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Proc. nº 67/95
 
 1ª Secção
 Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
  
 
  
 
                         Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
                         1. A. foi detido, em 12 de Julho de 1994, por nesse 
 mesmo dia, pelas 22 horas e 20 minutos, conduzir na via pública um veículo 
 automóvel apresentando uma taxa de álcool no sangue de 1,2 gramas por litro.
 
  
 
                         2. Submetido a julgamento sumário no Tribunal Judicial 
 de Lagos, o arguido foi condenado como autor material de um crime previsto e 
 punível nos termos do artigo 2º, nº 1, do Decreto‑Lei nº 124/90, de 11 de Abril, 
 na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 200$00, fixando‑se em alternativa 
 
 40 dias de prisão.
 
                         Porém, o tribunal desaplicou a norma contida no artigo 
 
 4º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 124/90, de 14 de Abril, por entender que ela 
 violaria a proibição de as penas envolverem como efeito necessário a perda de 
 quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos (artigo 30º, nº 4 da 
 Constituição), o princípio da culpa (artigos 1º, 13º, nº 1, e 25º, nº 1) e o 
 princípio da proporcionalidade das sanções criminais (art. 18º, nº 2), não 
 condenando, consequentemente, o arguido em inibição da faculdade de conduzir.
 
                         O tribunal, após a qualificação da inibição da faculdade 
 de conduzir como uma verdadeira pena e a consideração de que tal faculdade se 
 traduzia no exercício de um direito de natureza civil, entendeu que a imposição 
 de tal pena acessória, sempre que houvesse condenação penal, constituiria um 
 efeito de carácter automático, o que seria proibido pela citada disposição 
 constitucional.
 
                         Para o tribunal recorrido, a automaticidade não 
 desaparecia pelo facto de haver uma intervenção judicial na graduação da 
 inibição entre o mínimo e o máximo estabelecidos. Uma vez que a medida legal da 
 inibição é idêntica para o crime doloso e para o crime negligente, haveria aí 
 uma violação do princípio da culpa.
 
                         E a esta argumentação acrescentava que existiria uma 
 violação do princípio da proporcionalidade, quanto ao crime negligente, já que o 
 mínimo da medida legal da inibição é igual ao máximo da pena de prisão 
 aplicável.
 
  
 
                         3. Dessa sentença interpôs o Ministério Público recurso 
 obrigatório ao abrigo do disposto nos artigos 70º, nº 1, alínea a) e 72º, nº 1, 
 alínea a) e nº 3, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
 
  
 
                         4. Nas alegações apresentadas neste Tribunal o 
 recorrente concluiu da seguinte forma:
 
  
 
             1º. Não pode considerar‑se como efeito automático da condenação por 
 certo tipo legal de crime a imposição de uma sanção acessória, mediante decisão 
 do juiz, que se encontra habilitado a graduar a medida concreta daquela em 
 função da ponderação das circunstâncias do caso.
 
  
 
             2º. O regime estatuído no art. 4º, nºs 1 e 2, alínea a), não ofende 
 o disposto no art. 30º, nº 4, da Constituição, nem envolve qualquer infracção 
 aos princípios constitucionais da culpa e da proporcionalidade das sanções 
 criminais.
 
  
 
  
 
                         5. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
                         6. O presente recurso tem por objecto a questão da 
 constitucionalidade da norma do artigo 4º, nºs 1 e 2, alínea a), do Decreto-Lei 
 nº 124/90, de 14 de Abril.
 
  
 
                         Nesse diploma prevê-se, no seu artigo 2º, como crime a 
 condução de veículos com ou sem motor em via pública ou equiparada, por quem 
 apresentar uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 gramas por 
 litro, sendo o facto punível com pena de prisão até um ano ou multa até 200 
 dias, quando doloso, ou com pena de prisão até 6 meses ou multa até 100 dias, 
 quando negligente.
 
                         Segundo o artigo 4º do Decreto-Lei nº 124/90, a essas 
 penas de prisão ou multa acrescerá a sanção acessória de inibição da faculdade 
 de conduzir. Dispõe esse artigo, na parte que ora interessa, o seguinte:
 
  
 Artigo 4º
 
 (Inibição da faculdade de conduzir)
 
  
 
             1. Às penas previstas nos artigos 2º e 3º acresce a sanção acessória 
 de inibição da faculdade de conduzir.
 
  
 
             2. A inibição terá a seguinte duração:
 
  
 
                a)         Seis meses a cinco anos nos casos previstos no artigo 
 
 2º;
 
  
 
 (...)
 
  
 
  
 
                         7. Na decisão recorrida considerou-se que a sanção de 
 inibição da faculdade de conduzir constituiria limitação do exercício de um 
 direito civil e que seria de aplicação automática como decorrência da condenação 
 pela prática do ilícito previsto no artigo 2º do Decreto-Lei nº 124/90, o que 
 violaria o disposto no nº 4 do artigo 30º da Constituição, no qual se proíbe que 
 uma pena possa envolver como efeito necessário a perda de direitos civis.
 
                         Por outro lado, entendeu-se também que a norma da alínea 
 a) do nº 2 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 124/90 violaria os princípios da culpa 
 e da proporcionalidade das sanções criminais, por se prever a mesma medida legal 
 da sanção de inibição de conduzir tanto para a actuação dolosa como para a 
 actuação negligente e por a medida legal da inibição ser superior nos seus 
 limites mínimo e máximo às medidas legais da prisão ou da multa.
 
  
 
                         8. Essa norma e esses argumentos foram já objecto de 
 apreciação pelo Tribunal Constitucional, através dos Acórdãos nºs 667/94 (Diário 
 da República, II, de 24 de Fevereiro de 1995), 70/95 (inédito), 73/95 (Diário da 
 República, II, de 12 de Junho de 1995), 143/95 (Diário da República, II, de 20 
 de Junho de 1995) e 144/95 (inédito), da 2ª Secção, e 234/95 (Diário da 
 República, II, de 6 de Julho de 1995), 235/95 (inédito), 236/95 (inédito), 
 
 237/95 (Diário da República, II, de 6 de Julho de 1995) e 290/95 (inédito), 
 desta 1ª Secção. Neles se concluiu que a norma em causa não é inconstitucional.
 
  
 
                         9. Independentemente da questão da adequada qualificação 
 doutrinal da inibição da faculdade de conduzir, e não obstante o legislador a 
 designar como sanção acessória, é da análise da sua conformação legal que há-de 
 resultar uma eventual caracterização daquela sanção como efeito automático da 
 pena, em contradição com o artigo 30º, nº 4, da Constituição.
 
                         Admitindo que a faculdade de conduzir veículos 
 automóveis é um direito civil, é certo que a perda desse direito é uma medida 
 que o juiz aplica e gradua dentro dos limites mínimo e máximo previstos, em 
 função das circunstâncias do caso concreto e da culpa do agente, segundo os 
 critérios do artigo 72º do Código Penal. Poder-se-á, assim, dizer que o juiz não 
 se limita a declarar a inibição como medida decorrente de forma automática da 
 aplicação da pena, com mero fundamento na lei.
 
                         A circunstância de ter sempre de ser aplicada essa 
 medida, ainda que pelo mínimo da medida legal da pena, desde que seja aplicada a 
 pena principal de prisão ou multa, não implica, ainda assim, neste caso, colisão 
 com a proibição de automaticidade. A adequação da inibição de conduzir a este 
 tipo de ilícitos revela que a medida de inibição de conduzir se configura como 
 uma parte de uma pena compósita, como se de uma pena principal associada à pena 
 de prisão se tratasse, em relação à qual valem os mesmos critérios de graduação 
 previstos para esta última.
 
                         Com efeito, a aplicação da inibição de conduzir 
 fundamenta-se, tal como a aplicação da pena principal de prisão ou multa, na 
 prova da prática do facto típico e ilícito e da respectiva culpa, sem 
 necessidade de se provarem quaisquer factos adicionais. Atenta a natureza da 
 infracção (condução de veículos sob influência do álcool), com a inerente 
 perigosidade decorrente dessa conduta, surge como adequada a sanção de inibição 
 de conduzir, como já foi sublinhado.
 
                         Há, pois, uma conexão entre o facto perpetrado e a 
 inibição fundamentada na natureza do ilícito: a violação intensa dos deveres de 
 condutor associa-se à privação temporária da faculdade de conduzir.
 
  
 
                         10. Também não ocorre a alegada ofensa dos princípios da 
 culpa e da proporcionalidade das sanções criminais.
 
                         Tal como se disse, a inibição de conduzir é aplicada 
 mediante a sua graduação entre determinados limites mínimo e máximo, o que apela 
 a uma fundamentação no quadro da culpa.
 
                         O facto de a medida legal da pena (seis meses a cinco 
 anos de inibição) ser igual para o caso de dolo e para o caso de negligência não 
 impede o julgador de fixar diferentemente a medida concreta da pena da conduta 
 dolosa e a da conduta negligente, conforme lhe é exigido pelo artigo 72º do 
 Código Penal.
 
                         De igual modo, não existe qualquer imposição 
 constitucional quanto a uma equivalência temporal entre as medidas legais da 
 inibição e da prisão ou da multa. A desconformidade existente emerge da 
 diferente natureza das medidas sancionatórias em causa, apenas sendo exigível 
 uma proporção entre essas sanções.
 
                         Conclui-se, portanto, que os princípios constitucionais 
 da culpa e da proporcionalidade das sanções criminais também não são afectados 
 pela previsão de uma sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir.
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
                         11. Nestes termos, não julgando inconstitucional a norma 
 do artigo 4º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 124/90, de 14 de Abril, 
 decide-se conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão 
 recorrida em conformidade com o ora decidido sobre a questão de 
 constitucionalidade.
 
  
 
                         Lisboa, 8 de Novembro de 1995
 
  
 
                                        Maria Fernanda Palma
 Maria da Assunção Esteves
 Alberto Tavares da Costa
 Vítor Nunes de Almeida
 Armindo Ribeiro Mendes
 Antero Alves Monteiro Dinis
 José Manuel Cardoso da Costa