 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 813/04
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
             1. A. impugnou judicialmente, no Tribunal Tributário de 1ª 
 Instância do Porto, as liquidações de “Contribuição Especial” a que se refere o 
 Regulamento da Contribuição Especial (RCE) anexo ao Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 
 de Março, no montante total de 11.326.017$00, efectuadas pela Repartição de 
 Finanças da Maia, relativamente a dois prédios para os quais requereu licença de 
 construção em 1998 e cujo alvará obteve em 1999.
 
  
 
             Por sentença de 15 de Julho de 2003, o juiz do 3.º Juízo do Tribunal 
 Tributário de 1.ª Instância do Porto julgou inconstitucionais as normas 
 conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, e 2.º do referido Regulamento, por violação 
 da norma do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 
 e, em consequência, decidiu anular a liquidação impugnada, desenvolvendo, para 
 tanto, a seguinte fundamentação:
 
  
 
 “2.2. O direito aplicável.
 A primeira questão que iremos apreciar e decidir é a de saber se ocorreu 
 aplicação retroactiva do RCE anexo ao DL 43/98, de 3 de Março.
 Vejamos.
 Estabelece o artigo 1.º do RCE anexo ao Decreto‑Lei n.º 43/98, de 3 de Março:
 
 «1 – A contribuição especial incide sobre o aumento de valor dos prédios 
 rústicos, resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para 
 construção urbana, situados nas áreas das seguintes freguesias:
 
 (...)
 
 2 – A contribuição especial incide ainda sobre o aumento de valor dos terrenos 
 para construção e das áreas resultantes da demolição de prédios urbanos já 
 existentes situados nas áreas referidas no número anterior.»
 No caso vertente está em causa o aumento de valor de um prédio rústico 
 resultante da possibilidade da sua utilização como terreno para construção 
 urbana.
 Por sua vez, preceitua o artigo 2.° do mesmo RCE:
 
  
 
 «1 – Constitui valor sujeito a contribuição a diferença entre o valor do prédio 
 
 à data em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra e o seu 
 valor à data de 1 de Janeiro de 1994, corrigido por aplicação dos coeficientes 
 de desvalorização da moeda constantes da portaria a que refere o artigo 43.° do 
 Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, correspondendo, 
 para o efeito, à data de aquisição a data de 1 de Janeiro de 1994 e à de 
 realização a data da emissão do alvará de licença de construção ou de obra.»
 A contribuição é devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome 
 seja emitido o alvará de licença de construção ou de obra – cfr. artigo 3.° do  
 RCE.
 Como resulta das normas que acabámos de transcrever, a contribuição especial 
 prevista no Decreto‑Lei n.º 43/98, de 3 de Março, enquadra‑se nas chamadas 
 
 «contribuições de melhoria», que são aquelas em que é devida uma prestação, em 
 virtude de uma vantagem económica particular resultante do exercício de uma 
 actividade administrativa, por parte de todos aqueles que tal actividade 
 indistintamente beneficia – nestes termos, José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 
 pág. 40.
 Tais contribuições especiais são considerados impostos – cfr. artigo 4.°, n.º 3, 
 da LGT.
 Nos termos da própria lei, a contribuição especial criada pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 43/98, de 3 de Março, incide sobre a valorização dos terrenos ocorrida entre 1 
 de Janeiro de 1994 e a data do requerimento da respectiva licença de 
 construção.
 Ou seja, prevê-se nas normas conjugadas dos artigos 1.º, n.° 2, e 2.° do RCE, a 
 tributação de um facto que ocorreu antes da entrada em vigor da lei que a 
 determinou.
 Trata‑se, portanto, de normas fiscais retroactivas. Com efeito, uma norma é 
 retroactiva quando ela se refere na sua previsão a factos ocorridos 
 anteriormente à sua entrada em vigor, tenham tais factos o valor de factos 
 tributários ou de factos impeditivos (cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito 
 Fiscal, I, págs. 196-197).
 Ora, nos termos do preceito constitucional contido no artigo 103.°, n.º 3, da 
 Constituição da República Portuguesa, «ninguém pode ser obrigado a pagar 
 impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham 
 natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da 
 lei».
 Também a norma do artigo 12.°, n.º 1, da Lei Geral Tributária reafirma, ao nível 
 da legislação ordinária, esse princípio constitucional da proibição da 
 retroactividade da lei fiscal:
 
  
 
 «As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, 
 não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.»
 Donde, parece claro, padecem as normas fiscais referidas de 
 inconstitucionalidade material, por violação do artigo 103.°, n.º 3, da CRP – 
 no mesmo sentido, José Casalta Nabais, obra citada, pág. 43, nota 30.
 Tal inconstitucionalidade implica que essas normas não possam ser aplicadas e, 
 consequentemente, conduz à ilegalidade do acto tributário de liquidação que 
 nelas se sustentou.
 Procede, com este fundamento, a presente impugnação, resultando prejudicada a 
 apreciação das demais questões suscitadas.”
 
  
 
  
 
             2. O Ministério Público interpôs recurso desta sentença para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 
 de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 
 n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro –(LTC), tendo por objecto a apreciação da 
 constitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, e 2.º do RCE, 
 anexo ao Decreto‑Lei n.º 43/98, de 3 de Março, cuja aplicação foi recusada, 
 naquela decisão, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do 
 artigo 103.º, n.º 3, da CRP.
 
             Neste Tribunal, o representante do Ministério Público apresentou 
 alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
 “1 – O facto tributário gerador ou constitutivo da «contribuição de melhoria» 
 criada pelo Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março, é o aumento de valor dos 
 prédios ou terrenos, resultante da possibilidade da sua utilização como 
 terrenos para construção ou reconstrução urbana, nas freguesias cujas 
 acessibilidades foram excepcional e substancialmente melhoradas com as obras 
 públicas cuja realização está na base da edição daquele diploma legal.
 
 2 – Como critério orientador da avaliação pericial que irá determinar tal 
 
 «aumento de valor», causalmente ligado à realização dessas obras públicas, o 
 artigo 2.º do Regulamento aprovado pelo citado diploma legal manda atender ao 
 valor hipotético que teriam os prédios em data anterior ao lançamento de tais 
 obras públicas (que se estabelece com referência ao dia 1 de Janeiro de 1994), 
 corrigido pelos coeficientes de desvalorização, e o valor actual de tais bens, à 
 data em que se iniciou o processo de licenciamento que irá consumar e 
 concretizar tal «aumento de valor».
 
 3 – A ponderação da referida data – 1 de Janeiro de 1994 – surge, deste modo, 
 como simples critério orientador do juízo pericial de avaliação, não tendo, 
 deste modo, relação directa com o facto tributário, nem implicando sequer que 
 se esteja perante um facto tributário de formação sucessiva, como ocorreria se a 
 lei mandasse tributar os acréscimos de valor entretanto ocorridos em cada ano 
 fiscal.
 
 4 – O apelo à referida data, como meio de possibilitar aos peritos avaliadores 
 um critério e ponto seguro de referência, para determinar o «valor hipotético» 
 dos bens antes de iniciadas as obras públicas que os valorizaram, em nada 
 afronta o princípio constitucional da proibição da retroactividade da lei 
 fiscal.
 
 5 – Termos em que deverá proceder o presente recurso, já que as normas que 
 integram o objecto do presente recurso não colidem com o princípio da não 
 retroactividade da lei fiscal, nem ofendem qualquer outra norma ou princípio 
 constitucional.”
 
  
 
             A recorrida não contra‑alegou.
 
  
 
             3. Constitui objecto do presente recurso a apreciação da 
 conformidade constitucional das normas dos artigos 1.º, n.º 2, e 2.º do RCE 
 anexo ao Decreto‑Lei n.º 43/98, de 3 de Março, numa determinada interpretação, 
 que não cabe ao Tribunal Constitucional censurar no plano infra-constitucional: 
 a de que, sendo a licença de construção requerida antes da entrada em vigor do 
 referido diploma, mas o alvará emitido posteriormente a essa entrada em vigor, 
 seria devida a contribuição especial por ele instituída, calculada sobre a 
 diferença de valor entre 1 de Janeiro de 1994 e a data daquele requerimento.
 
  
 Designadamente, não cabe ao Tribunal decidir se o sentido dos preceitos em causa 
 
 é o considerado inconstitucional ou, antes um outro segundo o qual só incidiria 
 contribuição especial nas situações em que a operação urbanística fosse já 
 iniciada na vigência do diploma. Segundo a sentença recorrida, as mencionadas 
 normas, na interpretação acima mencionada e nela adoptada, contrariariam o 
 disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, tendo sido, por isso, recusada 
 a respectiva aplicação. 
 
  
 Trata-se de questão já apreciada pelo Tribunal, nomeadamente nos acórdãos n.ºs 
 
 81/2005 (1ª Secção) e 137/05, 138/05, 163/05, 164/05 e 175/05 ( 2ª Secção), 
 todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.  
 
  
 
  
 
             4. Estabelece o artigo 1.º do RCE anexo ao Decreto‑Lei n.º 43/98, de 
 
 3 de Março:
 
 «1 – A contribuição especial incide sobre o aumento de valor dos prédios 
 rústicos, resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para 
 construção urbana, situados nas áreas das seguintes freguesias:
 
 (...)
 
 2 – A contribuição especial incide ainda sobre o aumento de valor dos terrenos 
 para construção e das áreas resultantes da demolição de prédios urbanos já 
 existentes situados nas áreas referidas no número anterior.»
 
  
 Por sua vez, preceitua o artigo 2.° do mesmo RCE:
 
 «1 – Constitui valor sujeito a contribuição a diferença entre o valor do prédio 
 
 à data em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra e o seu 
 valor à data de 1 de Janeiro de 1994, corrigido por aplicação dos coeficientes 
 de desvalorização da moeda constantes da portaria a que refere o artigo 43.° do 
 Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, correspondendo, 
 para o efeito, à data de aquisição a data de 1 de Janeiro de 1994 e à de 
 realização a data da emissão do alvará de licença de construção ou de obra.»
 
  
 
             A contribuição é devida pelos titulares do direito de construir em 
 cujo nome seja emitido o alvará de licença de construção ou de obra – cfr. 
 artigo 3.° do RCE.
 
  
 
             Como se disse no acórdão n.º 81/2005 que, embora dele divergindo 
 quanto à decisão de inconstitucionalidade a que, por outro motivo chegou, nesta 
 parte inteiramente se acompanha:
 
  
 
 “9. A contribuição especial instituída pelas normas transcritas (na sua 
 modalidade de contribuição de melhoria), embora seja conceitualmente 
 diferenciada do imposto, está sujeita ao regime constitucional desta figura 
 
 (cfr. José Casalta Nabais, “Jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria 
 fiscal”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 69, 
 
 1993, p. 387-434, p. 398).
 E, de acordo com o n.º 3 do artigo 103º da Constituição, “ninguém pode ser 
 obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da 
 Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se 
 não façam nos termos da lei” (itálico acrescentado).
 O princípio da não retroactividade dos impostos – consagrado nesta disposição 
 com a quarta revisão da Constituição portuguesa, operada pela Lei Constitucional 
 n.º 1/97, de 20 de Setembro – , “é, em geral, reconduzido ao princípio da 
 protecção da confiança ínsito na ideia de Estado de direito democrático, ou 
 mesmo ao princípio da capacidade contributiva” (cfr. José Casalta Nabais, 
 
 “Jurisprudência...”, ob. cit., p. 404, nota 57). Assim, antes da quarta revisão 
 da Constituição, era já possível sustentar que “é [...] no princípio da 
 confiança jurídica, enquanto dimensão inarredável da ideia de Estado-de-direito 
 democrático, e não simplesmente no princípio da legalidade, que se encontrará 
 
 [...] um limite constitucional à admissibilidade de normas fiscais retroactivas” 
 
 (cfr. J. M. Cardoso da Costa, “O enquadramento constitucional do Direito dos 
 Impostos em Portugal: a jurisprudência do Tribunal Constitucional”, in 
 Perspectivas Constitucionais: Nos 20 anos da Constituição de 1976, Vol. II, 
 Coimbra, Coimbra Editora, 1997, p. 397-428, p. 417).
 
        Não obstante a norma do n.º 3 do artigo 103º da Constituição não resolver 
 todos os problemas que, quanto à definição da lei fiscal retroactiva, se podem 
 colocar (neste sentido, J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 
 Lisboa, Lex, 1998, p. 63), parece certo que nenhuma questão de retroactividade 
 se coloca (e, portanto, nenhuma violação da pertinente proibição constitucional 
 se verifica) quando o facto tributário seja instantâneo e tenha ocorrido na 
 vigência da lei nova ou quando, sendo de formação sucessiva, tenha inteiramente 
 ocorrido na vigência da lei nova.
 
  10. Ora, a interpretação perfilhada pelo tribunal recorrido não considerou 
 qualquer facto tributário de formação sucessiva. 
 
        Aliás, como salienta o Ministério Público nas suas alegações (fls. 144), 
 as normas em apreço no presente recurso não pressupõem “um facto tributário de 
 formação sucessiva, como sucederia se a lei mandasse contemplar autonomamente o 
 acréscimo de valor ocorrido em cada ano ou período fiscal”. 
 O facto tributário pressuposto pela interpretação normativa acolhida pelo 
 tribunal recorrido é, assim, um facto instantâneo.
 
  Como, a propósito, salienta Jorge Bacelar Gouveia (“A irretroactividade da 
 norma fiscal na Constituição Portuguesa”, in Estudos de Direito Público, Vol. I, 
 Principia, 2000, p. 257-301, p. 278), “a chave da determinação da 
 retroactividade reside [...] na localização do nascimento do imposto, que é o da 
 formação do facto tributário – não de qualquer outro momento posterior, como o 
 do acto de liquidação”.
 
  Não levanta obviamente qualquer problema de retroactividade – nem de resto 
 levantou ao tribunal recorrido – a ponderação da data de 1 de Janeiro de 1994, 
 nos termos do artigo 2º, n.º 1, do RCE, pois que a qualquer contribuição de 
 melhoria subjaz a consideração de que ocorreu uma vantagem económica particular, 
 o que só pode ser aferido por referência a uma situação patrimonial pretérita.”
 
  
 
  
 
             Reiterando-se esta doutrina, conclui-se que não há violação do 
 princípio constitucional da não retroactividade dos impostos pelo facto de o 
 aumento de valor tributário se determinar tendo por termo de referência inicial 
 o valor corrigido do prédio em 1 de Janeiro de 1994. 
 
  
 
             Porém, há na estrutura da norma tributária em causa dois outros 
 momentos relevantes para a determinação do imposto: o do requerimento da licença 
 de construção e o da emissão do respectivo alvará. Importa averiguar se ocorre 
 violação da proibição da retroactividade quando os referidos preceitos forem 
 interpretados como sujeitando ao tributo aquelas situações em que, sendo o 
 alvará de licença de construção emitido já no domínio de vigência do Decreto Lei 
 n.º 43/98, o requerimento da licença de construção tenha sido apresentado 
 anteriormente à entrada em vigor deste mesmo diploma. Efectivamente, embora a 
 decisão recorrida não tenha procedido a uma precisa determinação da data de 
 apresentação dos pedidos de licenciamento de construção relativamente aos 
 prédios em causa, limitando-se a dizer que ocorreram “durante o ano de 1998” 
 
 [cf. al. j) da matéria de facto fixada na sentença], só no pressuposto de que 
 esse momento é anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 43/98 logra 
 sentido concluir pela violação da proibição da retroactividade fiscal, porque a 
 emissão dos alvarás ocorreu em 10 de Fevereiro de 1999, indiscutivelmente depois 
 dessa entrada em vigor (Eliminada, obviamente, como ficou, a possibilidade de 
 essa retroactividade resultar de o primeiro termo de referência para cálculo do 
 aumento de valor ser o de 1 de Janeiro de 1994).
 
  
 
             Ora, quanto a esta questão, embora em divergência com a solução a 
 que se chegou nos acórdãos atrás mencionados, não pode deixar de acompanhar-se o 
 essencial das razões vertidas nas alegações do Ministério Público.
 
  
 
             Efectivamente, decorre dos artigos 1° e 2° do Regulamento aprovado 
 pelo Decreto-Lei n° 43/98, que a contribuição especial incide sobre o aumento de 
 valor dos prédios ou terrenos, situados nas áreas territoriais definidas na 
 lei, especialmente valorizados como directa decorrência de importantes 
 investimentos públicos, o qual se concretiza e consuma aquando de certas 
 vicissitudes: utilização de prédios rústicos ou terrenos para construção urbana 
 ou demolição de prédios urbanos já existentes para neles edificar novas 
 construções (artigo 1°, n°s 1 e 2).
 
  
 
             A incidência objectiva do tributo recai sobre o aumento do valor do 
 prédio ou terreno que se revela ou torna efectivo no momento em que se verifica 
 a emissão do alvará de licença de construção, já que só com tal acto se 
 consubstancia plenamente o acréscimo do valor patrimonial que se quer sujeitar. 
 
 É o que resulta de se considerar que a data da realização é a data da emissão do 
 alvará de licença de construção e é confirmado pela norma de incidência 
 subjectiva (artigo 3.º do Regulamento: a contribuição é devida pelos titulares 
 do direito de construir em cujo nome seja emitido o alvará de licença de 
 construção ou de obra).
 
  
 
              Na verdade, o facto gerador do tributo é o acto jurídico de 
 licenciamento da edificação – rectius no momento em que é emitido o título 
 correspondente – que é aquele em que o acréscimo de valor do prédio ou terreno 
 passa de  potencial a actual, e não o requerimento da licença de construção, 
 bastando ponderar que, se o licenciamento for requerido mas vier a ser 
 indeferido, ninguém sustentará que o tributo seja devido.
 
  
 
             É certo que a matéria colectável se determina, mediante avaliação, 
 pela diferença entre o valor dos imóveis à data de 1 de Janeiro de 1994, 
 corrigido pelos coeficientes de desvalorização, e o valor actual dos prédios à 
 data 'em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra'. Porém, não 
 
 é a apresentação do requerimento de licenciamento da operação urbanística que 
 constitui o facto gerador da obrigação de imposto. Estamos aí perante uma norma 
 que opera em benefício do sujeito passivo, congelando esse aumento de valor em 
 momento anterior ao da ocorrência do facto essencial, com que a mais valia 
 eclode (a emissão do alvará), assim neutralizando os efeitos da maior ou menor 
 duração do procedimento de licenciamento que, em princípio, é imputável à 
 Administração ou decorre de circunstâncias aleatórias que o sujeito passivo não 
 domina.
 
  
 
             Assim, em hipóteses como a que agora apreciamos, em que a 
 
 'realização' desse acréscimo de valor, consumado com a emissão do alvará de 
 licença de construção, é posterior à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n° 
 
 43/98, embora o requerimento de licenciamento lhe seja anterior, não ocorre 
 
 'criação retroactiva' de um tributo, porque o facto gerador da obrigação de 
 pagar o imposto, aquele que, no critério da lei revela a capacidade 
 contributiva, ocorreu já no período de vigência da lei impositiva. O que, na 
 interpretação normativa questionada, se situa em momento anterior à vigência do 
 citado Decreto-Lei n° 43/98 é um elemento da vida da contribuição especial em 
 causa favorável ao sujeito passivo. A sua consideração na determinação do valor 
 tributável não está vedada pela proibição constitucional expressa de 
 retroactividade, inserida no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição pela revisão 
 constitucional de 1997, porque só por ela são abrangidas as normas ou os 
 segmentos normativos oneradores ou agravadores da situação dos contribuintes, 
 não aqueles que, na estrutura do tributo considerado, desempenhem uma função 
 limitadora da obrigação de imposto, em seu benefício.
 
  
 
             Para fazer ressaltar como é inaceitável o entendimento, que tem sido 
 acolhido, de que estamos perante uma norma geradora de retroactividade fiscal 
 proibida basta que representemos a hipótese de supressão do inciso normativo do 
 n.º 1 do artigo 2.º do Regulamento, a que se tem atribuído o vício 
 inconstitucionalizante. Para os defensores dessa tese deixaria logicamente de 
 haver retroactividade porque deixaria de existir o elemento de determinação do 
 montante da obrigação de imposto que se situa antes da entrada em vigor do 
 diploma legal instituidor, quando a não consideração desse momento de referência 
 para a determinação do valor tributável só teria como efeito o agravamento da 
 posição do sujeito passivo, do mesmo sujeito passivo, perante a mesma situação 
 da vida sujeita a imposto ou, se assim quisermos, perante a mesma revelação de 
 capacidade contributiva.
 
  
 
             Tanto basta para julgar que não violam o princípio da não 
 retroactividade dos impostos, consagrado no n.º 3 do artigo 103.º da 
 Constituição, as normas dos artigos 1.º, n.º 2 e 2.º do Regulamento da 
 Contribuição Especial, anexo ao Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março, na 
 interpretação segundo a qual, ocorrendo o requerimento de licenciamento de 
 construção antes da entrada em vigor deste diploma mas sendo a emissão do 
 correspondente alvará de licenciamento posterior a essa entrada em vigor, seria 
 devida a referida contribuição especial sobre o valor calculado pela diferença 
 entre o valor de prédio em 1 de Janeiro de 1994 e o seu valor na data daquele 
 requerimento.
 
  
 
             Não cumpre ao Tribunal apreciar outras questões de 
 constitucionalidade referidas no processo, por não respeitarem à dimensão 
 normativa que foi objecto de desaplicação e que vem questionada no presente 
 recurso.
 
  
 
  
 
 4. Decisão
 
  
 
             Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso e determinar 
 a reforma da decisão recorrida em conformidade com o juízo de não 
 inconstitucionalidade agora efectuado.
 
  
 Lisboa, 2 de Novembro de 2005
 
  
 Vítor Gomes
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Artur Maurício (vencido, nos termos do Acórdão
 n.º 81/2005 que subscrevi)