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Procº nº 441/92
 Rel. Cons. Alves Correia
 
  
 
  
 Acordam em Plenário, no Tribunal Constitucional:
 
  
 
             I - Relatório.
 
  
 
             1. O Procurador-Geral da República, no uso da faculdade que lhe é 
 conferida pelo artigo 281º, nº 1, alínea a), e nº 2, alínea e), da Constituição 
 da República Portuguesa, requereu ao Tribunal Constitucional a declaração, com 
 força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 
 
 25º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de Outubro.
 
  
 
             O pedido alicerça-se nos seguintes fundamentos:
 
  
 
             a) O Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de Outubro, veio estabelecer o 
 novo regime jurídico de regularização das dívidas à segurança social, dispondo 
 sucessivamente sobre a regularização da dívida à segurança social (Capítulo I), 
 garantias gerais e especiais dessa dívida (Capítulo II), causas de extinção da 
 dívida para além do cumprimento (Capítulo III), situação contributiva 
 regularizada (Capítulo IV), não cumprimento das contribuições (Capítulo V) e 
 fiscalização (Capítulo VI).
 
  
 
             No capítulo VIII, incluindo as disposições transitórias e finais, 
 surge o referido artigo 25º, que, sob a epígrafe 'Representação nos tribunais 
 tributários', dispõe:
 
  
 
             'A representação das instituições de previdência social ou de 
 segurança social nos tribunais tributários é exercida por representantes do 
 Ministério Público'.
 
             O Decreto-Lei nº 411/91 foi editado nos termos da alínea a) do nº 1 
 do artigo 201º da Constituição - portanto, expressamente no exercício da 
 competência legislativa própria do Governo de 'fazer decretos-leis em matéria 
 não reservada à Assembleia da República'.
 
  
 
             b) A norma constante do referido artigo 25º assume-se como 
 claramente inovatória no que respeita à competência atribuída ao Ministério 
 Público, tal como resulta, quer da Lei Orgânica do Ministério Público (Lei nº 
 
 47/86, de 15 de Outubro), quer do Código de Processo Tributário (aprovado pelo 
 Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 47/95, de 10 
 de Março).
 
             Na verdade, as instituições de previdência ou de segurança social 
 configuram-se como pessoas colectivas de direito público, juridicamente 
 diferenciadas e autónomas do Estado-Administração Central (artigo 7º da Lei de 
 Segurança Social - Lei nº 28/84, de 14 de Agosto). Assim sendo, não incumbe ao 
 Ministério Público, por força do preceituado nos artigos 3º e 5º da respectiva 
 Lei Orgânica, a sua representação judiciária, não tendo, consequentemente, 
 
 'intervenção principal' nos processos em que  aquelas instituições sejam partes. 
 
 É, na realidade, doutrina unanimemente estabelecida que o Ministério Público, 
 por força do estatuído na Lei nº 47/86, apenas exerce a representação orgânica 
 do Estado-Administração Central nos casos em que este seja parte (alínea a) do 
 nº 1 do artigo 5º da Lei nº 47/86) e, a título facultativo, o patrocínio 
 judiciário das regiões autónomas e das autarquias locais (alínea b) do nº. 1 e 
 nº 2 do mesmo preceito).
 
             É certo que o artigo 5º da Lei nº 47/86 contém, na alínea f) do seu 
 nº 1, verdadeira 'norma em branco', a coberto da qual poderá ser deferida ao 
 Ministério Público a representação ou patrocínio em juízo de outros serviços 
 públicos personalizados, quando tal competência lhe for explicitamente 
 atribuída pela lei reguladora da respectiva pessoa colectiva.
 
             Porém, a verdadeira fonte normativa da competência do Ministério 
 Público é, neste caso, o diploma legal que institui e regula o instituto ou 
 serviço público personalizado - e não, naturalmente, a Lei Orgânica do 
 Ministério Público, que se limita a esclarecer, na citada alínea f) do nº 1 do 
 artigo 5º, que o leque de competências que atribui ao Ministério Público não 
 constitui tipologia fechada ou taxativa.
 
  
 
             Ora, ao menos após a entrada em vigor da Constituição de 1976 - que 
 sempre reservou à exclusiva competência da Assembleia da República a legislação 
 sobre 'organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e 
 estatuto dos respectivos magistrados' (artigo 167º, alínea j), do texto 
 inicial, a que corresponde o artigo 168º, nº 1, alínea q), do texto actual) - é 
 manifesto que a ampliação da competência atribuída ao Ministério Público deverá 
 necessariamente figurar em preceito legal constante de diploma emanado do 
 próprio Parlamento ou credenciado por autorização legislativa da Assembleia da 
 República, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade orgânica.
 
  
 
             c) Por outro lado, o referido artigo 25º do Decreto‑Lei nº 411/91 
 colide frontalmente com o regime de intervenção do Ministério Público no 
 ordenamento processual tributário, tal como resulta da articulação dos artigos 
 
 41º e 42º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto‑Lei nº 154/91. 
 Na verdade, enquanto o nº 1 do artigo 41º dispõe que:
 
  
 
  
 
 'Cabe ao Ministério Público a defesa da legalidade, a promoção do interesse 
 público e a representação dos ausentes, incertos e incapazes',
 
  
 
             Já, pelo contrário, o artigo 42º comete ao representante da Fazenda 
 Pública nos Tribunais Tributários:
 
  
 
 'c) A representação da administração fiscal ou de qualquer outra entidade 
 pública no processo de execução fiscal'.
 
  
 
             Da conjugação destes preceitos resulta, pois, que apenas incumbe ao 
 Ministério Público, nas causas que pendem nos tribunais tributários, o exercício 
 das funções de fiscalização e defesa da legalidade e do interesse público, bem 
 como o exercício da representação (ou intervenção principal) de incapazes, 
 ausentes e incertos. Mas já não é da sua competência a promoção do interesse 
 patrimonial da administração fiscal e das  demais  pessoas colectivas públicas 
 cujos direitos sejam - como ocorre com as instituições de segurança social - 
 efectivados através dos tribunais tributários, estando a representação ou 
 patrocínio judiciário destas cometido ao representante da Fazenda Pública.
 
             O sistema de representação das instituições de segurança social no 
 processo tributário (melhor se diria, de patrocínio judiciário destas entidades 
 pelo Ministério Público) resultante do citado artigo 25º revela-se, desde logo, 
 profundamente incoerente, face aos princípios que sempre nortearam a atribuição 
 de competência para representar (lato sensu) em juízo pessoas colectivas 
 públicas: na realidade, compreende-se mal que, não estando cometida ao 
 Ministério Público, nos tribunais tributários, a prossecução dos interesses 
 patrimoniais da administração fiscal - que implicaria uma representação de tipo 
 orgânico do Estado-Administração Central -,lhe seja imposto o mero patrocínio 
 judiciário de outras pessoas colectivas de direito público, diversas do Estado.
 
  
 
             E, além do mais, revela-se, com toda a clareza, organicamente 
 inconstitucional: na verdade, o sistema de competência do Ministério Público, 
 delineado pelo artigo 41º do Código de Processo Tributário, consta de diploma 
 legal, editado nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 201º da Constituição, 
 no uso da autorização legislativa concedida, aliás, pela Lei nº 37/90, de 10 de 
 Agosto. Pelo contrário, como atrás se constatou, o Decreto-Lei nº 411/91, de 17 
 de Outubro, foi publicado no exercício da competência própria do Governo, pelo 
 que não podia,  sem ofensa do preceituado no artigo 168º, nº 1, alínea q), da 
 Constituição inovar no âmbito das competências atribuídas à magistratura do 
 Ministério Público.
 
  
 
             2. Notificado o Primeiro-Ministro, nos termos dos artigos 54º e 55º, 
 nº 3, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, para se pronunciar sobre o pedido, 
 apresentou aquele extensa resposta, na qual defende a plena conformidade com a 
 Constituição do preceito questionado.
 
             De acordo com a resposta do Primeiro-Ministro,  a questão da 
 constitucionalidade da norma do artigo 25º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de 
 Outubro, traduz-se, em resumo, no sentido a dar ao termo lei constante da alínea 
 f) do nº 1 do artigo 5º da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro. Ou seja: tal vocábulo 
 refere-se a actos legislativos? Apenas a uma categoria de tais actos? Ou a outra 
 acepção da expressão lei? Depois de formular estes quesitos, conclui que a 
 referência à lei se deve entender num sentido que engloba os actos legislativos 
 do Governo, entendimento esse que encontra acolhimento em vários pareceres da 
 Procuradoria-Geral da República. Ainda segundo o Primeiro-Ministro, um tal 
 entendimento encontra suporte numa interpretação sistemática do preceito. Com 
 efeito, frequentes vezes, a expressão lei é usada, na Lei nº 47/86, para 
 designar os actos legislativos (vejam-se, por exemplo, as diversas alíneas do nº 
 
 1 do  artigo 3º).
 
  
 
             3. Tudo visto e ponderado, cumpre, então, apreciar e decidir a 
 questão de constitucionalidade que vem colocada a este Tribunal.
 
  
 
             II- Fundamentos.
 
  
 
             4. A norma do artigo 25º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de Outubro, 
 tem o seguinte conteúdo:
 
  
 Artigo 25º
 
  
 
            (Representação nos tribunais tributários)
 
  
 
            'A representação das instituições de previdência ou de segurança 
 social nos tribunais tributários é exercida por representante do Ministério 
 Público'.
 
             
 
             A análise da questão da inconstitucionalidade da norma que acaba de 
 ser transcrita, tal como vem posta pelo requerente, desdobra-se em dois 
 momentos. Num primeiro momento, deve esclarecer-se se a norma do artigo 25º do 
 Decreto-Lei nº 411/91 opera ou não um alargamento inovador das competências que 
 estão cometidas ao Ministério Público, quer na sua Lei Orgânica (Lei nº 47/86, 
 de 15 de Outubro), quer no Código de Processo Tributário, aprovado pelo 
 Decreto-Lei  nº 154/91, de 23 de Abril. Num segundo momento, no caso de se 
 concluir pelo carácter inovador da norma questionada, há que averiguar se o 
 Governo podia, através de decreto-lei não estribado em autorização legislativa, 
 emitir uma norma com tal sentido.
 
             Vejamos então.
 
  
 
             5.1. Nos termos do artigo 221º, nº 1, da Constituição, compete ao 
 Ministério Público 'representar o Estado, exercer a acção penal, defender a 
 legalidade democrática e os interesses que a lei determinar'.
 
             Concretizando este preceito constitucional, a Lei nº 47/86, de 15 de 
 Outubro (a actual Lei Orgânica do Ministério Público), estabelece o quadro 
 normativo essencial da estrutura organizatória  e  funcional  do  Ministério  
 Público, bem como do regime estatutário dos respectivos magistrados. No que 
 respeita à competência daquela magistratura, o mencionado diploma legal 
 estabelece, no seu artigo 3º, nº 1, alínea a), que compete especialmente ao 
 Ministério Público 'representar o Estado, as regiões autónomas, as autarquias 
 locais, os incapazes, os incertos e os ausentes em parte incerta, nos termos ao 
 artigo 5º'.
 
  
 
             Por sua vez, este preceito determina o seguinte:
 
  
 
  
 
 'Artigo 5º
 
  
 
 (Intervenção principal e acessória)
 
  
 
            1. O Ministério Público tem intervenção principal nos processos:
 
  
 
            a) Quando representa o Estado;
 
            b) Quando representa as regiões autónomas e as autarquias locais;
 
            c) Quando representa incapazes, incertos ou ausentes em parte 
 incerta;
 
            d) Quando exerce o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas 
 famílias na defesa dos seus direitos de carácter social;
 
            e) Nos inventários obrigatórios;
 
            f) Nos demais casos em que a lei lhe atribua competência para 
 intervir nessa qualidade.
 
  
 
             2. Em caso de representação de região autónoma ou de autarquia 
 local, a intervenção principal cessa quando for constituído mandatário próprio.
 
             3. Em casos de representação de incapazes ou de ausentes em parte 
 incerta, a intervenção principal cessa se os respectivos representantes legais a 
 ela se opuserem por requerimento no processo.
 
             4. O Ministério Público intervém nos processos acessoriamente:
 
  
 
  
 
            a) Quando, não se verificando nenhum dos casos do nº 1, sejam 
 interessados na causa as regiões autónomas, as autarquias locais, outras pessoas 
 colectivas públicas, pessoas colectivas de utilidade pública, incapazes e 
 ausentes;
 
  
 
            b) Nos demais casos previstos na lei'.
 
  
 
  
 
             Das disposições que vêm de ser citadas resulta que cabe ao 
 Ministério Público a função de representação judicial do Estado, a qual é 
 exercida através de intervenção processual como parte principal ou de 
 intervenção principal.
 
             Aqui chegados, é altura de questionar se, nesta função de 
 representação judicial do Estado, cometida ao Ministério Público, está ou não 
 incluída a representação judicial das instituições de previdência ou de 
 segurança social.
 
             Para responder à questão formulada, é necessário precisar  qual  o  
 conceito de  Estado  que  está pressuposto nos artigos 3º, nº 1, alínea a), e 
 
 5º, nº 1, alínea a), da Lei nº 47/86.
 
  
 
             5.2. Como é sabido, sob o ponto de vista jurídico, o vocábulo Estado 
 
 é utilizado em várias acepções, tais como a acepção internacional, a acepção 
 constitucional e a acepção administrativa.
 
             Considerando esta última - a única que importa para o caso em 
 análise -,o Estado assume-se como a pessoa colectiva pública que, no seio da 
 comunidade nacional, desempenha, sob a direcção do Governo, a actividade 
 administrativa, ou seja, como Estado-Administração. Como salienta D. Freitas do 
 Amaral, o Estado-Administração é encarado como 'uma pessoa colectiva pública 
 autónoma, não confundível com os governantes que o dirigem, nem com os 
 funcionários que o servem, nem com as outras entidades autónomas que integram a 
 Administração, nem com os cidadãos que com ele entram em relação' (cfr. Curso de 
 Direito Administrativo, 2ª ed., Vol. I, Coimbra, Almedina, 1994, p. 213,214). 
 Ainda segundo o mesmo autor, 'o interesse prático maior do recorte da figura do 
 Estado-Administração reside, justamente, na possibilidade assim aberta de 
 separar o Estado das outras pessoas colectivas públicas que integram a 
 Administração' (cfr. ob. cit., p. 214).
 
             De acordo com o sentido exposto, o Estado-Administração abrange 
 apenas a chamada administração directa do Estado (concentrada ou 
 desconcentrada), a qual abarca todos os órgãos e serviços integrados na pessoa 
 colectiva Estado, hierarquicamente dependentes do Governo e sujeitos ao poder 
 de direcção deste. Ficam excluídas daquele conceito a denominada administração 
 indirecta do Estado, constituída por uma pluralidade de entes públicos que 
 realizam, com autonomia administrativa e financeira, fins do Estado e que estão 
 sujeitos ao poder de superintendência do Governo (v.g. institutos públicos) e a 
 administração autónoma, de carácter local (autarquias locais), de base 
 institucional (universidades) ou corporativa (associações públicas), em relação 
 
 à qual o Governo exerce apenas um poder de tutela [cfr. o artigo 202º, alínea 
 d), da Constituição].
 
             Ora, o entendimento generalizado da doutrina vai no sentido de a 
 representação judicial do Estado, através do Ministério Público, abranger 
 exclusivamente o Estado-Administração, com o sentido que acabou de ser exposto. 
 Já quanto aos serviços públicos personalizados ou institutos públicos, uma vez 
 que gozam de personalidade jurídica, de autonomia administrativa e financeira e 
 de património próprio, a sua representação judicial está, em princípio, a cargo 
 dos seus órgãos estatutários ou institucionais próprios. É isso que sucede com 
 as instituições de previdência ou de segurança social, as quais, de acordo com o 
 que se estatui no nº 2 do artigo 7º da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto, são 
 pessoas colectivas de direito público. A representação judicial dos serviços 
 personalizados do Estado ou dos institutos públicos só caberá ao Ministério 
 
 Público quando o respectivo diploma orgânico o previr expressamente [cfr., 
 neste sentido, A. Costa Neves Ribeiro, O Estado nos Tribunais, Coimbra, Coimbra 
 Editora, 1985, p. 48-53, e os Pareceres da  Procuradoria-Geral  da  República,  
 nºs.  224/79,            169/80, 43/82 e 53/82, publicados no Boletim do 
 Ministério da Justiça, nºs.300 (1980), p. 123 e ss., 308 (1981), p. 56 e ss., 
 
 324 (1983), p. 384 e ss., e 325 (1983), p. 284 e ss., respectivamente].
 
  
 
             Do exposto deve concluir-se que a norma do artigo 25º do Decreto-Lei 
 nº 411/91, de 17 de Outubro, ao cometer a representação nos tribunais  
 tributários  das  instituições  de previdência ou de segurança social ao 
 Ministério Público, não encontra arrimo nos artigos 3º, nº 1, alínea a), e 5º, 
 nº 1, alínea a), da Lei nº 47/86, assumindo por isso, uma natureza inovadora em 
 relação a estas disposições legais.
 
             Este carácter inovador verifica-se igualmente em relação ao regime 
 de intervenção do Ministério Público plasmado no Código de Processo Tributário 
 
 (aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei 
 nº 47/95, de 10 de Março). Com efeito, nos termos do artigo 41º deste Código, 
 
 'cabe ao Ministério Público a defesa da legalidade, a promoção do interesse 
 público e a representação dos ausentes, incertos e incapazes'. Por sua vez, de 
 harmonia com o artigo 42º, compete ao representante da Fazenda Pública nos 
 tribunais tributários: a representação da administração fiscal no processo de 
 impugnação judicial; a introdução do feito em juízo e a promoção da fase 
 judicial  nos  processos de  contra-ordenação fiscal; a representação da 
 administração fiscal ou de qualquer outra entidade pública no processo de 
 execução fiscal; recorrer e intervir em patrocínio da Fazenda Pública na posição 
 de recorrente ou recorrida; e a prática de quaisquer actos previstos na lei. 
 Dos referidos preceitos do Código de Processo Tributário resulta que a 
 intervenção do Ministério Público, no processo judicial tributário, está 
 limitada à defesa dos interesses acima indicados, não lhe assistindo competência 
 para promover junto dos tribunais tributários a defesa dos interesses 
 patrimoniais da administração fiscal do Estado e das demais pessoas colectivas 
 públicas - como sucede com as instituições de segurança social -,já que a 
 referida competência está cometida à figura autónoma do representante da 
 Fazenda Pública, a qual foi criada pelos artigos 72º a 74º do Estatuto dos 
 Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 
 de Abril (sobre a problemática geral dos poderes do representante da Fazenda 
 Pública nos tribunais tributários, cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 
 
 553/94, publicado no Diário da República, II Série, nº 171, de 26 de Julho de 
 
 1995).
 
             A norma do artigo 25º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de Outubro, ao 
 atribuir ao Ministério Público a representação nos tribunais tributários das 
 instituições de previdência ou de segurança social, apresenta também uma índole 
 inovadora em face do regime adoptado pelo Código de Processo Tributário, em 
 
 especial do que se contém nos seus artigos 41º e  42º.
 
  
 
             6.1. A Lei nº 47/86, de 15 de Outubro (Lei Orgânica do Ministério 
 Público) não contém uma enumeração taxativa das competências de representação 
 judicial do Ministério Público, uma vez que o artigo 5º, nº 1, alínea f), prevê 
 a possibilidade de aquela magistratura intervir judicialmente como parte 
 
 principal 'nos demais casos em que a lei lhe atribua a competência para 
 intervir nessa qualidade', permitindo, assim, que seja deferida ao Ministério 
 Público a representação ou patrocínio em juízo de serviços personalizados do 
 Estado ou de institutos públicos, quando tal competência lhe for explicitamente 
 atribuída por lei. Como já foi referido, essa competência será, normalmente, 
 fixada no estatuto orgânico da pessoa colectiva pública distinta do Estado.
 
             Mas poderá o alargamento da competência de representação judicial 
 do Ministério Público, permitido pelo citado artigo 5º, nº 1, alínea f), da Lei 
 nº 47/86, ser concretizado por um decreto-lei não alicerçado em autorização 
 legislativa, como defende o Primeiro-Ministro na sua resposta?
 
             O Tribunal entende que não, pelas razões que, breviter, se vão 
 expor.
 
  
 
             6.1. A Constituição inclui na reserva relativa de competência 
 legislativa da Assembleia da República a 'organização e competência dos 
 tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados' 
 
 [artigo 168º, nº 1, alínea q)].
 
             Debruçando-se sobre o sentido e alcance da reserva parlamentar 
 respeitante à definição da 'competência' do Ministério Público, entendeu o 
 Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 329/89 (publicado no Diário da 
 República, II Série, nº 141, de 22 de Junho de 1989), que importa distinguir 
 
 'entre as intervenções legislativas directamente votadas àquela definição e 
 determinação e as que, visando outro objectivo, e inscrevendo-se num outro 
 domínio de regulamentação (nomeadamente o da regulamentação processual), 
 todavia, acabam por interferir apenas indirecta, acessória e necessariamente com 
 o quadro ou a distribuição legal das incumbências e faculdades cometidas ou 
 atribuídas ao Ministério Público e aos seus agentes', concluindo que só as 
 primeiras devem incluir-se no âmbito da reserva do artigo 168º, nº 1, alínea q), 
 da Constituição, na medida em que são indiscutivelmente qualificáveis como 'de 
 competência', e não já as segundas, que não merecem aquela qualificação, mas uma 
 outra (v.g. a de puras normas 'de processo').
 
             Ora, na situação em análise, é manifesto que a norma do artigo 25º 
 do Decreto-Lei nº 411/91 tem o sentido de alargar, de forma directa e autónoma, 
 o núcleo de competências do Ministério Público, tal como estava definido no 
 quadro legislativo na altura em vigor. Assim sendo, aquela norma teria de 
 constar de lei da Assembleia da República ou estar inserida em decreto-lei 
 emitido ao abrigo de uma lei de autorização legislativa [cfr. os artigos 168º, 
 nº 1, alínea q), e 201º, nº 1, alínea b), da Constituição].
 
             Não foi isso, porém, o que sucedeu, constando a norma questionada de 
 um decreto-lei aprovado pelo Governo ao abrigo do disposto no artigo 201º, nº 1, 
 alínea a), da Constituição, isto é, no exercício da competência para 'fazer 
 decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República'.
 
             Terá, assim, inexoravelmente de concluir-se - na senda, aliás, do 
 que já foi decidido pelas Secções do Tribunal Constitucional em processos de 
 fiscalização concreta, com destaque para o Acórdão nº 115/95 (publicado no 
 Diário da República, II Série, nº 95, de 22 de Abril de 1995) - pela 
 
 inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 25º do Decreto-Lei nº 411/91, 
 de 17 de Outubro.
 
  
 
  
 
             III - Decisão.
 
  
 
             7. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se declarar, com 
 força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 
 
 25º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de Outubro, por violação do artigo 168º, nº 
 
 1, alínea q), da Constituição.
 
  
 
             Lisboa,, 28 de Novembro de 1995
 
  
 Fernando Alves Correia
 Armindo Ribeiro Mendes
 Antero Alves Monteiro Dinis
 Messias Bento
 Maria Fernanda Palma
 José de Sousa e Brito
 Luís Nunes de Almeida
 Maria da Assunção Esteves
 Alberto Tavares da Costa
 Vítor Nunes de Almeida
 Guilherme da Fonseca
 Bravo Serra (com declaração idêntica, com as devidas
 
  adaptações à que apus no Acórdão nº 300/95)
 José Manuel Cardoso da Costa