 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo nº 350/95 
 Rel. Cons. Messias Bento
 
  
 
   
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
                         I. Relatório:
 
  
 
                         1. A. deduziu, no Tribunal Superior de Justiça de Macau, 
 o incidente de suspeição do juiz relator do processo em que é recorrido.
 
  
 
  
 
                         Invocou, para o efeito, a circunstância de existirem 
 
 'graves motivos de inimizade' entre o seu mandatário e o juiz relator, 
 precisando que já anteriormente o advogado do recorrido, em representação de um 
 seu outro constituinte, tinha deduzido idêntico incidente contra o mesmo juiz, 
 no qual invocara 'factos que, por se traduzirem em confrontação directa ou 
 indirecta com o ora recusado - que goza, pelo menos junto da maioria, de elevado 
 prestígio no meio forense - são razão mais do que suficiente para que, de 
 futuro, uma intervenção conjunta de ambos em qualquer processo tenha como 
 consequência, no mínimo, a suspeita de que, em relação a qualquer constituinte 
 do requerente, o recusado não julgará com imparcialidade'. E concluiu dizendo 
 que devia fazer-se uma 'interpretação extensiva' que considere a situação 
 descrita abrangida pelo nº 7 do artigo 112º do Código de Processo Penal de 1929, 
 
 'nomeadamente por se traduzir numa circunstância ponderosa (artº 126º, nº 1, do 
 CPC), sob pena de o resultado de uma interpretação restritiva (taxativa) do 
 preceito conduzir, como consequência, à sua inconstitucionalidade material, por 
 violação do disposto nos nºs 1 e 7 do artigo 32º da CRP'.
 
  
 
                         O Tribunal Superior de Justiça de Macau, por acórdão de 
 
 23 de Novembro de 1994, julgou improcedente o incidente de suspeição.
 
  
 
                         2. Deste acórdão, de 23 de Novembro de 1994, recorreram, 
 em 25 de Novembro de 1994, o Ministério Público e, em 5 de Dezembro de 1994, o 
 recorrido: aquele Magistrado, para o Plenário do mesmo Tribunal, da parte do 
 acórdão 'em que não condenou o advogado em litigância de má fé e por não ter 
 ordenado a passagem e remessa da competente certidão à Associação dos Advogados 
 de Macau, para efeitos disciplinares'; o recorrido, para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da respectiva Lei 
 Orgânica e de Processo, 'na parte em que recusa a declaração de 
 inconstitucionalidade material suscitada sobre a interpretação restritiva do 
 artº 12º do CPP (entendendo que aqui se faz uma enumeração taxativa de todas as 
 causas de suspeição do juiz), por violação do princípio geral de que aos 
 arguidos, em processo criminal, será assegurada protecção global e completa dos 
 seus direitos de defesa (art. 32º, nº 1, da CRP) e por violação do princípio do 
 juiz legal (art. 32º, nº 7, da CRP), sendo uma das dimensões fundamentais deste 
 
 último princípio a garantia de uma justiça material assegurada pela neutralidade 
 e independência do juiz'.
 
  
 
                         O recurso do Ministério Público foi admitido, por 
 despacho de 7 de Dezembro de 1994. O do recorrido não foi admitido, uma vez que 
 
 - lê-se no despacho de 14 de Dezembro de 1994, transitado em julgado em 5 de 
 Janeiro de 1995 - 'do acórdão [...] cabia recurso ordinário, na circunstância 
 para o Plenário do Tribunal Superior de Justiça [...], recurso esse que o 
 requerente [...] não interpôs'.
 
  
 
                         O Tribunal Superior de Justiça de Macau, em plenário, 
 por acórdão de 8 de Março de 1995, deu provimento ao recurso, pelo que, entre o 
 mais, condenou o requerente do incidente, por litigância de má fé, em multa e 
 nas custas.
 
  
 
                         O recorrido requereu, então, em 17 de Março de 1995, a 
 aclaração do acórdão de 8 de Março de 1995 - o que foi indeferido pelo acórdão 
 de 6 de Abril de 1995. E, notificado deste aresto, arguiu, em 24 de Abril de 
 
 1995, a nulidade daquele acórdão (de 8 de Março de 1995) - o que foi indeferido 
 pelo acórdão de 3 de Maio de 1995.
 
  
 
                         3. Na data em que arguiu a nulidade (ou seja: em 24 de 
 Abril de 1995), o recorrido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do 
 acórdão de fls. 98 e seguintes, que é o acórdão do Plenário, de 8 de Março de 
 
 1995, que concedeu  provimento ao recurso do Ministério Público e condenou o 
 recorrido como litigante de má fé. E fê-lo - disse - 'na medida em que faz 
 aplicação directa de uma norma (art. 112º do CPP), cuja inconstitucionalidade 
 material foi alegada no decorrer do processo - quando interpretada de uma forma 
 restritiva (taxativa), como, aliás, o faz a decisão ora impugnada'. E, 
 notificado do acórdão de 3 de Maio de 1995, que indeferiu a arguição de 
 nulidades, interpôs novamente, em 12 de Maio de 1995, recurso para este Tribunal 
 do mesmo acórdão de 8 de Março de 1995, com o fundamento que já indicara e ao 
 abrigo da citada alínea b) do nº 1 do artigo 70º , que antes invocara.
 
  
 
                         Este recurso não foi admitido, uma vez que - disse-se no 
 respectivo despacho, de 15 de Maio de 1995 - o acórdão impugnado (o de 8 de 
 Março de 1995, lavrado a fls. 98), não tinha por objecto a questão de 
 constitucionalidade do artigo 112º do Código de Processo Penal, daí que nem 
 sequer a analisou.
 
  
 
                         4. É deste despacho de inadmissão do recurso (de 15 de 
 Maio de 1995) que vem a presente reclamação, apresentada em 25 de Maio de 1995, 
 com a qual se pretende que seja mandado 'admitir o recurso oportunamente 
 interposto do acórdão do Plenário do Tribunal Superior de Justiça de Macau, 
 datado de 8 de Março p.p.'.
 
  
 
                         Levados os autos à conferência, o Tribunal Superior de 
 Justiça de Macau, por acórdão de 31 de Maio de 1995, manteve o despacho de 
 inadmissão do recurso.
 
  
 
                         O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal é 
 de parecer que a reclamação deve ser indeferida.
 
  
 
                         5. Corridos os vistos, cumpre decidir se a reclamação é 
 
 (ou não) de deferir, que o mesmo é perguntar se o recurso, interposto do acórdão 
 do Tribunal Superior de Justiça de Macau (de 8 de Março de 1995), deve (ou não) 
 ser admitido.
 
  
 
                         Vejamos, então:
 
  
 
                         II. Fundamentos:
 
  
 
                         6. Deixando, obviamente, de lado, o recurso interposto 
 contra o acórdão de 23 de Novembro de 1994, que não foi admitido, por despacho, 
 já transitado em julgado, de 14 de Dezembro de 1994 - e que, por isso, aqui não 
 está em causa -, recorda-se que, contra o acórdão de 8 de Março de 1995, foram 
 apresentados dois requerimentos de recurso: um, em 24 de Abril de 1995 e o 
 outro, em 12 de Maio de 1995.
 
  
 
                         Na reclamação apresentada, pede-se, no entanto, que se 
 mande admitir o recurso (não os recursos) interposto do acórdão de 8 de Março de 
 
 1995.
 
  
 
                         E, na verdade, trata-se de um único recurso, pois que é 
 só uma a decisão recorrida e é o mesmo recorrente o subscritor dos dois 
 requerimentos de recurso, com os quais pretende que este Tribunal decida a mesma 
 
 - e única - questão de constitucionalidade.
 
  
 
                         7. Prosseguindo, então.
 
  
 
                         O recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 
 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 
                         Pressupostos deste tipo de recurso são, entre outros, 
 que o recorrente tenha suscitado a inconstitucionalidade de determinada norma 
 jurídica (ou de uma sua interpretação), durante o processo; e que, não obstante 
 essa acusação de ilegitimidade constitucional, a decisão recorrida a tenha 
 aplicado com o sentido ou a dimensão que ele tem por incompatível com a lei 
 fundamental.
 
  
 
                         8. Pois bem: o ora reclamante, quando deduziu o 
 incidente de suspeição, disse que o nº 7 do artigo 112º do Código de Processo 
 Penal de 1929 - que dispõe que o juiz pode ser recusado 'se houver graves 
 motivos de inimizade entre [ele] e o ofendido, a parte acusadora ou o arguido' - 
 devia ser objecto de interpretação extensiva, por forma a cobrir o caso (que 
 disse ser o dos autos) em que existam 'graves motivos de inimizade' entre o seu 
 mandatário e o juiz relator do processo. E isso - acrescentou -, sob pena de, 
 interpretando-se o preceito de outro modo (recte, em termos de ele não cobrir a 
 situação descrita), se adoptar um entendimento que conduz à sua 
 inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos nºs 1 e 7 do artigo 
 
 32º da Constituição da República.
 
  
 
                         Isso, porém, não basta para que a questão de 
 constitucionalidade se deva ter por suscitada durante o processo.
 
  
 
                         Suscitar a questão de inconstitucionalidade durante o 
 processo - tem este Tribunal dito repetidamente - é fazê-lo em termos de o 
 tribunal recorrido ficar a saber que tem essa questão para decidir, e em tempo 
 de sobre ela se poder pronunciar - o que, obviamente, reclama que a mesma lhe 
 seja colocada de forma clara e perceptível e, em regra, antes de proferida a 
 decisão sobre a matéria a que ela respeita.
 
                         Este Tribunal tem acrescentado também que a questão de 
 constitucionalidade há-de ter sido suscitada perante o tribunal que tiver 
 proferido a decisão de que se recorre, não bastando que o tenha sido perante uma 
 instância hierarquicamente inferior.
 
                         Por isso, quando se suscita a inconstitucionalidade de 
 uma determinada norma jurídica perante um certo tribunal, de cuja decisão vem a 
 ser interposto recurso ordinário para um tribunal hierarquicamente superior, só 
 poderá recorrer-se da decisão deste último para o Tribunal Constitucional, se a 
 questão de constitucionalidade tiver sido recolocada perante aquele tribunal de 
 recurso [cf., neste sentido, os Acórdãos nºs 36/91 (Diário da República, II, de 
 
 22 de Outubro de 1991), 177/91 (Diário da República, II, de 7 de Setembro de 
 
 1991), 422/91 (Diário da República, II, de 2 de Abril de 1992), 468/91 (Diário 
 da República, II, de 24 de Abril de 1992), 469/91 (Diário da República, II, de 
 
 24 de Abril de 1992), 47/92 (Boletim do Ministério da Justiça, nº 413, p. 580), 
 
 271/94 e 368/94 (ambos por publicar), alguns deles com votos de vencido].
 
  
 
                         In casu, tal não aconteceu.
 
                         De facto, tendo o Ministério Público interposto recurso 
 ordinário do acórdão de 23 de Novembro de 1994 para o Plenário do Tribunal 
 Superior de Justiça de Macau, o ora reclamante, então recorrido, nas alegações 
 que apresentou, não recolocou perante essa instância a questão de 
 constitucionalidade que antes havia suscitado e que atrás se enunciou.
 
  
 
                         Assim sendo, não pode tal questão de constitucionalidade 
 ter-se por suscitada durante o processo, para o efeito de o ora reclamante poder 
 recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão, de 8 de Março de 1995, 
 daquele Plenário.
 
  
 
                         9. Não tendo sido recolocada perante o Plenário do 
 Tribunal Superior de Justiça de Macau a questão da inconstitucionalidade do nº 7 
 do artigo 112º do Código de Processo Penal de 1929 (interpretado no sentido de 
 não abranger os graves motivos de inimizade quiçá existentes entre o juiz 
 recusado e o advogado do recusante), não foi tal questão por ele afrontada e 
 decidida expressis verbis. A única questão que o acórdão recorrido decidiu, por 
 ser ela o objecto do recurso, foi a da litigância de má fé na dedução do 
 incidente de suspeição.
 
  
 
                         Claro é, no entanto, que, para decidir a questão da má 
 fé processual, o acórdão recorrido começou por afirmar a taxatividade dos 
 motivos de suspeição enunciados no mencionado artigo 112º; disse que, no seu nº 
 
 7, se não incluíam aqueles eventuais motivos de inimizade; e asseverou que, ao 
 deduzir o incidente, o recorrido (recte, o seu advogado) 'sabia, dada a sua 
 qualidade de profissional do foro, que não podia requerer uma suspeição com 
 aquele fundamento'. Ou seja: disse, ao cabo e ao resto, que ele, advogado, 
 conhecia a manifesta improcedência da questão de constitucionalidade que 
 suscitara.
 
  
 
                         10. O certo, porém, é que a questão de 
 constitucionalidade que o reclamante quer ver decidida por este Tribunal, não 
 foi suscitada perante o tribunal recorrido por forma processualmente adequada - 
 que o mesmo é dizer durante o processo.
 
                         Por isso, o recurso por ele interposto não podia ser 
 admitido. E, não o podendo ser, a reclamação apresentada, visando a admissão do 
 recurso, tem, obviamente, que ser indeferida.
 
  
 
                         III. Decisão:
 
  
 Pelos fundamentos expostos, indefere-se a reclamação apresentada e condena-se o 
 reclamante nas custas, para o que se fixa em cinco unidades de conta a taxa de 
 justiça.
 
  
 Lisboa, 8 de Novembro de 1995
 Messias Bento
 Guilherme da Fonseca
 Bravo Serra
 Fernando Alves Correia
 José de Sousa e Brito (vencido nos termos
 da declaração no Acórdão nº 36/91)
 Luís Nunes de Almeida