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Processo n.º 768/2005
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Bravo Serra
 
  
 
  
 
                         Em 19 de Outubro de 2005 proferiu o relator a seguinte 
 decisão: –
 
  
 
          “1. Inconformados com o acórdão lavrado em 21 de Abril de 2005 pelo 
 Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, no que ora interessa, negou provimento 
 aos recursos interpostos da decisão instrutória que os pronunciou (quanto a 
 esta, na parte em que não foi atendido o vício de nulidade que lhe fora 
 atribuído) e com o acórdão proferido pela 2ª Vara Criminal de Lisboa que – pela 
 prática de factos que foram subsumidos ao cometimento, em co-autoria, de um 
 crime previsto e punível pelos artigos 36º, nº 1, 3º e 7º, todos do Decreto-Lei 
 nº 28/84, de 20 de Janeiro, e de três crimes previstos e puníveis pelos citados 
 artº 36º, números 1, alíneas a), b) e c), 2 e 5, alínea a), 3º e 7º (sendo os 
 artigos 3º e 7º atinentes à arguida) – os condenou, respectivamente, na pena 
 
 única de cem dias de multa à taxa diária de € 250, e na pena de dez meses de 
 prisão cuja execução ficou suspensa por um período de dois anos, intentaram os 
 arguidos A., e B. recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso esse que, 
 porém, não foi admitido por despacho proferido em 2 de Junho de 2005 pelo 
 Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, fundado no que se 
 prescreve na alínea f) do nº 1 do artº 400º, em conjugação com a alínea b) do 
 artº 432º, um e outro do Código de Processo Penal.
 
  
 
          De tal despacho reclamaram os arguidos para o Presidente daquele 
 Supremo Tribunal tendo, na peça processual consubstanciadora da reclamação, 
 dito, em dados passos: –
 
  
 
 ‘(…)
 
 9. Da conjugação do disposto nos arts. 434.º e 410.º, n.º 2, ambos do CPP, 
 resulta que o recurso para o STJ pode ter sempre como fundamento, desde que o 
 vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as 
 regras da experiência comum erro notório na apreciação da prova.
 
 10. Nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f) do CPP não é admissível recurso ‘dos 
 acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas relações que confirmem 
 decisão de primeira instância, em processo crime a que seja aplicável pena de 
 prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções;’
 
 11. Ora, no entender dos Arguidos, a questão que se levanta é saber se os casos 
 contemplados no art. 410.º, n.ºs 2 e 3 do CPP estão ou não abrangidos pelo 
 disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), também do CPP.
 
 12. Dito de outro modo, pretende-se saber se um acórdão condenatório, com erro 
 notório de apreciação de prova, proferido em recurso pela relação de Lisboa, que 
 confirma decisão de 1.ª Instância, também ela com erro notório de apreciação de 
 prova, é ou não recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça.
 
 13. No entender dos Arguidos a única interpretação possível é a que sustenta a 
 prevalência do disposto no art. 410.º, n.º 2 do CPP sobre o art. 400.º, n.º 1, 
 al. f) do mesmo diploma e que, portanto, permite a recorribilidade dos 
 Acórdão[s] do Tribunal da Relação sempre que, confirmando decisões de 1.[ª] 
 instância, tenham por fundamento quaisquer factos previstos no n.º 2 do  [artº 
 
 410º do] CPP.
 
 14. Na verdade, qualquer outra interpretação, conforme a sustentada pelo Senhor 
 Desembargador Relator, não será de admitir, por ilegal e inconstitucional.
 
 (…)
 
 18. O conteúdo da al. f) é pautado puramente por razões de celeridade processual 
 visto que, existindo duas decisões, proferidas por instâncias distintas que, 
 pronunciando-se no mesmo sentido sobre o conteúdo da decisão, forma no mesmo 
 sentido, a probabilidade de uma terceira instância decidir em sentido contrário 
 
 é reduzida, não se justificando, por isso (e também em função da moldura penal 
 aplicável) que uma terceira entidade seja chamada a pronunciar-se sobre o mesmo 
 facto.
 
 19. Pelo contrário, o[ ] art [ ] 410.º do CPP é uma norma de natureza material, 
 porquanto visa assegurar a justiça material no caso concreto.
 
 20. Nessa medida, enquanto normas materiais que são prevalecem sobre o regime 
 geral do art. 400.º, n.º 1, al. f) do CPP pelo que defender qualquer outra 
 interpretação será uma violação da aplicação das referidas normas.
 
 21. Com efeito, quando ainda que, qualquer decisão condenatória tenha sido 
 confirmada em segunda instância, sempre que o vício seja um erro notório, 
 situação de injustiça material, não pode deixar de prevalecer sobre o disposto 
 no art. 410.º, n.º 1, al. f) do CP[P].
 
 22. Acresce que, nos termos do disposto no art. 32.º, n.º 1 da CRP, ‘o processo 
 criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso’.
 
 23. Mais se estabelece no art. 32.º, n.º 9 da CRP que ‘nenhuma causa pode ser 
 subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior’.
 
 24. A jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional tem assinalado que o 
 artigo 32.º, n.º 1 da CR[P], assegura, em processo penal, o princípio da 
 recorribilidade da decisão condenatória, quer em matéria de facto, quer quanto à 
 matéria de direito,
 
 25. sempre pautado pelo princípio do contraditório.
 
 26. O princípio das garantias de defesa tem o sentido de que o processo criminal 
 deve ser um processo justo e leal, ficando, por isso, proibidas as restrições 
 intoleráveis ou inadmissíveis da possibilidade de defesa dos arguidos.
 
 27. neste contexto, o direito ao recurso é um elemento integrador das garantias 
 de defesa do arguido, bem como do princípio do contraditório.
 
 (…)
 
 29. Sucede que, conforme se demonstrou, o caso de erro notório de apreciação da 
 prova, não é um dos casos em que a faculdade de recorrer/contraditar possa se[r] 
 restringida, neste caso, seguindo a posição do despacho proferido pelo Senhor 
 Desembargador Relator, eliminad[a].
 
 30. Isto porque, conforme referido, o fundamento ‘da dupla conforme’ não é aqui 
 aplicável, por não estar em causa razões de economia processual ou probabilidade 
 de ‘tripla conforme’ mas sim um erro manifesto ao nível da justiça material.
 
 31. Assim a interpretação acolhida pelo Despacho ora reclamado, que vedou a 
 subida do recurso interposto do Acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, não só violou o direito ao recurso e de defesa dos arguidos, 
 
 32. assim desrespeitou uma competência que era atribuída, nos termos da lei 
 processual penal, ao Supremo Tribunal de Justiça (art. 432.º do CPP), norma[ ] 
 de natureza eminentemente substantiva que prevalece[ ] sobre as restantes.
 
 33. Nessa medida, além de ilegal, é o referido Despacho inconstitucional, por 
 violar o disposto no art. 32.º da CRP.
 
 (…)’
 
  
 
          O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 5 de Julho 
 de 2005, indeferiu a reclamação, esteando-se na seguinte fundamentação: –
 
  
 
 ‘(…)
 
        Em processo penal para que seja admissível recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça é necessário que se verifique algumas das situações 
 previstas no art. 432.º do CPP.
 
        Assim, impõe-se desde logo fazer apelo à alínea b) do referido art. 
 
 432.º, onde se determina que se recorre para o STJ ‘de decisões que não sejam 
 irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do art. 400.º’. 
 E deste preceito destaca-se a alínea f) do seu n.º 1, que estabelece serem 
 irrecorríveis os ‘acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, 
 que confirmem decisão de 1ª instância, em processo por crime a que seja 
 aplicável pena de multa ou de prisão não superior a oito anos …’
 
        Ora, no caso em apreço, estamos perante um acórdão da Relação 
 condenatório e confirmativo da decisão da 1ª instância, em processo por crime a 
 que é aplicável pena de multa ou de prisão não superior a oito anos (fraude na 
 obtenção de subsídio ou subvenção), pelo que não é admissível o recurso para 
 este Supremo Tribunal, nos termos do citado art. 400.º n.º 1 alínea f) do CPP.
 
 (…)
 
        É descabida a invocação, como suporte da reclamação, do disposto no art. 
 
 410.º, n.ºs 2 e 3 do CPP, por estes preceitos se reportarem a outros fundamentos 
 em que o recurso pode assentar nos casos em que a lei restringe a cognição do 
 tribunal de recurso a matéria de direito; logo, a sua aplicação tem como 
 pressuposto a admissibilidade do recurso.
 
        De todo o exposto, resulta que a não admissão do recurso não 
 consubstancia qualquer ilegalidade.
 
        Quanto à alegada inconstitucionalidade, cabe dizer o seguinte: após a 
 revisão levada a efeito pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, na 
 sequência da jurisprudência do Tribunal Constitucional, o direito ao recurso foi 
 expressamente referenciado como uma garantia de defesa do processo criminal, no 
 n.º 1 do art. 32.º da CRP.
 
        Todavia, como o T.C. também tem sustentado, a Constituição não impõe que, 
 em processo penal, tenha de haver recurso de todos os actos do juiz, como também 
 não exige que se garanta um triplo grau de jurisdição (cf., por todos, os 
 Acórdãos do T.C. de 19-06-90, BMJ, 398, p. 152, e de 19-11-96, DR, II Série, de 
 
 14-03-97).
 
        Ora, a admitir-se recurso para este S.T.J., estar-se-ia a garantir um 
 triplo grau de jurisdição, o que a Constituição não impõe, por se bastar, em 
 processo penal, com um segundo grau, já concretizado aquando do julgamento pela 
 Relação.
 
 (…)’
 
  
 
          Do despacho cuja fundamentação se encontra extractada recorreram os 
 arguidos para o Tribunal Constitucional ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do 
 artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, dizendo, no que agora releva, que: 
 
 –
 
  
 
 ‘(…) 
 
 6. Na RECLAMAÇÃO, apresentada sustentaram os Requerentes a prevalência do art. 
 
 410.º, n.º 2 do Cód. de Processo Penal sobre o art. 400.º, n.º 1, al. f) do 
 mesmo diploma, razão pela qual deveria ter-se admitido a subida do recurso 
 interposto da Decisão do Tribunal da Relação de Lisboa para o Supremo Tribunal 
 de Justiça, sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade (cf. Reclamação a 
 fls.)
 
 7. Inconstitucionalidade, pois no caso de assim não se entender, haveria uma 
 violação do art. 32.º da Constituição, em concreto, do direito de recurso e de 
 defesa dos arguidos, ora Requerentes.
 
 8. Ilegalidade, pois no caso de assim não se entender estar-se-ia a violar o 
 art. 432.º do Cód. de Processo Penal.
 
 9. Mais sustentaram ainda os arguidos, ora Requerentes, na reclamação 
 apresentada, a ilegalidade do despacho de não admissão de subida do recurso, por 
 violação do disposto no art. 400.º, n.º 2 do Cód. de Processo Penal.
 
 (…)’
 
  
 
          Por despacho de 26 de Setembro de 2005, o Presidente do Supremo 
 Tribunal de Justiça admitiu o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 
 do artº 70º da Lei nº 28/82, não admitindo o interposto ao abrigo da alínea f) 
 dos mesmo número a artigo.
 
  
 
          Os autos foram remetidos a este Tribunal em 4 de Outubro seguinte.
 
  
 
  
 
          2. Entende-se ser de proferir decisão ex vi do nº 1 do artº 78º-A da 
 Lei nº 28/82.
 
  
 
          Não se deixando de anotar que no requerimento de interposição de 
 recurso não vem minimamente equacionado qual a ou as normas (ainda que alcançada 
 ou alcançadas mediante um processo interpretativo incidente sobre determinado ou 
 determinados preceitos) cuja invocada desarmonia constitucional se pretende ver 
 analisada por este Tribunal, antes se elegendo como objecto do recurso a decisão 
 proferida pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (sendo certo que, como 
 sabido é, o objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade 
 
 é constituído por normas do ordenamento jurídico ordinário e não por outros 
 actos do poder público tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale 
 consideradas), aceita-se, porém, embora com a mais acentuada benevolência, tendo 
 em conta o que foi referido nos items 13 e 14 do requerimento por via do qual 
 foi reclamado o despacho prolatado pelo Desembargador Relator do Tribunal da 
 Relação de Lisboa, que será desiderato dos arguidos submeter ao veredicto deste 
 
 órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade a norma que se extrai 
 da conjugação dos artigos 410º, nº 2, e 400º, nº 1, alínea f), do diploma 
 adjectivo criminal, quando da mesma resulte que, não obstante ser invocada a 
 existência de erro notório na apreciação da prova, não é admissível recurso dos 
 acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações e que confirmem a 
 decisão tomada em 1ª instância em processo por crime a que seja aplicável pena 
 de prisão não superior a oito anos, mesmo no caso de concurso de infracções.
 
  
 
          Nesta aceitação, o recurso apresenta-se como manifestamente infundado 
 e, por isso, justificativo do proferimento da presente decisão.
 
  
 
          Efectivamente, é já muito vasta a jurisprudência deste Tribunal de onde 
 decorre que, conquanto a Lei Fundamental (mesmo antes da Revisão Constitucional 
 operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro) postule, como uma 
 das garantias de defesa do processo criminal asseguradas ao arguido, a 
 existência do direito ao recurso quanto às decisões penais condenatórias, daí 
 não se segue que tal postulado implique a consagração de um terceiro grau de 
 apreciação da decisão judicial condenatória tomada primitivamente (cfr., a 
 título meramente exemplificativo, o que foi dito nos Acórdãos números 201/94 – 
 disponível em 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/acordaos94_201-300.htm–, 
 
 548/94- disponível em http://www. 
 tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/acordaos94_501-600.htm-, 138/98 - 
 disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/ 
 acordaos/acordaos98_101-200.htm –, 722/98 – disponível em http: 
 
 //www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/acordaos98_701-800.htm-, 94/2001 - 
 publicado na II Série do Diário da República de 24 de Abril de 2001 –, 183/2001 
 
 – publicado na II Série do Diário da República de 8 de Junho de 2001 –, 189/2001 
 
 – disponível em http://www. 
 tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/acordaos01_101-200.htm -, 320/2001 – 
 publicado na II Série do Diário da República de 7 de Novembro de 2001, 369/2001 
 
 - disponível em http://www. tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ 
 acordaos01_301-400.htm –, 435/2001 - disponível em 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/acordaos01_401-500.htm – , 
 
 100/2002 – publicado na II Série do Diário da República de 4 de Abril de 2002 -, 
 
 451/2003 - disponível em http://www. 
 tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/acordaos03_401-500.htm –, 490/2003 – 
 disponível em http://www. tribunalconstitucional. 
 pt/tc/acordaos/acordaos03_401-500.htm –,  102/2004 - disponível em http://www. 
 tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/acordaos04_101-200.htm –, 610/2004, 
 
 640/2004 e 140/2005 – disponíveis no indicado site).
 
  
 
          E, por isso, não tem sido considerada desconforme com o Diploma Básico 
 a norma ínsita na alínea f) do nº 1 do artº 400º do Código de Processo Penal.
 
  
 
          Do que consta dos items 13, 14, 18 e 19 da peça processual em que foi 
 deduzida a reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, parece 
 resultar que os arguidos brandem com o argumento segundo o qual, não se pondo em 
 causa, em abstracto, a compatibilidade do normativo vertido naquela alínea f) do 
 nº 1 do artº 400º – já que se deveria aceitar que, por puras razões de 
 celeridade processual, havendo uma decisão judicial condenatória que foi 
 confirmada em sede de recurso por outra postar-se-ia a forte probabilidade de a 
 decisão a tomar pela «3ª instância» não vir a ser diferente –, diversa óptica se 
 deveria adoptar quando em questão estava um alegado erro notório na apreciação 
 da prova, porquanto o recurso ancorado nesse fundamento deveria ser visualizado 
 como um asseguramento da justiça material.
 
  
 
          É evidente a falta de razão dos arguidos.
 
  
 
          Em primeiro lugar, a jurisprudência do Tribunal, ao não formular juízos 
 de inconstitucionalidade sobre o normativo da alínea f) do nº 1 do artº 400º do 
 Código de Processo Penal, nunca colocou a questão de uma eventual «concordância 
 prática» entre um denominado valor (porventura um valor constitucional) ligado a 
 razões de celeridade processual e o direito ao recurso que decorre das garantias 
 de defesa que devem ser conferidas ao arguido em processo criminal e que, hoje, 
 expressamente, se encontra previsto na parte final do nº 1 do artigo 32º das 
 Constituição. Pelo contrário, o que se entendeu foi que o direito ao recurso em 
 um grau de jurisdição já satisfazia essa específica garantia, não decorrendo da 
 Lei Fundamental que ela só seria cabal se se consagrasse mais do que um grau de 
 reapreciação, sendo certo que, para o Tribunal, eram razões materiais ou 
 substanciais subjacentes à reapreciação aquelas que presidiam a essa garantia.
 
  
 
          Sendo assim, como é, depara-se como claro que, independentemente dos 
 vícios assacáveis à decisão penal condenatória primeiramente tomada, o que, na 
 perspectiva deste órgão de administração de justiça, releva, é o facto de da 
 Constituição se retirar a exigência de o ordenamento jurídico ordinário dever 
 consagrar uma solução da qual resulte o direito arguido poder formular um pedido 
 de reapreciação da sua condenação criminal ocorrida em primeiro grau de 
 jurisdição.
 
  
 
          Neste contexto, se um arguido num processo tem para si que a decisão 
 criminal condenatória está eivada do vício de erro notório na apreciação da 
 prova, a garantia constitucional do direito ao recurso há-de impor que esse 
 vício seja apreciado em sede de recurso, para que, sobre essa questão, recaia um 
 juízo reapreciatório. E essa possibilidade consta do ordenamento jurídico 
 infra-constitucional.
 
  
 
          Os argumentos que fundaram os juízos deste Tribunal no sentido de nas 
 garantias do processo criminal se haver de incluir a garantia do direito ao 
 recurso no caso de decisões penais condenatórias tomadas em primeiro grau, 
 aplicam-se, obviamente, a toda a sorte de vícios de que, na perspectiva do 
 arguido recorrente, padecerão essas decisões.
 
  
 
          Ora, como ocorreu na situação sub specie, a questão do alegado erro 
 notório na apreciação da prova de que teria enfermado a decisão tomada na 1ª 
 instância foi, ela mesma, impostada no recurso para o tribunal de 2ª instância 
 que, debruçando-se sobre ela, concluiu não se verificar tal vício. Houve, desta 
 sorte, uma reapreciação judicial dessa questão por banda de um tribunal 
 superior, pelo que assegurada ficou a específica garantia do direito ao recurso, 
 não se lobrigando qualquer restrição dela que se rotule de intolerável ou 
 inadmissível.
 
  
 
          Neste particular, nem sequer é minimamente entendível o argumento, 
 esgrimido pelos arguidos, de uma violação do nº 9 do artigo 32º da Constituição, 
 pois que não se vê qual a competência que estivesse já deferida ao Supremo 
 Tribunal de Justiça pelo ordenamento ordinário e que, na pendência da causa, lhe 
 foi retirada.
 
  
 
          A isto é de aditar que o nº 2 do artº 410º do Código de Processo Penal 
 tem por finalidade elencar quais os fundamentos atinentes a matéria de facto que 
 podem ser invocados perante o tribunal de recurso, mesmo nos casos em que a lei 
 restrinja os poderes de cognição deste à matéria de direito, pelo que, como se 
 considerou no despacho que se desejou impugnar perante este Tribunal, para a 
 respectiva aplicação, ponto é que haja a possibilidade de haver recurso para o 
 tribunal a que a lei, em princípio, só confere poderes de cognição quanto àquela 
 
 última matéria.
 
  
 
          É, pois, manifestamente infundado o recurso interposto, motivo por que 
 se lhe nega provimento, condenando-se os arguidos nas custas processuais, 
 fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta.”
 
  
 
                         Da supra transcrita decisão reclamaram, ao abrigo do nº 
 
 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, a A., e B., tendo dito no requerimento 
 corporizador da reclamação:–
 
  
 
 “A) Do Objecto da Reclamação
 
 1. Não se conformando com a decisão do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 
 que negou provimento ao recurso interposto pelos Recorrentes, confirmando, desse 
 modo, a decisão de 1.[ª] Instância que decidiu condenar os arguidos A. e B., 
 como co-autores de quatro crimes p.p. no art. 36.º do DL 28/84, do mesmo 
 interpuseram recurso (cf. recurso de fls.1521 e seguintes).
 
 2. Contudo, por Despacho de 2 de Junho de 2005 o Senhor Juiz Desembargador 
 Relator não admitiu o recurso interposto pelos Arguidos.
 
 3. Desse Despacho reclamaram os Recorrentes para o Presidente do STJ e do 
 despacho de 5 de Julho de 2005 que indeferiu esta reclamação, recorreram os 
 Recorrentes para o Tribunal Constitucional.
 
 4. O Senhor Juiz Conselheiro Relator, por decisão sumária, de 19 de Outubro de 
 
 2005, negou provimento ao recurso interposto pelos ora Recorrente, por 
 considerar o mesmo ‘manifestamente infundado’.
 B) Do Fundamento do Despacho
 
 5. Por decisão sumária o Senhor Juiz Desembargador Relator, negou provimento ao 
 recurso apresentado pelos ora Recorrentes, por considerar o mesmo 
 
 ‘manifestamente infundado’, sendo vasta a jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional nesse sentido.
 C) Dos Fundamento da Reclamação
 
 6. A decisão sumária proferida pelo Exmo. Juiz Conselheiro Relator assenta no 
 requerimento de reclamação apresentado pelos ora Recorrentes para o Presidente 
 do Supremo Tribunal de Justiça da decisão de não subida do recurso interposto 
 pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
 
 7. Contudo, em tal articulado, limitaram-se os Recorrentes a suscitar 
 sumariamente a questão da inconstitucionalidade - questões entre outras -, 
 indicando designadamente quais as normas que consideravam violadas.
 
 8. Do mesmo modo, aquando do recurso de interposição para Tribunal 
 Constitucional, os ora Recorrentes limitaram-se a referir as Normas/Princípios 
 Constitucionais ou Legais Violados.
 
 9. Ou seja, aquando da entrada do presente recurso para o Tribunal 
 Constitucional limitaram-se os Recorrentes a suscitar a questão da 
 inconstitucionalidade de certas normas sem o terem desenvolvido.
 
 10. Acresce que se as normas cuja inconstitucionalidade se arguiu são, de facto, 
 as mesmas, as razões pelas quais se arguiu a inconstitucionalidade não têm de o 
 ser, nem o são no presente caso.
 
 11. Assim sendo, apenas se pode concluir não se encontrar o Exmo. Juiz 
 Conselheiro Relator em condições de conhecer do objecto do recurso com 
 fundamento numa pretensão (alegadamente) ‘manifestamente infundada’, quando os 
 Recorrentes sobre ela ainda não se pronunciaram de modo ‘manifesto’, o que 
 apenas terá lugar (como se espera) em sede de alegações.
 
 12. Com efeito, a sede própria para se pode decidir se o objecto do recurso é ou 
 não manifestamente infundado é após a apresentação das respectivas alegações 
 pelo Recorrentes, as quais têm por finalidade, exclusiva, o desenvolvimento dos 
 motivos e das razões de direito que, no seu entender, levam a que determinadas 
 normas do ordenamento jurídico devam ser julgadas inconstitucionais.
 
 13. A inconstitucionalidade para os Recorrentes não reside na existência somente 
 de duplo recurso.
 
 14. A inconstitucionalidade para os Recorrentes está na interpretação que foi 
 dada nos autos à ‘dupla conforme’.
 
 15. Com efeito, o Tribunal da Relação de Lisboa aderiu às teses do Tribunal de 
 
 1.a Instância, não apreciando sequer os fundamentos do recurso dos Recorrentes, 
 fazendo uma interpretação da ‘dupla conforme’ que manifestamente transforma o 
 direito constitucionalmente de recurso em mera formalidade contra a qual os 
 Recorrentes se pretendem insurgir nesta sede.
 
 16. Deste modo, o presente recurso deverá seguir os seus ulteriores termos, 
 sendo dada a oportunidade para os Recorrentes alegaram o que tiverem por 
 conveniente em face do enquadramento que deu no requerimento de interposição de 
 recurso para este Tribunal.”
 
  
 
                         Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do 
 Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no seguinte sentido: –
 
  
 
 1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
 2 – Na verdade, é inquestionável que – em processo constitucional – é 
 perfeitamente admissível a formulação de um juízo sobre a falta ostensiva de 
 fundamento das razões invocadas pelo recorrente, face ao modo como ele suscitou 
 e delineou a questão de constitucionalidade, antes de ter oportunidade de 
 produzir uma ‘alegação’ no recurso.
 
 3 – Assim, para além de o relator poder (e dever) proferir decisão sumária 
 quando o recurso careça manifestamente de fundamento, o próprio juiz ‘a quo’ 
 pode – nos recursos fundados na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 
 
 – rejeitá-los por idêntica razão.
 
 4 – Cabendo, pois, ao recorrente o ónus de fundamentar, em termos minimamente 
 convincentes e conclusivos, as razões porque pugna pela inconstitucionalidade, 
 sob pena de se vir a confrontar com a referida rejeição preliminar do recurso.
 
 5 – Por outro lado, o ‘aprofundamento’, nas alegações, dos fundamentos de 
 inconstitucionalidade não pode naturalmente conduzir a uma alteração do objecto 
 do recurso, sendo-lhe apontada uma interpretação ou dimensão normativa diversa 
 da que fora suscitada durante o processo e identificada no requerimento de 
 interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.”
 
  
 
                         Cumpre decidir.
 
  
 
  
 
                         2. Como se viu, os reclamantes, em súmula, vêm sustentar 
 que o relator não poderia considerar a questão como manifestamente infundada – 
 já que aqueles sobre ela ainda não efectuaram pronúncia “de modo ‘manifesto’” – 
 só podendo ser alcançado um juízo de falta de fundamento manifesto ao se decidir 
 a causa após a apresentação da alegação por banda do recorrente. E, por outro 
 lado, vêm também sustentar que o que pretendiam demonstrar na apresentanda 
 alegação era a desconformidade constitucional da interpretação do que seria a 
 
 “dupla conforme”.
 
  
 
                         Adiante-se, desde já, que nenhuma razão assiste aos 
 reclamantes.
 
  
 
                         Efectivamente, como bem resulta do nº 1 do artº 78º-A da 
 Lei nº 28/82, poderá o relator proferir decisão sumária se entender que a 
 questão é «simples», designadamente por a mesma já ter sido objecto de decisão 
 anterior deste Tribunal, ou se a questão se apresentar como manifestamente 
 infundada.
 
  
 
                         Como claro se depara, se a questão de 
 inconstitucionalidade colocada ao Tribunal por intermédio do recurso for, a 
 todas as luzes, nomeadamente ponderando a jurisprudência por ele seguida em 
 casos idênticos ou paralelos, ostensivamente improcedente, por se não vislumbrar 
 um mínimo de consistência substancial no alegado ferimento da Lei Fundamental, 
 poderá o recurso ser considerado manifestamente infundado nos termos daquele 
 disposição legal. E, justamente por isso, não se torna necessário que seja 
 desenvolvida toda uma actividade processual subsequente, como é o caso da 
 produção de alegações, elaboração de projecto de acórdão ou de «memorando», ida 
 a «visto» dos demais Juízes, inscrição dos autos em tabela e julgamento pela 
 formação colectiva do Tribunal. 
 
  
 
                         Essa, pois, a razão do preceituado no nº 1 do falado 
 artº 78º-A.
 
  
 
                         Ora, a decisão sub iudicio, ponderando, de um lado, a 
 jurisprudência deste órgão de administração de justiça tomada quanto ao direito 
 ao recurso das decisões penais condenatórias – jurisprudência essa de acordo com 
 a qual a Constituição não exige ou impõe a existência de um terceiro grau de 
 recurso – e, de outro, que, mesmo numa postura que se presumiu ser a intentada 
 seguir pelos então recorrentes, a questão se afigurava ostensivamente destituída 
 de fundamento para poder levar a um juízo de enfermidade constitucional dos 
 normativos em apreço, explicitando-se os cabidos motivos, acabou, conhecendo do 
 objecto do recurso, por concluir no sentido de a questão ser manifestamente 
 infundada.
 
  
 
                         O Tribunal não descortina minimamente o que quer que 
 seja que porventura pudesse conduzir a entendimento diverso, quanto à conclusão 
 de que os aludidos normativos não padecem do vício de inconstitucionalidade, 
 mesmo tendo em conta a posição sustentada pelos ora reclamantes, segundo a qual, 
 deparando-se um eventual vício de erro notório na apreciação da prova, erro esse 
 que, de qualquer forma, foi também objecto de análise por parte do tribunal de 
 
 2ª instância, concluindo este pela sua não verificação. 
 
  
 
                         E, por isso, não lhe merece censura a decisão em crise.
 
  
 
                         Consequentemente, indefere-se a reclamação, 
 condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando-se a taxa de 
 justiça em vinte unidades de conta por cada um.
 
  
 Lisboa, 10 de Novembro de 2005
 
  
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Artur Maurício