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Proc. nº 554/93          
 Plenário
 Rel. Cons. Monteiro Diniz
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam no Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I - O pedido e os seus fundamentos
 
  
 
             O Provedor de Justiça veio requerer, em 8 de Outubro de 1993, nos 
 termos e para os efeitos do disposto no artigo 283º, nºs 1 e 2, da Constituição, 
 que o Tribunal Constitucional aprecie e verifique o não cumprimento da 
 Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar 
 exequível a norma do artigo 52º, nº 3, na qual se consagra o direito de acção 
 popular.
 
  
 
             A fundamentação do pedido suportou‑se, no essencial, no seguinte 
 quadro argumentativo:
 
  
 
     '1º - A redacção da norma contida no artigo 52º, nº 3, da Constituição, teve 
 origem na II Revisão Constitucional, aprovada pela Lei Constitucional nº 1/89, 
 de 8 de Julho.
 
  
 
 2ª - A Revisão Constitucional de 1989, aparentemente, com a redacção do artigo 
 
 52º, nº 3, efectuou uma ordenação sistemática de todos os afloramentos do 
 direito de acção popular dispersos pelo texto constitucional.
 
  
 
      3º - Tal ordenação não é, contudo, inteiramente coerente, pois que, a par 
 do direito a uma verdadeira e própria acção popular, ficou contida naquele 
 preceito uma acção para a defesa de certos interesses difusos, entendendo‑se 
 estes como pretensões não subjectivadas de tutela de bens jurídicos.
 
  
 
      4º - Em qualquer destes sentidos, pese embora tratar‑se de uma disposição 
 preceptiva, aquela disposição carece de exequibilidade por si mesma, como logo 
 ficou assinalado na sua própria letra, ao remeter‑se para a lei a sua 
 concretização essencial.
 
  
 
      5º - Assim, não restarão dúvidas que a falta da interpositio legislatoris 
 compromete decisivamente a efectivação do direito de acção popular, não tanto 
 pela enunciação do seu âmbito, a qual resulta em boa medida do próprio texto 
 constitucional, mas pela necessidade de criar um regime adjectivo consentâneo 
 com os critérios de aferição da legitimidade processual activa resultantes da 
 acção popular.
 
  
 
      6º - A sua efectivação não deixará certamente de passar pela definição dos 
 poderes de intervenção do Ministério Público, pelo regime da intervenção de 
 terceiros e pela delimitação da extensão subjectiva do caso julgado em processo 
 de acção popular, bem como as garantias a introduzir em matéria de 
 contraditório, de sistema do ónus da prova e eventuais necessidades de 
 alargamento dos poderes de cognição do Tribunal.
 
  
 
      7º O direito de acção popular encontra desenvolvimento nos artigos 369º e 
 
 822º do Código Administrativo, respectivamente nas suas modalidades de acção 
 popular supletiva e de acção popular correctiva. 
 
  
 
      8º - Todavia, tais modalidades de acção popular estão confinadas à 
 Administração Local Autárquica e resumem‑se ao contencioso administrativo (no 
 caso do artigo 822º) e à defesa de direitos ou bens do corpo administrativo que 
 hajam sido usurpados ou de qualquer modo lesados (artigo 369º).
 
  
 
      9º - Por outro lado, em ambas as disposições se faz exigir uma relação 
 jurídico‑administrativa ao agente da acção popular, a qual se posiciona, de 
 todo, à margem do artigo 52º, nº 3, da Constituição. Com efeito, exige o artigo 
 
 822º do Código Administrativo que estejam em causa 'deliberações (...) tomadas 
 pelos corpos administrativos das circunscrições em que se ache recenseado, ou 
 por onde seja colectado' e o artigo 369º refere‑se, bem assim, ao contribuinte 
 que tiver domicílio há mais de dois anos na autarquia local.
 
  
 
      10º - Também a consagração de regras de legitimidade procedimental para a 
 protecção de interesses difusos pelo Código de Procedimento Administrativo, 
 aprovado pelo Decreto‑Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, em nada impedirá a 
 verificação da omissão constitucionalmente relevante de medidas legislativas 
 
 (cfr. artigo 53º, nº 2 e 3, do respectivo código).
 
  
 
      11º - Na verdade, a redacção do artigo 52º, nº3, da Constituição, oferece 
 garantia à legitimação abstracta também na fase procedimental administrativa, 
 mas de modo algum se esgota aí.
 
  
 
      12º - A vertente jurisdicional, isto é, o acesso às vias judiciárias à luz 
 do conteúdo daquela norma constitucional, está todo ele por concretizar, com 
 excepção dos mencionados preceitos do Código Administrativo de 1940, os quais 
 isoladamente significam uma restrição claramente intolerável do alcance do 
 disposto na Constituição em matéria de acção popular.
 
  
 
      13º - Dir‑se‑á, porventura, não existir uma omissão para efeitos do artigo 
 
 283º, nº 1, da Constituição, pelo facto de terem sido apresentados na Assembleia 
 da República dois projectos de lei, no decurso da presente legislatura -  
 projectos de lei nºs 21/VI e 41/VI, publicados no Diário da Assembleia da 
 República, II Série‑A, respectivamente, nº 8, de 18 de Dezembro de 1991 e nº 12, 
 de 15 de Janeiro de 1992.
 
  
 
      14º - Mas este argumento, no sentido de estar configurado um mínimo de 
 materialidade para a adopção de medidas legislativas adequadas, não deve obter 
 acolhimento.
 
  
 
      15º - Com efeito, o simples exercício de poderes de iniciativa legislativa 
 poderá revelar escassos resultados. Tal foi o caso dos projectos de lei nºs 
 
 465/V e 480/V, publicados no Diário da Assembleia da República, II Série‑A, nº 
 
 21, de 17 de Fevereiro de 1990, que vieram a caducar com o termo da legislatura, 
 por força do disposto no artigo 170º, nº 5, da Constituição.'
 
  
 
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 II - A resposta da Assembleia da República
 Ulterior seguimento do processo
 
  
 
             1 - Nos termos e para os efeitos do prescrito nas disposições 
 conjugadas dos artigos 54º, 55º, nº 3 e 67º da Lei do Tribunal Constitucional, 
 foi notificado o Presidente da Assembleia da República, que, na sua resposta, 
 produzida em 15 de Novembro de 1993, se limitou a oferecer o merecimento dos 
 autos.
 
  
 
             Depois de proceder a uma diligência instrutória junto do Presidente 
 da Assembleia da República, apresentou o relator, no dia 23 de Maio de 1994, o 
 respectivo projecto de acórdão que entrou em ordem de inscrição em tabela para 
 julgamento.
 
  
 
             E aí se propunha que o Tribunal decidisse no sentido de 'dar por 
 verificado o não cumprimento da Constituição por omissão da medida legislativa 
 prevista no artigo 52º, nº 3, necessária para tornar exequível o direito de 
 acção popular ali consagrado', e se desse, em consequência, 'conhecimento desta 
 verificação à Assembleia da República'.
 
  
 
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 III - A Lei nº 83/95, de 31 de Agosto
 
  
 
             1 - Entretanto, e antes de o Tribunal ter ensejo de apreciar e 
 decidir o projecto elaborado pelo relator, veio a ser publicada a Lei nº 83/95, 
 de 31 de Agosto, relativa ao 'Direito de participação procedimental e de acção 
 popular'.
 
  
 
             Esta lei resultou directamente de um texto de substituição elaborado 
 pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias - 
 havendo sido retirados todos os projectos de lei anteriormente apresentados 
 sobre a matéria, nomeadamente os já referidos Projectos de Lei nºs 21/VI e 41/VI 
 
 - vindo a ser aprovada por unanimidade, em votação final global, na sessão da 
 Assembleia da República de 22 de Junho de 1995 (cfr. Diário da Assembleia da 
 República, II série-A, nº 50, de 16 de Junho de 1995, pp. 808 e ss. e I série, 
 nº 90, de 22 de Junho de 1995, pp. 3067).
 
  
 
             Nela se contêm cinco capítulos, distribuídos por vinte e oito 
 artigos, nos quais se versam as matérias seguintes: Capítulo I (Disposições 
 Gerais), artigos 1º a 3º; Capítulo II (Direito de participação popular), artigos 
 
 4º a 11º; Capítulo III (Do exercício da acção popular), artigos 12º a 21º; 
 Capítulo IV (Da responsabilidade civil e penal), artigos 22º a 25º; Capítulo V 
 
 (Disposições finais e transitórias), artigos 26º a 28º.
 
  
 
             No âmbito das suas Disposições Gerais, a Lei nº 83/95, define os 
 casos e termos em que são conferidos e podem ser exercidos o direito de 
 participação popular em procedimentos administrativos e o direito de acção 
 popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções 
 previstas no nº 3 do artigo 52º da Constituição, considerando como interesses 
 nela protegidos, designadamente, a saúde pública, o ambiente, a qualidade de 
 vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o 
 domínio público (artigo 1º).
 
  
 
             Enuncia depois, que são titulares daqueles direitos quaisquer 
 cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos, bem como as associações e 
 fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior e outrossim as 
 autarquias locais em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na 
 
 área da respectiva circunscrição, enumerando os requisitos da legitimidade 
 activa das associações e fundações (artigos 2º e 3º).
 
  
 
             Regendo sobre o Direito de participação popular, abarca as seguintes 
 matérias: Dever de prévia audiência na preparação de planos ou na localização e 
 realização de obras e investimentos públicos (artigo 4º); Anúncio público do 
 início do procedimento para elaboração dos planos ou decisões de realizar as 
 obras ou investimentos (artigo 5º); Consulta dos documentos e demais actos do 
 procedimento (artigo 6º); Pedido de audiência ou de apresentação de observações 
 escritas (artigo 7º); Audição dos interessados (artigo 8º); Dever de ponderação 
 e de resposta (artigo 9º); Procedimento colectivo (artigo 10º); Aplicação do 
 Código do Procedimento Administrativo (artigo 11º).
 
  
 
             E, tocantemente ao Exercício da acção popular, prescreve uma 
 disciplina normativa a respeito dos temas seguintes: Acção procedimental 
 administrativa e acção popular civil (artigo 12º); Regime especial de 
 indeferimento da petição inicial (artigo 13º); Regime especial de representação 
 processual (artigo 14º); Direito de exclusão por parte de titulares dos 
 interesses em causa (artigo 15º); Ministério Público (artigo 16º); Recolha de 
 provas pelo julgador (artigo 17º); Regime especial de eficácia dos recursos 
 
 (artigo 18º); Efeitos do caso julgado (artigo 19º); Regime especial de preparos 
 e custas (artigo 20º); Procuradoria (artigo 21º).
 
  
 
             Por fim, para além do que se compreende no âmbito das disposições 
 finais e transitórias, o capítulo relativo à Responsabilidade civil e penal, 
 compreende: Responsabilidade civil subjectiva (artigo 22º); Responsabilidade 
 civil objectiva (artigo 23º); Seguro de responsabilidade civil (artigo 24º); 
 Regime especial de intervenção no exercício da acção penal dos cidadãos e 
 associações (artigo 25º).
 
  
 
             Tem-se por assegurado, à luz do exposto, que no articulado da Lei nº 
 
 83/95, se contém uma disciplina global, integrada e tanto quanto possível 
 completa do 'direito de acção popular' consagrado no artigo 52º, nº 3, da 
 Constituição, devendo dizer-se que, com a sua emissão, se deu cumprimento à 
 incumbência cometida ao legislador naquele preceito constitucional.
 
  
 
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             2 - E assim sendo, poderia eventualmente ter-se por verificada uma 
 situação de inutilidade superveniente com a consequente extinção da lide.
 
  
 
             Todavia, fazendo-se apelo ao princípio processual vasado no artigo 
 
 663º, nº 1, do Código de Processo Civil, segundo o qual a sentença deve 'tomar 
 em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito 
 que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo a que a decisão 
 corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão', 
 princípio este a que não pode deixar de se reconhecer o carácter de um 
 verdadeiro 'princípio geral do processo', válido para além dos limites da 
 incidência directa e imediata da lei civil adjectiva ( cfr. Acórdão nº 276/89, 
 do Tribunal Constitucional, Diário da República, II série, de 12 de Junho de 
 
 1989), não existe qualquer impedimento a que o Tribunal possa conhecer de 
 mérito, emitindo um juízo substancial sobre o quadro normativo com que agora se 
 acha confrontado.
 
  
 
             E tal juízo, na sequência da publicação da Lei nº 83/95, há-de ser 
 no sentido da não verificação de omissão legislativa relativamente à 
 regulamentação legal a que se reporta o artigo 52º, nº 3, da Constituição.
 
  
 
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 IV - A decisão
 
  
 
             Nestes termos, decide-se não ter por verificada a omissão das 
 medidas legislativas necessárias à exequibilidade da norma do artigo 52º, nº 3, 
 da Constituição.
 
  
 
             Lisboa, 15 de Novembro de 1995
 
                                     Antero Alves Monteiro Dinis
 Messias Bento
 Maria Fernanda Palma
 José de Sousa e Brito
 Maria da Assunção Esteves
 Alberto Tavares da Costa
 Vítor Nunes de Almeida
 Guilherme da Fonseca
 Bravo Serra
 Armindo Ribeiro Mendes
 Luís Nunes de Almeida