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Proc. nº 136/94
 
 1ª Secção
 Rel. Cons. Monteiro Diniz
 
   
 Acordam no Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I - A questão
 
  
 
  
 
             1 - O Magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal 
 Administrativo, ao abrigo do disposto no artigo 19º, nºs 4 e 5 da Lei nº 1/76, 
 de 17 de Fevereiro (Estatuto Orgânico de Macau), na redacção dada pela Lei nº 
 
 13/90, de 10 de Maio, e nos artigos 14º, nº 1, 26º, nº 1, alínea g), 69º, nº 1 e 
 
 71º do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril (Estatuto dos Tribunais 
 Administrativos e Fiscais), interpôs recurso contencioso dos despachos do 
 Encarregado do Governo de Macau e do Governador de Macau, respectivamente, de 22 
 de Maio e de 5 de Junho de 1991, atinentes à nomeação de notários privados 
 naquele território sob administração portuguesa.
 
  
 
             Na sua petição, complementada pelas alegações assaca aos actos 
 recorridos a violação de normas constitucionais, formulando as seguintes 
 conclusões:
 
  
 
    1) As normas das alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 
 
 80/90/M, de 31 de Dezembro, e das alíneas a), b) e c) do nº 3 do artigo 3º do 
 Decreto-Lei nº 81/90/M, da mesma data, contêm limitações de acesso à função 
 notarial, a qual é uma função pública.
 
  
 
    2) Estas limitações fundam-se exclusivamente no exercício, anteriormente em 
 Macau, de certas funções jurídicas e no exercício actual da advocacia.
 
  
 
    3) Uma tal restrição não tem a justificá-la motivos constitucionalmente 
 atendíveis, pelo que acabou por impor uma solução de carácter manifestamente 
 discriminatório, que em muito excede os limites da discricionariedade 
 legislativa.
 
  
 
    4) Assim, violam essas normas o princípio da igualdade, consagrado no artigo 
 
 13º da Constituição, e o direito de acesso a cargo público, ou, à função 
 pública, em condições de igualdade e liberdade, com consagração, 
 respectivamente, no artigo 50º, nº 1, e no artigo 47º, nº 2, da Lei Fundamental.
 
  
 
    5) Os actos sob impugnação fundaram-se nessas normas materialmente 
 inconstitucionais.
 
  
 
    6) A violação daqueles imperativos constitucionais, acarreta a nulidade 
 desses actos.
 
  
 
    7) Por outra via, o Tribunal deve recusar a aplicação daquelas normas, ao 
 abrigo do disposto no artigo 4º, nº 3, do Decreto-Lei nº 129/94, de 27 de Abril, 
 ficando, assim, os actos em questão carecidos de base legal, o que é 
 determinante de anulabilidade.
 
  
 
 *///*
 
  
 
             2 - O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 27 de Janeiro 
 de 1994, concedeu provimento ao recurso e anulou os despachos impugnados, 
 suportando-se para tanto, na parte que aqui importa reter, na fundamentação 
 seguinte:
 
  
 
    'Por força do nº 2 do artigo 8º [do Decreto-Lei nº 80/90/M, de 31 de 
 Dezembro] podem ser nomeados notários privados:
 
             a) Os antigos notários de Macau que não tenham sido demitidos ou 
 aposentados compulsivamente.
 
             b) Os antigos magistrados judiciais ou do MºPº que exerceram essas 
 funções em Macau, cuja última classificação não tenha sido inferior a 'BOM' e 
 que não tenham sido demitidos ou aposentados compulsivamente.
 
             c) Os advogados com, pelo menos, 5 anos de exercício efectivo em 
 Macau.
 
    Em consonância com o nº 3 do artº 3º do DL 81/90/M de 31.12 veio ainda a ser 
 estabelecido que dos antigos notários de Macau e dos antigos magistrados 
 judiciais ou do MºPº só podem ser notários privados se exercerem a advocacia.
 
    Resulta destes textos legais que há restrições ao exercício das funções de 
 notário privado e que decorrem exclusivamente do local do anterior exercício de 
 diversas funções de carácter jurídico, conjugado com a exigência do exercício 
 actual da advocacia. Ora estas exigências desprovidas de qualquer fundamento 
 material bastante, realmente violam o princípio da igualdade - consagrado no 
 artº 13º da CRP que contém uma directiva dirigida ao legislador, que o obriga a 
 tratar de forma igual situações que são no essencial iguais e de forma desigual 
 situações que se possam considerar essencialmente diferentes.
 
    Pretende-se com esta directiva impedir o arbítrio legislativo e assim o 
 tratamento diferenciado ou não diferenciado que venha a ser dado em determinada 
 situação terá que ter um fundamento constitucionalmente válido.
 
    É dentro dos limites constitucionais que terá de se operar a definição das 
 situações da vida a tratar igual ou desigualmente, sem que seja eliminada a 
 liberdade de conformação legislativa.
 
    Ligado a este princípio e no aspecto que estamos a considerar há também que 
 atentar no disposto no art. 47º, nº 1 e 50º, nºs 1 e 2 da CRP que estabelecem os 
 princípios da liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública e do 
 direito de acesso a cargos públicos.
 
    Assim, nenhum cidadão pode ser excluído do acesso aos cargos públicos ou à 
 função pública por motivos que não se traduzam na falta dos requisitos 
 adequados, como é o caso da idade, das habilitações académicas e das 
 habilitações profissionais.
 
    Face ao exposto, é incontroverso que a forma de recrutamento para o cargo de 
 notário privado instituída pelos referidos DL 80 e 81/90/M de 31.12, exclui à 
 partida os notários que não tenham exercido funções em Macau e também todos os 
 conservadores.
 
    O que significa que cidadãos com formação profissional adequada, adquirida 
 através de meios instituídos para esse efeito, ficam por aquela via legislativa, 
 com o acesso vedado.
 
    Não decorre daqueles textos legais, nomeadamente da sua exposição preambular, 
 que o objectivo do legislador, ao restringir o acesso ao cargo de notário 
 privado a quem tivesse anteriormente exercido certas funções de carácter 
 jurídico em Macau, fosse evitar que um jurista sem conhecimento das 
 especialidade do regime jurídico vigente em Macau, em particular das regras do 
 notariado daquele território, pudesse vir a praticar actos da importância dos 
 actos notariais.
 
    E, mesmo que assim fosse, objectivamente não se pode afirmar com toda a 
 segurança, que a circunstância de certo cidadão ter exercido em Macau as 
 funções de notário público, ou de magistrado judicial ou do MºPº, ou ainda de 
 advogado por período não inferior a 5 anos, signifique, só por si, que seja 
 realmente conhecedor das especificidades inerentes ao regime jurídico que vigora 
 em Macau. Basta pensar que pode ter exercido essas funções há longo tempo e 
 terem ocorrido entretanto alterações a esse regime jurídico que não sejam do seu 
 conhecimento.
 
    Repare-se também na circunstância que não é de todo irrelevante, que parte 
 dos cidadãos englobados nas categorias profissionais a que os DL 80 e 81/90/M 
 reservam o exercício das funções de notário privado não terem realmente qualquer 
 ligação com a função notarial, como é o caso dos magistrados e dos advogados.
 
    É certo que relativamente aos advogados o DL 9/91/M de 31.1 institui um curso 
 de formação com a duração de 50 horas, mas o mesmo não se verifica em relação 
 aos magistrados que têm acesso directo à função notarial sem qualquer preparação 
 prévia.
 
    Há também que ponderar que as especificidades do regime jurídico vigente em 
 Macau nunca constituiriam um factor para adopção de medidas especiais no caso do 
 exercício da função de notário público em Macau, por notários ou conservadores 
 oriundos dos quadros da República Portuguesa.
 
    E por ser assim é que o regime de provimento dos notários públicos de Macau, 
 estabelecido nos arts. 25º e segs. da Lei Orgânica dos Serviços dos Registos e 
 do Notariado (DL 105/84/M de 8/9, que foi alterado pelo DL 16/87/M de 16.3 e 
 pela Lei 1/92/M de 27.1) não limita o exercício da função a anterior exercício 
 de certas funções jurídicas, no território de Macau.
 
    Não se pode por isso dizer que os notários e conservadores oriundos do 
 continente ao serem providos em Macau, não estejam aptos a exercer as funções 
 de notários públicos.
 
    Deste modo ao reservar-se a função de notário privado para determinada 
 categoria de pessoas, com preterição de outras com formação adequada e que 
 teoricamente até pode ser superior à daquelas, sem que para tanto se verifiquem 
 especificidades relevantes que o justificasse, deu-se origem a uma situação de 
 diferenciação de tratamento sem qualquer fundamento à luz do referido princípio 
 da igualdade e também do direito de acesso a cargos públicos ou à função pública 
 com assento constitucional nos artigos 13º, nº 1, 47º, nº 2 e 50º, nº 1 da CRP.
 
    Face ao exposto, é chegada a altura de concluir pela procedência da 
 argumentação aduzida pelo Recorrente no sentido de se considerar que as normas 
 estatuídas nas al. a), b) e c) do nº 2 do artº 8º do DL 80/90/M de 31.12 e nas 
 al. a), b) e c) do nº 3 do artº 3 do DL 81/91/M de 31.12, estabelecendo 
 limitações de acesso à função de notário privado, cujo conteúdo funcional é sem 
 dúvida, como vimos, de carácter eminentemente público - sem se basearem em 
 motivos que possam ser constitucionalmente atendíveis, acabaram por impor um 
 regime discriminatório, que excede o poder discricionário atribuído ao 
 legislador.
 
    Isto significa que foram violados o princípio da igualdade consagrado no artº 
 
 13º nº 1 e o direito de acesso a cargo público ou, à função pública, em 
 condições de perfeita igualdade e liberdade, consagrados, respectivamente nos 
 artigos 50º, nº 1 e 47º, nº 2 da CRP'.
 
  
 
 *///*
 
  
 
             3 - Deste acórdão trouxe o Ministério Público recurso obrigatório ao 
 Tribunal Constitucional, em conformidade com o disposto nos artigos 280º, nºs 
 
 1, alínea a) e 3 da Constituição e 70º, nº 1, alínea a) e 72º, nº 3, da Lei nº 
 
 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.
 
  
 
             Nas alegações depois oferecidas, o senhor Procurador-Geral Adjunto 
 deixou o seguinte quadro conclusivo:
 
  
 
    '1º A norma resultante da conjugação do preceituado nos artigos 8º, nº 2, do 
 Decreto-Lei nº 80/90/M e 3º, nº 3, do Decreto-Lei nº 81/90/M, ambos de 31 de 
 Dezembro, ao restringir o acesso à função de notário privado aos antigos 
 notários (ou outros magistrados) de Macau que exerçam advocacia, e aos advogados 
 com pelo menos 5 anos de exercício efectivo em Macau, estabelece uma 
 discriminação arbitrária entre tais profissionais e todos os demais que, apesar 
 de materialmente habilitados ao exercício da função notarial, são impedidos de 
 ter acesso ao referido cargo.
 
  
 
    2º Tal discriminação configura-se como materialmente infundada, já que não 
 encontra suporte material bastante na especificidade do estatuto e do 
 ordenamento jurídico de Macau, ou nas particularidades do exercício da função 
 notarial naquele território, que se rege, no essencial, pelo Código do 
 Notariado.
 
  
 
    3º Viola, pois, tal regime legal os princípios constitucionais da igualdade, 
 consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa - e entendido 
 como proibição da realização de discriminações arbitrárias pelo legislador - e 
 do direito a um procedimento justo e igualitário no recrutamento para funções 
 públicas, previsto no nº 2 do artigo 47º da Lei Fundamental - disposições 
 aplicáveis em Macau nos termos do artigo 2º do respectivo Estatuto Orgânico, 
 aprovado pela Lei nº 13/90, de 10 de Maio'.
 
  
 
             Na contralegação entretanto produzida pelos recorridos particulares, 
 formularam-se as conclusões seguintes:
 
  
 
    'a) Nos termos em que o pedido foi formulado pelo recorrente, o recurso deve 
 ser julgado improcedente, visto da conjugação do disposto no artigo 8º nº 2 do 
 Decreto-Lei nº 80/90/M com o artigo 3º do Decreto-Lei 81/90/M não resultar 
 nenhuma norma tal como é pretendido pelo recorrente: as normas objecto do 
 presente recurso não têm o alcance pretendido pelo Ministério Público - não se 
 perca de vista que o artigo 1º do Decreto-Lei 81/90/M não é objecto do recurso 
 em apreço;
 
  
 
     b) Mesmo que assim não se entenda, o que apenas por dever de patrocínio é 
 equacionado nas presentes alegações, consideram os recorridos particulares não 
 merecer provimento o recurso sub judice; com efeito:
 
  
 
     i) São as particularidades do território de Macau a justificarem a criação 
 da figura do notário privado, nos termos em que foi feita; assim, as funções do 
 notário privado justificam-se exactamente nos termos em que foram concebidas; é 
 que, não se pretende fazer concorrência aos notários privativos nem aos 
 notários públicos; pelo contrário, trata-se de permitir ao advogado que possa, 
 acessoriamente à actividade principal que exerce, praticar gratuitamente actos 
 notariais;
 
  
 
     ii) É, ainda, o particularismo da vida de Macau que justifica ser a função 
 notarial também exercida por entidades privadas, de forma gratuita e 
 acessoriamente à actividade privada dos advogados; por assim ser é que, 
 naturalmente, se condiciona o exercício da função acessória ao exercício da 
 função principal. Já careceria de justificação o condicionalismo imposto, caso 
 se tratasse de uma actividade a exercer a título principal ou exclusivo;
 
  
 
     iii) Sendo territórios diferentes, o nacional e o de Macau e comunidades 
 políticas distintas, distintas não podem deixar de ser as ordens jurídicas. Há 
 uma ordem jurídica da República Portuguesa, tendo por destinatários permanentes 
 os cidadãos portugueses e ligada ao território nacional; e há uma ordem jurídica 
 de Macau, tendo por destinatários permanentes os residentes em Macau e 
 incindível desse território; assim se justifica, à luz do princípio da 
 igualdade, o regime jurídico do notário privado, nos termos em que o instituiu o 
 legislador do Território;
 
  
 
     iv) Justifica-o, quando a estabelece acessoriamente à actividade do 
 advogado, uma vez que, como vimos, é aos advogados de Macau que faz sentido, 
 complementarmente à sua actividade e de modo gratuito, praticarem actos 
 notariais;
 
  
 
     v) Justifica-o quando estabelece a existência de um nexo de conexão entre o 
 titular do exercício da função e a realidade sócio-cultural e económica com o 
 Território;
 
  
 
     vi) Acresce que a referida localização, instrumento da sobrevivência da 
 identidade de Macau, apenas se pode concretizar por via de medidas, soluções e 
 providências que, no respeito dos princípios fundamentais do nosso sistema 
 constitucional, reforcem a autonomia e a diferenciação;
 
  
 
     vii) Analisada a questão nos termos propostos, facilmente se chega à 
 conclusão de não dar o regime em apreço lugar a qualquer privilégio ou 
 discriminação;
 
  
 
     viii) Importante é ainda, para desmistificar o problema que agora nos ocupa, 
 o facto de, em Macau, qualquer jurista poder ser advogado; para tal basta que se 
 inscreva, sem mais imposições, na respectiva associação profissional;
 
  
 
     ix) De referir, ainda, não se decretar, portanto, nenhum privilégio dos 
 juristas de Macau em confronto com os de Portugal ou, inversamente, uma 
 descriminação de que estes sejam vítimas; aponta-se tão só um tratamento 
 correlacionado com as circunstâncias objectivas diversas em que uns e outros se 
 deparam perante as estruturas jurídicas e sociais do Território em fase de 
 transformação e (nota não menos importante) de transição.'
 
  
 
             Os recorridos particulares fizeram entretanto juntar aos autos dois 
 pareceres da autoria, respectivamente, dos Professores Jorge Miranda e Freitas 
 do Amaral.
 
  
 
             Passados os vistos de lei cabe agora apreciar e decidir.
 
  
 
 *///*
 
  
 II - A fundamentação
 
  
 
  
 
             1 - O Supremo Tribunal Administrativo ao decidir a impugnação 
 contenciosa que lhe fora submetida para julgamento recusou a aplicação das 
 
 'normas estatuídas nas alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 8º do Decreto-Lei 
 nº 80/90/M, de 31 de Dezembro e nas alíneas a), b), e c) do nº 3 do artigo 3º do 
 Decreto-Lei nº 81/91/ M, de 31 de Dezembro' com fundamento em 
 inconstitucionalidade ditada pela violação dos artigos 13º, nº 1, 50º, nº 1 e 
 
 47º, nº 2 da Constituição.
 
  
 
             E do respectivo acórdão, em conformidade com a expressa imposição 
 contida nos artigos 280º, nºs 1, alínea a) e 3 da Constituição e 70º, nº 1, 
 alínea a) e 72º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, interpôs o Ministério 
 Público recurso obrigatório em ordem à fiscalização concreta de 
 constitucionalidade das normas ali desaplicadas.
 
  
 
             Tais normas - e são elas que constituem o objecto do presente 
 recurso - no entendimento daquele aresto, estabelecem limitações de acesso à 
 função de notário privado sem para tanto se basearem em motivos 
 constitucionalmente atendíveis, acabando por impôr um regime discriminatório, 
 que excede o poder discricionário atribuído ao legislador.
 
  
 
             Ora, apesar de na individualização dos preceitos cuja aplicação foi 
 recusada, o acórdão recorrido ter feito referência aos artigos 8º, nº 2, alíneas 
 a), b) e c) do Decreto-Lei nº 80/90/M, e 3º, nº 3, alíneas a), b) e c) do 
 Decreto-Lei nº 81/90/M, é manifesto que só por lapso se fez alusão a este último 
 normativo, desde logo porque o artigo 3º do Decreto-Lei nº 81/90/M é constituído 
 por um corpo único, não dispondo de números nem alíneas.
 
  
 
             Como bem resulta do contexto argumentativo e sistemático que ali se 
 contém, o acórdão quis reportar-se à norma do artigo 3º, nº 3, alíneas a), b) e 
 c) do Código do Notariado, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º do 
 Decreto-Lei nº 81/90/M e não já à norma do artigo 3º deste diploma que rege, 
 aliás, sobre matéria de todo estranha ao thema decidendi, concretamente, ao 
 facto de as referências feitas no Código do Notariado à Direcção-Geral dos 
 Registos e do Notariado deverem ser entendidas como feitas à Direcção de 
 Serviços de Justiça.
 
  
 
             De resto, como vem sendo assinalado pela jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional (cfr. por todos, o Acórdão nº 440/94, Diário da República, II 
 série, de 1 de Setembro de 1994) a competência dos tribunais comuns no acesso à 
 Constituição com vista à recusa de aplicação das normas que julguem 
 inconstitucionais é uma competência vinculada, no sentido de que estes 
 tribunais só podem decidir as questões de constitucionalidade que tenham por 
 objecto normas jurídicas aplicáveis ao caso concreto submetido a julgamento.
 
  
 
             Ora, sendo patente que a norma do artigo 3º do Decreto-Lei nº 
 
 81/90/M, nada tem a ver com a situação posta à apreciação do Supremo Tribunal 
 Administrativo, não existe impedimento a que no objecto do recurso se tenha por 
 incluída a norma que em verdade ali se rejeitou, concretamente, a norma do 
 artigo 3º, nº 3, alíneas a), b) e c) do Código do Notariado, na redacção dada 
 pelo artigo 1º daquele diploma.
 
  
 
 *///*
 
  
 
             2 - O Decreto-Lei nº 80/90/M, de 31 de Dezembro, como resulta da sua 
 exposição preambular, 'mantendo, no essencial, o sistema e partindo do 
 pressuposto que um notário é essencialmente um jurista, com qualificação 
 científica e dotado de fé pública, que deve aconselhar, interpretar e conformar 
 legalmente a vontade dos intervenientes nos actos e contratos' instituiu o 
 notário privado como novo órgão da função notarial, definindo-o como 'um 
 advogado de Macau investido em funções após nomeação pelo Governador e com 
 adequada preparação técnica para os actos notariais'.
 
  
 
             Ao notário privado foi atribuída, naquele diploma, competência para 
 praticar todos os actos notariais, à excepção de testamentos públicos, termos 
 de aprovação de testamentos cerrados, abertura de testamentos cerrados, 
 habilitações e justificações notariais, escrituras ante-nupciais, repúdio de 
 herança de que façam parte coisas imóveis, actos em que outorguem menores e 
 incapazes e protestos (artigo 2º).
 
  
 
             As escrituras celebradas por notários privados haverão de ser 
 depositadas no prazo de cinco dias num cartório notarial do território de Macau, 
 sob pena de não produzirem quaisquer efeitos nem poderem ser invocadas em juízo 
 
 (artigo 4º, nºs 1 e 3).
 
  
 
             O exercício de funções de notário privado não é remunerado, sem 
 prejuízo da cobrança dos honorários, como advogado (artigo 9º).
 
  
 
             Os notários privados estão sujeitos às incompatibilidades dos 
 advogados e tomam posse e prestam compromisso de honra perante o director dos 
 Serviços de Justiça, vinculando-se aos deveres da função pública excepto aos de 
 obediência e assiduidade (artigos 10º e 12º, nº 1).
 
  
 
             As condições de acesso ao exercício desta função notarial acham-se 
 reguladas no artigo 8º, cujo texto a seguir se transcreve na integra, tendo em 
 atenção a particular importância de que se reveste para o julgamento da matéria 
 posta no presente recurso.
 
  
 Artigo 8º
 
 (Acesso)
 
  
 
  
 
    1 - Os notários privados são nomeados por despacho do Governador.
 
  
 
    2 - Podem ser nomeados notários privados:
 
        a)  Antigos notários de Macau que não tenham sido demitidos ou 
 aposentados compulsivamente;
 
        b)  Antigos Magistrados Judiciais ou do Ministério Público que exerceram 
 essas funções em Macau, cuja última classificação não tenha sido inferior a 
 
 'BOM' e que não tenham sido demitidos ou aposentados compulsivamente;
 
        c)  Advogados com, pelo menos, cinco anos de exercício efectivo em 
 Macau.
 
  
 
    3 - Os indivíduos a que se refere a alínea c) do nº 2 só poderão ser nomeados 
 após a frequência de um curso de formação nos termos a definir em diploma do 
 Governador.
 
  
 
  
 
             E, na lógica sequência do Decreto-Lei nº 80/90/M, o Decreto-Lei nº 
 
 81/90/M, de 31 de Dezembro, veio introduzir alterações ao Código do Notariado, 
 ditadas pelo facto de se haver entretanto criado um novo órgão notarial e 
 também por força da implantação no território de Macau de um programa de 
 informatização.
 
  
 
             Os órgãos normais da função notarial, de harmonia com este diploma, 
 são os notários públicos e os notários delegados. São notários delegados os 
 primeiros-ajudantes dos cartórios notariais (artigo 2º do Código do Notariado).
 
  
 
             Regendo sobre os órgãos especiais da função notarial, o artigo 3º do 
 mesmo código, na redacção dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 81/90/M, dispõe 
 assim:
 
  
 Artigo 3º
 
 (Órgãos especiais)
 
  
 
  
 
    1 - Também desempenham funções notariais:
 
       a) Os agentes consulares portugueses;
 
       b) Os notários privativos;
 
       c) Os notários privados;
 
  
 
    2 - São notários privativos os funcionários de serviços públicos, 
 licenciados em Direito, a quem seja atribuída em relação a certos actos, a 
 competência própria dos notários.
 
  
 
    3 - São notários privados:
 
       a)   Antigos notários de Macau que não tenham sido demitidos ou 
 aposentados compulsivamente e exerçam advocacia;
 
       b)   Antigos Magistrados Judiciais e do Ministério Público nas condições 
 da alínea a), e cuja última classificação não tenha sido inferior a 'Bom';
 
       c)   Advogados com, pelo menos, cinco anos de exercício efectivo em 
 Macau.
 
  
 
    4 - Os notários privados são nomeados por despacho do Governador e têm a 
 competência constante de diploma próprio.
 
  
 
  
 
             Da conjugação das normas dos nºs 2 e 3 do artigo 8º do Decreto-Lei 
 nº 80/90/M e do nº 3 do artigo 3º do Código do Notariado, na redacção que lhe 
 foi dada pelo Decreto-Lei nº 81/90/M, resulta assim que o acesso à função de 
 notário privado se acha reservado aos que exerçam a advocacia em Macau e tenham 
 anteriormente desempenhado no respectivo território funções de notário público, 
 Magistrado Judicial ou Magistrado do Ministério Público e aos que venham ali 
 exercendo a advocacia há mais de cinco anos e tenham frequentado um curso de 
 formação.
 
  
 
             Deste modo, ficam excluídos do acesso a tal cargo notarial os 
 licenciados em Direito que não exerçam a advocacia no território de Macau, bem 
 como os que embora a exercendo, o não façam, também aí, há pelo menos cinco anos 
 ou não tenham desempenhado funções como notários públicos, Magistrados Judiciais 
 ou do Ministério Público naquele território.
 
             Assinale-se que o Decreto-Lei nº 58/92/M, de 24 de Agosto, veio dar 
 nova redacção aos artigos 8º, nº 2, alínea a) do Decreto-Lei nº 80/90/M e 3º, nº 
 
 3, alínea a) do Código do Notariado, que passaram a prever, ao lado dos antigos 
 notários, os conservadores que também tenham como tal exercido funções em Macau. 
 A situação em apreço, porém, dado o seu concreto circunstancialismo, há-de ser 
 avaliada em face dos textos originários dos respectivos diplomas
 
  
 
             Será que poderá dizer-se, como sustenta o senhor Procurador-Geral 
 Adjunto, que semelhantes restrições, 'exclusivamente fundadas no local do 
 anterior exercício de funções jurídicas, e com a exigência do actual exercício 
 da advocacia em Macau' importam violação do princípio da igualdade e do direito 
 a um procedimento justo e igualitário no recrutamento para funções públicas, 
 previstos, respectivamente, nos artigos 13º e 47º, nº 2 da Constituição?
 
  
 
 *///*
 
  
 
             3 - O princípio da igualdade começou por ser entendido no 
 constitucionalismo liberal do séc. XIX em termos de exclusiva incidência no 
 domínio da aplicação da lei por forma a impedir diferenças de tratamento ainda 
 provenientes da ordem feudal ou do Estado estamental.
 
  
 
             Esta perspectiva exclusivamente formal, segundo a qual a igualdade 
 se concretizava através de uma igual aplicação da lei a todos os cidadãos - 
 através da generalidade da lei, alcançava-se a igualização dos cidadãos - 
 traduzia-se numa pura exigência de generalidade da lei, apresentando-se o 
 princípio da igualdade como um mero princípio de prevalência da lei.
 
  
 
             Todavia, pouco a pouco, o princípio evoluiu na sua essência 
 estruturadora do regime geral dos direitos fundamentais e do próprio sistema 
 constitucional global, apresentando-se como princípio oponível ao próprio 
 legislador.
 
  
 
             Hoje em dia, a igualdade perante a lei não é mais uma mera igual 
 aplicação da lei a todos os cidadãos, afirmando-se, sobretudo, como uma 
 igualdade na lei ou, se se quiser, uma igualdade através da lei.
 
  
 
             A sua base material é a igual dignidade social de todos os cidadãos, 
 que, por seu turno, representa um corolário da igual dignidade humana de todas 
 as pessoas. Trata-se pois de um valor judicializado que preside a todos os actos 
 jurídicos, a começar pelo acto legislativo. O legislador não pode introduzir 
 diferenciações na estatuição sobre 'facti species' essencialmente idênticas, 
 isto é, o princípio da igualdade veda-lhe que trate desigualmente aquilo que é 
 essencialmente igual e que trate igualmente aquilo que é essencialmente 
 desigual.
 
  
 
             Mas porque a semelhança nas situações da vida nunca é total visto 
 que por natureza tais situações não se reproduzem integralmente, importará, 
 numa prévia definição, encontrar o atributo que, retirado do todo, permite o 
 estabelecimento da igualdade, isto é, delimitar quais os elementos de semelhança 
 que, para além dos inevitáveis elementos diferenciadores, devem estar presentes 
 para se poder afirmar a igualdade de duas situações em termos de merecerem o 
 mesmo tratamento jurídico.
 
  
 
             Sendo a igualdade em sentido material um conceito relativo entre 
 duas situações, importa que o elemento relacionador, como elemento 
 característico de tais situações, nelas se encontre presente. Tais situações 
 serão consideradas iguais (ou desiguais), merecendo por isso um tratamento 
 jurídico igual (ou desigual), consoante o elemento relacionador que se elegeu 
 como critério de comparação, nelas se verifique ou não verifique.
 
  
 
             Mas a definição do critério em que se reporta o juízo de igualdade 
 pressupõe uma prévia valoração da realidade, apresentando-se com um conteúdo 
 indissociavelmente ligado aos fins que se pretendem alcançar com o 
 estabelecimento da igualdade. 'A qualificação de uma situação como igual a outra 
 inclui, necessarimente, a razão pela qual ela deve ser tratada de certo modo'.
 
  
 
             O princípio da igualdade reconduz-se assim a uma proibição de 
 arbítrio sendo inadmissíveis quer a diferenciação de tratamento sem qualquer 
 justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, 
 constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações 
 manifestamente desiguais.
 
  
 
             A proibição de arbítrio constitui um limite externo da liberdade de 
 conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da 
 igualdade como princípio negativo de controle.
 
  
 
             A vinculação jurídico-material do legislador a este princípio não 
 elimina a liberdade de conformação legislativa, pois lhe pertence, dentro dos 
 limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as 
 relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar 
 igual ou desigualmente.
 
  
 
             Mas existe, sem dúvida, violação do princípio da igualdade enquanto 
 proibição de arbítrio, quando os limites externos da discricionariedade 
 legislativa são afrontados por ausência de adequado suporte material para a 
 medida legislativa adoptada.
 
  
 
             Por outro lado, as medidas de diferenciação hão-de ser materialmente 
 fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da 
 justiça e da solidariedade, não devendo basear-se em qualquer razão 
 constitucionalmente imprópria (cfr. sobre a matéria, por todos, os acórdãos do 
 Tribunal Constitucional nºs 44/84, 425/87, 39/88 e 231/94, Diário da República, 
 II série, de respectivamente, 11 de Junho de 1984 e 5 de Janeiro de 1988 e I 
 série, de respectivamente, 3 de Março de 1988 e 28 de Abril de 1994, e ainda 
 Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 
 
 1993, pp. 127 e ss; Jorge Miranda, 'O regime dos direitos, liberdades e 
 Garantias, Estudos sobre a Constituição, vol. III, pp. 50 e ss. e Manual de 
 Direito Constitucional, tomo IV, Coimbra, 1993, p. 219; Maria da Glória 
 Ferreira Pinto, Princípio da Igualdade - Fórmula Vazia ou Fórmula Consagrada de 
 Sentido?,, Separata do B.M.J. nº 358, Lisboa, 1987; Lívio Paladin, Il princípio 
 costituzionale d'eguaglianza, Milão, 1965).
 
  
 
             À luz das considerações precedentes pode dizer-se que a 
 caracterização de uma medida legislativa como inconstitucional, por ofensiva do 
 princípio da igualdade dependerá, em última análise, da ausência de fundamento 
 material suficiente, isto é, de falta de razoabilidade e consonância com o 
 sistema jurídico.
 
  
 
 *///*
 
  
 
             4 - O acesso à função de notário privado acha-se reservado aos que 
 exercem a advocacia em Macau e tenham anteriormente desempenhado no respectivo 
 território funções de notário público, Magistrado Judicial ou do Ministério 
 Público e aos que também ali exercem a advocacia há mais de cinco anos e tenham 
 frequentado um curso de formação.
 
  
 
             Ficam assim excluídos de tais funções os licenciados em Direito que 
 não advoguem no território de Macau, bem como os que, embora aí exerçam a 
 advocacia, o não façam, também aí, há pelo menos cinco anos ou não tenham sido 
 notários públicos, Magistrados Judiciais ou do Ministério Público naquele 
 território.
 
  
 
             Os diplomas em causa não explicitam directamente as razões que 
 estiveram na origem das diferenças de tratamento estabelecidas para as diversas 
 situações profissionais ali previstas, podendo embora dizer-se que 'repousam no 
 pressuposto de que juristas com actividade anterior ou presente em Macau 
 possuem mais e melhor conhecimento da legislação especial aí vigente do que 
 juristas vindos de fora, e revelam maior sensibilidade aos factores 
 socioculturais e socioeconómicos que rodeiam a aplicação e de que depende a 
 efectividade dessa legislação. E, como corolário, estatuem que é dentre eles 
 que devem ser escolhidos os notários privados tornados imprescindíveis pelo 
 próprio crescimento do Território'.
 
  
 
             As especificidades do regime jurídico de Macau resultam desde logo, 
 do facto de constituir um território sob administração portuguesa que se rege 
 por estatuto adequado à sua situação especial (artigo 292º, nº 1, da 
 Constituição).
 
  
 
             Como tal, apresenta-se aquele território como uma pessoa colectiva 
 de direito público interno e goza, com ressalva dos princípios e no respeito dos 
 direitos, liberdades e garantias estabelecidos na Constituição e no seu 
 Estatuto Orgânico, de autonomia administrativa, económica, financeira e 
 legislativa (artigo 2º da Lei nº 1/76, de 17 de Fevereiro, na redacção dada pela 
 Lei nº 13/90, de 10 de Maio).
 
  
 
             O território de Macau como território diferente do território da 
 República abriga uma comunidade política distinta à qual, não só por estreitas 
 considerações lógico-formais mas sobretudo por razões políticas, económicas, 
 sociais e culturais, corresponde também uma outra ordem jurídica.
 
  
 
             Independentemente da comunicação existente entre as ordens 
 jurídicas da República Portuguesa e do território de Macau e de saber se os 
 princípios constitucionais fundamentais ali se aplicarem sem necessidade de 
 interposição destas ou daquelas normas estatutárias, o certo é que este 
 ordenamento se apresenta em muitos aspectos diverso do ordenamento português 
 prevalecendo aliás, em diversas matérias, no caso de divergência entre as normas 
 constantes de diplomas dos órgãos de soberania da República aplicáveis ao 
 território e as normas de diplomas dos órgãos de Governo próprio do território 
 de Macau, esta última ordem jurídica.
 
  
 
             Por outro lado, de acordo com a Declaração Conjunta do Governo da 
 República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a questão 
 de Macau (ratificada pelo decreto do Presidente da República nº 38-A/87, de 14 
 de Dezembro) o vínculo que liga Macau e o respectivo ordenamento à República 
 Portuguesa tem natureza transitória pois que, a partir de 20 de Dezembro de 
 
 1999, se prevê a transferência da administração do território para a República 
 Popular da China que voltará a assumir o exercício da soberania sobre Macau.
 
  
 
             Contudo, depois dessa data e por um período de cinquenta anos o 
 território de Macau deverá ser convertido em 'Região Administrativa Especial' 
 com 'alto grau de autonomia, excepto nas relações externas e de defesa', gozando 
 de 'poderes executivos, legislativos e judicial independentes, incluindo o de 
 julgamento em última instância' (cfr. sobre o debate parlamentar da 'Declaração 
 Conjunta', Diário da Assembleia da República, 1ª série, nº 20, de 11 de Dezembro 
 de 1987, pp. 684 e ss).
 
  
 
             Mas a subsistência de um sistema jurídico próprio para além de 1999 
 pressupõe um adequado ajustamento de tal sistema à sociedade de Macau em termos 
 de nele se reflectirem as respectivas realidades económicas, sociais e 
 culturais, perspectivando-se para tanto a localização como um instrumento de 
 sobrevivência da sua identidade.
 
  
 
             É assim que, em conformidade com a exposição preambular do 
 Decreto-Lei nº 80/90/M, a criação dos notários privados em Macau foi ditada 
 pelas exigências do 'desenvolvimento económico e social do território', 
 traduzidas na necessidade de instituir 'estruturas legais capazes de garantir a 
 certeza e a segurança na aplicação do Direito, assim como a celeridade dos actos 
 e contratos, imprescindível ao comércio jurídico próprio das sociedades em 
 expansão'.
 
  
 
             E do mesmo modo, no preâmbulo do Decreto-Lei nº 81/90/M, aduziram-se 
 razões similares quando se invocou como fundamento da criação desse novo órgão 
 da função notarial' a necessidade de permitir uma maior celeridade na prática 
 dos actos notariais, sem que se percam a segurança e a certeza jurídicas'.
 
  
 
             Com efeito, parece irrecusável a existência de particulares 
 especificidades no ordenamento jurídico do território de Macau determinadas por 
 características muito próprias da respectiva comunidade política e das suas 
 conexas condicionantes culturais, económicas e sociais.
 
  
 
             Mas será que as especificidades deste ordenamento e as 
 peculiariedades da sociedade a que respeita constituem fundamento material 
 bastante para as diferenças de tratamento estabelecidas no acesso às funções de 
 notário privado?
 
  
 
             Nos pareceres juntos aos autos responde-se em termos afirmativos 
 aduzindo-se, além de outras, estas considerações:
 
  
 
    'Não se decreta, portanto, nenhum privilégio dos juristas de Macau em 
 confronto com os de Portugal ou, inversamente, uma discriminação de que estes 
 sejam vítimas. Aponta-se tão só um tratamento correlaccionado com as 
 circunstâncias objectivas diversas em que uns e outros se deparam perante as 
 estruturas jurídicas e sociais do Território em fase de transformação e (nota 
 não menos importante) de transição.
 
 ............................................................. 
 
     A exigência de uma actividade jurídica anterior ou actual em Macau como 
 requisito de admissão à qualidade de notário privado assenta num dado objectivo 
 
 - a integração existencial no ambiente jurídico e sociocultural do Território - 
 e, por isso, não ofende o princípio da igualdade, que longe de significar 
 identidade naturalística, uniformidade, indiferenciação, implica consideração 
 da diversidade, razoabilidade, proporcionalidade' (Prof. Jorge Miranda).
 
  
 
  
 
    'Este critério do local (Macau) do anterior exercício de determinadas funções 
 jurídicas parece-nos que encontra obviamente a sua justificação na necessidade 
 de garantir que a nomeação de notários privados recaia sobre advogados que 
 tenham já adquirido um conhecimento adequado e suficiente das especificidades 
 da particular situação jurídica de Macau e do respectivo ordenamento jurídico. 
 Por outras palavras, com este tratamento diferenciado pretende-se evitar a 
 nomeação, como notários privados, de advogados que não tenham ainda uma conexão 
 suficientemente estrita com Macau, obtida quer pelo anterior exercício, nesse 
 território, de funções notariais ou de magistratura, quer pelo efectivo 
 exercício da advocacia, também nesse território, durante pelo menos cinco anos.
 
     São, pois, as especificidades do ordenamento jurídico de Macau e o 
 particular `ambiente' que rodeia, por isso, o complexo e exigente comércio 
 jurídico duma sociedade `em expansão' que justificam a restrição do exercício 
 das funções de notário privado a quem haja exercido determinadas funções 
 jurídicas naquele território, pois só estes é que se pode considerar que 
 adquiriram o conhecimento e estão preparados para lidar juridicamente com essa 
 particular realidade' (Prof. Freitas do Amaral)
 
  
 
 *///*
 
  
 
             5 - A estes argumentos contrapõe o senhor Procurador-Geral Adjunto 
 que - podendo embora os advogados exercer funções de consulta jurídica que 
 envolvam a realização de minutas de negócios jurídicos - não apresenta o 
 conteúdo da função notarial efectiva e necessária conexão com os actos próprios 
 da profissão de advogado.
 
  
 
             Por outro lado, assinala ainda que o regime instituído para os 
 notários privados não é aplicável aos notários públicos e aos notário delegados 
 que poderão ser providos nos respectivos lugares independentemente do facto de 
 não reunirem os pressupostos de nomeação exigidos aos primeiros, sendo também 
 certo que o curso de formação a que se reporta o artigo 8º, nº 3, do Decreto-Lei 
 nº 80/90/M, se revela instrumento idóneo para realizar a selecção dos candidatos 
 que não se mostrem profissionalmente habilitados ao exercício satisfatório das 
 tarefas próprias da função sendo por isso inaceitáveis as restrições impostas 
 por lei.
 
  
 
             Não se crê que esta perspectiva das coisas seja a mais adequada à 
 avaliação da legitimidade constitucional das normas em apreço.
 
  
 
             Vejamos porquê.
 
  
 
             A vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da 
 igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pertencendo-lhe, 
 dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto 
 ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a 
 tratar igual ou desigualmente.
 
  
 
             Infracção ao princípio da igualdade enquanto proibição de arbítrio 
 só existe quando 'as medidas legislativas não têm adequado suporte material'.
 
  
 
             Ora, independentemente de se saber se os elementos relevantes das 
 diversas situações que no entendimento do legislador, justificam para o 
 provimento do cargo de notário privado a existência de uma conexão profissional 
 com Macau, bem como se os índices depois erigidos como critérios reveladores 
 dessa conexão, são os mais adequados à definição dos pressupostos que 
 condicionam aquele recrutamento, importa afirmar que uns e outros não se 
 apresentam como manifestamente desrazoáveis ou inaceitáveis no contexto do 
 ordenamento a que respeitam e dos específicos vectores políticos, económicos e 
 sociais que o informam..
 
  
 
             Aos tribunais, na apreciação daquele princípio, não compete 
 verdadeiramente 'substituirem-se' ao legislador, ponderando a situação como se 
 estivessem no lugar dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a 
 solução 'razoável', 'justa' e 'oportuna' (do que seria a solução ideal do caso); 
 compete-lhes, sim, 'afastar aquelas soluções legais de todo o ponto 
 insusceptíveis de se credenciarem racionalmente' (cfr. acórdão da Comissão 
 Constitucional, nº 458, Apêndice ao Diário da República, de 23 de Agosto de 
 
 1983, p. 120).
 
  
 
             As inegáveis especificidades do ordenamento de Macau e a 
 complexidade do comércio jurídico da respectiva sociedade justificam porventura 
 a solução legislativa adoptada, ao menos, em termos de não se poder afirmar com 
 segurança a existência de violação do princípio da igualdade por parte do quadro 
 normativo que rege a selecção dos notários privados.
 
  
 
             Esta conclusão não pode ser contrariada pelo facto de no provimento 
 dos notários públicos se não impor uma obrigatória conexão profissional com o 
 território de Macau similar à adoptada para os notários privados.
 
  
 
             Com efeito, os conteúdos funcionais destes dois órgãos notariais são 
 bem diversos, justificando porventura uma diferente perspectiva nos respectivos 
 modos de acesso, sustentando-se mesmo no parecer do Prof. Jorge Miranda que 
 
 'não é o regime de acesso dos notários privados que carece de ser alterado, mas 
 o dos notários públicos que tem de ser adequado aos imperativos da 
 localização'.
 
  
 
             Como quer que seja, não se considera que aquelas normas violem o 
 princípio da igualdade.
 
  
 
             Nas alegações do recurso, além da violação do princípio da 
 igualdade, teve-se também por afrontado 'o direito de acesso à função pública em 
 condições de igualdade' consagrado no artigo 47º, nº 2 da Constituição.
 
  
 
             Simplesmente, tudo quando se disse a propósito daquele princípio 
 vale também para o específico princípio da igualdade de acesso à função pública 
 que mais não traduz do que uma concretização do princípio geral consagrado no 
 artigo 13º da Constituição.
 
  
 
             E assim sendo, a inexistência de violação do princípio da igualdade 
 consequencia também que não se tenha por afrontado o disposto no artigo 47º, nº 
 
 2 da Constituição.
 
  
 
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 III - A decisão
 
  
 
             Nestes termos, decide-se não julgar inconstitucional a norma 
 resultante da conjugação do preceituado nos artigos 8º, nº 2 do Decreto-Lei nº 
 
 80/90/M, de 31 de Dezembro e 3º, nº 3 do Código do Notariado na redacção que lhe 
 foi dada pelo Decreto-Lei nº 81/90/M, de 31 de Dezembro, determinando-se, em 
 consequência, a reforma do acórdão recorrido em conformidade com o presente 
 julgamento de não inconstitucionalidade.
 
  
 
             Lisboa, 8 de Novembro de 1995
 
  
 
                                    Antero Alves Monteiro Dinis
 Maria Fernanda Palma
 Maria da Assunção Esteves
 Alberto Tavares da Costa
 Vítor Nunes de Almeida
 Armindo Ribeiro Mendes
 José Manuel Cardoso da Costa