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Processo: n.º 130/94.
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Ribeiro Mendes.
 
  
 
  
 
  
 
      
 
  
 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I
 
  
 
 1 — A., representada por sua mãe, B., intentou em 12 de Abril de 1977, na 
 comarca do Montijo, acção de investigação de paternidade contra C., pedindo que 
 fosse declarada filha do réu, sendo condenado este a reconhecê-la como tal e 
 ordenando-se em conformidade a rectificação do registo de nascimento.
 A acção foi contestada, tendo vindo a ser julgada procedente em primeira 
 instância.  O réu interpôs recurso de apelação, o qual veio a ser julgado 
 improcedente.  De novo inconformado, interpôs recurso de revista.  A revista 
 veio a ser denegada, quer quanto ao fundo, quer quanto à condenação do 
 recorrente como litigante de má fé, havendo o Supremo Tribunal de Justiça apenas 
 corrigido a decisão de primeira instância, suprimindo o adjectivo «ilegítimo 
 relativamente ao reconhecimento do estado de filha da autora face ao réu por 
 imposição do disposto no artigo 36.º, n.º 4, da Constituição (acórdão de 28 de 
 Maio de 1985, a fls. 7 e segs. dos autos).
 Inconformado ainda, interpôs o réu recorrente recurso para o tribunal pleno, nos 
 termos aos artigos 763.º e seguintes do Código de Processo Civil, com fundamento 
 em que o acórdão recorrido se achava em oposição com um acórdão do mesmo Supremo 
 Tribunal de Justiça, proferido em 29 de Maio de 1970 e publicado no Boletim do 
 Ministério de Justiça, n.º 197, a pp. 331-332, relativo ao entendimento do 
 requisito de sedução, previsto na primeira parte do artigo 1864.º do Código 
 Civil, com referência ao disposto na alínea e) ao artigo 1860.º do mesmo 
 diploma, ambas as disposições na versão originária deste último.
 Autuado o recurso, veio o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 15 de 
 Janeiro de 1987, a julgar que se verificava oposição de julgados, visto que, no 
 acórdão-fundamento de 1970 se havia considerado que a sedução relevante exigia 
 que a mãe do investigante tivesse engravidado com a primeira cópula mantida com 
 o sedutor, ao passo que, no acórdão recorrido, se sustentara, que tal exigência 
 não era legalmente necessária, bastando que o processo de sedução se iniciasse 
 quando a seduzida fosse virgem e menor de dezoito anos (a fls. 28 dos autos).
 Seguiram-se alegações, tendo o Ministério Público preconizado, em parecer, que 
 fosse tirado assento no sentido da decisão de 1970.
 Por acórdão proferido em 1 de Fevereiro de 1994, o pleno do Supremo Tribunal de 
 Justiça veio a julgar que as normas dos artigos 1860, alínea e), e 1864.º do 
 Código Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, 
 eram inconstitucionais por ofenderem, nomeadamente, o princípio da não 
 discriminação dos filhos nascidos fora do casamento, razão por que decidiu não 
 proferir assento, julgando, por isso, findo o recurso para tribunal pleno.
 Notificado neste acórdão, dele interpôs recurso o investigado C., nos termos do 
 artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional (a fls. 84 dos 
 autos); o qual foi admitido por despacho proferido em 7 de Março de 1994 (a fls. 
 
 85).
 
  
 
 2 — Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
 Apenas apresentou alegações o recorrente, pronunciando-se no sentido da 
 revogação do acórdão recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões:
 
  
 
 1 — O disposto nos artigos 1860.º e 1864.º do Código Civil, na redacção anterior 
 ao Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, não ofende qualquer preceito da 
 Constituição de 1975, nomeadamente os [artigos] 13.º, 36.º, n.º 4, e 33.º;
 
 2 — Na verdade, ao exigirem, em certos termos, a verificação de certos 
 pressupostos para a investigação da paternidade, na altura referida como 
 ilegítima, tais disposições não contendem com o princípio da igualdade 
 consagrado no artigo 13.º da Constituição nem com o princípio da igualdade de 
 tratamento dos filhos nascidos dentro do casamento e aos nascidos fora dele 
 estabelecido no artigo 36.º, n.º 4, da Constituição;
 
 3 — Com efeito, o disposto nos referidos artigos 1860.º e 1864.º, apenas trata 
 da prova que, de acordo com uma certa política legislativa, se exigia para o 
 estabelecimento da paternidade de filhos então chamados ilegítimos, isto é, 
 nascidos fora do casamento;
 
 4 — Ao estabelecer tais pressupostos não se estava a discriminar os filhos 
 nascidos dentro do casamento dos nascidos fora dele, uma vez que para os filhos 
 nascidos dentro do casamento não se justificava a exigência dos processos 
 indicados no artigo 1860.º;
 
 5 — Por outro lado, os citados artigos 1860.º e 1864.º não ofendem o princípio 
 consagrado no artigo 33.º da Constituição, uma vez que não interferem em nada 
 com os direitos a que o preceito constitucional se refere;
 
 6 — Não é de argumentar com a reforma operada através do Decreto-Lei n.º 496/77, 
 de 25 de Novembro, uma vez que as alterações relativamente ao disposto nos 
 artigos 1860.º e 1864.º, na primitiva redacção, não eram exigidas pelo artigo 
 
 293.º, n.º 3, da Constituição, sendo certo que, como resulta do próprio 
 preâmbulo do citado Decreto-Lei, através da reforma visou-se ir mais além do que 
 tal disposição constitucional exigia (a fls. 100-101 dos autos).
 
  
 Foram corridos os vistos legais.
 Por não haver razões que a tal obstem, impõe-se conhecer do objecto do recurso.
 
  
 II
 
  
 
 4 — Na versão originária do Código Civil de 1966, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 
 
 47 344, de 25 de Novembro de 1966, acolhia-se uma distinção basilar entre 
 parentesco legítimo e parentesco ilegítimo logo no artigo 1583.º do diploma: o 
 parentesco era legítimo «quando todas as gerações que formam a respectiva linha» 
 fossem legítimas nos termos fixados para a filiação legítima; era ilegítimo, 
 
 «quando em alguma das gerações» houvesse quebra da legitimidade do vínculo.
 O Código Civil de 1966 aceitava, assim, uma distinção a que ligava soluções 
 diversificadas: os parentes legítimos tinham uma posição privilegiada em 
 diferentes matérias, nomeadamente sucessórias, por comparação com os parentes 
 ilegítimos, que eram discriminados face àqueles, tal discriminação dos parentes 
 ilegítimos tinha a sua máxima expressão no direito sucessório: a concorrência de 
 filhos legítimos com ilegítimos à mesma sucessão não acarretava o afastamento 
 dos ilegítimos, mas implicava a atribuição de um quinhão inferior aos ilegítimos 
 
 (artigos 2139.º, 2140.º e 2158.º, n.º 2).  Na classe sucessória dos irmãos e 
 seus descendentes, na sucessão legítima, os irmãos e sobrinhos legítimos 
 preferiam aos irmãos e sobrinhos ilegítimos (artigos 2143.º e 2144.º).  E 
 idêntico critério se aplicava quanto ao chamamento à sucessão dos restantes 
 colaterais até ao sexto grau (artigos 2149.º e 2150.º). E, como explicavam Pires 
 de Lima e Antunes Varela, «os critérios de prioridade ou de tratamento 
 preferencial estabelecidos da sucessão legítima propagam-se, de certo modo, à 
 obrigação de alimentos, relativamente às pessoas abrangidas pela lista do artigo 
 
 2009.º, n.º 1, atento o disposto no n.º 2 deste artigo e no n.º 1 do artigo 
 
 2110.º [Código Civil Anotado, vol. iv, Coimbra, 1.ª ed., 1975, p. 26; os mesmos 
 comentadores indicavam a relevância da distinção no campo de organização do 
 instituto da tutela — artigos 1930.º, n.º 1, alíneas a) e b), 1952.º, n.os 1 e 
 
 3, e 1962.º].
 A Constituição de 1976 estabelece, no n.º 4 do artigo 36.º, que os «filhos 
 nascidos fora do casamento não podem por esse motivo, ser objecto de qualquer 
 discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações 
 discriminatórias relativas à filiação».  E depois de dispor, no n.º 1 do artigo 
 
 293.º que o direito anterior à entrada em vigor da Constituição se mantinha, 
 desde que não fosse contrário à Constituição ou aos princípios nela consignados, 
 estatuiu, no n.º 3 do mesmo artigo, que a adaptação ao direito ordinário 
 anterior atinente ao exercício dos direitos, liberdades e garantias consignados 
 na Constituição estaria concluída até ao fim da primeira sessão legislativa.
 Relativamente às matérias do direito de família e do direito das sucessões, a 
 adaptação do Código Civil à Constituição de 1976 foi levada a cabo pelo 
 Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro.  Este diploma começou a vigorar em 1 
 de Abril de 1978, por força do seu artigo 176.º estatuindo o artigo seguinte que 
 o mesmo não era aplicável às acções pendentes nos tribunais à data da sua 
 entrada em vigor.
 
  
 
 5 — Esta breve referência à evolução legislativa, quer no plano constitucional, 
 quer no plano do direito ordinário, nomeadamente quanto à sucessão de regimes 
 substantivos, destina-se a facilitar a rigorosa delimitação do objecto do 
 recurso.
 Consoante a matéria de facto provada nos autos, a recorrida nasceu em 14 de Maio 
 de 1959, tendo sido registada como filha ilegítima de B. e de pai incógnito.  A 
 mãe da recorrida investigante, por seu turno, tinha nascido em 7 de Janeiro de 
 
 1933, tendo sido admitida como criada de servir em Agosto de 1949 por aqueles 
 que viriam a ser os sogros do ora recorrente, tendo sempre pernoitado em casa 
 destes até dois meses antes do nascimento da investigante.  O réu, após o seu 
 casamento, passou a residir em casa dos sogros a partir de Agosto de 1950, tendo 
 começado a manter relações sexuais com a mãe da ora recorrida durante o ano de 
 
 1951, relações que se prolongaram, de forma regular, quase até ao nascimento da 
 investigante.  A mãe da recorrida era virgem e, sendo analfabeta e de condição 
 social humilde, era vulnerável às censuras dos patrões, nomeadamente do ora 
 recorrente.  Só por influência das palavras deste último e submissa por 
 natureza, consentiu em ter relações sexuais com ele durante o ano de 1951.
 A acção de investigação foi intentada em 12 de Abril de 1977, antes ainda da 
 publicação do Decreto-Lei n.º 496/77.
 
  
 
 6 — Neste quadro constitucional, legal e factual, o Supremo Tribunal de Justiça 
 desaplicou, com fundamento em inconstitucionalidade, as normas dos artigos 
 
 1860.º, alínea e), e 1864.º do Código Civil, na sua versão originária.
 De harmonia com a primeira dessas disposições:
 
  
 A acção de investigação de paternidade ilegítima só é admitida nos seguintes 
 casos:
 
  
 
 […]
 
              e)   Tendo havido sedução da mãe no período legal da concepção.
 
  
 Esta norma, porém, só é compreensível quando ligada à norma definidora do 
 regime, a do artigo 1864.º, que tem o seguinte teor:
 
  
 A sedução para o efeito da alínea e) do artigo 1860.º só é relevante se a mulher 
 era virgem e tinha menos de 18 anos no momento em que foi seduzida ou se o 
 consentimento foi obtido por meio de promessa de casamento, abuso de confiança 
 ou abuso de autoridade, quando notórios.
 
  
 Pode, assim, concluir-se que o objecto do presente recurso é formado pelas 
 normas conjugadas dos artigos 1860.º, alínea e), e 1864.º, 1.ª parte, do Código 
 Civil, na redacção originária deste diploma.
 
 7 — Começar-se-á por ver quais as razões por que foram julgadas 
 inconstitucionais as normas dos artigos 1860.º, alínea e), e 1864.º do Código 
 Civil pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão recorrido.
 No acórdão em apreciação faz-se uma resenha histórica das soluções vigentes a 
 partir do Código Civil de 1867, pondo-se em destaque o assento do Supremo 
 Tribunal de Justiça de 19 de Julho de 1966 (este assento estabeleceu que a época 
 de sedução, para o efeito do disposto no n.º 4 do artigo 34.º do Decreto n.º 2, 
 de 25 de Dezembro de 1910, não terminava necessariamente com a primeira cópula — 
 in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 159, p. 277) e a orientação diversa 
 adoptada nos trabalhos preparatórios do Código Civil e que passou para o texto 
 do novo Código.  E escreveu-se a seguir:
 
  
 Cremos, todavia, de rigor exagerado a tese assumida pelo acórdão-fundamento de 
 que para que se verifique a condição de admissibilidade em referência é 
 necessário que a mulher, menor de 18 anos e virgem, engravide com a primeira 
 cópula, pela comezinha razão de que, aquando das cópulas posteriores, já não é 
 virgem.
 Cabe perfeitamente na letra da lei o caso de a mulher, virgem, ter sido seduzida 
 antes dos 18 anos e, até essa idade, ter engravidado, seja ou não com a primeira 
 cópula, desde que o estado de seduzida se tenha mantido pelo menos até ao 
 momento da cópulas de que resultou a gravidez, ocorrida nos primeiros 120 dias 
 dos 300 dias que precederam o nascimento da investigante (a fls. 76 dos autos).
 
  
 Todavia, reconhecendo que esta interpretação desaprovava, manifestamente, a 
 adoptada pelo acórdão recorrido, embora não coincidente com a do 
 acórdão-fundamento, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que não se 
 justificava a revogação do acórdão recorrido, ao contrário do preconizado pelo 
 recorrente e pelo Ministério Público.
 Sem desconhecer que as normas da versão originária do Código Civil deviam, em 
 princípio, ser aplicadas ao caso sub judicio por força da regra de direito 
 transitório constante do artigo 177.º do Decreto-Lei n.º 496/77, escreveu-se no 
 acórdão em análise, depois de se transcrever o n.º 31 do preâmbulo do 
 Decreto-Lei n.º 496/77:
 
  
 Com efeito, com a entrada em vigor da Constituição de 1976, em 25 de Abril desse 
 ano (artigo 312.º, n.º 3), diversos preceitos do Código Civil — entre eles os 
 que estabeleciam pressupostos processuais ou condições de admissibilidade da 
 acção de investigação de paternidade — tornaram-se inconstitucionais, 
 nomeadamente por ofenderem os princípios consagrados nos artigos 13.º (princípio 
 de igualdade) […], 33.º (direito à identidade, ao bom nome e à intimidade) […], 
 
 36.º, n.º 4, (direito à não discriminação dos filhos nascidos fora do casamento) 
 
 […].
 Ora, como «os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e 
 garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e 
 privadas» — artigo 18.º, n.º 1, da Constituição de 1976 — terá o tribunal de 
 recusar, por inconstitucionalidade superveniente, a aplicação dos preceitos dos 
 artigos 1860.º e 1864.º (redacção primitiva), enquanto directamente ofensivos 
 dos princípios constitucionais referidos, nomeadamente o consagrado no artigo 
 
 36.º, n.º 4.
 No sentido da inconstitucionalidade superveniente do artigo 1860.º, do Código 
 Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 496/77, o acórdão deste Supremo 
 Tribunal, de 3 de Julho de 1986, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 358, 
 p. 535, e o citado neste aresto ao mesmo Tribunal, de 24 de Junho de 1980, no 
 Boletim, n.º 298, p. 332 (a fls. 77 e v dos autos).
 
  
 
 8 — Poder-se-á considerar que tal entendimento é constitucionalmente incorrecto, 
 como sustenta o recorrente?
 
 É o que passará a analisar-se de seguida.  Para tal, começar-se-á por descrever 
 o regime da acção de investigação de paternidade ilegítima na versão originária 
 do Código Civil de 1966.
 Nessa versão, na linha tradicional do direito português, estabelecia-se uma 
 distinção entre o estatuto dos filhos legítimos e o dos filhos ilegítimos.  
 Presumia-se legítimo «o filho nascido ou concebido na constância do matrimónio 
 da mãe, nos termos dos artigos 1736.º a 1798.º e salvo o disposto nos artigos 
 
 1803.º e 1804.º».  O estatuto da filiação legítima implicava menção dessa 
 qualidade no registo civil, regulando-se por isso, a forma e vindicação da 
 legitimidade (artigos 1807.º a 1814.º).  A impugnação da legitimidade era 
 admitida em termos muito restritos (artigos 1815.º a 1823.º).
 Relativamente à filiação ilegítima, admitia-se o reconhecimento do vínculo 
 através de três meios diferentes: a perfilhação, o reconhecimento oficioso e o 
 reconhecimento em acção de investigação (artigo 1825.º).
 Não curando da perfilhação, acto pessoal e livre de reconhecimento do vínculo, 
 importa dizer que o Código Civil acolheu um regime oficioso de reconhecimento, 
 inspirado na legislação dinamarquesa de 1937, considerando ser este o meio por 
 excelência de constituição do vínculo.  Admitia ainda, mas adoptando um regime 
 restritivo, a possibilidade de investigação judicial em acção especialmente 
 intentada para esse efeito, em prazos relativamente curtos (artigo 1854.º).  
 Relativamente à acção de investigação de maternidade ilegítima, o Código 
 considerou-a sempre admissível, sem estabelecer especiais pressupostos (artigo 
 
 1857.º).  Já quanto à investigação de paternidade ilegítima, o legislador de 
 
 1966 foi especialmente rigoroso: tornou esta acção dependente do reconhecimento 
 prévio da maternidade ou, pelo menos, do pedido conjunto do reconhecimento da 
 maternidade e da paternidade e, por outro lado, só admitiu a acção desde que 
 verificados algum ou alguns dos pressupostos previstos nas cinco alíneas do 
 artigo 1860.º, sendo certo que tais pressupostos eram considerados, quanto à 
 prova de paternidade, «como simples presunções de facto, cujo valor o tribunal 
 apreciara livremente, em conjunto com as demais provas produzidas, para formar o 
 seu convencimento acerca do mérito do pedido» (artigo 1866.º).
 Esta regulamentação legal tinha como fundamento último a distinção entre os 
 filhos «bem nascidos», fruto da relação matrimonial, e os filhos «mal nascidos» 
 de uniões não matrimoniais, estruturando-se numa opção de tratamento de 
 sistemático favorecimento aos filhos legítimos.  No dizer do autor do 
 anteprojecto da regulamentação do Código Civil, Gomes da Silva, a distinção 
 entre filhos legítimos e ilegítimos prendia-se «com um dos fenómenos mais 
 tristes da vida social, pois, mais do que em nenhum outro, nele se manifesta o 
 peso das faltas cometidas por uns, sobre a vida dos outros — sobre a vida de 
 inocentes que, por natureza, só deviam estremecer-se e beneficiar-se».  («O 
 Direito de Família no Futuro Código Civil», 2.ª parte, in Boletim do Ministério 
 de Justiça, n.º 88, p. 73).  E segundo ainda o mesmo civilista, o mal dos filhos 
 ilegítimos residia «fundamentalmente, na realidade, no vício de que enferma a 
 própria filiação, no vício de que são inquinadas as relações dos filhos 
 ilegítimos com os pais e destes entre si, vício que precisamente rouba a essa 
 filiação aqueles estímulos naturais que, muito acima da acção das Leis ou do 
 bem-estar económico, inspira nos pais legítimos a dedicação e o sacrifício, 
 necessários à defesa da prole» (mesmo estudo, mesma publicação, pp. 74-75).
 A partir destes pressupostos ideológicos, não é difícil compreender que o 
 legislador de 1966 privilegiasse a investigação oficiosa lata e obrigatória, 
 quanto aos recém-nascidos e procurasse «restringir sensivelmente a investigação 
 por meio de acção judicial por iniciativa privada» (Gomes da Silva, estudo cit., 
 p. 88).  Um especialista do direito da filiação, Guilherme de Oliveira, dá conta 
 da difícil concatenação do sistema da investigação livre da paternidade 
 envolvido no regime do reconhecimento oficioso adoptado pelo Código Civil com o 
 sistema limitativo acolhido no artigo 1860.º deste diploma.  Este sistema 
 limitativo «continuava a não dar satisfação plena ao direito de investigar os 
 vínculos biológicos e reconhecer juridicamente a paternidade.  O Decreto n.º 2 
 
 [de 25 de Dezembro de 1910] tinha fixado o elenco nas causas de admissão do 
 pleito e o Código de 1966, dentro do mesmo elenco, alargou as possibilidades de 
 investigar; porém, não cabiam dentro do sistema alguns casos chocantes que 
 mereciam tutela jurídica.  O lamento do Juiz Santos Silveira — ‘É confrangedor 
 ver a demonstração da filiação biológica ou real, mas a demanda improceder […]’ 
 
 […] — foi proferido em 1971, quando o sistema tinha atingido o máximo da 
 abertura (Critério Jurídico da Maternidade, Coimbra, 1983, p. 138).  E este 
 autor afirma ainda que, se não tivesse sido a intervenção do regime de 
 averiguação oficiosa, de eficácia comprovada, que diminuía o ensejo de se tornar 
 necessário a acção particular, teria sido maior a falta de coincidência entre a 
 filiação jurídica e a filiação biológica, mesmo com um sistema limitativo tão 
 atenuado como o de 1966 […]» (ibidem).
 
  
 
 9 — Após a Constituição de 1976, o Decreto-Lei n.º 496/77 introduziu profundas 
 mudanças na regulamentação legal da filiação, adaptando a lei civil à Lei 
 Fundamental.  Explicando o sentido das alterações, descritas minuciosamente no 
 preâmbulo daquele decreto-lei, escreve Guilherme de Oliveira:
 
  
 A acção de investigação da paternidade fora do casamento está hoje subordinada a 
 regras muito diferentes das que vigoravam antes da Reforma de 1977.  E as 
 modificações foram nitidamente influenciadas pelo mesmo espírito «biologista» de 
 que tenho exposto as consequências principais.
 A acção pode seguir dois caminhos: ou a pretensão se fundamenta em factos que 
 constituem a base de uma presunção legal — presunção que cede perante «dúvidas 
 sérias»; ou a pretensão se baseia na «coabitação causal» entre a mãe do autor e 
 o pretenso pai.
 O sistema português é original no contexto europeu recente: o direito francês 
 manteve «condições de admissibilidade» (apesar da alteração insólita que resulta 
 da lei de 25 de Junho de 1982, nos termos da qual o estabelecimento da 
 paternidade ou da maternidade pode fundar-se na mera prova, a todo o tempo, da 
 posse do estado);  O direito italiano abandonou as «condições de 
 admissibilidade» mas organizou um controlo preliminar de viabilidade; o direito 
 espanhol admitiu a prova livre mas exige um «princípio de prova»; os direitos 
 alemão e suíço presumem a paternidade contra o réu com base na mera prova de 
 coabitação.
 Julgo que o direito português é adequado às circunstâncias que baseiam a 
 presunção legal além de serem bem conhecidas da jurisprudência, estão carregadas 
 da probabilidade de o réu ser o pai — são mais expressivas do que a simples 
 prova da coabitação.  E no caso de se seguir o outro caminho (o da prova da 
 coabitação causal) não haverá receio justificado que reclame um juízo prévio 
 acerca da viabilidade ao pedido — a temeridade e a calúnia ficam guardadas pelo 
 regime geral da litigância de má fé que, aliás, tem uma tradição firme em 
 Portugal» («O Estabelecimento da Filiação.  Mudança recente e Perspectivas», in 
 Temas de Direito da Família, ob. colect., Coimbra, 1986, pp. 97 e 98).
 
  
 Referindo-se ao regime legal da investigação de paternidade acolhido nos novos 
 artigos 1869.º a 1873.º do Código Civil, decorrentes da alteração introduzida 
 pelo Decreto-Lei n.º 496/77, lê-se no ponto 31 do preâmbulo deste diploma:
 
  
 Na investigação judicial de paternidade, desaparecem os pressupostos de 
 admissibilidade da acção: passa a poder provar-se em qualquer caso a paternidade 
 do investigado.  Os pressupostos da investigação, tal como o Código Civil os 
 delimitava no seu artigo 1860.º, reaparecem, todavia, em boa parte, como 
 presunções de paternidade.  A prova que deles resulta pode no entanto ser 
 afastada por dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado (artigo 1871.º).
 
  
 Comparando os dois regimes de investigação da paternidade, o vigente entre 1967 
 e 1978, e o decorrente da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 496/77, outro 
 especialista do Direito da Família, Pereira Coelho, põe em destaque que o 
 princípio fundamental da versão originária do Código Civil era o da 
 proibição-regra da investigação da paternidade, ao passo que, na actual 
 regulamentação, o princípio é o da permissão-regra.  Até 1978, só 
 excepcionalmente podia ocorrer o reconhecimento judicial, ou seja, desde que 
 autor conseguisse fazer a prova de uma das circunstâncias previstas nas cinco 
 alíneas do artigo 1860.º, as quais funcionavam como pressupostos de 
 admissibilidade da acção.  O fazer-se a prova da filiação biológica não bastava, 
 sendo certo que a autonomia desses pressupostos «levava também a que a sua prova 
 não fosse considerada suficiente para que a acção procedesse, sendo sempre 
 necessário que o autor fizesse prova da filiação biológica, pois tais 
 pressupostos funcionavam não como presunções legais, mas sim como meras 
 presunções de facto» (Filiação, apontamentos de lições académicas revistas pelo 
 professor, Coimbra, 1978, policopiado, p. 113).  No dizer de Pereira Coelho, o 
 sistema em causa «era, pois, em ambos os aspectos [proibição-regra com 
 admissibilidade dependente de certos pressupostos; autonomia da respectiva 
 prova], injusto e criticáveis tendo levado a que a filiação jurídica se tivesse 
 afastado muitas vezes da filiação real» (ibidem).
 
  
 
 10 — No presente processo, não cabe fazer uma apreciação global do regime de 
 todo o artigo 1860.º (versão originária) do Código Civil, à luz do disposto no 
 artigo 36.º, n.º 4, da Constituição ou de outras normas constitucionais.
 Cabe apenas averiguar se o pressuposto de admissibilidade constante da alínea e) 
 deste artigo, tal como definido pelo artigo 1864.º 1.ª parte, viola ou não a 
 Constituição.
 A resposta do acórdão recorrido foi a de que tais normas violam a Constituição, 
 na linha de uma jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça.
 O recorrente, por seu turno, sustenta posição inversa, baseado nos seguintes 
 argumentos:
 
  
 
 — Não tem consistência argumentativa a invocação pelo acórdão recorrido do 
 preâmbulo do Decreto-Lei n.º 496/77 para dele extrair quaisquer ilações sobre a 
 inconstitucionalidade dos artigos 1860.º e 1864.º da versão originária do Código 
 Civil, visto que foi confessadamente assumido pelo legislador de 1977 que as 
 alterações introduzidas excediam em muito a mera adaptação do Código Civil à 
 nova Constituição;
 
 — A eliminação dos artigos 1860.º e 1864.º do Código Civil, na sua versão 
 primitiva, não decorreu de nenhuma imposição constitucional;
 
 — Estes artigos não ofendem princípios constitucionais básicos como o da 
 igualdade, ou da não discriminação dos filhos nascidos fora do casamento ou 
 outros direitos fundamentais (direito à identidade, ao bom nome e à intimidade), 
 conforme foi decidido por diversos acórdãos da Relação do Porto e um do Supremo 
 Tribunal de Justiça;
 
 — Os princípios sobre a prova para o estabelecimento de filiação, quer dentro do 
 casamento, quer fora deles sempre tiveram o seu tratamento nas leis ordinárias, 
 deles não cuidando as Constituições, incluindo a que se encontra em vigor, 
 limitando-se os impugnados artigos a estabelecer uma modalidade de prova 
 dirigida ou legal destinada a garantir a margem de segurança indispensáveis 
 segundo critérios legais, para o reconhecimento de paternidade.
 
  
 Importa ver se é procedente a posição crítica do recorrente, desde já se 
 chamando a atenção para duas notas prévias: por um lado, o recorrente invoca em 
 seu favor jurisprudência mais antiga dos tribunais superiores, posteriormente 
 desautorizada pela doutrina e jurisprudência; por outro lado, é, no mínimo, 
 temerário afirmar que a matéria de filiação não tem implicações constitucionais, 
 devendo ser regulada livremente pelo legislador ordinário.
 
 11 — No Código de Seabra, a investigação da paternidade era proibida, salvo nos 
 casos de escrito do pai, de posse de estado, de estupro violento e de rapto 
 
 (artigo 130.º).  Nos dois primeiros casos, havia actos de reconhecimento 
 voluntário por parte do possível progenitor. Nos dois últimos, o reconhecimento 
 da paternidade era admitido como justa punição do pai pelos ilícitos praticados.
 O Decreto n.º 2, de 25 de Dezembro de 1910 (Lei da Protecção dos Filhos), 
 acrescentou aos referidos pressupostos de admissibilidade mais dois: a sedução 
 com abuso da autoridade, abuso de confiança ou promessas de casamento e a 
 convivência notória (artigo 34.º).  No caso da sedução deveria coincidir «a 
 
 época do nascimento, nos termos indicados no artigo 1.º, com a época da sedução» 
 
 (n.º 4 do artigo 34.º), considerando a doutrina que tal requisito se revestia de 
 natureza sancionatória, punindo a culpa grave do sedutor, acrescendo que este 
 
 último, na medida em que procurara de forma tão culposa as relações sexuais, 
 deveria considerar-se como tendo contraído «para com a mulher, para com o filho 
 que daí fosse gerado, e até para a colectividade, a obrigação de tomar sobre si 
 a respectiva paternidade» (Manuel de Andrade, «Sedução com Abuso de Autoridade», 
 in Scientia Ivridica, ano iii, p. 35).
 A par da sedução qualificada e da convivência notória, o Código Civil de 1966, 
 na sua versão originária, admitiu como pressupostos de admissibilidade da acção 
 de investigação a sedução simples e o concubinato simples (alíneas c) e e) do 
 artigo 1860.º; artigos 1862.º e 1864.º).
 A jurisprudência aceitou, de um modo geral, nos primeiros anos em que vigorou a 
 versão originária do Código Civil na matérias que os pressupostos de 
 admissibilidade ou causas de investigação deviam ser entendidos como um modo de 
 prova legal, especial, cujo intuito visaria garantir a segurança de decisão 
 respeitante à maternidade.  São ilustrativos os passos de decisões dos tribunais 
 superiores transcritos pelo recorrente nas suas alegações.
 Neste quadro legal, tem sentido referir que a doutrina portuguesa se dividira, 
 na vigência do Decreto n.º 2, sobre o entendimento do requisito de sedução.  Uma 
 parte da doutrina e da jurisprudência inclinava-se para que a sedução se devia 
 
 «reportar exclusivamente ao acto sexual que determinou o desfloramento, ou, por 
 outras palavras, […] que a sedução é um facto e não um estado que se mantenha, 
 para efeitos da investigação da paternidade ilegítima».  A doutrina maioritária 
 e a jurisprudência a partir dos finais da década de cinquenta adoptaram um ponto 
 de vista menos restritivos considerando que o estado de sedução se devia 
 reportar «não apenas ao acto de desfloramento, mas às relações posteriores entre 
 o pretenso pai e a mãe do investigante» (F. A. Pires de Lima, anotação ao 
 acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 1964, in Revista de 
 Legislação e de Jurisprudência, ano 98, pp. 238 e 239).
 A orientação maioritária, especialmente representado por Alberto dos Reis, viria 
 a ser consagrada em assento em 1966.  A divergência jurisprudencial ficava 
 resolvida no sentido de que «a época da sedução, para o efeito do disposto no 
 n.º 4 do artigo 34.º do Decreto n.º 2, de 25 de Dezembro de 1910, não termina 
 necessariamente com a primeira cópula» (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 
 
 159, p. 279).  No dizer deste acórdão de 19 de Julho de 1966, poderia 
 considerar-se «corrente, de há muito, que o conceito de sedução envolve o estado 
 de espírito da mulher que consente em manter relações sexuais ilícitas pelo 
 engano a que foi levada por meios ardilosos ou fraudulentos usados pelo homem 
 para vencer o seu pudor natural».  E, mais à frente, o acórdão acolhia a opinião 
 de Alberto dos Reis, de que a sedução só deveria considerar-se como desaparecida 
 no momento em que a mãe do investigante «se viu abandonada e traída».
 Pires de Lima, na anotação já referida, em passo, aliás, reproduzido no acórdão 
 recorrido, dava conta de que o anteprojecto do futuro Código Civil — ao 
 estabelecer que a sedução só seria relevante para efeitos de investigação de 
 paternidade se a mulher fosse virgem e tivesse menos de dezoito anos na data em 
 que fora seduzida, artigo 1883.º, da 1.ª Revisão Ministerial — consagrava tese 
 oposta à por si sufragada, inspirando-se na posição preconizada por Lopes 
 Cardoso.  Referindo que tal orientação nova correspondia a um «claro propósito» 
 de restringir na matéria de fixação dos pressupostos de acção de investigação, 
 aliás traduzida em outras soluções que enumerava, o civilista de Coimbra 
 anunciava que tinha a intenção de propor ao Governo a eliminação dos requisitos 
 de sedução, dada a concepção puramente objectiva do projectado requisito na nova 
 lei (exigência de virgindade da mulher e de que ela tivesse menos de dezoito 
 anos à data da sedução): «dados estes requisitos, haja ou não abuso de 
 autoridade ou de confiança, justifica-se, em qualquer caso, a admissibilidade da 
 acção de investigação com base no acto criminoso […]» (in Revista, cit., p. 239, 
 nota 2).  De jure constituendo, este civilista não discordava da orientação do 
 Anteprojecto, por considerar perfeitamente compreensível «que, no caso de 
 sedução, se relacione apenas o pressuposto da acção com o acto ilícito inicial 
 
 (desfloramento) praticado no período legal da concepção, pois que, quanto às 
 relações posteriormente consentidas, os factos não diferem de quaisquer outros 
 no que respeita ao seu valor probatório […], e não têm, além disso, a natureza 
 ilícita ou criminosa do desfloramento» (mesma Revista, p. 240).
 A verdade é que tal proposta — a admitir que tenha sido feita — não foi acolhida 
 pelo Código Civil de 1966.
 
  
 
 12 — Por diversas vezes, teve o Tribunal Constitucional ocasião de precisar a 
 tutela constitucional do vínculo de filiação, contrariando, assim, a postura do 
 recorrente, acima posta em relevo.
 Fê-lo pela primeira vez no Acórdão n.º 99/88, onde julgou, embora com vozes 
 discordantes, não serem inconstitucionais as normas dos n.os 3 e 4 do artigo 
 
 1817.º do Código Civil, enquanto aplicáveis às acções de investigação de 
 paternidade por força do artigo 1873.º do mesmo diploma (nova redacção 
 resultante do Decreto-Lei n.º 496/77).  Pode ler-se neste acórdão:
 
  
 Não se afigura questionável que, seja do direito à integridade pessoal, e em 
 particular à integridade «moral» (artigo 25.º, n.º 1), seja do direito à 
 
 «identidade pessoal», pode e deve extrair-se um verdadeiro direito fundamental 
 ao conhecimento e ao reconhecimento da paternidade.
 De facto, a «paternidade» representa uma «referência» essencial da pessoa (de 
 cada pessoa), enquanto suporte extrínseco da sua mesma «individualidade» (quer 
 ao nível biológico, e aí absolutamente infungível, quer ao nível social) é 
 elemento ou condição determinante da própria capacidade de auto-identificação de 
 cada um como «indivíduo» (da própria «consciência» que cada um tem de si); e, 
 sendo assim, não se vê como possa deixar de pensar-se o direito a conhecer e ver 
 reconhecido o pai    — o direito de conhecer e «pertencer ao pai cujo é», para 
 usar a fórmula vernácula e expressiva do velho Assento do Supremo Tribunal de 
 Justiça de 22 de Julho de 1938 — como uma das dimensões dos direitos 
 constitucionais referidos, em especial do direito à identidade pessoal, ou uma 
 das faculdades que nele vai implicada (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 
 11.º Vol., pp. 795-796, com remissões para a obra já citada de Guilherme de 
 Oliveira).
 
  
 E, no mesmo acórdão, a maioria do Tribunal aceitou que as normas da lei civil 
 que estabeleciam prazos de caducidade curtos para o exercício do direito de 
 conhecer e reconhecer a paternidade, se configurariam como meras normas 
 condicionadoras do exercício do mesmo e não como verdadeiras restrições, 
 constitucionalmente proibidas.  Diferente, porém, foi o juízo então feito quanto 
 
 à constitucionalidade dos pressupostos de admissibilidade da acção de 
 investigação estabelecidos no artigo 1860.º da versão originária do Código 
 Civil:
 
  
 Que se trata de «condicionamento», e não de «restrições», resultará, antes de 
 mais, de em tais normas se não consignarem quaisquer condições «materiais» e 
 
 «permanentes» da admissibilidade da acção de investigação — como eram, essas 
 sim, as «causas de admissibilidade» da mesma acção mantidas ainda na versão 
 originária do artigo 1860.º do Código Civil —, mas tão-só uma condição 
 
 «temporal» dessa admissibilidade.  Na ausência de uma daquelas «causas», na 
 verdade, ficava a priori precludida a faculdade de investigar a paternidade, e 
 por isso podia afirmar-se que se estava perante uma «restrição» a essa 
 faculdade, é dizer, perante um encurtamento ou estreitamento do próprio 
 
 «conteúdo» do direito constitucional ao reconhecimento da paternidade: daí, pelo 
 menos, que tais causas de admissibilidade da acção de investigação hajam sido 
 abolidas na revisão do Código de 1977.  Já não acontece assim com a necessidade 
 da observância dos prazos para a propositura da acção, a qual de modo algum 
 fecha ab initio a possibilidade da investigação e o correspondente 
 reconhecimento do direito, e simplesmente contende, por consequência, com o 
 
 «exercício» deste último, obrigando a que o mesmo tenha lugar em certo tempo 
 
 (ob. cit., p. 799; sobre situações afins pronunciaram-se igualmente os Acórdãos 
 n.os 413/89, 451/89 e 370/91, o primeiro e o terceiro publicados no Diário da 
 República, II Série, n.º 213, de 15 de Setembro de 1989, e n.º 78, de 2 de Abril 
 de 1992, e o segundo nos Acórdãos, cit., 13.º Vol., Tomo II, pp. 1321 e segs.).
 
  
 
 13 — O Tribunal Constitucional renova o entendimento anteriormente perfilhado no 
 Acórdão n.º 99/88, considerando que não merece censura o acórdão recorrido.
 De facto, o direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da paternidade 
 
 — «direito à historicidade pessoal», no dizer de Gomes Canotilho e Vital Moreira 
 
 (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 179) — 
 só pode ser restringido nas condições estabelecidas nos n.os 2 e 3 do artigo 
 
 18.º da Constituição.
 Ora, a verdade é que a Constituição não prevê a possibilidade de restrição de 
 tal direito fundamental, de tal forma que o mesmo só pudesse ser exercido desde 
 que verificadas certas «condições materiais e permanentes», a saber, as 
 situações previstas nas diferentes alíneas do artigo 1860.º da versão originária 
 do Código Civil, com a consequência de que, fora dessas condições ou 
 pressupostos de admissibilidade, o direito fundamental deixaria de poder ser 
 exercido, ficando praticamente sem conteúdo, eliminado na sua consistência 
 prática.
 Mas ainda que fosse possível defender a conformidade constitucional desta 
 solução, as consequências do entendimento propugnado pelo recorrente levariam a 
 situações de profunda injustiça, verdadeiramente aberrantes: assim, se a mãe da 
 investigante tivesse engravidado em 1951, logo no início do relacionamento dela 
 com o recorrente, a autora recorrida veria o seu direito fundamental reconhecido 
 pelos tribunais; porém, e tal como no caso dos autos, em que provou que as 
 relações sexuais se prolongaram durante vários anos entre a mãe da investigante 
 e o recorrente, sem que entre eles houvesse convivência more uxorio, estava 
 irremediavelmente vedado à filha ver reconhecido o vínculo jurídico da filiação, 
 não obstante haver prova da filiação biológica.  Como se dizia no acórdão do 
 Supremo de 24 de Junho de 1980, através das restrições previstas nas diferentes 
 alíneas do primitivo artigo 1860.º do Código Civil «se vedava afinal a prova 
 fundamental que era a da paternidade biológica, fora do quadro por elas 
 estabelecido» (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 298, p. 334).
 Mas as críticas no plano da injustiça material, são irrelevantes nesta sede uma 
 vez que tudo se passa no plano da inconstitucionalidade: é que o legislador não 
 pode restringir permanentemente a possibilidade de alguém ver o seu direito 
 fundamental ao conhecimento ou reconhecimento da paternidade, só porque se não 
 verificam certos pressupostos típicos da investigação.  Daí que haja de 
 afirmar-se que as normas desaplicadas pelo acórdão recorrido violam seguramente 
 o disposto nos artigos 26.º, n.º 1 (33.º, n.º 1, da versão originária da 
 Constituição) e 18.º, n.os 2 e 3, da Lei Fundamental.  Esta afirmação não 
 implica, claro, que o legislador não possa estabelecer certas presunções quanto 
 a casos típicos da vida, como hoje ocorre no actual artigo 1871.º do Código 
 Civil.  Simplesmente, a circunstância de o autor não beneficiar de uma certa 
 presunção, não o impede hoje de ver o seu direito fundamental reconhecido pelos 
 tribunais, desde que cumpra o ónus de prova que sobre ele recai de demonstrar a 
 paternidade biológica.  Com este regime, deixou de ser incongruente o regime 
 vindo de 1966 de livre averiguação oficiosa da paternidade (artigos 1865.º, n.os 
 
 4 e 5, e 1868.º do Código, na versão vigente).
 
  
 
 14 — Conclui-se, assim, que os artigos 1860.º, alínea e), e 1864.º, 1.ª parte, 
 da versão originária do Código Civil de 1966 se tornaram supervenientemente 
 inconstitucionais a partir da entrada em vigor da Constituição de 1976, por 
 violarem, pelo menos, o disposto nos artigos 26.º, n.º 1 (33.º, n.º 1, da versão 
 primitiva da Constituição) e 18.º, n.os 2 e 3, da Lei Fundamental (neste 
 sentido, veja-se a crítica de Guilherme de Oliveira ao acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1978, em anotação publicada na Revista 
 de Direito e Estudos Sociais, ano xxiv, 1978, pp. 164 e segs., o qual considera 
 igualmente que estes preceitos violam os princípios de igualdade e de não 
 discriminação dos filhos nascidos fora do casamento; do mesmo autor, veja-se 
 ainda «O Direito de Filiação na Jurisprudência Recente», in Estudos em Homenagem 
 ao Prof. Doutor Teixeira Ribeiro, iii, Boletim da Faculdade de Direito, pp. 113 
 e segs.; por último, o acórdão do Supremo de 3 de Junho de 1986, no Boletim do 
 Ministério de Justiça, n.º 358, pp. 535 e segs.).
 III
 
  
 
 15 — Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional 
 negar provimento ao recurso, confirmando, em consequência, o acórdão recorrido 
 quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade.
 
  
 Lisboa, 5 de Dezembro de 1995. — Armindo Ribeiro Mendes — Antero Alves Monteiro 
 Diniz — Maria Fernanda Palma — Maria da Assunção Esteves — Alberto Tavares da 
 Costa — Vítor Nunes de Almeida — José Manuel Cardoso da Costa.
 
  
 
   
 
  
 
 (1)   Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 23 de Abril de 
 
 1996.