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Proc. nº 213/95        
 
 1ª Secção
 Rel. Cons. Ribeiro Mendes
 
  
 
  
 
  
 
  
 
                                Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I
 
  
 
                                1. A., com sede na Rua -----------------, nº 
 
 ---------, ---------, em -----------, veio requerer ao Tribunal Judicial desta 
 cidade uma providência de injunção, nos termos do Decreto-Lei nº 404/93, de 10 
 de Dezembro, contra B., com sede no -------------, na -------------, invocando 
 que, sendo editora e proprietária do jornal 'C.', nele publicara um anúncio 
 publicitário relativo ao restaurante 'D.', de que é proprietária a requerida, no 
 número de 12 de Agosto de 1993, não tendo esta última procedido, até ao 
 presente, ao pagamento do custo desse anúncio, no montante de 14.500$00, 
 incluindo I.V.A.. Atribuiu à providência o valor de 15.400$00, por ter pedido 
 juros vencidos e vincendos. Juntou a correspondente factura e outros documentos.
 
  
 
                                Ordenada a notificação por carta registada da 
 requerida para deduzir oposição ao pedido, veio essa carta a ser devolvida com a 
 indicação de que, na morada indicada, onde funciona o respectivo restaurante, se 
 haviam recusado a receber a mesma, alegando que mudara a gerência.
 
  
 
                                A requerente veio solicitar, através do 
 requerimento  de fls. 12, que fosse apresentado o processo à distribuição, nos 
 termos do art. 6º, nº 2, do Decreto-Lei nº 404/93, pedindo também a citação 
 pessoal da sociedade requerida na pessoa dos seus representantes.
 
  
 
                                Através de despacho de fls. 16, proferido em 22 
 de Fevereiro de 1995, o Senhor Juiz do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira 
 considerou manifesta a inconstitucionalidade material do Decreto-Lei nº 404/93, 
 de 10 de Dezembro, na parte em que confere poderes ao secretário judicial para 
 dirigir o processo de injunção, por violação do art. 205º da Constituição, 
 procedeu à sua desaplicação e ordenou o arquivamento dos autos. Pode ler-se 
 nessa decisão:
 
  
 
  
 
 'Este processo [de injunção] visa, de algum modo, substituir o processo 
 declarativo sumaríssimo, aliviando o juiz de pequenas causas, já que confere ao 
 secretário judicial competência para promover o andamento do processo de 
 injunção.
 
  
 
  
 
                De facto, ao secretário judicial compete não admitir o pedido se 
 considerar que o mesmo não se adequa às finalidades constantes do art. 1º do 
 diploma (art. 7º), ou dar-lhe seguimento, conferindo-lhe, em última análise, 
 força executiva (arts. 4º e 5º).
 
  
 
  
 
                Ao secretário judicial compete, pois, apreciar a pretensão 
 formulada, proferindo sobre a mesma um juízo que, dado o seu carácter 
 jurisdicional, constitui, em termos materiais, um acto de administração da 
 justiça.
 
  
 
  
 
                Por outro lado, a aposição da fórmula executória também constitui 
 um acto de carácter jurisdicional, na medida em que se está a assegurar a defesa 
 de interesses legalmente protegidos.
 
  
 
  
 
                E não basta, para afastar o carácter jurisdicional do acto, 
 dizer-se no preâmbulo do diploma que se trata de uma fase 
 
 «desjurisdicionalizada».
 
  
 
  
 
                A administração de justiça cabe, em exclusivo, aos tribunais, 
 através dos juízes, nos termos do art. 205º da Constituição da República 
 Portuguesa.'
 
  
 
  
 
  
 
                                Notificados deste despacho, dele vieram interpor 
 recurso de constitucionalidade, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 70º da 
 Lei do Tribunal Constitucional, o Ministério Público (a fls. 17) e a sociedade 
 requerente (fls. 18). Ambos os recursos foram admitidos por despacho de fls. 20.
 
  
 
  
 
                                2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
 
  
 
                                Ambos os recorrentes apresentaram alegações.
 
  
 
  
 
                                O Ministério Público formulou as seguintes 
 conclusões:
 
  
 
  
 
 '1º - A possibilidade, conferida ao secretário judicial pelo artigo 7º do 
 Decreto-Lei nº 404/93, de 10 de Dezembro, de recusar o pedido de injunção quando 
 se não adeque às finalidades tipificadas no artigo 1º constitui simples 
 decorrência de existir um evidente e ostensivo erro na forma de processo 
 escolhida pelo requerente, e não prolação de qualquer decisão de mérito, ainda 
 que liminar, sobre a pretensão formulada.
 
  
 
  
 
 2º - A aposição da fórmula executória, nos casos em que se consumou a 
 notificação por via postal do requerido e em que este não deduziu oposição, nos 
 termos do artigo 5º, em conjugação com os artigos 4º e 6º, nº 2, do mesmo 
 diploma legal, não representa a prolação de qualquer decisão de natureza 
 jurisdicional que traduza composição do eventual litígio que opunha o credor ao 
 devedor, mas tão-somente a certificação por aquele funcionário judicial de que, 
 tendo-se consumado a notificação do pedido de injunção ao requerido e não tendo 
 sido deduzida por este oposição, se mostra constituído, nos termos da lei, 
 título executivo extrajudicial.
 
  
 
  
 
 3º - Não traduzindo a referida aposição da fórmula executória a prática de 
 qualquer acto jurisdicional de composição do litígio, não envolve qualquer 
 preclusão relativamente aos meios de defesa que, em processo executivo, ao 
 executado é lícito opor ao exequente o qual seguirá necessariamente a forma 
 sumária (artigo 465º, nº 2, do Código de Processo Civil), iniciando-se com a 
 citação do executado e comportando a eventual dedução de embargos nos amplos 
 termos consentidos pelo artigo 815º do Código de Processo Civil.
 
  
 
  
 
 4º - O regime constante do Decreto-Lei nº 404/93 não implica, deste modo, 
 violação do preceituado nos artigos 205º e 206º da Constituição da República 
 Portuguesa, já que não resulta conferida ao secretário judicial qualquer 
 competência para proceder, à revelia do juiz, a uma composição do conflito de 
 interesses privados entre requerente e requerido no procedimento de injunção, 
 esgotando-se a actividade que lhe é consentida na mera certificação de que se 
 mostra criado, nos termos de lei, título executivo extrajudicial.
 
  
 
  
 
 5º - O mesmo regime em nada ofende o princípio do contraditório, ínsito nos 
 artigos 2º e 20º da Lei Fundamental, já que não preclude ao requerido qualquer 
 direito de defesa: na verdade, se este não foi notificado, ou deduziu oposição, 
 seguem-se os termos do processo declarativo sumaríssimo, que naturalmente são 
 idóneos para assegurar tal direito; no caso contrário, a aposição da fórmula 
 executória em nada preclude a dedução de embargos de executado, nos amplos 
 termos permitidos pelo artigo 815º do Código de Processo Civil, já que 
 obviamente a execução a instaurar se não baseia em sentença'. (a fls. 39 a 41)
 
  
 
  
 
  
 
                                Por seu turno, a sociedade recorrente terminou, 
 assim, as suas alegações:
 
  
 
 '1ª O art. 7º do DL nº 404/93, ao estipular que a aposição da fórmula 
 
 «execute-se» pode ser recusada nos casos nele previstos, não implica a 
 formulação pelo secretário judicial de qualquer juízo jurisdicional, não 
 ofendendo, por isso, o artigo 205º da CRP.
 
  
 
  
 
 2º O artigo 7º em causa tipifica as hipóteses de não provimento do procedimento 
 em causa, resumindo as mesmas à desconformidade do requerimento com o 
 preceituado no artigo 1º e às causas previstas no CPC, e excluindo qualquer 
 possibilidade de rejeição da pretensão com base na sua eventual improcedência 
 sob o ponto de vista do direito material aplicável.
 
  
 
  
 
 3º O mesmo artigo 7º não confere aos secretários judiciais qualquer competência 
 decisória ou de valoração jurídica material relativamente ao conflito de 
 interesses controvertidos no requerimento de injunção.
 
  
 
  
 
 4º A apreciação da desconformidade do requerimento de injunção com o preceituado 
 no artigo 1º traduz-se na mera averiguação da regularidade processual do meio 
 escolhido pelo requerente, e não num acto de natureza jurisdicional.
 
  
 
  
 
 5º A fórmula «execute-se» regulada pelo D.L. nº 404/93 não corresponde a um acto 
 de natureza jurisdicional, não ofendendo o art. 205º da CRP, porquanto constitui 
 apenas a certificação administrativa de que o requerido, regularmente notificado 
 para se pronunciar em determinado prazo, não se pronunciou, conferindo a lei ao 
 requerimento assim certificado força executiva.
 
  
 
  
 
 6º A ser procedente o entendimento expresso no despacho recorrido, também os 
 designados títulos administrativos ou de formação administrativa seriam 
 inconstitucionais.
 
  
 
  
 
 7º Se a aposição da fórmula «execute-se» correspondesse a um acto jurisdicional, 
 produziria o efeito de caso julgado, o que não se verifica.' (a fls. 46 vº)
 
  
 
  
 
                                3. Foram dispensados os vistos, dada a 
 jurisprudência já firmada na matéria.
 
  
 
                                Cumpre apreciar o objecto do recurso.
 
  
 II
 
  
 
                                4. Importará começar por delimitar o objecto do 
 recurso. 
 
  
 
                                Ambos os recorrentes, ao interporem os 
 respectivos recursos, consideraram que o despacho impugnado havia desaplicado 
 todos os preceitos do Decreto-Lei nº 404/93, na medida em que assim se havia 
 exprimido o Senhor Juiz na decisão recorrida. Já, nas alegações do Ministério 
 Público, mostra-se que é criticável a formulação do despacho recorrido, visto 
 haver no diploma normas que manifestamente não podiam ter sido desaplicadas pela 
 decisão, muito embora se entenda que, dada a natureza do recurso, se imponha a 
 apreciação global do diploma.
 
  
 
  
 
                                Embora com referência a um instituto novo, que se 
 acha regulamentado no Decreto-Lei nº 404/93, é fácil de ver que nem todas as 
 normas do diploma foram desaplicadas pela decisão recorrida.
 
  
 
  
 
                                De facto, é seguro que só foram aplicadas as 
 seguintes normas:
 
  
 
  
 Art. 4º - Notificação da injunção
 
  
 
  
 
 'Recebido o pedido, o secretário judicial do tribunal notifica o requerido, por 
 carta registada com a aviso de recepção, remetendo cópia da pretensão e dos 
 documentos juntos, devendo indicar, de forma intelegível, o objecto do pedido e 
 demais elementos úteis à compreensão do mesmo, referindo, ainda, expressamente o 
 
 último dia do prazo'.
 
  
 
  
 Art. 6º Oposição do requerido
 
  
 
  
 
 1. [...]
 
  
 
  
 
 2. Sendo deduzida oposição ou frustrando-se a notificação por via judicial, o 
 secretário judicial do tribunal apresentará os autos à distribuição, sendo 
 conclusos ao juiz, o qual, se o estado do processo o permitir, designará, desde 
 logo o dia para o julgamento, observando-se a tramitação estabelecida para o 
 processo sumaríssimo' (sublinhou-se a parte da previsão aplicável ao caso sub 
 judicio).
 
  
 
  
 
                                5. Encontra-se firmada jurisprudência, de 
 natureza unânime, das duas secções do Tribunal Constitucional no sentido de que 
 as normas desaplicadas não sofrem de inconstitucionalidade. Destacar-se-ão os 
 seguintes Acórdãos ainda inéditos: 375/95, 394/95, 395/95, 412/95, 413/95, 
 
 424/95, 442/95, 446/95 485/94, 507/95, 508/95, 509/95, 511/95, 512/95 e 566/95.
 
  
 
  
 
                                Recordar-se-á a argumentação principal constante 
 desses acórdãos:
 
  
 
  
 
                                6. O Decreto-Lei nº 404/93, de 10 de Dezembro, 
 insere-se num movimento amplo da revisão de legislação processual civil 
 portuguesa, sendo qualificado pelo legislador como diploma de 'natureza 
 intercalar'. Segundo o respectivo preâmbulo, a criação da providência de 
 injunção 'constitui um significativo esforço de adequação dos trâmites 
 processuais às exigências da realidade social presente, sem quebra ou diminuição 
 da certeza e da segurança do direito, obedecendo, designadamente, aos princípios 
 de celeridade, simplificação, desburocratização e modernização, que hão-de 
 informar a nova legislação processual civil'.
 
  
 
  
 
                                Segundo a definição constante do art. 1º do 
 diploma, a injunção é 'a providência destinada a conferir força executiva ao 
 requerimento destinado a obter o cumprimento efectivo de obrigações pecuniárias 
 decorrentes de contrato cujo valor não exceda metade do valor da alçada do 
 tribunal de 1ª instância'. 
 
  
 
  
 
                                De harmonia com os valores das alçadas fixadas 
 pelo art. 20º, nº 1 da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei nº 38/87, de 23 
 de Dezembro), a alçada em matéria cível dos tribunais de primeira instância é de 
 
 500.000$00, pelo que o valor máximo do pedido do requerente da providência de 
 injunção é actualmente de 250.000$00.
 
  
 
  
 
                                O pedido de injunção deve ser apresentado na 
 secretaria do tribunal que seria competente para a acção declarativa com o mesmo 
 objecto (art. 2º, nº 1). No seu requerimento, deve o requerente 'expor os factos 
 que fundamentam a sua pretensão, juntar os documentos comprovativos, se os 
 houver, concluindo pelo pedido da prestação a efectuar, sendo aplicável, com as 
 necessárias adaptações, o disposto no artigo 793º do Código de Processo Civil' 
 
 (art. 3º).
 
  
 
  
 
                                Recebido o pedido na secretaria do tribunal 
 competente, o respectivo secretário judicial ordena a notificação do requerente, 
 por carta registada com aviso de recepção, 'remetendo cópia da pretensão e dos 
 documentos juntos, devendo indicar, de forma intelegível, o objecto do pedido e 
 demais elementos úteis à compreensão do mesmo, referindo, ainda, expressamente, 
 o último dia do prazo para a oposição' (art. 4º).
 
  
 
  
 
                                Se o requerido não deduzir oposição ou desistir 
 de tal oposição, o secretário judicial limita-se a apor uma fórmula executória 
 no requerimento de injunção ('Execute-se'), sendo o respectivo processo 
 distribuído como processo executivo comum para pagamento de quantia certa, na 
 forma sumária  (art. 5º do diploma; arts. 45º, nºs 1 e 2, 46º, alínea d), e 
 
 465º, nº 2, do Código de Processo Civil, abreviadamente CPC).
 
  
 
  
 
                                Se o requerido se opuser à pretensão do 
 requerente - tendo para tal um prazo de sete dias a contar da notificação - ou 
 se se frustrar a notificação por via judicial, 'o secretário judicial 
 apresentará os autos à distribuição, sendo conclusos ao juiz, o qual, se o 
 estado do processo o permitir, designará, desde logo, o dia para julgamento, 
 observando-se a tramitação estabelecida para o processo sumaríssimo' (art. 6º, 
 nº 2).
 
  
 
  
 
                                O Decreto-Lei nº 404/93 dispõe no seu art. 7º que 
 a aposição da fórmula executória 'só poderá ser recusada quando o pedido não se 
 adeque  às finalidades constantes do artigo 1º e nas situações em que à 
 secretaria, nos termos da lei do processo, é lícito não receber a petição, 
 cabendo da recusa reclamação para o juiz presidente do tribunal ou do respectivo 
 juízo cível' (art. 7º).
 
  
 
  
 
                                7. Descrito, assim, o núcleo essencial do 
 Decreto-Lei nº 404/93, importa referir que o legislador teve o cuidado de 
 afirmar no preâmbulo respectivo que não se pretendia conferir ao secretário 
 judicial poderes de natureza jurisdicional:
 
  
 
  
 
 'A aposição da fórmula executória, não constituindo,  de modo algum, um acto 
 jurisdicional, permite indubitavelmente ao devedor defender-se em futura acção 
 executiva, com a mesma amplitude com que o pode fazer no processo de declaração, 
 nos termos do disposto no artigo 815º do Código de Processo Civil.
 
  
 
  
 
                Trata-se, pois, de uma fase desjurisdicionalizada e, portanto, 
 inevitavelmente mais célere, sem que, todavia, se mostrem diminuídas as 
 garantias das partes intervenientes no processo, ínsitas, aliás, no direito 
 constitucionalmente consagrado do acesso à justiça. O acautelamento de tais 
 garantias é, efectivamente, assegurado quer pela via da apresentação obrigatória 
 dos autos ao juiz quando se verifique oposição do devedor, quer pelo 
 reconhecimento do direito de reclamação no caso de recusa, por parte do 
 secretário judicial, da aposição da fórmula executória na injunção.'
 
  
 
  
 
                                8. A correcta interpretação do diploma mostra que 
 a providência criada se destina a conferir exequibilidade a pretensões que não 
 constam de documento que, segundo o direito vigente, disponha de força executiva 
 
 (cfr. art. 45º CPC).
 
  
 
  
 
                                Importará recordar que o direito processual civil 
 português admite tradicionalmente um amplo quadro de títulos executivos não 
 judiciais ou extrajudiciais - isto é, de títulos que permitem a imediata 
 instauração da acção executiva, sem ser necessário obter previamente uma 
 sentença condenatória contra o devedor, em processo de natureza declarativa - 
 tendo nos últimos anos sido significativamente aligeirados os requisitos de 
 natureza formal de alguns desses títulos. Em termos de direito comparado, o 
 direito português é extremamente liberal na concessão de exequibilidade a 
 títulos não judiciais.
 
  
 
  
 
                                Desde o Código de Processo Civil de 1939 que 
 podem servir de título executivo, além das sentenças de condenação, as 
 escrituras notariais,  'as letras, livranças, cheques, extractos de factura, 
 vales, facturas conferidas e quaisquer outros escritos particulares, assinados 
 pelo devedor, dos quais conste a obrigação de pagamento de quantias 
 determinadas', bem como os títulos a que, por disposição especial, for atribuída 
 força executiva' (art. 46º do CPC de 1939 e do CPC de 1961, ainda vigente).
 
  
 
  
 
                                Assim, os Decretos-Leis nºs 201/76, de 19 de 
 Março e 533/77, de 30 de Dezembro, diminuíram as exigências de reconhecimento 
 notarial das assinaturas dos subscritores de títulos executivos, tendo o 
 primeiro eliminado o reconhecimento presencial de assinaturas nos títulos 
 cambiários e o último diploma abolido o mero reconhecimento notarial por 
 semelhança relativamente aos subscritores dos títulos cartulares, quando o 
 montante constante da dívida não excedesse o valor da alçada da Relação, 'por a 
 experiência judiciária ter demonstrado que, em grande maioria, as acções 
 declarativas cuja causa de pedir se reconduz a uma obrigação cartular não são 
 contestadas, conduzindo, pelo efeito cominatório da revelia do réu, à chamada 
 condenação «de preceito»' (do respectivo preâmbulo). A 'credibilidade' do 
 instrumento de prova da obrigação de prestar que é o título cambiário serviu ao 
 legislador para abolir tais formalidades notariais, afirmando-se no mesmo 
 preâmbulo que o executado, subscritor desse título, citado para, embora em curto 
 prazo, cumprir a obrigação titulada ou nomear bens à penhora, sempre se poderia 
 defender por embargos, no mesmo prazo, 'com amplitude de meios semelhantes aos 
 da contestação no processo declarativo e, de qualquer modo, antes da apreensão 
 de bens'. Ainda segundo o legislador, o 'relativo  gravame de uma inversão do 
 
 ónus da prova - na execução é ao devedor que incumbe provar que o direito de 
 exequente não existe, ao contrário do que sucede, em princípio, relativamente ao 
 réu, na acção declarativa - também não tem significado relevante, na medida em 
 que os títulos executivos cuja amplitude agora se acentua consubstanciam uma 
 obrigação pecuniária - e, como se sabe, o pagamento, em regra, não se presume'.
 
  
 
  
 
                                Por seu turno, o Decreto-Lei nº 242/85, de 9 de 
 Julho, - diploma que aprovou a chamada 'reforma intercalar' de 1985 - completou 
 o ciclo iniciado em 1976, abolindo a exigência de reconhecimento notarial de 
 assinatura do devedor em títulos cambiários, independentemente do valor destes, 
 dando nova redacção ao art. 51º do Código de Processo Civil (cfr. J. Lebre de 
 Freitas, A Acção Executiva, Coimbra, 1993, págs. 45 e segs.; Miguel Teixeira de 
 Sousa,  A Exequibilidade da Pretensão, Lisboa, 1991, págs. 15 e segs.).
 
  
 
  
 
                                Nos trabalhos preparatórios da reforma do Código 
 de Processo Civil, tem sido proposta a atribuição de exequibilidade a todos os 
 documentos assinados pelos devedores que importem constituição ou reconhecimento 
 de obrigações pecuniárias (art. 619º, c), do Anteprojecto Antunes Varela; art. 
 
 46º do Projecto de Revisão do CPC de 1995).
 
  
 
  
 
                                Com o Decreto-Lei nº 404/93 visou-se, como se 
 viu, conferir exequibilidade a pretensões de natureza pecuniária de valor 
 reduzido, mesmo que não constassem de documento particular, desde que proviessem 
 de contrato celebrado entre requerente e requerido, através de um procedimento 
 levado a cabo pelo secretário judicial, baseado numa confissão presumida ou 
 ficta do alegado devedor.
 
  
 
  
 
                                9. A inovação do diploma de 1993 insere-se 
 tradicionalmente nas medidas legislativas destinadas a facilitar a cobrança 
 judicial de pequenas dívidas, preocupação que esteve na origem da criação do 
 processo sumaríssimo entre nós (através do Decreto de 29 de Maio de 1907 
 criou-se um processo especial para as acções de pequeno valor; o Decreto nº 
 
 21.287, de 26 de Maio de 1932, criou o desde então designado processo 
 sumaríssimo - cfr. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol 
 II, 3ª ed., Coimbra, reimpressão de 1980, pág. 285).
 
  
 
  
 
                                Em anos recentes, diferentes reformas processuais 
 em países europeus têm visado facilitar os modos de cobrança judicial de 
 pequenas dívidas, acompanhando as exigências das actividades económicas baseadas 
 na expansão muito acentuada das actividades de crédito ao consumo, a partir dos 
 anos sessenta do nosso século.
 
  
 
  
 
                                Assim, em 1988, em França foram aditados ao 
 Código de Processo Civil os arts. 847-1 e 847-2, artigos que regulam um processo 
 simplificado com intervenção do secretário judicial ('déclaration au greffe'). 
 Quando o montante do pedido não exceda o limite de valor para a competência em 
 
 última instância do 'tribunal d'instance', o requerente pode formular o mesmo 
 através de uma declaração feita, entregue ou endereçada àquele funcionário 
 judicial, que a regista. Tal declaração 'deve indicar o nome, apelidos, 
 profissão  e endereço das partes, ou, no caso das pessoas colectivas, a sua 
 denominação e sede. Contém o objecto do pedido e uma exposição sumária dos seus 
 fundamentos. A prescrição e os prazos para intentar a acção são interrompidos 
 pela declaração'. Tal como sucede no Decreto-Lei nº 404/93, a comunicação ao 
 requerido da declaração, depois de registada no tribunal, é feita por carta 
 registada com aviso de recepção. Mas diferentemente do diploma português, as 
 partes são convocadas para uma audiência (além da carta registada, é enviada 
 concomitantemente ao requerido uma carta não registada, podendo o requerente ser 
 notificado por cota à margem da declaração). A convocatória do requerido tem o 
 valor de citação, mencionando-se que, 'na falta da sua comparência, fica sujeito 
 a que contra ele seja proferida uma sentença, com base apenas nos elementos 
 fornecidos pelo seu adversário. Uma cópia da declaração é anexada à 
 convocatória' (art. 847º-2).
 
  
 
  
 
                                Também em Itália nas reformas do processo civil 
 de 1990 - 1991, - que começaram a vigorar em 1994 - foram atribuídas 
 competências ao juiz de paz, juiz que não integra a magistratura togada, para 
 conhecer das causas relativas a bens móveis de valor não superior a cinco 
 milhões de liras, nomeadamente quanto aos processos de injunção previstos nos 
 arts. 633º e seguintes do Código de Processo Civil (cfr. a nova  redacção do 
 art. 7º deste diploma, introduzida pelo art. 17º  da Lei nº 374, de 21 de 
 Novembro de 1991). 
 
                                Nestas reformas, como na reforma portuguesa, 
 pretende-se facilitar as cobranças e diminuir, na medida do possível, a 
 intervenção do juiz togado para conhecer de causas em que, frequentemente, o 
 devedor não tem fundamentos válidos de defesa, visando apenas pagar o mais tarde 
 possível. 
 
  
 
  
 
                                10. Bastará dizer que, em estudo recente sobre  
 Os Tribunais na Sociedade Portuguesa, elaborado por Boaventura Sousa Santos, 
 Maria Manuel Leitão Marques, Pedro Lopes Ferreira e João Pedroso, do Centro de 
 Estudos Sociais da Faculdade de Economia de Coimbra, - estudo em que se fez um 
 levantamento rigoroso da litigação nos tribunais judiciais portugueses ao longo 
 dos últimos anos - se apurou que, em 1992, 62% das acções declarativas findas 
 foram acções de dívidas, sendo o elemento 'peso relativo' das acções de dívida 
 
 'uma constante na litigação cível  e uma sua característica estrutural. Este 
 peso tem-se vindo a acentuar ao longo da segunda metade do século XX por efeito 
 de factores exógenos (transformações económicas) e de factores endógenos 
 
 (alterações legislativas ou processuais): em 1942 as acções de dívida 
 representaram 38,5% das acções declarativas cíveis e em 1992 representavam, como 
 referimos, 62%' (Os Tribunais na Sociedade Portuguesa, apresentação pública em 
 
 20 de Fevereiro de 1995 dos principais resultados do projecto de investigação 
 sobre a administração da justiça em Portugal, pág. 14). Ainda segundo os 
 resultados referidos neste estudo, em 1992 61,6% do total das acções 
 declarativas findas tinham valor igual ou inferior a 250.000$00. Por causa desta 
 realidade, refere-se nesse estudo que o 'baixo valor das acções, combinado com o 
 facto de estas corresponderem basicamente  a um só tipo de litígio (cobrança de 
 dívidas), é um poderoso factor de rotinização e de trivialização da justiça 
 portuguesa, colocando-a ao serviço da conflitualidade económica de pequena 
 dimensão' (Os Tribunais cit., pág. 17). Importará, ainda, notar que cerca de 
 três quartos das acções declarativas findas em 1992 terminaram antes do 
 julgamento, o que aponta para uma predominância da litigação 'de baixa 
 intensidade', a que acresce a circunstância de os titulares de interesses cuja 
 tutela judicial é prosseguida nessas acções declarativas serem', por regra e não 
 por excepção, entidades colectivas, basicamente as sociedades comerciais' 
 
 (bastará pensar nas instituições de crédito e seguradoras, a par das 
 instituições hospitalares públicas).
 
  
 
  
 
                                É neste quadro da realidade social portuguesa que 
 
 é elaborado o Decreto-Lei nº 404/93.
 
  
 
  
 
                                11. Na fase de elaboração do Decreto-Lei nº 
 
 404/93, foi ouvida a Ordem dos Advogados sobre a inovação projectada. No seu 
 parecer, esta associação pública manifestou receios de que o diploma pudesse vir 
 a sofrer de inconstitucionalidade material:
 
  
 
 'O regime jurídico dado à injunção no projecto poderá levantar dúvidas graves 
 sobre a sua constitucionalidade material, certo como é que não faltará quem se 
 sinta tentado a qualificar como envolvendo actividade judicativa, algumas das 
 decisões que a providência virá a pedir aos secretários judiciais, 
 designadamente a verificação da regularidade da notificação, a verificação da 
 adequação do pedido às finalidades constantes do art. 1º, enfim, a aposição 
 mesma da fórmula executória (...)' (Da Providência Processual Designada 
 Injunção, in Boletim da Ordem dos Advogados, nº 1/94, pág. 14).
 
  
 
  
 
                                Em nota, o referido parecer chamava a atenção 
 para o Acórdão nº 182/90 do Tribunal Constitucional, onde se julgara 
 inconstitucional uma norma do Mapa I anexo ao Decreto-Lei nº 376/87, de 11 de 
 Dezembro, que atribuía competências jurisdicionais aos secretários judiciais, em 
 matéria de custas, nomeadamente reclamações sobre contas (acórdão publicado in 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º vol., págs. 365 e seguintes).
 
  
 
  
 
                                A serem ultrapassadas as dúvidas de 
 constitucionalidade, a Ordem dos Advogados manifestava concordância com os 
 objectivos de desburocratização visados pelo projecto de diploma em apreciação, 
 formulando objecções na especialidade a algumas das suas normas. Em todo o caso, 
 condicionava uma apreciação favorável, sob o ponto de vista da 
 constitucionalidade do diploma, à exigência de que o legislador tornasse 
 inequívoco 'que a aposição da fórmula executória pelo secretário judicial não 
 faz precludir ao devedor o direito de se defender, na futura execução e por 
 embargos , com a mesma amplitude com que o pode fazer no processo de declaração, 
 nos termos do disposto no art. 815º do Cód. Proc. Civil' (publicação cit., pág. 
 
 16).
 
  
 
  
 
                                12. Depois da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 
 
 404/93, foram de novo manifestadas dúvidas de constitucionalidade, nos planos 
 orgânico e material, quanto a esse diploma. A acusação mais frequente de 
 inconstitucionalidade prende-se com a intervenção do secretário judicial na 
 aposição da fórmula executória, intervenção que usurparia a função judicial. Por 
 outro lado, a concessão individualizada de exequibilidade a uma pretensão do 
 credor, permitindo logo a instauração da acção executiva e a eventual penhora de 
 bens do devedor, violaria o direito de defesa dos cidadãos e, nessa medida, o 
 art. 20º da Lei Fundamental. No plano orgânico, a inconstitucionalidade 
 decorreria do facto de o Governo legislar sobre direitos, liberdades e 
 garantias, sem a necessária credencial parlamentar ou da violação da alínea q) 
 do nº 1 do art. 168º da Constituição (cfr. J Lebre de Freitas e J. A. Pires de 
 Lima, Injunção e Inconstitucionalidade, in semanário Expresso, edição de 15 de 
 Janeiro de 1994; J. A. Lopes dos Reis, Nota sobre a Injunção, in Boletim da 
 Ordem dos Advogados, nº 1/94, pág. 24).
 
  
 
                                13. É, pois, altura de analisar as questões de 
 constitucionalidade suscitadas no despacho recorrido.
 
  
 
  
 
                                Antes, porém, desde logo se afastarão as questões 
 de inconstitucionalidade orgânica suscitadas nos escritos acima referidos e das 
 quais o Tribunal pode conhecer oficiosamente.
 
  
 
  
 
                                A criação de um procedimento destinado a conferir 
 exequibilidade a certas pretensões creditícias cíveis é matéria de natureza 
 processual civil, sendo o Governo competente para legislar em tal domínio. Não 
 pode falar-se em matéria de organização e competência dos tribunais, visto que 
 se trata de organizar uma fase pré-processual de notificação que pode levar à 
 criação de um título executivo especial, baseado na confissão ficta do 
 notificado. No caso concreto, porém, nem houve criação desse título executivo.
 
  
 
  
 
                                De facto, só no processo do Tribunal 
 Constitucional e no processo criminal existe uma reserva de competência 
 legislativa da Assembleia da República, absoluta no primeiro caso [art. 167º, 
 alínea c), da Constituição], e relativa no segundo [art. 168º, nº 1, alínea c)]. 
 No que toca ao processo respeitante ao ilícito de mera ordenação social, apenas 
 o respectivo regime geral é de competência reservada relativa do mesmo órgão 
 parlamentar [art. 168º, nº 1, alínea d), da Lei Fundamental].
 
  
 
  
 
                                É, por isso, indiscutível a competência 
 legislativa do Governo para regular tal matéria, nos termos do art. 201º, nº 1, 
 alínea a), da Constituição.
 
  
 
  
 
                                Por outro lado, não pode dizer-se que se trate de 
 matéria de direitos, liberdades e garantias a concessão de exequibilidade a 
 certas pretensões creditícias baseadas na confissão ficta do devedor, sob pena 
 de se entender que qualquer solução processual de atribuição de efeitos 
 cominatórios à revelia de um demandado só pode ser criada pela Assembleia da 
 República ou pelo Governo, mediante autorização legislativa daquela Assembleia.
 
  
 
  
 
                                14. Violarão  as normas dos arts. 4º e 6º, nº 2  
 do Decreto-Lei nº 404/93 o disposto no art. 205º da Constituição?
 
                                Responde-se negativamente a tal questão.
 
  
 
  
 
                                Se se pusesse em causa, no processo presente, a 
 formação de um título executivo que permitisse à sociedade requerente instaurar 
 execução para pagamento de quantia certa, poderia então pôr-se o problema de  
 natureza da intervenção do secretário judicial no procedimento, procurando-se 
 determinar, nomeadamente, qual a natureza jurídica do acto de aposição da 
 fórmula executória (art. 5º do diploma), a fim de averiguar se este último podia 
 ser qualificado como acto jurisdicional (condenação de preceito).
 
  
 
  
 
                                Simplesmente, como o secretário judicial se 
 limitou a ordenar a notificação da injunção (art. 4º do Decreto-Lei nº 404/93) 
 e, face à devolução da carta registada ao remetente, verificou a frustração da 
 diligência, determinou que o processo fosse apresentado à distribuição, não 
 ocorreu qualquer alteração relevante da tramitação prevista no CPC para o 
 processo declarativo comum na forma sumaríssima.
 
  
 
  
 
                                Ora, a apresentação do processo à distribuição 
 não pode qualificar-se como acto de natureza materialmente jurisdicional, que 
 caiba na competência do juiz (reserva do juiz - art. 205º da Constituição).
 
                                Tendo-se frustrado a notificação da injunção ao 
 requerido, a apresentação à distribuição decorre directamente do disposto na lei 
 
 (art. 211º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil). A admissão de um 
 papel  à distribuição é da competência do secretário judicial, só devendo  tal 
 admissão ser decidida pelo juiz se o distribuidor tiver dúvidas, submetendo 
 essas dúvidas, com informação escrita, ao mesmo magistrado (art. 213º, nº 2, do 
 mesmo diploma).
 
  
 
  
 
                                Diferentemente do que se passava nos casos 
 apreciados pelo Tribunal Constitucional quanto a uma norma que atribuía 
 competência ao secretário judicial para 'proferir todas as decisões sobre 
 matéria de custas, nomeadamente sobre reclamações de contas' - situação 
 apreciada entre outros, pelo Acórdão nº 182/90 atrás citado - o nº 2 do art. 6º 
 do Decreto-Lei nº 404/93, no segmento aplicado, não implica qualquer composição 
 de conflitos de interesses entre requerente e requerida, a qual será feita pelo 
 juiz, depois de ordenada a citação da requerida (art. 794º, nº 1, do Código de 
 Processo Civil, aplicável ex vi daquele nº 2 do art. 6º do Decreto-Lei nº 
 
 404/93), seguindo-se tramitação estabelecida para o processo sumaríssimo. Não 
 ocorreu, no caso sub judicio, a resolução de qualquer questão jurídica de acordo 
 com normas jurídicas, que implicasse a intervenção de um órgão independente e 
 imparcial.
 
  
 
                                15. Não há, por isso, violação dos nºs 1 e 2 do 
 art. 205º da Lei Fundamental, nem, por maioria de razão, do art. 20º da 
 Constituição.
 
  
 
  
 III
 
  
 
                                16. Nestes termos e pelos fundamentos referidos, 
 decide o Tribunal Constitucional conceder provimento aos recursos, revogando-se 
 o despacho recorrido, o qual deverá ser reformado de harmonia com a decisão em 
 matéria de constitucionalidade.
 
  
 
  
 
                                Lisboa, 21 de Novembro de 1995
 
  
 
                                             Armindo Ribeiro Mendes
 Antero Alves Monteiro Dinis
 Maria Fernanda Palma
 Alberto Tavares da Costa
 Vítor Nunes de Almeida
 José Manuel Cardoso da Costa