisão sob recurso.
 
   Das considerações que antecedem, centradas nos aspectos nucleares da 
 problemática suscitada, resultam elementos que permitem concluir, sem 
 necessidade de aprofundamentos significativos, pela improcedência da arguição de 
 vícios por violação de outras normas da Constituição.
 
   Com efeito, não ocorre violação dos artigos 20º, nº 1, 209º, nº 1, alínea a), 
 e 210º, nº 1, da Constituição. Em termos gerais, o direito de acesso aos 
 tribunais está, no caso, garantido pelo direito ao recurso da decisão final na 
 qual se poderão projectar insuficiências de elementos de prova, que constituirão 
 fundamentos de recurso dessa decisão.
 
   Da Constituição não se retira a plena recorribilidade de todos os actos 
 praticados pelo juiz ao longo do processo penal ainda que sejam susceptíveis de 
 afectar o arguido. A jurisprudência do Tribunal apenas reconhece a 
 aplicabilidade do princípio de recorribilidade às decisões condenatórias e 
 
 àquelas que impliquem privação ou restrições da liberdade ou de outros direitos 
 fundamentais do arguido.
 
   Por isso, o Tribunal não julgou inconstitucionais normas processuais penais 
 que denegam a possibilidade de o arguido impugnar determinados despachos 
 interlocutórios do juiz, que se limitam a fazer prosseguir o processo (v. 
 Acórdão nº 353/91, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19º vol., entre 
 outros) e, como refere o Ministério Público, também não julgou inconstitucional 
 a norma do artigo 310º, nº 1, do Código de Processo Penal, que considera 
 insusceptível de recurso a decisão instrutória que haja pronunciado o arguido 
 pelos factos constantes da acusação pública (v. Acórdão nº 266/98, publicado no 
 Diário da República, II Série, de 11 de Julho de 1998).
 
   Assim, não consentindo a lei que o despacho, que em sede de instrução indefere 
 a realização de diligências requeridas, seja arbitrário ou discricionário, 
 devendo antes ser fundamentado num juízo que tenta obviar à utilização de 
 expedientes dilatórios através da prática de acto sem interesse para a instrução 
 e para a descoberta da verdade material, não é inconstitucional a norma que 
 prevê a irrecorribilidade de tal despacho, pois as garantias de defesa do 
 arguido não impõem, como se referiu, a recorribilidade de todas as decisões do 
 juiz mas tão-somente das decisões condenatórias e das respeitantes à privação da 
 liberdade e outros direitos fundamentais.
 
 […]».
 
  
 
             E no Acórdão n.º 459/2000 disse-se ainda:
 
   «[…]
 
   Obrigatório e importante na dita fase da instrução é o debate instrutório, 
 oral e contraditório, que visa permitir uma discussão perante o juiz ‘sobre se, 
 do decurso do inquérito e da instrução, resultam indícios de facto e elementos 
 de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento’ 
 
 (artigos 289º, nº 1, e 298º), sendo ele regulado com a minúcia nos artigos 297º 
 a 305º (culminando, após o seu encerramento, com o despacho de pronúncia ou não 
 pronúncia – artigo 307º, o que não se sabe se teve já lugar no presente caso e 
 com que resultado).
 
   Quer a instrução requerida pelo arguido e reduzida a auto, ‘ao qual são juntos 
 os requerimentos apresentados pela acusação e pela defesa nesta fase, bem como 
 quaisquer documentos relevantes para apreciação da causa’ (artigo 296º), quer o 
 debate instrutório obrigatoriamente realizado, não são o julgamento da causa, 
 são antes uma antecâmara do julgamento, se for o caso de ele ter de se efectuar, 
 havendo ‘indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a 
 submissão do arguido a julgamento’. Aliás, o arguido pode mesmo obter a 
 satisfação do seu interesse em não ser submetido a julgamento, se se chegar a um 
 despacho de não pronúncia, após o encerramento do debate instrutório (e também 
 não se sabe se tal resultado foi aqui alcançado).
 
   6. É inquestionável que os actos de instrução requeridos pelo arguido, na 
 medida em que se podem reflectir na sequência processual instrução-julgamento, 
 conduzindo até, na melhor das hipóteses, a um despacho de não pronúncia, são 
 momentos relevantes para garantir a defesa do arguido. Havendo acusação deduzida 
 contra ele, os actos de instrução podem infirmar a acusação ou enfraquecê-la, de 
 modo a que o arguido venha a confiar na prolação de um despacho de não pronúncia 
 ou então na futura absolvição na fase de julgamento, se vier a ser, mesmo assim, 
 pronunciado.
 
   Nesta óptica, o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de dizer, no 
 acórdão nº 474/94, nos Acórdãos, 28º vol., pág. 402, que a Constituição não 
 estabelece qualquer direito dos cidadãos a não serem submetidos a julgamento, 
 sem que previamente tenha havido uma completa e exaustiva verificação de 
 existência de razões que indiciem a sua presumível condenação. O que a 
 Constituição determina no nº 2 do artigo 32º é que todo o arguido se presume 
 inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, pelo que o 
 simples facto de se ser submetido a julgamento não pode constituir, só por si, 
 no nosso ordenamento jurídico, um atentado ao bom nome e reputação’ (cf. ainda o 
 Acórdão nº 54/2000, inédito) 
 
   Só que, face àquele desenho do ritualismo processual criminal, a opção 
 legislativa da natureza irrecorrível do despacho previsto na norma questionada 
 do nº 1 do artigo 291º não pode nunca brigar com as garantias de defesa de que o 
 arguido pode lançar mão, relacionadas com a contradita e demonstração da 
 insubsistência da prova ou da inaplicabilidade das disposições incriminatórias.
 
   Com efeito, a instrução, quando requerida, nos termos expostos, não deixa de 
 ser uma fase preparatória na estrutura do processo, podendo nela o juiz praticar 
 ou ordenar oficiosamente actos que considere úteis (o mesmo nº 1 do artigo 
 
 291º). A instrução é, assim, uma fase processual que não visa propriamente um 
 complemento [do inquérito], antes visa a comprovação pelo juiz do acto 
 acusatório, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Integra, além dos 
 actos que o juiz considera úteis e pertinentes, uma fase obrigatória - o debate 
 instrutório - com a finalidade especifica de apurar se, do decurso do inquérito 
 e da instrução ‘resultam indícios de acto e elementos de direito suficientes 
 para justificar a submissão do arguido ao julgamento’ (artigo 298º).
 
   Esse debate está pensado pelo legislador em termos de permitir, sob o signo 
 dos princípios dispositivo e do contraditório, e também inquisitório, uma ampla 
 produção de prova, com a prática de todos os actos de instrução - e até novos 
 actos de instrução - que permitam apurar os tais indícios de facto e elementos 
 de direito, estando sempre presente o ‘interesse para a descoberta da verdade’ 
 
 (nº 1 do artigo 299º). E não resulta do Código a proibição de se realizarem, no 
 decurso do debate, os actos de instrução que foram requeridos na fase 
 facultativa e o juiz indeferiu por despacho.
 
   Sendo isto assim, e porque, no rigor das coisas, é a fase do julgamento aquela 
 em que a defesa do arguido implica maiores garantias, incluindo o ‘direito de 
 recorrer da sentença condenatória e dos actos judiciais que privem ou restrinjam 
 a liberdade do arguido ou afectem outros direitos fundamentais seus’ (citado 
 Acórdão nº 474/94, pág. 400) – e a sua plena operatividade, já que é aí que o 
 arguido se vê confrontado directamente com a eventualidade de uma condenação -, 
 tem de concluir-se que a norma questionada, eliminando a via de recurso, não 
 incorre na violação dos artigos 20º, 29º e 32º da Constituição (manifestada, 
 segundo o recorrente, ‘na impossibilidade de o recorrente requerer diligência 
 probatória relevante para a causa'). Pois que, verdadeiramente, essa 
 impossibilidade não chega a manifestar-se, na medida em que na fase do debate 
 instrutório pode efectivar-se essa mesma diligência probatória (e nem sequer há 
 nos autos elementos para constatar se isso se verificou ou não).
 
   Além de que a Constituição não consagra um princípio de plena recorribilidade 
 de todos os actos praticados pelo juiz ao longo do processo criminal, ‘apenas se 
 devendo considerar consagrada tal garantia quanto às decisões condenatórias e às 
 respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição de liberdade ou 
 outros direitos fundamentais’ (para usar a linguagem do Ministério Público).
 
   E compreende-se, aliás, face ao que acaba de se expor, que a Constituição não 
 exija a reapreciação, por via de um recurso, da decisão do juiz sobre os actos 
 de instrução que considerou inúteis ou impertinentes.
 
   Por isso, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucionais normas 
 processuais penais que denegam a possibilidade de o arguido impugnar certos 
 despachos interlocutórios do juiz, que se limitam a fazer prosseguir o processo 
 
 (cfr., entre outros, o acórdão nº 353/91, nos Acórdãos, 19º vol.) e também não 
 julgou inconstitucional a norma do artigo 310º, nº 1, do citado Código, sobre a 
 decisão instrutória que ‘pronunciar o arguido pelos factos constantes da 
 acusação do Ministério Público’ (cfr. Acórdão nº 266/98, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 11 de Julho de 1998).
 
   7. Também não se vê onde possa estar a invocada violação dos artigos 205º, nº 
 
 2, e 208º, nº 1, da Constituição, na versão anterior à última revisão 
 constitucional de 1997, e traduzida no essencial, segundo o recorrente, ‘na 
 atribuição ao juiz de um poder discricionário, escapando à exigência de 
 fundamentação, pois não assume tal configuração o despacho previsto no artigo 
 
 291º, nº 1, desde logo porque não é um acto equiparável a um despacho de mero 
 expediente, este sim, de livre e total discricionariedade, como se prevê no 
 artigo 400º, nº 1, b), do Código de Processo Penal (cf. os artigos 156º, nº 4, e 
 
 679º do Código de Processo Civil, aquele contendo a definição).
 
   Depois porque o poder-dever conferido ao juiz para proferir o indeferimento 
 está balizado pelo limite do ‘apuramento da verdade’ e pela consideração de ‘os 
 actos requeridos não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o 
 andamento do processo’.
 
   Não é só um ‘prudente arbítrio do julgador’, de que fala o citado nº 4 do 
 artigo 156º, mas ainda e essencialmente, como regista o Ministério Público, ‘nos 
 termos e dentro dos limites da lei, de um juízo prudencial, traduzido na 
 densificação e concretização de cláusulas gerais e conceitos indeterminados, em 
 harmonia com o fim e a função do processo (nomeadamente, a tutela dos valores da 
 celeridade e da realização da verdade e da justiça materiais)’, sendo que o 
 juiz, com a liberdade própria para aceitar ou rejeitar diligências probatórias, 
 tem de indicar minimamente os motivos da decisão, como se constata no presente 
 caso.
 
   […].»
 
  
 
             11- Não se vê que esta panóplia de argumentos não continue a manter 
 validade no caso dos autos, pelo que novamente se reafirmam.
 
             De resto, a bondade do entendimento expendido tem hoje uma 
 consistência acrescida, perante a jurisprudência firmada nos Acórdãos de Fixação 
 de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 6/2000 e 7/2004, 
 publicados no Diário da República, I Série-A, respectivamente, de 7 de Março de 
 
 2000 e 2 de Dezembro de 2004, interpretando o direito processual penal 
 infraconstitucional.
 
             Na verdade, o primeiro acórdão fixou jurisprudência no sentido de 
 que “a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da 
 acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria 
 relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às 
 demais questões prévias e incidentais”.
 
             E no segundo estabeleceu-se a jurisprudência de que “sobe 
 imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades 
 arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou 
 incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da 
 acusação do Ministério Público”.
 
             Sendo assim, a irrecorribilidade do despacho de juiz de instrução 
 que rejeita a realização das diligências probatórias, por as ter por inúteis ou 
 por servirem para protelar apenas o processo – e independentemente de, no debate 
 instrutório, tal realização poder vir, eventualmente, a ser considerada 
 necessária e deferida – não arreda a possibilidade de ser interposto recurso da 
 decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação 
 do Ministério Público com fundamento nas nulidades arguidas no decurso do 
 inquérito (ou no debate instrutório) em cuja categoria a falta de realização das 
 diligências cuja realização foi rejeitada se poderá incluir e, mais, de esse 
 recurso subir, até, imediatamente. 
 
             Anote-se, a este respeito, que este Tribunal Constitucional se 
 pronunciou, em diversos arestos, no sentido de que o entendimento normativo nos 
 termos do qual o recurso agora em questão não subia imediatamente não afrontava 
 normas ou princípios constitucionais – cf. os acórdãos nºs 474/94, 964/96, 
 
 1205/96, 104/98 e 68/2000, publicados no Diário da República, II Série, 
 respectivamente, de 8 de Novembro de 1994, 23 de Dezembro de 1996, 14 de 
 Fevereiro de 1997, 20 de Março de 1998 e 4 de Outubro de 2000 e ainda o n.º 
 
 242/2005, disponível em www.tribunalconstitucional.pt. 
 
             Numa tal situação, o efeito que se verifica acaba por equivaler 
 apenas a um sobrestar, no plano simplesmente temporal, da admissibilidade do 
 recurso.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             12 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide:
 
  
 
             a) Não julgar inconstitucional a norma do art. 291º, n.º 1, do 
 Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual determina a 
 irrecorribilidade do despacho que rejeita, por inutilidade e por servirem apenas 
 para protelar o andamento do processo, a realização de diligências probatórias 
 pedida pelo arguido no requerimento de instrução;
 
  
 
             b) Negar provimento ao recurso;
 
  
 
             c) Condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 
 UCs.
 
  
 Lisboa, 9 de Novembro de 2005
 
  
 Benjamim Rodrigues
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres (com a declaração de voto junta)
 Maria Fernanda Palma (vencida nos termos de declaração de voto junta)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
                         1. Não acompanhei a fundamentação desenvolvida no n.º 10 
 do precedente acórdão para fundar a emissão do juízo de não 
 inconstitucionalidade da interpretação normativa apreciada no presente recurso.
 
                         Como já referi em declaração de voto aposta ao Acórdão 
 n.º 242/2005 – que não julgou inconstitucionais as normas do artigo 407.º, n.ºs 
 
 1, alínea i), e 2, do Código de Processo Penal (CPP), na interpretação segundo a 
 qual não sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória 
 respeitante a nulidades arguidas antes do despacho de pronúncia (na instrução e 
 no debate instrutório) –, a minha divergência relativamente à jurisprudência que 
 reconheço ser dominante no Tribunal Constitucional radica no entendimento de 
 que, pelo menos quando estejam em causa infracções criminais de certa gravidade, 
 que ultrapassem as meras “bagatelas penais”, do princípio da presunção de 
 inocência decorre o direito a não ser submetido a julgamento sem que estejam 
 comprovados indícios suficientes da prática de um crime, embora não se exija, 
 naturalmente, uma apreciação exaustiva das provas, reservada à fase de 
 julgamento: cf. declarações de voto da Conselheira Maria Fernanda Palma, apostas 
 aos Acórdãos n.ºs 964/96, 1205/96 e 459/2000 (esta mantida no Acórdão n.º 
 
 78/2001), e da Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, aposta ao Acórdão n.º 
 
 68/2000 (mantida nos Acórdãos n.ºs 371/2000, 46/2001 e 350/2002). Não 
 acompanho, assim, a concepção, reiteradamente afirmada desde o Acórdão n.º 
 
 474/94, de que, porque a Constituição da República Portuguesa (CRP) determina, 
 no n.º 2 do artigo 32.º, que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito 
 em julgado da sentença de condenação, “o simples facto de se ser submetido a 
 julgamento não pode constituir, só por si, no nosso ordenamento jurídico, um 
 atentado ao bom nome ou reputação”.
 
                         Como se assinalou na declaração de voto da Conselheira 
 Maria dos Prazeres Beleza, aposta ao Acórdão n.º 387/99:
 
  
 
 “3. Na verdade, a pronúncia determina a continuação do processo, mediante a 
 sujeição do arguido a julgamento. 
 Da continuação do processo resulta necessariamente a imposição – ou manutenção 
 da imposição – ao arguido do termo de identidade e residência, previsto no 
 artigo 196.º do Código de Processo Penal.
 A submissão do arguido a julgamento acarreta, inegavelmente, a compressão da 
 sua liberdade pessoal, tendo em conta o tempo necessário à organização da sua 
 defesa e à comparência na audiência, compressão tanto mais significativa quanto 
 mais complexa for a matéria dos autos, e que pode, em certos casos, colocar em 
 causa a continuação da sua actividade profissional. 
 A aceitação pelo Tribunal de Instrução de que existem indícios suficientes da 
 verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena 
 ou de uma medida de segurança implica entender que existe uma «possibilidade 
 razoável» de tal pena ou medida de segurança vir a ser aplicada (n.º 2 do 
 artigo 283.º e n.ºs 1 e 2 do artigo 308.º) em julgamento. O que leva, de facto, 
 apesar da força jurídica do princípio da presunção de inocência, à submissão do 
 arguido a uma forte censura social, que uma eventual decisão final absolutória 
 não consegue, as mais das vezes, apagar. 
 Acresce que, após a recente revisão do Código de Processo Penal (cf. n.º 1 do 
 artigo 86.º, na redacção introduzida pela Lei n.º  59/98, de 25 de Agosto), o 
 processo penal é público a partir da decisão instrutória, quando seja proferida, 
 cessando nesse momento o segredo de justiça.
 Recorde‑se ainda que o n.º 1 do artigo 6.º do Estatuto Disciplinar dos 
 Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (aprovado pelo 
 Decreto‑Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro), não julgado inconstitucional pelo 
 Acórdão n.º 439/87 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 10.º, págs. 523 e 
 seguintes), estabelece como consequência do trânsito em julgado do despacho de 
 pronúncia em processo de querela – independentemente de saber se tal norma se 
 aplica aos processos regidos pelo Código de Processo Penal de 1987 – a suspensão 
 de funções e do vencimento até à decisão final.”
 
  
 
                         A este elenco pode mesmo acrescentar‑se a norma do 
 artigo 157.º, n.º 4, da CRP, que prevê a suspensão do mandato de Deputado quando 
 este for “acusado definitivamente” em processo criminal, suspensão que é 
 obrigatória quando se trate de crime doloso a que corresponda pena de prisão 
 cujo limite máximo seja superior a três anos. 
 
                         Tudo isto (para não falar na constatação de que, na 
 prática judiciária, a pronúncia do arguido é geralmente vista como um elemento 
 que, tornando mais plausível a condenação, pode determinar o aumento do receio 
 de fuga e, assim, justificar mais facilmente o decretamento da prisão 
 preventiva) demonstra que, não apenas sociológica, mas também juridicamente, a 
 pronúncia de um arguido, com subsequente sujeição a julgamento, representa o 
 agravamento da sua situação, constituindo negação da realidade a afirmação de 
 que esse agravamento não se verifica só porque está constitucionalmente 
 consagrado o princípio da presunção de inocência.
 
                         Face a uma decisão inequivocamente gravosa para a 
 posição jurídica do arguido, é constitucionalmente fundada a exigência do 
 reconhecimento do direito de recurso dessa decisão e de um recurso que seja 
 eficaz, o que, no caso sobre que recaiu o Acórdão n.º 242/2005, reclamava, a meu 
 ver, a sua subida imediata, negada na interpretação normativa que viria a ser 
 julgada não inconstitucional.
 
  
 
                         2. O presente caso é, porém, diverso do acabado de 
 referir, uma vez que está agora em causa, não o regime de subida do recurso da 
 decisão instrutória (em qualquer das suas partes), mas a admissibilidade de 
 recurso autónomo das decisões que, proferidas no decurso da instrução, 
 indeferiram diligências de prova que o juiz reputou não interessarem à instrução 
 ou servirem apenas para protelar o andamento do processo.
 
                         Ora, neste contexto, a motivação expendida na declaração 
 de voto aposta ao Acórdão n.º 242/2005 (o reconhecimento do direito a não ser 
 submetido a julgamento sem que estejam comprovados indícios suficientes da 
 prática de um crime) já não exige, diferentemente do aí sustentado, a 
 admissibilidade de recursos autónomos das diversas decisões de indeferimento de 
 diligências de prova. É que o arguido dispõe de meio adequado e eficiente de 
 reacção que acautele aquela desiderato: ele pode, no debate instrutório, 
 apresentar requerimentos de produção de diligências de prova (artigo 302.º, 
 n.ºs 2 e 3, do CPP) e arguir a nulidade por insuficiência do inquérito ou da 
 instrução ou por omissão de diligências reputadas essenciais para a descoberta 
 da verdade (artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP), e da decisão que 
 eventualmente desatende uns e outra, é hoje seguro – por força do jurisprudência 
 uniformizada pelos “Assentos” n.ºs 6/2000 e 7/2004, do Supremo Tribunal de 
 Justiça – que o sistema processual penal faculta reacção eficiente, através da 
 admissibilidade de recurso dessa decisão, com subida imediata.
 
                         Na verdade, o STJ, após haver uniformizado a 
 jurisprudência no sentido de que “A decisão instrutória que pronunciar o arguido 
 pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na 
 parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do 
 inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais” 
 
 (“Assento” n.º 6/2000), veio recentemente a fixar a seguinte jurisprudência: 
 
 “Sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às 
 nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões 
 prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos 
 constantes da acusação do Ministério Público” (Acórdão de fixação de 
 jurisprudência n.º 7/2004).
 
                         Deste modo, fica adequadamente assegurada, de modo 
 concentrado, a reapreciação por via de recurso do respeito pelo direito a não 
 ser submetido a julgamento sem que estejam comprovados indícios suficientes da 
 prática de um crime, não sendo exigível que, relativamente a cada uma das 
 diversas decisões que, ao longo da instrução, indeferiram requerimentos de 
 diligências probatórias, se abra de imediato a possibilidade de interposição de 
 recurso.
 
                         Foi apenas por este fundamento – e não pelo expendido no 
 n.º 10 do precedente acórdão – que votei no sentido da não 
 inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 291.º, n.º 1, do CPP, 
 apreciada no presente recurso.
 Mário José de Araújo Torres
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Votei vencida o presente Acórdão pelas razões constantes das declarações de voto 
 por mim apostas aos Acórdãos nºs 964/96, 1205/96 e 459/2000.
 Não acompanho, aliás, ainda, a argumentação expendida pelo Excelentíssimo Senhor 
 Conselheiro Mário Torres na declaração de voto com que justificou ter aderido ao 
 presente Acórdão.
 Na realidade, a ideia de que a recorribilidade de um eventual indeferimento de 
 uma arguição de nulidade por insuficiência do inquérito ou da instrução ou por 
 omissão de diligências reputadas essenciais para a descoberta da verdade não só 
 não esgota toda a dimensão de um recurso por indeferimento de uma diligência 
 probatória – nomeadamente porque mesmo sem a referida insuficiência à luz das 
 provas já carreadas poder ser requerida uma prova que contradite as primeiras, 
 como também não deixa de ser uma distorsão processual promover‑se a utilização 
 do meio da arguição de nulidade para a finalidade de exercer o direito de defesa 
 relativamente à promoção de diligências probatórias.
 Também tal via não me parece que redundem numa economia processual pois o seu 
 uso sistemático fora do seu sentido especial acarretará, sem dúvida, abusos 
 processuais.
 Mantenho‑me, assim, na linha das declarações de voto anteriores, convencida de 
 que o valor do direito de não ser submetido a julgamento requer um adequado 
 poder exercer o direito de defesa nas fases preliminares do processo penal.
 Assim, a referida possibilidade de arguir a nulidade não serve de compensação 
 adequada, no plano da constitucionalidade, à inadmissibilidade do recurso do 
 despacho de pronúncia, quando este é concordante com a acusação do Ministério 
 Público, nos termos do artigo 310º, nº 1, do Código de Processo Penal.
 
  
 Maria Fernanda Palma